Páginas

sábado, 29 de novembro de 2008

O RESGATE...





Eram quase cinco e meia da tarde. O sol, começando a se por, dava ao céu um tom dourado, com nuances azuis e tons avermelhados, iluminando de forma especial a fuselagem prateada do avião. Sem nuvens para atrapalhar a luz, do alto da torre de comando da base, era possível de se admirar ao longe, a beleza de um jato Gloster Meteor F-8 da FAB, taxiando em direção à pista de decolagem. O pequeno jato bimotor ao chegar ao inicio da pista, preparou-se para decolar e com seus motores potentes, em instantes estava percorrendo a pista negra de asfalto, ladeada por duas filas de lâmpadas gêmeas, que aos poucos, com o aumento da velocidade, se transformaram em duas faixas continuas de luz amarela e brilhante. Ao atingir a metade da pista, o pneu da frente deixou de tocar o solo e em mais alguns instantes, os dois pneus da parte traseira também deixaram o chão e o avião agora leve e sem o atrito com o solo, deu um salto para frente, ganhando velocidade de voo. O sargento Eduardo tinha uma missão. Ele teria que levar o jato da Base Aérea de Canoas até o porta aviões Minas Gerais que navegava pela costa sul do Brasil, em missão de treinamento. Aquele dia, 26 de março de 1.974, iria marcar a vida do piloto daquele jato, de uma forma muito especial. Minutos após a decolagem, o F-8 com seus dois motores Rolls-royce Derwent 8, já atingia sua velocidade máxima de 949 quilômetros por hora, em uma subida vertiginosa, na direção do infinito azul do firmamento.
#
Naquela velocidade, em pouco tempo, ele iria alcançar o seu destino. Eduardo era um piloto jovem e para ele, não havia nada mais excitante do que voar. Aquilo estava em seu sangue porque seu pai havia sido também um piloto de aviões. Ele tinha paixão pela aeronáutica e sempre agradecia a Deus por ter lhe indicado a profissão certa. Sua vida era voar e quando pilotava um F-8, ele se realizava, pois o jato deslizava nos ares a uma velocidade absolutamente alucinante para a época no Brasil. A máquina possante que ele estava pilotando, era o orgulho da força aérea brasileira. Ele não conheceu seu pai, pois quando nasceu ele já havia morrido há alguns meses atrás. Desde pequeno, ele sempre perguntava à sua mãe porque todos os outros garotos tinham um pai e ele não. Sua mãe sempre lhe dizia que o seu pai tinha ido morar lá no céu. Os anos foram passando, ele foi crescendo, compreendendo melhor os fatos da vida, mas carregava em seu peito um enorme vazio. Ele sentia a ausência de seu pai, que ele aprendeu a admirar pelas coisas que lhe contavam a respeito dele. Muitas vezes, ele se sentia revoltado e mesmo tendo se tornado um homem adulto, guardava de seu velho uma mágoa profunda por ele o ter deixado, sem que ele pudesse ter tido a alegria de receber um abraço, ou um carinho dele. Inúmeras foram as noites em que ele sonhou que estava se encontrando com ele.
#
Em seus sonhos, ele não conseguia visualizar a fisionomia de seu pai. Eram sonhos estranhos que o atormentavam de vez em quando, mas o tempo como sempre não para. A vida segue seu rumo e agora, ele era também um piloto de aviões, exatamente como fora seu pai. Já em voo, numa altitude de assustar a qualquer um que nunca voou na vida, tudo que ele podia ver à sua frente, dos lados e acima de sua cabeça era um intenso azul marinho da noite, todo salpicado de estrelas, que havia acabado de chegar. As estrelas do firmamento daquela noite de céu limpo, totalmente sem nuvens, proporcionavam um espetáculo à parte. A luz que vinha delas era tão intensa e pulsante, que pareciam fogos de artifício explodindo nos céus. Antes de iniciar o processo de decolagem, Eduardo havia solicitado à Torre de Controle da Base Aérea a autorização para decolar. Seu rádio até então estava perfeito. Havia alguns chiados, mas era comum e ele não se preocupou. Por um longo período, ele não percebeu nada de anormal, tanto que enquanto falava com o controlador de voo da Base, para informar que iria mudar de faixa, para sintonizar outra e não mais iriam manter contato, a comunicação tinha sido perfeita. Já sobre o oceano atlântico, a 44.500 pés de altura, o F-8 voava como um raio, envolto pela imensidão do azul noturno do céu.
#
Enquanto Eduardo observava os instrumentos do painel de controle do avião, ele percebeu que a bússola estava agindo de uma forma incomum, e resolveu investigar melhor. Apesar do frio que estava sentindo, mesmo com seu uniforme especial e o capacete pressurizado, com o sistema de aquecimento funcionando a pleno vapor, Eduardo estava atento e preocupado com sua rota. Ele estava louco para poder aterrissar logo no Minas Gerais e reencontrar seus amigos, que já não via há uma semana. Quando a título de teste ele desviou o jato de sua rota numa guinada de 90 graus, a bússola endoidou de vez. Ela girava para todos os lados, imparcialmente, como se tivesse vontade própria e não quisesse apontar na direção certa. Eduardo ficou assustado, pois num voo noturno, um piloto sem uma bússola para lhe apontar a direção correta poderia entrar em maus lençóis. Quando quis fazer contato com o controle de voo do porta-aviões pelo rádio, ele percebeu que estava mudo. Como um piloto bem formado em inteligente, mudou a frequência de rádio, na esperança de que alguém o estivesse ouvindo, mas nada aconteceu.
#
Foi em vão. Estava mais do que provado, que havia algum defeito também no sistema de rádio e naquele momento ele percebeu a seriedade de sua situação. No escuro da carlinga, ele podia ver os instrumentos iluminados e cada um deles, era muito importante para a segurança, mas a bússola e o rádio, eles sim, eram vitais. Eduardo agora já não via mais as luzes das cidades lá embaixo. Tudo que ele via era o oceano com sua cor negra causada pela escuridão da noite. Sem rádio e sem bússola, tudo que ele podia fazer era cuidar para manter o jato voando em uma altitude constante graças ao altímetro que ainda estava funcionando e rezar para que sua intuição o levasse na direção certa, pois ou ele encontrava o Minas Gerais e pousava nele, ou iria acabar caindo no mar, o que seria seu fim, afinal, para um jato como o F-8, seria uma pancada e tanto ao atingir as águas do oceano. Seus tanques de combustível só tinham o suficiente para voar por mais 30 minutos e após isto, seria seu fim, em algum lugar do atlântico, sem ninguém para testemunhar o que iria acontecer.
#
Naqueles momentos de desespero, Eduardo pensou em seu pai. Em como ele teria sido mais feliz em sua vida se um dia ele tivesse tido a chance de abraça-lo, de sentir seu amor e sua proteção. Do fundo de seu coração, ele se arrependeu de ter um dia pensado que seu pai o havia abandonado no mundo para ir morar no céu. Naqueles instantes de tensão, ele estava voando a centenas de quilômetros por hora em direção a lugar nenhum. Em certo momento, ele resolveu perder altitude. Quem sabe voando mais baixo ele pudesse chamar a atenção de alguma estação de observação por radar e alguém viesse em seu socorro. Valia tentar de tudo, afinal ele estava perdido, sem saber que rumo tomar. Eduardo moveu o manche para frente, e seu jato iniciou a descida e em instantes ele logo estava voando bem baixo, num a velocidade muito menor. O tempo escorria como as areias da praia escorrem em nossas mãos. Com seu coração batendo rápido e sua mente já preparada para o pior por uns instantes, ele fechou os olhos e quando os abriu novamente, não pode acreditar do que viu. Voando ao seu lado, como que por milagre, havia um Ultramarine Spitfire!
#
Ele balançou a cabeça e pensou consigo mesmo, que só poderia estar sonhando. Contudo, lá estava ele, bem ao seu lado, iluminado pela luz da lua e ele era um exemplar maravilhoso. Eduardo havia ouvido falar sobre ele na escola de aeronáutica e sabia que tinham sido as grandes estrelas das batalhas no ar na década de 40. Ele leu um artigo que dizia que eles eram maquinas maravilhosas e possantes, equipadas com motor Rolls-royce Merlin V-12, que lhes conferiam um poder de alcançar velocidades e altitudes absolutamente fantásticas para os padrões daquela época. Mas como poderia ser aquilo? Como um Ultramarine poderia estar ali, sobrevoando o atlântico na América do Sul, mais precisamente, tão perto da costa brasileira? Mesmo sem entender nada do que estava acontecendo, ele viu que o piloto do Spitfire acenava com a mão para que ele o seguisse. Por instantes, ele imaginou que aquele poderia ser um colecionador de aviões raros, sem experiência suficiente, num voo louco noite adentro. Seu medo e a certeza de que iria morrer, o fizeram se apegar ao único socorro que estava ao alcance e então, ele resolveu atender ao pedido do piloto. Juntos, lado a lado, ele obedecia aos comandos manuais do piloto do Ultramarine. Faltava muito pouco para acabar seu combustível, mas ele não tinha outra escolha senão tentar. Eduardo ficou surpreso quando pode avistar em meio à escuridão a mata atlântica lá embaixo. Não havia luzes, nenhum ponto de referencia que ele pudesse usar para tentar um pouso, mesmo que fosse forçado. O piloto do Spitfire, ainda voando ao seu lado, fez um aceno apontando para baixo. Ele queria que Eduardo iniciasse uma descida. Eduardo acenou que não. Ele achava que iria simplesmente se arrebentar numa queda em meio à floresta, se o fizesse. O piloto do outro avião insistiu com tanta veemência, que ele não resistiu e começou a descer. Sem compreender o porquê de estar atendendo a instruções de um piloto que ele não conhecia, que pilotava um avião que já não estava mais em operação ha décadas atrás, ele se rendeu e começou a atender a todos os comandos que recebia dele.
#
De repente, lá embaixo, do meio do nada, duas faixas de luzes se acenderam bem à sua frente. Seu coração deu um pulo e sua mente se recusava a acreditar no que via. O desejo de viver, de poder pisar novamente em terra firme e rever sua velha mãe, o impulsionaram na direção delas. O Ultramarine Spitfire desceu com ele, até bem próximo da cabeceira da pista e de repente deu uma guinada para a direita, e desapareceu na escuridão. Em, segundos os pneus traseiros do F-8 da FAB tocaram o solo da pista e logo o pneu dianteiro também. Com uma velocidade ainda elevada para um pouso naquelas condições, ele percorreu a pista guiado unicamente pelas fileiras de luzes de suas margens, e o avião foi reduzindo gradativamente, até parar totalmente. O combustível de seu jato havia acabado exatamente enquanto ele percorria a pista no pouso. Transpirando, com a roupa encharcada grudando em seu corpo, ele abriu a carlinga do seu jato e tirou seu capacete. Quando olhou para baixo, bem à frente de seu aparelho, havia uma cratera enorme que poderia engolir seu avião, sem o menor problema, e o pneu dianteiro, isto sim o deixou mais impressionado naquele momento. Ele estava a poucos centímetros dela. Emocionado com a sorte que teve, ele passou a mão na testa e imaginou o que teria acontecido se depois de todo apuro que passou até encontrar ajuda, e pousar em algum lugar, seu avião tivesse sido engolido por aquele buraco. Com as pernas ainda bambas, ele viu dois faróis que se aproximavam de onde ele estava. Eram as luzes de um carro e quando ele chegou perto, Eduardo pode ver que era um velho Fusca.
#
O carro parou ao lado de seu jato e dele desceu um velho senhor. Ele mal podia caminhar direito e mancava com uma das pernas. Eduardo desceu de seu avião e quando o homem se aproximou dele, perguntou como foi que tinha chegado até lá, pois há muitos anos ninguém mais pousava naquela pista abandonada no meio da mata. Eduardo explicou o que tinha acontecido e o velho sorriu, dizendo que ele só poderia ter sonhado. Ele não quis levar a discussão muito adiante e perguntou se havia algum telefone naquele lugar, para que ele pudesse pedir para que o viessem resgatar. O homem disse que tinha um em sua velha casa, mas ficava do outro lado da pista e era melhor irem em seu Fusca até lá. Agradecendo a ajuda, Eduardo perguntou se não seria muito incomodo, se ele pedisse para tomar um banho, pois ele estava se sentindo mal com suas roupas ainda encharcadas pelo suor. O velho balançou a cabeça em sinal afirmativo e lhe disse que seu nome era João, e que teria muito prazer em ajuda-lo no que fosse possível. No caminho, ele lhe contou que vivia só em sua casa, que há muitos anos atrás, aquela pista era muito movimentada, com pilotos chegando e saindo a todo o momento, mas após a desativação dela pela aeronáutica, tudo lá tinha ficado ao léo, para apodrecer aos poucos, até o fim. Eduardo, apesar do susto que havia passado, ficou curioso para saber como as luzes da pista estavam acesas quando ele pousou e não resistindo, perguntou ao velho.
#
Com uma voz rouca e cansada, ele lhe disse que ele tinha sido o assistente de um dos melhores pilotos daquela base em sua época de ouro e que sabia como manejar tudo que havia lá, pelo menos, o que ainda estivesse funcionando. Disse ainda, que estava deitado em sua cama quando ouviu o ronco das turbinas de um avião e levantou-se o mais rápido que pode, para ver se conseguia ver algo nos céus. Não tendo conseguido ver nada e ainda ouvindo ao longe o barulho de um avião, ele resolveu acender as lâmpadas da pista, pois afinal, com toda a solidão em que vivia no meio do nada, não seria nada mau se alguém pousasse, lá só para variar. Quando o carro parou em frente à casa do velho homem, ele pode perceber que ela ainda estava bem cuidada e que seu proprietário, tinha o cuidado de manter tudo limpo e em condições de se viver dignamente. Ao entrar, eles foram para a sala de estar e o velho disse que iria pegar uma caneca com café bem quente, para aquecer um pouco. Nas paredes, havia fotos de muitos pilotos e aviões de todos os tipos, mas um deles lhe chamou a atenção. De pé, ao lado de um Spitfire, estava um homem jovem, alto, forte e com cabelos pretos. Ele usava uma jaqueta de couro, daquelas usadas pelos pilotos da época, e em sua cabeça, um capacete de couro, com um par de largos óculos usados pelos pilotos daquele tempo. Em seus lábios havia um sorriso alegre e confiante e aquela imagem de alguma forma, mexeu profundamente com seu coração. Aquele piloto não lhe era estranho. Pensando melhor, ele acabou por concluir que ele era o mesmo que pilotava o Ultramarine que o ajudou a chegar até lá, e pousar com segurança. Um feito e tanto, um milagre na verdade, considerando as condições precárias em que a pista se encontrava. Quando o velho retornou da cozinha com o café, Eduardo não pode esperar e perguntou se ele sabia quem era aquele piloto na fotografia, ao lado do Spitfire.
#
O velho se aproximou da foto pendurada na parede, e com lágrimas nos olhos, disse a ele que aquele tinha sido seu chefe. Que ele era o melhor piloto que já havia conhecido na vida. Um homem com um coração maior do que ele mesmo. Um ser humano que vivia para ajudar o próximo e que morreu ha muitos anos atrás, quando tentava ajudar outro piloto em apuros, perdido em alto mar. O velho lhe contou que por uma destas coisas do destino, uma falha mecânica fez com que seu avião explodisse no ar e que a luz da explosão, chamou a atenção de outros aviões que voavam pela região, que acabaram por ajudar o piloto em perigo a pousar em segurança, naquela mesma base. Algo dentro de Eduardo pedia que ele perguntasse ao velho qual era o nome do valente piloto que havia morrido fazendo aquilo que mais gostava de fazer na vida, que era voar e ajudar aos seus semelhantes. Entre um gole de café e outro, ele ouvia o bom homem contar estórias fantásticas a respeito de seu amado comandante, e num momento, o velho pronunciou o nome do piloto, dizendo que o Coronel Augusto Maya tinha sido enviado pela FAB para treinamento na RAF e que sua paixão eram os Ultramarines Spitfire, que lá conheceu na escola de aeronáutica. Eduardo engasgou com o café ao ouvir o nome do piloto e o velho teve que lhe dar vários tapas nas costas dele, para que se recuperasse. Quando ele pode pronunciar alguma coisa, as poucas palavras que ele conseguiu pronunciar, com lágrimas correndo livremente pela sua face, foram:
#
Ele era meu pai...
#
Eduardo naquela noite, num momento de total desespero, quando se sentia mais só e desprotegido do que nunca, foi resgatado da morte certa pelo seu pai, que atendeu seu pedido inconsciente de socorro, no momento em que mais precisava de ajuda, e ele pilotava finalmente um Ultramarine Spitfire, o avião que ele mais admirou, em toda a sua vida.
#
Autor: José Araújo
#

Fotografia: Gloster Meteor F-8 da FAB, o 1º jato da Força Aérea Brasileira

sábado, 22 de novembro de 2008

ALEM DA ETERNIDADE...



A expressão no rosto daquela velha senhora era de alguém que estava absorta em suas memórias. Parecia que seus pensamentos estavam a milhares de quilômetros de distancia. Na verdade, eles estavam bem ali, na sala de sua casa. Maria Alice estava com seus cabelos brancos, enrolados num coque no alto de sua cabeça, que cintilavam com reflexo causado pela luz do sol que penetrava pela vidraça. Ela estava sentada em sua poltrona em frente à janela. Como sempre o fazia, ela ficava lá, naquele mesmo lugar, observando o movimento da rua e relembrando seu marido que havia falecido ha pouco mais de um ano atrás. Muitas pessoas e carros já haviam passado em frente à sua casa, mas ela não havia percebido. Ela assistia mentalmente, como se fosse um filme, os fatos que aconteceram ao longo de suas vidas. Foram momentos maravilhosos que permanecerão para sempre em sua memória, em seu coração. Enquanto pensava nele, ela olhava vagamente pela janela em direção à rua.

Já se passavam das 14 horas e 15 minutos e em determinado instante, sua atenção foi desviada para o carteiro que colocava correspondências nas caixas de correio da vizinhança. Ela achou que para o horário, ele estava muito atrasado, porque normalmente, ele entregava as cartas pela manhã bem cedinho. Maria Alice se lembrou que era o dia dos namorados e era perfeitamente compreensível o atraso, pois o numero de correspondências mais do que duplicava e o trabalho do carteiro ficava mais difícil, afinal, nem todos os dias as pessoas recebem cartas, mas aquele era um dia muito especial. Ela viu quando ele desapareceu virando a esquina e relembrou os cartões, cartas e bilhetes apaixonados que recebia de seu marido, mesmo após anos de casados e uma lágrima rolou lentamente em sua face. João Carlos sempre foi um homem carinhoso e sabia como demonstrar o amor que sentia por ela. Ele sempre lhe proporcionava surpresas. Por vezes ela era surpreendida por flores que chegavam de repente. Outra hora uma caixa de bombons, ou um cartão onde ele dizia sempre ao final do que escrevia a frase “Eu te amo!". Quantas saudades dos tempos em que eles estavam juntos. Quantas dificuldades eles enfrentaram na vida, mas superaram a todas de alguma forma, graças ao amor que os unia.

De repente, ela viu uma Van estacionar em frente à casa de sua vizinha de frente. Era um destes veículos de entregas usados pelas floriculturas, e nele, havia um nome escrito nas laterais e ela pode saber a que empresa pertencia o veículo. O nome da floricultura era La Belle Fleur de Jour e embaixo do nome pintado em letras garrafais, havia a frase " Flores para todas as ocasiões.". Ela ficou imaginando, quem teria mandado flores para sua vizinha, afinal, ela era viúva como ela e morava sozinha. Até onde ela sabia, Rose sua amiga de anos e não tinha um namorado, não tinha nenhum pretendente e nem mesmo se preocupava com isto. Ela sempre dizia que era melhor estar sozinha do que mal acompanhada. Então, quem as teria enviado? Maria Alice se lembrou que sua amiga tinha uma filha casada, que morava longe. Talvez ela tivesse se lembrado da mãe e lhe enviado flores. Que filha gentil e atenciosa, ela pensou. Contudo, justamente naquele horário, Rose estava trabalhando e não haveria ninguém para receber a encomenda.

O rapaz da floricultura tocou a campainha varias vezes, mas como não obteve resposta, olhou para os lados, não viu nenhum movimento nas casas vizinhas e quando olhou em direção à casa de Maria Alice, pode perceber que as janelas estavam abertas e certamente, lá haveria alguém para que ele pudesse pedir para entregar a encomenda quando a dona da casa chegasse. Foi o que ele fez. Atravessou a rua com a caixa nas mãos e ela viu quando ele se dirigiu à sua porta e tocou a campainha. Ela se levantou com dificuldade da poltrona onde estava sentada e caminhou lentamente em direção à porta. Quando ele tocou pela terceira vez, ela já estava abrindo a porta para atende-lo. O rapaz educadamente perguntou a ela se poderia fazer a gentileza de receber a encomenda e entregar à sua vizinha e ela disse que sim. Que não haveria problema algum. Ele deixou a embalagem em suas mãos, agradeceu pela gentileza e se foi. Quando ela fechou a porta, da embalagem que estava em suas mãos emanava um perfume de rosas que tomou conta de seu ser. Abraçada à embalagem muito bonita e bem feita que escondia seu conteúdo, ela fechou os olhos e em sua imaginação, ela visualizou rosas amarelas, lindas e perfumadas. Eram assim as flores que João Carlos gostava de enviar a ela.

Uma vontade incrível de abrir a embalagem tomou conta de Maria Alice. A tentação era grande, mas ela sabia que não poderia fazer isto, afinal as flores eram para sua amiga. Ela não tinha o direito de abrir a embalagem. Com a caixa nas mãos, ela caminhou lentamente em direção à cozinha. Pelo caminho passou pela estante que ficava num canto da sala. Nela havia muitas fotografias e uma delas, colocada em um ponto estratégico, bem destacada entre todas as outras, estava a foto de seu marido. Nela ele sorria e era daquele sorriso, que ela mais sentia falta. Seu marido era a luz de sua vida. Um homem daqueles que não se encontram facilmente. Doce, suave, gentil, carinhoso e com uma sensibilidade, que a fazia se emocionar sempre que relembrava seu modo de ser. Ele era um escritor, um poeta, um sonhador. Uma daquelas pessoas que não se apegam aos bens materiais. Para ele, os sentimentos sempre vinham em primeiro lugar.

O perfume que saia da embalagem estava cada vez mais marcante no ambiente. Era como se de alguma forma, as rosas que estavam dentro dela, quisessem que ela a abrisse. Que visse a maravilha da natureza que estava oculta pela bela embalagem. Maria Alice em certo momento não se conteve. Ela foi até a mesa da cozinha e cuidadosamente abriu a embalagem. Dentro dela, como ela havia imaginado, havia um lindo buquê de rosas amarelas. Exatamente como seu marido gostava. Emocionada com a visão daquelas flores lindas e como que enfeitiçada pelo perfume, ela retirou o buquê e o segurou com toda a delicadeza em seus braços. Com os olhos fechados, sentindo aquele perfume encantador, ela pereceu ouvir uma música, era a mesma valsa que ela dançou com João Carlos no dia de seu casamento. A magia do momento era tanta, que ela começou a dançar a valsa com o buquê em suas mãos. Naquele momento de encatamento, ela se via nos braços de João Carlos. Os dois giravam em torno da pista de dança do salão. Sem que ela se desse por conta, ela dançava de lá para cá pela sala, pelo corredor que dava acesso à cozinha. Um sorriso doce e suave estava estampado em seu rosto e seu coração batia mais rápido. Era a lembrança de seu grande amor que a fazia flutuar nas brumas de suas recordações. Ela se sentia feliz como há muito tempo não se sentia desde que ele se foi. Uma alegria profunda se apossou de seu coração que até então estava triste e em plena solidão.

Já haviam se passado mais de duas horas e ela já cansada, com as pernas doloridas pelo tempo em que dançou abraçada ao buquê, havia se sentado na mesma poltrona em que estava quando a encomenda para sua vizinha chegou. Com os olhos fechados, ela imaginava o quanto seria bom se ele estivesse vivo e ainda ao seu lado. Foi então que a campainha tocou. Era Rose sua amiga. Maria Alice quando ouviu sua voz chamando do lado de fora, corou de vergonha. Como ela explicaria à sua vizinha que ela tinha aberto a encomenda que havia chegado para ela. Com o rosto pegando fogo, ela se levantou e caminhou devagar para atender a porta. Quando ela a abriu, sua amiga a abraçou e disse que estava exausta. Tinha trabalhado muito naquela manhã e só veio vê-la, porque foi avisada pela floricultura que sua encomenda tinha sido entregue na casa da vizinha de frente. Sem saber o que dizer a Rose, Maria Alice tentou falar alguma coisa, mas a amiga a interrompeu dizendo a ela que na verdade ela precisava mesmo era lhe dizer uma coisa muito importante, antes de mais nada. Sua amiga lhe disse que na verdade as flores eram para ela mesma. Que seu marido antes de falecer, já sabendo de sua morte inevitável por causa do câncer que o levou, pediu a ela que no primeiro dia dos namorados após a sua morte, recebesse algumas flores que ele previamente tinha comprado na floricultura, com instruções precisas para que fossem entregues, exatamente naquela data. Ele não queria que ela ficasse assustada e pediu a Rose que o ajudasse.

Sem parar de falar como era costume de Rose, ela disse a Maria Alice, que quem dera a ela ter tido a sorte de ter tido um marido como o dela. Um homem que a deixou amparada na vida, sem precisar trabalhar para sobreviver, e complementou dizendo, que não sabia até quando ela conseguiria trabalhar para pagar as contas, pois afinal, também já tinha uma idade avançada e logo precisaria parar. Somente Maria Alice e João Carlos sabiam da verdade. Durante toda a vida, o trabalho dele como escritor nunca trouxe grandes quantias de dinheiro a eles, muito pelo contrário. Por vezes, se não fosse por ela também trabalhar, poderiam ter passado grandes dificuldades, mas para eles, tudo que importava é que formavam uma equipe e quando as coisas apertavam, com muito amor, carinho e compreensão, tudo se ajeitava com o tempo. Sua amiga continuava falando sem parar, mas ela parecia não estar ouvindo mais nada. A emoção da surpresa tomou conta de seu ser de sua alma. Seu marido, seu querido e amado João Carlos havia se preocupado com ela mesmo antes de partir. Mesmo sabendo que não estaria presente naquele dia dos namorados ele quis que ela recebesse dele, seu ultimo buquê de rosas. Rose pediu para ver as flores e com um gesto quase mecanico, ela apontou para a mesa da cozinha.

Ela havia feito um lindo arranjo com as flores, no mesmo vaso em que ela colocava todas as flores que recebia de seu amor. Maravilhada com a beleza e delicadeza das flores, Rose a cumprimentou mais uma vez pela sorte que teve na vida, e apressada, disse que tinha que ir embora, afinal, tinha que preparar seu próprio jantar e mais tarde lavar toda a roupa suja do dia. As duas se abraçaram, Maria Alice agradeceu a Rose por ter se comprometido a lhe entregar as flores que seu amor havia encomendado. Rose saiu e Maria Alice fechou a porta atrás dela. Voltando-se em direção à cozinha, de longe ela podia avistar o vaso com as flores em cima da mesa. Uma luz incrível quase que celestial parecia estar iluminando as rosas. O perfume agora já havia tomado conta de toda a casa. Lentamente, ela caminhou até onde estava o vaso. Do lado dele, em cima da mesa, estava a embalagem em que as flores chegaram e só naquele momento, ela pode perceber que colado no papel havia um cartão. Tremula, ela abriu o envelope e nele, havia uma dedicatória de seu amor. João Carlos escreveu com a mesma caligrafia inconfundível uma pequena frase, mas que para ela representava tudo que ele foi em sua vida. “Para você sorrir e ficar feliz ao lembrar de mim meu amor, quando eu não estiver mais aqui". Um turbilhão de sensações e emoções a envolveu.

Um sentimento profundo de ser uma mulher realizada na vida e no amor se fez sentir em seu peito. Seu coração batendo mais forte, parecia entoar uma canção de amor com suas batidas. Sorrindo e chorando ao mesmo tempo, não de tristeza, mas da mais pura alegria, Maria Alice compreendeu que mesmo que ele não estivesse mais ao seu lado fisicamente, estava presente em espírito e ele estaria para sempre com ela. O amor que os uniu na vida, não acabou nem mesmo após a morte dele. Era um amor infinito. Um daqueles de que se toma conhecimento somente nos contos de fadas. Mas ele existia e estava presente dentro dela. Dentro de seu coração, de sua alma. Um sentimento sólido e real. Presente e pronto para durar, até o fim dos tempos e ainda continuar a existir, muito além da eternidade...


Autor: José Araújo

Fotografia: Quadro Yellow Roses – Pintura em Óleo sobre tela

Pintora: Edna Stubbs Cathell

Fotógrafo: José Araújo

domingo, 16 de novembro de 2008

BANDIT...



Quem olhava para ele, à primeira vista, tudo que se podia ver era que Bandit era um adorável cachorro vira-latas. Uma mistura de raças que deu origem a um belo animalzinho. Meio maluquinho de vez em quando, pois quando decidia correr atrás de seu próprio rabo, ele o fazia até ficar tonto de tanto rodar. No mais, era um animal curioso, brincalhão e bagunceiro como tantos outros. Tudo que ele mais adorava fazer, era ficar o dia todo indo de lá para cá, seguindo Maria Cecília sua dona, uma linda jovem de 18 anos, loira, de cabelos longos e cacheados, com um corpo escultural que fazia com que ela recebesse elogios de todos que a conheciam. Por onde quer que ela fosse, lá estava ele ao seu lado, e quando ela se ausentava por algum motivo, ele ficava com um olhar triste e só se alegrava, quando ela voltava para casa. Mas na verdade, ele não era um vira-lata como outro qualquer. Ele tinha um cérebro privilegiado e muitas vezes, sua dona ficava imaginando se ele não tinha algum tipo de poder telepático. Era comum acontecer de que quando ela tinha algo a dizer a ele, bastava que seus olhares se cruzassem e antes dela falar o que tinha a dizer, ele já atendia às suas ordens. Era como se ele soubesse o que ela queria que fizesse. Bandit tinha alguns comportamentos que para quem não o conhecia, pareciam estranhos. Ele gostava de subir no sofá da sala de estar que ficava bem em frente à TV e se sentava nele como se fosse gente. Ficava sentado sobre suas patas trazeiras, completamente ereto e com as patas dianteiras gesticulando como se quisesse dizer alguma coisa sobre um filme ou uma novela que estivesse vendo no momento. Sua orelhas atentas se mexiam conforme o grau de atenção que ele dispensava a um gesto, a um som ou uma frase dita por algum personagem. De vez em quando, ele olhava para quem estivesse sentado ao seu lado, com um olhar questionador, como se perguntasse à pessoa se ela estava entendendo o que ele queria dizer. Cecília, como os amigos a chamavam, quando presenciava uma cena assim ao lado dele, passava a mão em sua cabeça em sinal de entendimento, e ele balançava o rabo todo feliz.

Ele era um cachorro especial. Tinha um amor imenso por todos da casa, mas em especial por Cecília que era a pessoa que mais o compreendia e que mais lhe dava atenção, carinho e amor. Se alguma vez ela ficava doente, um tanto abatida ou tristonha, Bandit dava um jeito de chegar bem perto dela e a olhava direto nos olhos. Ele o fazia com um olhar tão doce e meigo, que ela sentia em seu coração, que ele realmente sabia como ela se sentia e que queria verdadeiramente vê-la bem, alegre e com saúde. Para Cecília, ele não foi, não era, e nem iria ser algum dia um cão comum. Para ela seu amado cãozinho foi um presente dado por Deus. Um daqueles seres que quando entram em nossas vidas só nos fazem bem. Ele era muito mais que seu animal de estimação. Bandit era seu amigo, fiel e verdadeiro, para qualquer situação e um dia, ela teve a maior prova de que estava certa quanto a isto e também quanto ao poder telepático que ele tinha. Cecília e sua família foram passar as festas de fim de ano num sitio à beira de uma estrada de terra, no interior de Sorocaba no estado de São Paulo e levaram Bandit com eles pois não tinham com quem deixa-lo por uma semana, ou mais. Depois de alguns dias, cansada de ficar na casa onde estavam, Cecília resolveu sair com seu amigo para um passeio a pé pelas estradas desertas do lugar. Após algum tempo de caminhada, ela e Bandit já haviam andado bastante. Estavam longe do sítio e o lugar ermo era um tanto assustador. Não se ouvia nada, apenas pássaros no meio do mato, grilos, besouros e cigarras cantando. O sol estava a pino e calor era sufocante. Ao passar por uma cerca coberta pela vegetação, eles se viram quase de cara a cara com um enorme touro. O susto foi grande, mas pareceu que o animal ficou tão assustado quanto eles dois. Bandit trocou alguns olhares com ele e o bicho se afastou para o meio do pasto que ficava do outro lado da cerca, e desapareceu. Foi então, que Cecília chamou Bandit para perto dela. Os dois sentaram-se à sombra de uma das arvores que beiravam a estrada. Ela estava cansada. Seus cabelos longos e louros com a alta temperatura a estavam incomodando. Ela estava suando e isto também a fazia se sentir desconfortavel. Com seu jeito sensual, ela os enrolou em um coque no alto de sua cabeça, encostou-se no tronco da arvore e quase adormeceu.

De repente, roncos de motor soaram ao longe e ela percebeu que se tratavam de motos. O barulho foi se aproximando e ela, logo pensou que era um grande perigo estar ali sozinha, sem nenhum acompanhante além de seu cachorro e rezou para que quem quer estivesse pilotando as motos fosse boa gente, se não, só Deus sabe o que poderia a acontecer. Quando ela pode avistar ainda de longe as motos em meio à poeira da estrada, ela percebeu que eram três rapazes jovens e cabeludos. Eles usavam roupas pretas de couro e botas de cano alto. Não tinham nada de confiável em suas aparências e seu coração começou a bater mais rápido. Bandit sentou-se ao lado dela e ficou imóvel, de orelhas em pé em sinal de prontidão. Cecília pensou consigo mas não falou, que seu cãozinho não seria de grande ajuda contra três brutamontes naquele lugar deserto. Eles estavam praticamente no meio do mato e sem esperança de passar alguém de carro para poder ajudar numa emergencia. Quando ela pensou nisto, Bandit virou-se para ela, como se tivesse lido seus pensamentos, olhou em direção aos motoqueiros e começou a rosnar. Quando os rapazes chegaram bem perto, pararam suas motos com um sorriso malicioso, olharam uns para os outros. Um deles perguntou a ela o que uma gatinha como ela estava fazendo sozinha naquele lugar. Cecília fingindo estar calma, respondeu que estava caminhando com seu cachorro e que seu pai estava vindo encontra-la e logo iria chegar.

Os rapazes se olharam e riram maliciosamente da resposta e um deles, passando a mão em suas partes intimas, perguntou a ela o que achava de uns beijinhos, de uns carinhos bem legais e se ela não estava a fim ter o prazer de conhece-lo melhor. Naquele instante, ela não desmaiou, mas foi por pouco. Ela sabia o que estava por vir e o que a esperava na mão daqueles três homens mal encarados e sedentos de sexo. Um milhão de pensamentos ruins passaram-se por sua mente. Ela naquele lugar, sózinha e sem nenhuma proteção efetiva, seria com certeza vítima de um estupro triplo. Quem iria impedir? Quem iria ajudar ? Ninguém ouviria nada. Ela poderia gritar o quanto quisesse. Eles nem sequer precisariam tampar sua boca para que ela não gritasse. Tudo aconteceria do jeito que eles quisessem, e no final, para ela, tudo estaria acabado. O medo tomou conta de Cecília. Ela começou a tremer. Não balbuciou nem mais uma palavra. Ela levantou-se devagar e tentou ir em direção ao mato, mas um dos rapazes a impediu. Ele foi mais rápido e se colocou em sua frente. Bandit latia ferozmente, mas para um cachorro de pequeno porte como ele, enfrentar três caras como aqueles, seria suicídio. Eles o matariam com uma só paulada. Contudo, ele precisava defender a sua dona e continuava a latir ,tentando intimidar os três homens.

Enquanto isto, os outros dois que estavam ainda perto das motos, já estavam tirando as calças e Cecília vendo aquilo, queria morrer para não ter que passar pelo que ela sabia que estava por vir. De repente, Bandit debandou em disparada pelo meio do mato. Cecília pensou que ele estava fugindo. Que seu melhor amigo a estava abandonando, e pior, na hora em que ela mais precisava de ajuda. Ela sentiu que para ela tudo estava perdido. Que não havia mais nada a fazer, senão, lutar com eles até morrer. O rapaz que a havia cercado quando ela tentou fugir para o mato a segurou pelos braços. Ele a abraçou pelas costas e muito excitado estava se esfregando nela com toda a sua força. Cecília se debatia desesperadamente, tentando se libertar das garras daquele homem nogento. Os outros dois já completamente nús, riam do desespero de Cecília e foram se aproximando dela cada vez mais excitados. Tudo ia acontecer e ela pedia a Deus mentalmente, que ele não a deixasse passar por aquilo. Que de alguma forma, ele a poupasse daquela desgraça e ela pensou em Bandit. Se pelo menos seu cão fosse um Pit Bul , um Doberman, ou um Pastor Alemão, ele poderia tê-la ajudado a sair daquele sufoco.

Mas não, ele não era nada disto!

Seu cãozinho era uma mera mistura de raças, um simples vira-latas. Apenas um animal com uma capacidade telepática diferente e incomum ,que os outros cães não tinham. A cada segundo que se passava, o desespero era maior. Os homens já estavam passando suas mãos asquerosas por todo o seu corpo. Ela gritava e se debatia, mas quanto mais ela gritava, mais eles ficavam excitados. Foi então, quando um deles tentava baixar o short jeans de Cecília com toda violência, se preparando para estupra-la, que algo inesperado aconteceu. Do nada, como uma trovoada repentina, do meio do mato, derrubando a cerca de madeira que separava o pasto da estrada, surgiram quatro touros furiosos que avançaram em direção ao ponto onde Cecília e os rapazes estavam. Ao ver aqueles enormes animais, com chifres imensos e pontudos, mugindo e vindo em direção a eles, os homens a soltaram e correram para detrás das arvores que havia no local. Cecília pensou que era um sonho, mas não era. Os quatro touros pararam a poucos metros de onde ela estava caída. Eles se voltaram em direção às arvores onde estavam escondidos os rapazes e na mais perfeita formação, como se formassem um batalhão de choque, lá eles ficaram, parados, bufando, balançando suas cabeças e batendo os cascos no chão em atitude ameaçadora, e na frente deles, ela mal pode acreditar. Lá estava ele, o pequeno Bandit. Ele latia com toda a força e de vez em quando, olhava para Cecília, como se quisesse dizer que ela agora estava salva. Depois olhava para os homens, como se quisesse dizer a eles, que agora ele queria ver se eles iriam ter coragem de se aproximar novamente de sua amiga.

Aquela cena que mais parecia uma cena de filme de Walt Disney, durou alguns poucos minutos. Os rapazes correram em disparada para suas motos, mal tendo tempo de recolher suas roupas que estavam caidas no chão e fugiram assustados. Os touros onde estavam, eles ficaram. Não se movimentaram nem sequer um milímetro de sua posição de defesa. Quando os bandidos já estavam longe, fora das vistas, Bandit parou de latir, foi até sua dona que a estas alturas estava sentada no chão, com as roupas rasgadas e chorando. Ele chegou bem pertinho dela, colocou suas patas dianteiras em seu peito e lambeu sua face molhada de lágrimas. Cecília o abraçou e naquele momento, ela não sabia o que dizer. Não sabia como agradecer a ele pelo que tinha feito por ela. Seu amigo, seu amado cãozinho vira-latas, a tinha salvo de morrer, ou no mínimo, de acabar estuprada por aqueles treis motoqueiros, bêbados, mal cheirosos e mal encarados. Ela não reparou a princípio, mas os Touros não tinham ido embora. Agora eles estavam olhando para ela e para Bandit. Eles estavam tão calmos, que parecia que tinham acabado de chegar e nada de mal estivesse acontecendo.

Bandit saiu de perto de Cecília e foi até onde estavam os quatro Touros e como se estivesse conversando mentalmente com eles, o pequeno cãozinho parava em frente de cada um deles, olhava em seus olhos e o imenso animal balançava a cabeça em sinal de afirmação. E assim foi. Um após o outro. Ela assistia aquela cena fascinada. Bandit parecia estar agradecendo a eles, dizendo que agora estava tudo bem e que eles poderiam voltar para o pasto onde era seu lugar. Um a um, lentamente eles foram andando e entram pelo mesmo lugar de onde saíram na cerca que eles haviam arrombado. O pesadelo acabou, mas ela podia até jurar que viu uma troca estanha de olhares entre Bandit e os Touros quando eles estavam indo embora. Cecília se arrumou o melhor que pode. Pegou Bandit no colo e caminhou em direção ao sitio. De volta ao lar. De volta à segurança do seio de sua família. Quando lá chegou, todos já haviam almoçado e tinham saído em grupo para pescar. Cecília entrou em casa, tomou um banho, trocou de roupas e apesar de tudo que tinha acontecido, ela estava com fome e resolveu almoçar. Bandit também deveria estar com forme e quando ela pensou que iria dar um pouco de lasanha ao seu melhor amigo, mesmo antes dela fazer qualquer movimento indicando o que iria fazer, Bandit já estava em frente ao fogão, sentado sobre as patas traseiras e com as dianteiras, ele fazia sinal de que queria algo que estava num lugar bem acima de sua cabeça. Sobre a boca do fogão, exatamente para onde Bandit apontava com sua pata dianteira, e olhava ansioso, estava uma travessa cheia de lasanha. Cecília sorriu para ele. Bandit lambeu os beiços e balançou seu rabo.

Ela colocou lasanha em seu prato e tambem na vasilha de Bandit. Os dois foram para a sala e sentaram no tapete em frente à televisão. Enquanto Bandit comia sua lasanha, ele parava de vez em quando. Olhava para TV. Levantava suas orelhas, balançava seu rabo e olhava para Cecília. Ela olhava para ele com carinho e balançava a cabeça como se estivesse entendendo o que se passava em sua cabeça. Naqueles momentos, ela se sentiu a garota mais abençoada deste mundo. Deus não só havia lhe dado a responsabilidade de tratar, cuidar, dar carinho, amor e alimentar um animalzinho. Ele deu a ela, um verdadeiro amigo, mas não um amigo qualquer. Um amigo muito especial, com inteligência própria e poderes telepáticos, muito além do que é aceito pela ciência dos homens. Isto porque supostamente, de acordo com o que o homem diz, tão convencido e cheio de si, qualquer outro animal que não seja ele, é um ser irracional...


Autor: José Araújo

Fotografia:Vira Latas - Fotógrafo: José Araújo

domingo, 9 de novembro de 2008

LEMBRANÇAS DE PÓS PARTO...



Chovia lá fora e Noemi estava apreciando a paisagem úmida e acinzentada da janela de sua casa. Naquela noite, eles completariam 40 anos de casados. Ela relembrava de quando seu primeiro filho nasceu. De tudo que aconteceu, ha muito tempo atrás, logo após seu primeiro parto. Havia em seus lábios um sorriso, enquanto ela pensava que se alguém lhe perguntasse como havia sido, ela poderia dizer que logo após chegar em casa da maternidade, ela e seu marido, ficavam sempre juntinhos, sentados no sofá da sala de estar, vendo e ouvindo através da enorme janela, a chuva que caia lá fora e tambem que eles ficavam trocando carinhos, como dois pombinhos, como dois eternos apaixonados. Sem perceber, ela dá uma risada gostosa e diz a si mesma, que ela poderia muito bem dizer isto tudo que acabou de pensar, mas seria uma grande mentira. Quando seu bebê veio ao mundo, era época de chuvas, o céu era constantemente acinzentado, nuvens pesadas pairavam nos céus, isto quando não caiam enormes tempestades que inundavam toda a cidade. Todo este cenário, contribuiu e muito para o péssimo estado de humor do casal. Seu marido e ela oscilavam entre a extrema alegria de ver seu bebe cheio de vida e saúde, e a devastação e frustração que era não ter tempo dormir, muito menos para que se dedicassem um ao outro. A cada dia que se passava, o dialogo dos dois parecia menos com uma sonora conversa entre dois passarinhos apaixonados e mais e mais se parecia com o latido de dois cães, prontos para se atracar em uma briga feroz. O tempo passou muito rápido. Acabou a licença maternidade e ela teve que voltar a trabalhar. Noemi teve que deixar seu bebe na creche da empresa onde trabalhava.

Uma avalanche de sentimentos e sensações tomou conta dos dois. Ela se sentia incompetente, gorda e feia. Ele se sentia culpado por ela ter que deixar o bebe numa creche e ter que ir trabalhar. No corre, corre do dia a dia, mal trocavam algumas palavras. Pela manhã um rápido beijo de bom dia e à tarde, quando chegavam em casa, mal se falavam. Tinham outras coisas a fazer. A cada segundo crescia mais neles o desejo de que pudessem dar mais atenção um ao outro e a carencia afetiva ia aumentando como tinha que ser. A situação estava cada vez mais difícil, eles faziam de tudo para superar, mas no olhar de cada um deles havia uma sombra de tristeza. Era como se a luz do amor que os uniu estivesse se esmaecendo. Certa vez, depois de um daqueles dias onde tudo parece dar errado, ela se deitou na cama ao lado de seu pequeno filho e mesmo exausta, ela ficou admirando seu rostinho de anjo, seus dedinhos tão pequenos, tão frágeis. Ele tinha ume pele macia e aveludada. Suas bochechas eram levemente rosadas e quando ele sorria, formavam-se duas covinhas, uma de cada lado de seu rosto. De tão cansada que estava, ela acabou adormecendo enquanto seu marido esperava pacientemente encostado na porta do quarto que ela se levantasse, para que eles pudessem continuar um assunto que havia começado uma semana antes. Mesmo adormecida, ela podia sentir sua presença no quarto. Em determinado momento ela abriu os olhos, viu quando ele se dirigiu à poltrona que ficava ao lado da cama e se sentou. Noemi fez um esforço para falar com ele, mas o cansaço era tanto, que ela adormeceu de vez. Horas depois ela acordou com o choro do bebe que certamente estava querendo mamar. Julio seu marido continuava sentado na poltrona, mas em sono profundo.

Após dar de mamar ao bebe e vê-lo ficar novamente feliz e satisfeito, ela fez com que ele arrotasse e o colocou em seu berço para dormir. Noemi percebeu que estava com sede e foi em direção à porta do quarto para ir pelo corredor até a cozinha. Ao abrir a porta, do lado de fora dela, estava pendurado um bilhete que dizia: Eu te amo, porque você é a minha família! Ao ler aquelas palavras sua respiração quase parou. Ela seguiu pelo corredor e no aparador um pouco mais à frente, havia outro bilhete que dizia: Eu te amo porque você é minha razão de viver! Nos próximos minutos, quase uma hora contados no relógio, ela andou de um lado para o outro em sua casa, encontrando outros bilhetes de seu marido que ela segurava com todo carinho em suas mãos. Na geladeira havia um que dizia: Eu te amo porque você me faz sorrir!. No espelho do banheiro, havia um que dizia: Eu te amo porque você é linda! Em cima da pasta onde ela carregava seu material de trabalho, havia outro que dizia: Eu te amo porque você é minha professora! Em vários lugares da casa havia bilhetinhos com todos os tipos de elogios. Eu te amo porque você é engraçada! Eu te amo porque você é inteligente! Eu te amo porque com sua criatividade, você me faz sentir que se eu realmente quiser, eu posso fazer qualquer coisa! Ela não se cabia de contentamento. Estava tão feliz que seu desejo era voltar correndo para o quarto, para abraçar e beijar seu marido que ela tanto amava e quando ela o fez, ao entrar lá, ela viu que havia um outro bilhete, em cima da penteadeira e este bilhete dizia: Eu te amo, porque no dia de nosso casamento, você disse sim!

A atitude dele, do homem que ainda dormia largado naquela poltrona, tão exausto quanto ela, fez com que seu coração ganhasse uma nova vida. Ele a fez compreender que ela era a pessoa mais importante em sua vida. Que seu amor não iria mudar por causa de todo o stress que tanto os atormentava naqueles tempos. Foi uma atitude inebriante, emocionante, que fez com que aquele amor que ela achava estar se apagando, revivesse dentro dela com toda a força. Depois de noites e noites sem dormir direito, ela se sentiu de volta à alegria de viver, ao contentamento de estar ao lado de seu marido no dia a dia. Noemi, ainda com todos os bilhetes em suas mãos, ficou parada olhando seu marido dormindo na poltrona e duas lágrimas de felicidade, rolaram lentamente de seus olhos. Ela se aproximou de onde ele estava. Não havia lugar para os dois numa poltrona tão pequena, mas Noemi sentou-se num dos braços dela, passou a mão em volta do pescoço do homem que ela amava tanto, aconchegou-se, e lá ela ficou, até que ele despertou. Quando ele abriu os olhos, ia dizer alguma coisa, mas ela colocou do dedo em seus lábios, como sinal de que não era para dizer nada. Suavemente ela se inclinou e deu a ele um beijo, suave, longo e apaixonado. A magia do momento transformou tudo como que por encanto. Palavras não eram necessárias naquele momento. Eles ficaram em silêncio. Um olhando nos olhos do outro, e assim foi por um longo tempo. Daquele dia em diante, a vida dos dois mudou para melhor. Noemi e seu marido tiveram outros filhos, outros momentos de pós parto se sucederam, mas eles já não eram os mesmos, eles cresceram juntos e envelheceram juntos. Seus filhos se casaram e vieram os netos.

Para Noemi e seu marido, a correria começou de novo. Mas o amor deles nunca esteve mais forte. As lembranças, as recordações daquela época, eram para eles um grande tesouro. Desde aqueles tempos dificeis ha tanto tempo atrás, eles mudaram, aprenderam vivendo e se tornaram pessoas melhores. Foram capazes de enfrentar e superar qualquer situação que surgisse no caminho do casal e por mais difícil que ela fosse, jamais deixaram morrer dentro deles, aquele amor sublime que os uniu para todo o sempre.


Autor: José Araújo


Para ilustrar o conto utilizei a foto do quadro em óléo sobre tela: Mother and Child de 1889

Pintora: Mary Cassatt

domingo, 2 de novembro de 2008

PORTO SEGURO...



Alberto havia sido casado e viveu feliz por vinte anos com sua esposa Andréia e seus três filhos, Luiz, Érica e Denis, que foram fruto de um amor intenso que preencheu suas vidas desde o inicio. O destino como sempre traz surpresas que muitas vezes modificam as nossas vidas de forma intensa e na maioria das vezes não estamos preparados para s conseqüências destas mudanças. Repentinamente Alberto perdeu sua esposa e dois filhos Luiz e Érica num acidente de automóvel e sua vida mudou drasticamente levando-o a perder o interesse pela vida e toda a autoconfiança que ele sempre teve. Já havia se passado quase um ano do trágico acidente que levou para sempre seus amados entes queridos e nada parecia melhorar, não conseguia se concentrar no trabalho e quando chegava em casa à noite seu mundo se resumia ao seu quarto em longas noites de insônia e tudo que fazia era chorar, havia sempre um vazio muito grande e uma inanição que o consumia a ponto de não se importar com Denis seu filho de doze anos, para ele era como se ele não existisse e não conseguia aceitar ou compreender a perda que haviam sofrido. Alberto havia contratado uma pessoa para cuidar de Denis para que não precisasse se preocupar com nada e nem mesmo tinha vontade de estar junto ao seu filho, nunca ao menos pensou que ele poderia estar sofrendo tanto ou mais que ele e precisando do amor e apoio do pai. Já era dezembro e as férias começaram, Denis teria que ficar em casa a maior parte do tempo aos cuidados da empregada que cuidava dele e Alberto teve suas férias do trabalho antecipadas.

Neste ponto a perspectiva de ficar sob o mesmo teto que Denis deixou Alberto apavorado, pois tinha consciência de que não haveria diálogo, que não poderia encarar seu filho de frente, era como se inconscientemente ele soubesse que havia negligenciado os sentimentos de Denis. Tudo o que queria era ficar só, apenas com sua dor e suas lembranças de um passado feliz que jamais iria voltar. Foi ai que Alberto resolveu alugar uma casa na praia e o que imaginou foi uma praia pouco habitada onde pudesse ter sua solidão garantida e onde pudesse levar a empregada para cuidar de Denis e leva-lo a passear a beira mar, assim ele não precisaria ficar pessoalmente com o garoto. Após muita procura, conseguiu uma casa numa praia muito sossegada, onde havia poucas casas e a maioria dos proprietários não moravam lá, apenas as utilizavam em períodos de férias para descanso. Saíram de São Paulo numa sexta feira à noite e chagaram ao litoral pela manhã após uma longa viagem com muito transito, muito barulho, muita confusão e um silêncio mortal dentro do carro, ninguém pronunciou uma palavra durante todo o trajeto. Logo que chagaram Alberto ordenou à empregada que acomodasse Denis em um dos quartos e que usasse o que estava imediatamente ao lado do dele, assim ela estaria próxima.

Denis com sua pouca idade sofria muito pela perda da mãe e dos irmãos e nunca conseguiu falar sobre o assunto com a empregada que por sua vez mantinha distância emocionalmente do garoto, não tinha interesse em se envolver com os problemas da família. Alberto desde o primeiro dia em que lá chegaram, ficava trancado em seu quarto, não se alimentava, não dormia direito e emagrecia rapidamente, enquanto Denis com os cuidados da empregada pelo menos se alimentava e se distraia procurando conchas pela orla marítima, sempre calado e acompanhado de Coquinho, um cãozinho que encontraram nas proximidades da casa logo que chagaram e foi adotado por Denis imediatamente. Certo dia Denis havia andando muito além da distância costumeira pelas areias da praia, quando avistou um homem que parecia estar pintando algo em uma tela e isto aguçou sua curiosidade e ele se aproximou e ficou observando as pinceladas precisas que o artista dava em sua obra. A pintura era um barco que estava ancorado em um porto em uma paisagem que transmitia uma paz intensa e Denis não conseguia tirar seus olhos do quadro.

O homem percebendo sua presença, viu que o garoto observava atentamente a paisagem pintada e quis puxar conversa perguntado se ele também gostava de pintar. Neste momento o menino desviou seu olhar da pintura e olhou diretamente nos olhos do artista que instantaneamente viu no fundo daquele olhar toda a tristeza e sofrimento, enquanto o garoto dizia a ele que sua mãe também gostava muito de pinturas e amava as artes. O fato de Denis dizer a ele que sua mãe “gostava” de pinturas trouxe à mente do homem o pensamento de que o garoto poderia estar precisando conversar sobre o assunto, pois ele mesmo havia passado por momentos difíceis quando seu único irmão morreu afogado num naufrágio. O pintor disse que se chamava Sérgio que havia tido um irmão que também apreciava seu trabalho, mas infelizmente já havia morrido a muitos anos e o garoto olhou para ele como se ele fosse uma porta que estivesse se abrindo para que ele pudesse desabafar e dizer a alguém sobre toda a dor e sofrimento que ele vinha guardando por todo aquele tempo em seu coração, sem nunca ter encontrado alguém que ele realmente confiasse para ouvi-lo.

Eles conversaram por horas, sentados lado a lado na areia e Denis contou a Sérgio sobre toda a tragédia que havia ocorrido em sua vida e ele ouviu atentamente e ao término Sérgio colocando seu braço em volta do ombro de menino, contou a ele sobre a morte de seu irmão e de como ele havia superado a dor e o sofrimento da perda, compartilhando com um amigo toda sua angustia e desespero e que este amigo havia sido para ele um porto seguro, quando o destino havia transformado sua vida num imenso mar revolto pelas tempestades dos acontecimentos. Denis olhou para Sérgio com os olhos cheios de lágrimas e perguntou a ele se poderiam ser amigos e suas palavras diziam claramente ao homem que o garoto precisava desesperadamente de um porto seguro. Sérgio aos trinta e nove anos de idade já havia vivido muito e aprendido muito da vida e seu coração bateu mais rápido e cheio de amor e compaixão pelo garoto disse que se ele quisesse poderia usa-lo como seu porto, para ancorar em segurança sempre que precisasse se sentir seguro e em paz. Assim começou uma amizade muito grande entre um homem de trinta e nove anos de idade e um garoto de doze anos e esta amizade enraizou-se ao longo do período de férias e a cada dia que se passava mais afinidades eles descobriam entre si, apesar da diferença tão grande de idade.

O relacionamento com Sérgio fez com Denis compreendesse o comportamento de seu Pai e aos poucos ele foi procurando se aproximar dele, desfazendo cada vez mais a distância que havia sido criada após o acidente. Em conseqüência de Denis ter encontrado seu “porto seguro” a vida aos poucos voltou ao normal quando voltaram para São Paulo no final das férias e Sergio nunca deixou de visitar, ligar ou se corresponder com ele.

Um amigo verdadeiro está sempre pronto para nos abrigar e proteger das intempéries, dos perigos das decisões precipitadas e principalmente, para nos ouvir quando quisermos desabafar. Para quando quisermos por para fora, tudo aquilo que nos aflige e nos oferecer o silencio precioso de sua atenção, para cada palavra que dissermos. Só assim é possível viver melhor.

Precisamos compartilhar nossos sentimentos, para não termos que carregar sozinhos o peso de tudo aquilo que nos aflige e muitas vezes é muito difícil de se suportar.

Ter um amigo sincero e verdadeiro, é para todos nós, como ter um “porto seguro”, onde podemos ancorar nossos barcos até passar as eventuais tempestades que por vezes assolam nossas vidas, e quando elas se vão e partimos, levamos conosco a certeza, de que caso haja algum imprevisto, poderemos voltar, porque nosso porto seguro estará lá, no mesmo lugar, de braços abertos, sempre a nos esperar.


Autor: José Aráujo

Arte digital: José Araújo