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domingo, 26 de abril de 2009

O PATUA...




Alberto e Eloísa estavam ainda em Lua de Mel. Bem antes da data marcada para o seu casamento, eles haviam programado a viagem que ficaria para sempre em suas memórias. Escolheram o lugar, adquiriram um pacote numa agência de turismo que pagaram em 10 vezes sem juros e logo após o término da festa que foi realizada na Casa de Portugal, com todos os detalhes e requintes minuciosamente programados pelos dois, partiram para viagem de seus sonhos. Eles estavam muito felizes. O lugar era verdadeiramente paradisíaco. Eles escolheram ir para o litoral nordestino e melhor escolha não poderiam ter feito. Durante o dia, os passeios pelos pontos turísticos foram fenomenais. Quando estavam na praia, a visão era absolutamente fantástica. Um mar incrivelmente azul delineava ao longe o horizonte. O céu então nem se fala.
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Era uma imensidão azul, com pouquíssimas nuvens brancas que davam à paisagem uma imagem de muita paz e tranquilidade. O sol forte da região, bem diferente da região sudeste onde moravam, era amenizado o tempo todo por uma brisa refrescante que balançava as folhas dos coqueiros e era uma verdadeira benção naquele lugar. Ao longe, as Jangadas dos pescadores coloriam aquele cartão postal. Foram dias memoráveis que se passaram e eles nem sentiram o tempo passar. Tudo era tão agradável e tão deliciosamente novo para eles, que cada minuto escoava como as areias do mar que quando tentamos segura-las com as mãos, escorrem por entre nossos dedos sem parar. Tudo era maravilhoso. Tudo era perfeito. Mas quando foi chegando o dia de seu retorno a São Paulo, para definitivamente iniciarem sua vida de casados, uma preocupação começou a incomodá-los.
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Será que iriam ser sempre tão felizes como estavam? A vida de casados não se tornaria uma verdadeira rotina depois de algum tempo, acabando com a magia de sua união? Por mais que não quisessem, aquilo não saia de seus pensamentos. No dia marcado para o retorno, eles tinham que estar no aeroporto às 4hs da tarde. Levantaram muito cedo e foram caminhar na orla marítima, para se despedir daquele paraíso. Beberam água de coco, comeram cocadas pra lá de deliciosas, sentaram-se em cadeiras num quiosque a beira mar e ficaram algum tempo em silêncio. Era tudo tão lindo. Tudo tão divinamente especial. Cada segundo de sua permanência seria relembrado com muito carinho até o fim de seus dias. Pensando nisto, Eloísa que já havia falado sobre seus receios com Alberto, sugeriu que quando retornassem à capital paulista, fossem procurar um velho benzedor.
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Um conhecido e amigo da família que era muito respeitado e tido como um homem sábio. Desde pequena, ela era levada pelas mãos de sua mãe ao velho Mathias para ser benta, e de bucho virado ao mau olhado, ele sempre lhe trouxe a cura tão desejada para os males que a afligiam. Além de benzer, ele era muito bom em dar conselhos aos mais jovens e os mais velhos sabiam que tudo que ele dizia era a mais pura verdade. Um tanto relutante, Alberto acabou por concordar. No mesmo dia em que desembarcaram em Congonhas pela manhã, à tarde foram visitar o velho Mathias. Ao chegar lá, havia uma multidão para ser benta e outra para lhe pedir conselhos. Vendo aquela gente toda esperando para ser atendida, sem arredar pé do lugar, Alberto ficou mais confiante de que o que iriam fazer teria algum resultado positivo em suas vidas.
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Além de Eloísa, Alberto também não tinha deixado de pensar no futuro deles como marido e mulher. No mais fundo de seu coração ele queria que sempre fosse como estava sendo desde o dia de seu casamento. Passado muito tempo, já era de noitinha quando foram recebidos pelo benzedor. Após contarem a ele a sua preocupação, com um sorriso bondoso em seu rosto, ele disse aos dois com muita confiança no que esta dizendo, que eles teriam que fazer um patuá para cada um e andar com ele pendurado em seus pescoços por um cordão, de forma que ele ficasse em contato com sua pele e no meio de seus peitos, na altura do coração. Os dois se olharam sem saber do que ele estava falando. Nem ele, nem ela sabiam o que vinha a ser um "Patuá". Não foi preciso dizer nada ao velho Mathias, porque com sua profunda compreensão do ser humano, ele sabia que eles eram muitos jovens e não conheciam tal amuleto.
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Com toda a calma deste mundo, com seu jeito bondoso e receptivo, ele disse a eles que um Patuá era um pequeno amuleto feito de pano. Que era como um minúsculo travesseiro feito de tecido e que dentro dele eram costurados ingredientes especiais para proteção de quem o usasse, e o conteúdo, variava de acordo com a finalidade desejada. Eles sorriram e agradeceram a explicação e perguntaram o que os patuás que deveriam usar teriam que ter dentro deles para garantir que sua felicidade conjugal fosse eterna em suas vidas. Revolvendo uma pequena caixinha de areias que estava em cima de sua mesa, ele se concentrou e após algum tempo, disse que a única coisa que precisavam ter dentro de seus patuás, era um pequenino pedaço de tecido do mais fino algodão da roupa de um casal verdadeiramente feliz. Contudo, ele disse que teriam que viajar muito para encontrar as pessoas certas para que pudessem lhes pedir que lhe dessem o pequenino pedaço de tecido de tanto precisavam.
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Eloísa olhou para Alberto e disse ao velho Mathias que fariam de tudo para garantir a proteção e durabilidade de sua felicidade. Agradeceram imensamente o benzedor e voltaram para seu apartamento. Como ainda tinham duas semanas de férias antes de voltarem ao trabalho, teriam tempo suficiente para encontrar um verdadeiro casal feliz. Eles conheciam muitos casais na cidade grande, mas nenhum cem por cento feliz. Sempre faltava alguma coisa em suas vidas. Se não era uma coisa, era outra. Assim, eles resolveram aproveitar e ir para Minas Gerais. Lá poderiam visitar os parentes no campo que há muito não viam e aproveitariam para iniciar sua procura por lá. Talvez num lugar mais tranquilo como o campo, eles pudessem encontrar o tal ingrediente especial para fazer os seus Patuás. Na manhã em que chegaram em Belo Horizonte, deixaram as malas no hotel e foram caminhar às Margens da Lagoa da Pampulha. Lá eles viram um casal brincando com seus filhos e resolveram começar por eles a sua busca. Eles estavam todos bem vestidos. Pareciam estar em boas condições financeiras e tanto o marido, quanto a mulher, estavam usando peças de roupa feitas do mais fino e leve algodão, por causa do calor que fazia no lugar.
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Ao aproximar-se deles, Eloísa e Alberto puxaram conversa e após as devidas apresentações e uma agradável bate papo sobre a vida de casados, Alberto perguntou aos dois se mesmo depois de tanto tempo de casados eles ainda eram tão felizes como no começo. O marido sorriu olhando para a esposa e disse que sim. Que eles eram muito felizes na vida, a não ser por tantos filhos que tiveram, que lhes causavam tanta preocupação e ansiedade. Ouvindo a resposta, os dois souberam que o tão desejado ingrediente não seria encontrado ali. Continuaram a conversa por mais algum tempo e depois se despediram e voltaram ao hotel onde se hospedaram para ficar até o dia seguinte. Logo pela manhã, Alberto alugou um carro e partiram para o interior do estado na busca do que estavam procurando. O tão desejado ingrediente para o seu Patuá. Chegando à fazenda dos parentes, foram recebidos com uma verdadeira festança. A hospitalidade mineira se fez presente a cada instante.
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Antes de um almoço especial, com torresmo à pururuca, arroz branco, feijão e couve picada refogada, eles experimentaram caipirinha feita com pinga do alambique da família, e isto tudo, dentro de um verdadeiro requinte da cultura mineira. Passaram uma tarde magnífica onde puderam perceber que os casais da família eram todos muito felizes, mas mesmo sem lhes fazer a pergunta que queriam fazer, sobre a completa felicidade de cada um deles, havia sempre alguém que em conversa frisava que lá, todos eram muito felizes mesmo, a não ser algum pequeno senão. Sabendo que lá não encontrariam o casal verdadeiramente feliz, conversaram até altas horas da noite e quando sentiram o sono apertar, pediram licença aos seus anfitriões e foram para o quarto que a família tinha preparado especialmente para os dois. Tudo estava na mais perfeita ordem no ambiente simples, mas extremamente aconchegante da fazenda. Dormiram a noite inteira e foi a noite mais tranquila de sono que os dois tiveram desde o dia em que se casaram. Na manha seguinte, entre queijos, doce de leite e compotas de frutas feitas pelas mulheres da família, eles se fartaram de tanto comer. Fartura na mesa de mineiro, mesmo sendo de origem humilde e nos confins do interior, é uma coisa que não pode faltar.
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Os parentes deles fizeram de sua manhã um acontecimento especial. Trouxeram outros parentes de longe para vê-los. Eloísa conheceu primos que ela nem sabia que existiam e entre abraços e beijos emocionados o tempo passou tão depressa que já era quase a hora do almoço quando resolveram caminhar um pouco pelo lugar. Nas redondezas havia as casas dos colonos e talvez fosse lá que iriam encontrar o que vieram procurar. Fizeram sempre a mesma pergunta a tantos e tantos casais que conheceram que quase perderam a conta, mas em nenhum deles a resposta foi definitiva, sem que houvesse ao menos, um pequeno porém. Quando voltaram eram quase 3hs da tarde. Ninguém tinha almoçado à espera dos dois. Almoço de mineiro é às 11hs da manhã, mas em respeito ao jovem casal, mesmo com fome todo mundo esperou. Quando entraram no enorme quintal foram recebidos com a maior alegria. O almoço mais uma vez foi sensacional.
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Galinha ao molho pardo, mandioca cozida, linguiça frita feita por eles mesmos, com carne de porco de sua própria criação e depois a sobremesa. Esta então, fechou sua visita com chave de ouro para os dois. Doce de Cidra ralada, acompanhado por um queijo fresco tão leve e delicioso que não resistiram e pediram para repetir. Ao final da tarde eles partiram. Em sua programação, estava a visita a outras fazendas de parentes em outras cidades do interior do estado de Minas Gerais. Em cada uma delas, a historia de repetiu. A hospitalidade em todas as casas que visitaram foi simplesmente inacreditável para os padrões de paulistas que eram. Após ter conhecido lugares maravilhosos, pessoas encantadoras que tinham no olhar a alegria de viver uma vida simples e pacata no interior que chegou a emocioná-los várias vezes, mas eles já estavam se cansando de procurar o tão desejado ingrediente sem encontrar. Finalmente, eles foram para a última cidade por onde passariam antes de voltar.
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Ao chegar lá, passaram pela praça da matriz e a igrejinha era tão branca e limpa, que nem parecia ser real. A praça em volta da Igreja era muito bem cuidada. Era domingo e aquele lugar era o preferido dos casais de namorados que estavam sentados nos bancos trocando juras de amor. Em alguns pontos da praça, havia pequenas mesas preparadas para jogo de dominó ou xadrez. Senhores usando chapéus de palha conversavam animadamente enquanto jogavam. Eles eram felizes. Havia isto bem claro em seus olhares e sorrisos de gente simples e humilde. Eloísa e Alberto vendo tudo aquilo, tão diferente da loucura das cidades grandes, mais uma vez não conseguiram se controlar e seus olhos se encheram de lágrimas da mais pura emoção. Aquilo sim era vida. Não os atropelos, os assaltos, as brigas de transito e as doenças comuns das grandes metrópoles, como a angústia crônica, a solidão e a tão em moda síndrome do pânico que se apossava dos mais fracos mentalmente, fazendo de suas vidas um suplício de medo e insegurança. Isto sem falar, que ir parar no divã de um analista era tão comum como procurar um dentista.
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Era tanto, que algumas pessoas já acostumadas a se deitar num divã, diziam que quem não tinha um analista, não poderia ser considerada uma pessoa normal. Ainda emocionados, seguiram por uma pequena estrada de terra batida que era ladeada por pastos imensos e de tão verdes, faziam até com que os dois não acreditassem no que estavam vendo. Vacas, bois e bezerros pastavam calmamente. Homens vestidos a caráter, usando suas roupas de vaqueiros, cuidavam do rebanho ao longe em cima de seus cavalos. Aquilo era uma imagem que só tinham visto em filmes e novelas pela TV. Nascidos e criados da cidade grande, apesar de bem educados por suas famílias, eles tinham características urbanas inconfundíveis aos olhos das pessoas do interior, mas que para aquela gente simples e humilde em nada diminuía seu valor como seres humanos que eram. Ao passar por uma cerca, viram um homem pastoreando enorme rebanho de carneiros. Ele estava sentado numa pedra no meio do pasto e seu cão estava cavando em volta de um enorme Cupinzeiro com o maior interesse no que iria encontrar.
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Ao longe na estrada, eles puderam ver que uma mulher carregando uma criança no colo e levando outra pela mão, vinha trazendo pendurado no pescoço o que lá chamam de embornal e ele parecia cheio. Quando ela se aproximou da porteira que dava acesso ao pasto, o homem se levantou rapidamente, e foi em sua direção. O garotinho que estava no colo da mãe, logo que viu o pai levantou os bracinhos para que ele o pegasse, o que ele fez com todo amor. Abraçou e beijou a esposa, pegou o pequenino no colo e beijou o outro garotinho maior que a estas alturas já estava sendo lambido pelo cachorro que até tinha se esquecido do tesouro que procurava cavando na terra e fazia uma festa sem igual. Pulando, latindo a abanando o rabo ele parecia querer mostrar a todos que ele estava feliz com sua chegada. Eloísa e Alberto ficaram parados. Sentados nos bancos em seu carro, quase que como se estivessem hipnotizados, eles admiravam tudo silenciosamente.
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Maravilhados com e cena, eles não perdiam um só detalhe daquele encontro de família. Finalmente! Os dois pensaram e disseram ao mesmo tempo. Lá estava um casal verdadeiramente feliz! A mulher pegou de dentro do embornal uma vasilha que se parecia com um caldeirão com tampa e estendeu um pano no chão chamando o marido para almoçar. Feliz com a graça que Deus havia lhe dado, de ter uma mulher maravilhosa e filhos lindos e com saúde ele sentou-se sorrindo, pegou um prato de alumínio e começou a se servir. Enquanto isto, o garotinho menor estava sentado no chão brincando com uma pequena flor em suas mãos. O outro ao lado do cachorro, corria pelos campos em meio aos carneiros enquanto a mãe zelosa não os perdia de vista um só minuto sequer. Aquilo sim era uma família feliz. Alegres por terem finalmente encontrado o casal perfeito para pedir a eles o mais desejado ingrediente, eles saíram do carro e se aproximaram da cerca que os separava daquela família feliz.
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Meio sem jeito de atrapalhar o almoço do homem que deveria estar faminto, Alberto chamou a sua atenção batendo palmas como se estivesse na porta da casa daquela família sem igual. Os meninos curiosos, logo chamaram a atenção dos pais. Após dividir com as crianças e o cachorro o que sua mulher havia trazido, não havia sobrado muito e ele tinha acabado de comer o pouco que restou. Com um sorriso amistoso, ele se aproximou de onde eles estavam e perguntou quem eram e de onde tinham vindo. Dai por diante a conversa foi longe. Eles conheceram o pai, a mãe, as crianças e até o cachorro que se apaixonou por Eloísa. Depois de aproveitarem aqueles momentos mágicos vividos ao lado daquela família, eles não viam a hora de pedir a eles o que tinham vindo procurar. Em dado momento, Alberto achou melhor ser sincero e contou ao casal o porquê deles estarem viajando ao interior e o que eles estavam procurando. Eles ficaram espantados, sem saber o que pensar. Nunca na vida deles, tinham ouvido nada igual. Alberto perguntou ao casal se na verdade eles eram mesmo tão felizes como aparentavam naquele lugar. A resposta foi simples como a vida deles no interior.
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- Uai Sô! Graças ao Bom Deus, nóis somu sim sinhô!
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Quando Eloísa ia pedir ao casal um pedacinho de qualquer peça de roupa que eles tivessem, que fosse do mais puro algodão como instruiu o velho Mathias, antes que ela falasse, o marido disse aos dois, que eles lhe dariam não só um pedaço da roupa de algodão, mas a peça inteira e de bom coração, mas infelizmente, eles não tinham nenhuma. Tudo que eles tinham, eram roupas iguais às que estavam usando, feitas de sacos alvejados de mantimentos e nada mais. Felizes por terem presenciado toda aquela felicidade em família, mas desapontados por não terem encontrado o que tinham ido procurar, eles se despediram do casal, deram beijos nas crianças que lhes retribuíram com sorrisos tão lindos quanto os raios do sol numa manhã de verão. Fizeram a volta com seu carro e voltaram por onde tinham chegado àquele lugar mágico, em meio a lugar nenhum. Eles haviam desistido de procurar. Estavam desapontados, tristes e com receio de que nunca pudessem viver eternamente felizes como desejavam.
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A viagem foi fantástica, as experiências de vida que eles tiveram pelos caminhos por onde passaram foram muitas, mas a obsessão por encontrar o que tinham ido procurar, não deixou que se lembrassem dos grandes ensinamentos que a escola da vida tinha proporcionado a eles naqueles poucos dias, no interior incrivelmente maravilhoso e mágico das Minas Gerais. De volta a São Paulo, inconformados por não terem encontrado o único ingrediente indicado pelo valho Mathias, resolveram procura-lo de novo e dizer que o que ele fez não tinha sido justo. Que ele havia brincado com seus mais profundos sentimentos indicando um ingrediente impossível de encontrar para fazer o Patuá que iria garantir a eles pelo resto de suas a vidas, a tão desejada felicidade. Após ouvir os dois sem dizer uma única palavra, mesmo Alberto tendo sido um tanto grosseiro em dado momento da conversa, ele esperou que acabassem de falar e quando pararam, ele sorriu e perguntou aos dois, se realmente não haviam aprendido nada durante sua peregrinação à procura do pedacinho do mais puro algodão da roupa de um verdadeiro casal feliz.
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Encabulado pela forma calma e tranquila com que o velho estava falando com eles, mesmo depois de Alberto ter dito a ele algumas palavras rudes, o jovem parou por alguns instantes para pensar e refletir e se lembrou naquele momento, de todos os casais que tinham conhecido pelo caminho e disse que tinha aprendido uma coisa, da qual jamais iria se esquecer. Com um nó na garganta ele disse ao velho Mathias, que aprendeu de uma vez por todas, que contentamento, é uma rara benção neste mundo e muito difícil de se encontrar. Eloísa por sua vez, disse que tinha aprendido que para ser contente com a vida que se leva, não é preciso mais nada além de estar contente com o que temos, graças às bênçãos de Deus. Quando ela terminou de falar, uma grande emoção já havia tomado conta de seu coração. Com lágrimas nos olhos, ela olhou para Alberto bem dentro de seus olhos, sorriu e estendeu a ele a sua mão. De mãos dadas, os dois trocaram olhares de profunda adoração. O velho Mathias contente com o resultado da missão que ele deu aos dois, colocou sua mão sobre as mãos do jovem casal e disse:
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-Em seus corações vocês encontraram o verdadeiro Patuá. Guardem bem este tesouro enquanto viverem e jamais o espírito maléfico do descontentamento, terá poder algum sobre vocês.
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Autor: José Araújo

domingo, 19 de abril de 2009

A ARVORE DO CONHECIMENTO...





A noite escura e a lua aparecendo de vez em quando por detrás das nuvens, davam a nítida impressão de cenas de filmes de terror, onde os personagens principais são vampiros e lobisomens. Enquanto a lua ficava escondida, mal dava para se ver onde pisar. Barulhos estranhos que soavam por todo o lugar davam mais ênfase ao clima sombrio. Chiados e correria de ratos e ratazanas e o bater de asas de pássaros noturnos, conspiravam para fazer com que qualquer um que não estivesse acostumado ao ambiente se arrepiar. Do córrego fedorento que era usado para se despejar todo tipo de sujeiras, inclusive descargas de banheiros, sem a luz do luar só se podia ouvir o ruído das águas correndo ao lado da favela. Na maior parte de sua trajetória, ele corria na parte de trás dos barracos, mas no trecho em que ele seguia seu rumo ao lado de uma viela, era preciso tomar muito cuidado para não escorregar e cair dentro dele. Em qualquer canto, em qualquer viela, a delinquência e os atos ilícitos eram uma constante no lugar.
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Quando acontecia da luz da lua passar pelas densas nuvens sombrias que pairavam no céu, seus raios eram refletidos nas águas do riacho e nos olhos de gatos e cachorros que perambulavam por toda parte. Naquela favela, envolta pelo clima de medo e mistério, com tantos perigos, com tanta pobreza, tantos crimes e violência, morava um verdadeiro estudante. Um verdadeiro leitor. Seu nome era Gabriel. Seus pais haviam falecido quando ele tinha oito anos e depois disto, ele foi viver com uma velha tia que morava de favor num dos barracos da favela. Quando completou dez anos de idade, sua tia também veio a falecer. O dono do barraco era um dos traficantes de lá. Retomando o barraco onde a velha senhora morava para dar a um dos seus parceiros, para não deixar Gabriel na rua, sem ter onde morar, ele deixou que o garoto ficasse numa espécie de quarto, tão apertado que mais parecia um caixote e ficava em cima do barraco do traficante.
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Ele era tão incomodo, que nem dava para Gabriel esticar as pernas quando deitava no chão duro e úmido para dormir. Era uma vida de cão. O garoto tinha tido a sorte de ter ido pelo menos por três anos à escola onde aprendeu a ler e a escrever. Muitas noites, sem ter o que comer, ele pegava folhas de jornais e revistas que ele tinha encontrado no lixo e para se distrair, ficava lendo e relendo as mesmas coisas que já tinha lido por inúmeras vezes, até finalmente adormecer. Era como se lendo ele estivesse se alimentando. Para ele conhecimento era o alimento da alma. Quando sua mãe ainda estava viva, ela costumava se cansar de chamá-lo para o almoço ou jantar, mas ele preferia acabar de ler. Agora, só no mundo e vivendo às custas de favores e doações, não eram poucas às vezes em que ele ficava sem comer. Sem nenhuma renda e sem um adulto para cuidar dele, ele vivia como era possível. Seu maior prazer, era quando encontrava um velho livro jogado fora.
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Mesmo que faltassem algumas páginas, com sua capacidade de raciocínio aguçada, ele ficava imaginando o resto. Ao contrário dos outros garotos de sua idade que moravam na favela, ele conhecia o mundo, sem sair do lugar. Ele sabia de cor e salteado os nomes de todas as capitais de todos os países. A descoberta de que se aprende lendo, desde pequeno o encantou. Ficava fascinado quando descobria algo diferente nas folhas de jornais e revistas, que muitas vezes ele encontrava no chão das vielas por onde passava.
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Ele era diferente aos olhos dos outros garotos da favela e dos adultos também.
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Dentro dos vários grupos de moleques soltos no mundo por pais irresponsáveis e até mesmo marginais, eram poucos os que tinham entrado no mundo das drogas e conseguido sair sem sofrer represálias por parte dos traficantes, e isto, quando conseguiam sair. Toda semana, ele ouvia os moradores dizer que um deles havia sido encontrado morto. Uma hora por overdose, outra por assassinato. Como em todo lugar, tem gente boa e gente ruim. Naquela favela, existiam pessoas de bem, decentes, tementes a Deus e com boa índole, mas infelizmente lá, a grande maioria, era voltada para o mal.
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Os grandes bandidos tomavam conta da favela e eram eles que ditavam as leis naquele lugar. A maioria dos barracos, eram iluminados por ligações clandestinas feitas diretamente dos postes de iluminação pública que havia apenas numa rua que passava ao lado da favela. Em seu pequeno quarto Gabriel não tinha luz. À noite, quando ele queria ler alguma coisa, acendia um toco de vela e era assim que ele conseguia fazer o que mais gostava na vida antes de dormir. O jovem estudante, que mesmo não frequentando escola nenhuma, aprendia o tempo todo lendo tudo que encontrava pela frente e apesar de toda sua inteligência e conhecimentos, ele não tinha ainda idade para trabalhar. Ele era muito pobre e quando comia direito, era porque almas bondosas lhe davam o que comer. Roupas, ele só tinha algumas poucas, muito velhas e remendadas. Pobre, só no mundo, sem nenhum bem material que fosse seu, dia após dia, ele lia e aprendia cada vez mais. O dono do barraco morava na parte de baixo e utilizava seu espaço para o tráfico de drogas. Durante o dia ou durante a noite, o barraco era muito movimentado.
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Pessoas das mais estranhas entravam e saiam de lá ha todo momento. Eram garotinhos usados como aviõezinhos como os traficantes os chamavam, eram os "clientes" e "parceiros" que num fluxo de se espantar, faziam movimentar milhares de reais em plena favela enquanto a pobreza dos verdadeiros moradores era de se assustar. Crianças, jovens adolescentes, adultos e pessoas com mais idade eram atraídos para as drogas das maneiras mais inimagináveis possíveis. O dono do ponto, este era rico. Morava no barraco como disfarce para sua atividade, mas tinha de tudo. Em seu espaço, infinitamente maior do que o cubículo em que morava Gabriel, ele tinha aparelhos Som de última geração, TV Digital, Celulares, Refrigerador Duplex, computador, dentre tantas outras coisas que pelas vias normais, só poderiam estar nas casas de pessoas que trabalham ganhando um bom salário, para poder conseguir comprar tudo aquilo. Enquanto o dono do barraco tinha tudo e se gabava de poder ter o que quisesse, Gabriel não tinha nada além de um livro velho que ele tinha achado há muito tempo e que não deixava de ler todos os dias. Nem mesmo um colchão ele tinha para dormir.
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Mesmo com a vida difícil que ele levava, nunca se envolveu ou se deixou levar para mau caminho. Muitas vezes, os delinquentes que encontrava pelas vielas por onde tinha que passar, tentavam obriga-lo a experimentar as drogas, mas com sua astúcia e inteligência, ele sempre se esquivou deste mal. Os amigos e “parceiros” do dono do barraco, sempre riam dele e faziam piadas de mau gosto, insinuando que ele não era "macho", que não era homem nem para provar que podia fazer muitas coisas que eles faziam. As palavras deles nunca ficaram nas lembranças de Gabriel. Parecia a todos que ele tinha alguma coisa de anormal, afinal, todos se enturmavam e facilitavam as coisas uns para os outros, mas ele não. Certo dia, Betão, o dono do ponto, começou a ficar curioso com o comportamento de Gabriel. Ele não tinha luz em seu cubículo, mas quando Betão olhava para cima de seu barraco quando caminhava pela viela à noite, ele sempre via uma estranha luz.
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Certamente não era a luz de uma vela. Muito menos, de uma lâmpada comum. Era algo diferente e ela só se apagava, bem tarde da noite. Fazendo girar a sua mercadoria sem parar, mesmo sem ter muito tempo para se preocupar com o que Gabriel fazia em seu cubículo à noite, ele não deixava de pensar naquilo. Dia a dia ele passou a observar Gabriel durante o dia e por poucas vezes à noite quando entrava e saia de lá. Ele não se envolvia com a gente do tráfico. Não tinha amigos e sempre andava só, mas tinha sempre em seu rosto um sorriso para as pessoas que o cumprimentavam ao passar por ele. Dizer muito obrigado era costumeiro em seu vocabulário e uma regra em sua vida. Com seu jeito humilde de ser, ele sabia ser agradecido pela ajuda que algumas pessoas lhe davam quando podiam. Ele tinha um "quê" que nenhum dos outros garotos da favela tinha. O ser humano, curioso por natureza, pode chegar a extremos para satisfazer sua curiosidade e numa noite, quando já ia se deitar, Betão subiu pé por pé a escada de madeira que levava até onde Gabriel dormia.
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Silenciosamente, ele se aproximou da porta improvisada feita com uma placa de madeira compensada e por uma fresta na madeira rachada, se pôs a olhar furtivamente o que o garoto estava fazendo, invadindo a sua privacidade, o que para ele, como um marginal e fora da lei, era normal. Naquela noite a luz que se podia ver saindo até mesmo pelos buracos feitos por pregos arrancados da madeiras do barraco, era intensa. Era algo que parecia ser sobrenatural. Quando Betão colocou os olhos encostados na fresta, ele pode ver Gabriel sentado num velho engradado em frente a uma mesa improvisada com um caixote de madeira. Ele estava lendo. O que mais chamou a atenção do traficante, foi que ele estava iluminado como se estivesse em pleno dia. Aquilo já era demais. Forçando um pouco mais a vista por causa da luz, ele pode ver que o garoto sorria. Havia em seu semblante uma paz e uma alegria que para quem vivia a vida que ele levava e ainda morando naquele cubículo, extremamente desconfortável e tão apertado, não podia ser. Betão se afastou um pouco, coçou a cabeça sem saber o que pensar.
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Mais curioso ainda, ele se lembrou que havia um outro buraco por onde ele poderia ver melhor. Sorrateiramente, tal como uma serpente que se prepara para atacar sua presa, ele desceu da escada, saiu do barraco e contornou o mesmo, onde havia uma outra escada maior encostada na parede. Betão subiu nela e ao chegar na altura do buraco, ele olhou para dentro do cubículo de Gabriel. Naquele momento ele ficou paralisado. A visão que ele teve foi muito além da mais fértil imaginação. Do velho livro que Gabriel lia, saia uma árvore que parecia se feita de luz. Seu tronco que saia bem do meio do livro, subia quase ao teto e seus galhos, estavam espalhados sobre o garoto. Ela era tão linda, tão maravilhosa e as folhas de seus galhos, iluminadas como se tivessem luzes próprias balançavam suavemente, e olhando bem, os cabelos de Gabriel balançavam também. Nela havia lindas flores. Todas elas tinham o formato de uma estrela brilhante. Como as estrelas do céu. Havia também frutos, mas no lugar de frutos, havia cabeças e elas eram de todas as cores, de todas as raças.
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Cada qual com uma expressão mais bela que a outra. Em cada olhar o brilho da inteligência e de sabedoria. Ainda tomado pela emoção da surpresa, sem poder mover um músculo sequer, Betão sentiu que lá de dentro vinha um cheiro delicioso de grama verde. Coisa que para um barraco, às margens de um riacho que era um esgoto a céu aberto, era impossível de acontecer. Gabriel, com as pernas cruzadas sorria enquanto lia. A cabeças pareciam falar com ele e ele parecia ouvir. Havia também uma musica linda e suave que tocava o tempo todo. De vez em quando, ele balançava a cabeça em sinal de aprovação, outras vezes, como se não acreditasse no que lia, mas estava maravilhado do mesmo jeito. Betão foi tomado por um sentimento profundo. Era um misto de inveja e encantamento. Ele daria tudo para estar no lugar de Gabriel e ele poderia estar à força, se conseguisse se mover. Afinal, ele sempre pode tudo. Do fundo de sua alma, ao ver tudo aquilo, ele sentia que Gabriel tinha em suas mãos o maior de todos os tesouros e que seu dinheiro sujo, não poderia comprar. E lá ele ficou.
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Foram algumas horas na mesma posição em cima daquela escada. Nenhum músculo se movimentou em seu corpo. Em certo momento, Gabriel bocejou de sono. Olhou para o livro, e sorriu. Ele estava feliz. Quando ele o fechou delicadamente, a árvore foi engolida pelo livro como num passe de mágica e a luz se apagou. Naquele momento Betão conseguiu se movimentar. Não que ele estivesse cansado de ficar lá, na mesma posição, mas ele ficou contente por poder voltar para seu barraco, deitar em seu colchão e pensar sobre tudo aquilo que ele viu. Assim foi. Deitado, olhando para o teto, ele varou a madrugada pensando. Então era por isto que Gabriel era diferente e sempre feliz mesmo sem ter nada de seu na vida. Aquela visão, uma constante em sua memória, foi amolecendo o seu coração. Ele relembrava das coisas horríveis que ele fazia com garotinhos em idade escolar. Ele refletiu sobre muitos aspectos de sua vida. Lembrou-se de como sofreu abusos em sua infância e como tudo que sofreu refletiu em sua personalidade e comportamento. Reconheceu que todo o poder que ele tinha e todo dinheiro que conseguia vendendo as drogas, na verdade, não tinham o menor valor.
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Do que lhe servia ter de tudo? Os melhores e mais modernos aparelhos eletrônicos. Carro novo que ficava escondido numa garagem longe da favela. Ele na verdade, tinha tudo, mas ao mesmo tempo, não tinha nada. Ele que sempre se proclamou dono da verdade na favela e ditava as leis que ele mesmo criava, não sabia nada de nada, mas Gabriel sim. Ele tinha um tesouro incalculável. Algo tão precioso e valioso que ele não tinha, porque nunca procurou. Ele tinha o conhecimento e isto, ninguém pode tirar de ninguém. Em suas reflexões ele se arrependeu amargamente por ter fugido da escola depois de ter cabulado aulas quase todos os dias, no pouco tempo que ficou na escola onde sua mãe o matriculou. O grande tesouro de Gabriel era aquele livro. O mistério daquela luz estranha e maravilhosa que tanto lhe chamou a atenção, até que ele resolveu investigar, era aquela arvore. Era lá que estava a chave do segredo de sua paz, de sua personalidade diferente, de seu semblante sempre acompanhado por um sorriso, mesmo nos piores momentos de sua vida.
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Betão queria muito que aquele livro fosse dele. Que ele pudesse se sentar embaixo dos galhos daquela árvore mágica que saia dele, mas ele sentiu do mais fundo de seu coração que não era justo nem correto, roubar o livro do rapaz. Antes de ter presenciado aqueles momentos de pura magia no cubículo onde morava Gabriel, ele simplesmente roubaria o que quer que fosse. Bastava ele querer para ter. Ele penas tiraria o objeto do dono, sem pedir permissão, afinal, naquele lugar ele sempre foi o chefão todo poderoso, mas agora não mais. De alguma forma, ele sentia que precisava proteger aquele grande tesouro de ser roubado de Gabriel, muito menos queria correr o risco daquele objeto de infinito valor ser destruído de alguma forma. Noites e noites se passaram. Sempre que podia, Betão ficava olhando Gabriel embaixo daquela arvore maravilhosa e aquela visão lhe dava uma paz e um sentimento que ele nunca teve na vida. Algo começou a tomar conta de seu coração. Ele queria o bem de Gabriel. Aprendeu a respeita-lo por ser tão especial assim.
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Secretamente ele começou a fazer uma coisa que ele não fazia há muito tempo. Ele começou a ler e lendo ele começou a aprender. Ele conheceu lugares que nem imaginava que existiam. Povos e costumes de todo canto do mundo. Ele aprendeu a viajar sem sair do lugar e quando ele lia escondido dos outros marginais, ele tinha a nítida impressão de que estava embaixo daquela mesma arvore que ele viu no cubículo de Gabriel. Dia após dia, escondido dos "clientes" e “parceiros” do tráfico, ele aprendia mais e mais. Sempre que podia, ele comprava um livro diferente e quando acabava de ler, emprestava a Gabriel que na primeira vez em que ele lhe ofereceu um livro emprestado, nem acreditou. Betão começou a agir estranho para os manos do pedaço. Não queria mais que o chamassem pelo apelido, mas sim de Roberto que era seu nome. Passou a ir a teatros, ao cinema, chegou mesmo a ir ao Teatro Municipal assistir uma ópera escondido, é claro, dos outros delinquentes e ele sempre foi um deles, mas depois de saber da origem da Arvore do Conhecimento e conhecer seus encantos, aos poucos estava deixando de ser.
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Roberto, o ex-Betão, gradativamente foi mudando sua vida. Fez um acordo com outro traficante e passou seu ponto e a clientela, porque não tinha outra coisa a fazer. Ou ele passava o negócio para a frente, sou seria morto pelos outros marginais. Feito isto, ele se mudou de lá e arrumou um emprego. Foi trabalhar numa biblioteca onde tinha ao alcance de suas mãos, os maiores tesouros literários da humanidade. Na mudança, ele levou Gabriel para morar com ele e dividiam o mesmo quarto no novo barraco, assim como tudo que ele tinha. Após a fase de adaptação ao novo lugar onde foram morar, ele fez questão de custear a volta de Gabriel para a escola e garantiu que ele nunca mais ficaria só neste mundo. Roberto saia cedo para trabalhar, deixava dinheiro para Gabriel tomar o ônibus para ir e voltar da escola e quando voltava à noite, eles sentavam juntos na mesa para jantar. Um dia, Gabriel ainda atônito pela mudança de Roberto, com muito jeito perguntou como ele pode mudar tanto.
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O ex-traficante e marginal, que agora era um homem de bem, que cuidava de seu "filho" que surgiu como milagre em sua vida, olhou bem em seus olhos e lhe contou seu segredo. Ele disse com lágrimas nos olhos, que o milagre aconteceu, porque sem Gabriel saber de nada, ele havia visto sair do livro que ele estava lendo numa certa noite, há muito tempo atrás, a árvore mais linda que alguém pode ver na vida. Que o havia visto, sentado naquele engradado de madeira, no cubículo onde ele vivia, com fome, com frio, sem ter nem mesmo um colchão para se deitar e dormir, mas alegre e feliz, porque estava embaixo dos galhos da Arvore do Conhecimento, que sempre o iluminou com sua luz, fazendo ele ser o garoto especial que era. Emocionado Gabriel sorriu e o abraçou. Por alguns momentos eles ficaram abraçados, com lagrimas correndo nos olhos de ambos, mas de repente, um tiro se fez ouvir. Roberto olhou para trás. Virou-se novamente para Gabriel e caiu...
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Uma bala perdida o havia acertado nas costas, na altura de seu coração. Se as posições dos dois fossem diferentes, seria Gabriel quem teria sido atingido. O garoto mais do que depressa tentou socorrê-lo, mas foi tarde demais. A bala havia perfurado seu pulmão e se alojado próxima ao seu coração. Gabriel ajoelhado, com a cabeça de Roberto no colo, gritou por socorro, mas ninguém apareceu. Outros disparos foram ouvidos em meio à escuridão da noite. A favela emudeceu. Todos os moradores ficaram em seus barracos. Ninguém se atrevia a sair, nem mesmo para prestar socorro a alguém. Roberto não teve chance nem mesmo de ser socorrido e levado a um hospital. Ele partiu deste mundo nos braços de Gabriel, mas antes de morrer, teve tempo de dizer ao garoto, que um dia, se Deus permitisse que ele voltasse para pagar seus pecados e se redimir de tudo de ruim que ele fez nesta vida, ele queria que pelo menos, pudesse ter mais cedo, a chance de poder ver surgir novamente de dentro de um livro, a Arvore do Conhecimento.
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Emocionado, com seu jovem coração sangrando mais uma vez na vida, ele viu seu novo amigo e protetor partir. Mais uma vez ele estava só. Mas a vida nem sempre nos traz coisas ruins, umas atrás das outras. Quando vieram recolher o corpo de Roberto, junto com a equipe veio uma policial técnica que ao ver Gabriel, não conseguia tirar os olhos dele. Assim que o corpo foi removido, ela se aproximou dele e para cumprir seu dever começou a preencher um relatório de rotina. Ao questioná-lo sobre muitas coisas, ela ficou impressionada com a educação e desenvoltura dele. Após ter cumprido sua obrigação preenchendo o relatório com muito profissionalismo, ela se afastou por uns instantes de Gabriel, pegou o celular, fez algumas ligações. Gabriel observava intrigado. Enquanto ela falava com as pessoas do outro lado da linha, sua expressão mudava constantemente. Por vezes ela parecia triste, por outras, pensativa, e às vezes, ensaiava um sorriso.
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Entre uma ligação e outra, ela olhava para Gabriel. De acordo com a Lei, não tendo parentes, sem ninguém da família para cuidar dele, seu destino seria ir para o Juizado de Menores e de lá, encaminhado para um reformatório. O coração de Gabriel batia acelerado. Ele sabia qual era seu destino e pedia a Deus que fizesse em sua vida mais um milagre. Que de alguma forma ele não fosse obrigado a ir para um lugar de onde ele tinha medo, porque ele sabia que quem entrava lá, se fosse bom, saia ruim e se fosse ruim, saia pior. Curioso, meio desconfiado, sem saber o que mais de ruim poderia acontecer com ele, ao lado de outro policial ele ficou. Em dado momento, depois de quase uma hora de conversas pelo celular, finalmente ela desligou o aparelho de uma vez. Segurando o celular junto ao peito, como se ele tivesse sido naquele momento a melhor ajuda que ela poderia ter, ela sorriu. Calmamente ela caminhou em direção a Gabriel. Ao vê-la se aproximando com um sorriso lindo em seus lábios, ele não sabia o que esperar.
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Quando ela lhe disse que não precisava mais se preocupar, que ela tinha arrumado um jeito dele não ter que ir para o reformatório juvenil, ele sorriu e a abraçou. A jovem policial correspondeu ao abraço dizendo que depois de falar com muitos amigos e conhecidos, ela tinha conseguido um casal para adota-lo. Ao ouvir isto ele nem pode acreditar. Além de não ter que ir para aquela fábrica de marginais ele tinha ganhado uma família! Deus lhe concedeu o milagre que ele pediu com tanta fé. E assim foi. Gabriel, do barraco na favela, foi morar com um casal que não podia ter filhos por motivos de saúde. Já eram de meia idade e não queriam arriscar a assumir a responsabilidade de adotar um bebê, por medo de não conseguir cumprir a missão de criar e educar a criança. Gabriel na vida deles tinha caído do céu. Em sua nova casa havia uma biblioteca enorme. Seu novo pai era um homem culto e um dia, sentados na sala lado a lado, ele lhe contou uma fábula antiga sobre a história da Arvore do Conhecimento.
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Gabriel ouviu calado, a historia era linda, mas a sua era mais. Sua memória o levou de volta ao barraco na favela e ele se lembrou do desejo de Roberto, seu amigo e protetor, que tanto bem lhe fez antes de morrer. Ele não disse nada ao seu novo pai, mas pensou. Ninguém como ele e Roberto, sabia exatamente o que significava estar lendo um livro, do qual saia o tronco de uma arvore, cujos galhos eram repletos de folhas iluminadas. Uma arvore cheia de luz, carregada de botões de flores que tinham o formato e o brilho, das estrelas lá do céu...
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Ele e Roberto tiveram em suas vidas, de formas diferentes, em circunstâncias diferentes a alegria de conhecer, a verdadeira e única Arvore do Conhecimento. Uma arvore tão bela, tão cheia de luz, tão ao alcance de todos, mas tão ignorada e desconhecida por muitos, que às vezes, passam a vida inteira, sem dar a ela a devida atenção. O segredo de sua localização na verdade não é um segredo, é questão de sentimentos, de emoção. Basta abrir um livro, começar a ler e se entregar à leitura. Em poucos instantes, enquanto se passa a viver a historia que estamos lendo, deixando o espírito ser levado pelo enredo criado pelo autor, quando já podemos até mesmo visualizar os lugares, as paisagens e os personagens, do meio do livro, a gente nem percebe, mas surge uma luz e ela vai crescendo, e conforme lemos o livro, esta mesma luz vai tomando a forma de um tronco, depois surgem os galhos, depois as folhas, depois as flores, e por ultimo, os frutos e eles só aparecem, quando terminamos de ler o capitulo final.
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Sem saber, a cada livro que lemos na vida, fazemos germinar, crescer, florir e dar frutos, uma nova, mágica e encantadora Arvore do Conhecimento, que nos ilumina com seus galhos e folhas cintilantes, para nos proteger a todo momento, dos males que acompanham as trevas da ignorância.
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Autor: José Araújo

sexta-feira, 10 de abril de 2009

O GRANDE CONCURSO



Na zonal sul da cidade, um grande e famoso shopping promoveu um concurso, que daria um carro zero quilometro, à pessoa que fizesse a coisa mais inacreditável. O carro era um automóvel importado de ultimo tipo e a euforia tomou conta dos clientes que freqüentavam o lugar. A chamada a nível de promoção do Shopping, funcionou perfeitamente. Era um concurso diferente dos demais, e todos os dias, na praça de eventos havia sempre uma chamada para o concurso, com a informação ao público sobre candidatos já inscritos. O Shopping ficava lotado de segunda a domingo. As lojas estavam vendendo muito além da média, já que estavam fora de épocas especiais. Os jovens, os de meia idade, e é claro os velhos também, estavam se matando de tanto treinar para o que iriam fazer no dia de sua apresentação. Eram dores de cabeça de tanto pensar. Músculos e nervos distendidos causando desconforto em todo lugar. O exagero chegou a um ponto, que quatro pessoas morreram de tanto comer e duas foram parar na UTI de tanto beber, só para provar que poderiam conseguir vencer, fazendo a coisa mais inacreditável, mas certamente, este não era o caminho para ganhar o primeiro lugar.

No dia marcado para as apresentações na praça de eventos do Shopping Center, cada um tinha que mostrar que podia mesmo fazer a coisa mais inacreditável que já se tinha visto no país. Pais orgulhosos e esperançosos, inscreveram seus bebês até de dois anos de idade e outros, inscreveram seus avós e bisavós, pois tinham certeza de que eles poderiam vencer o concurso. Não se falava em mais nada na cidade, a não ser, o grande concurso. Entre os jovens e os velhos, entre homens e mulheres, o assunto era um só. O concurso virou coqueluche e contaminou a todos os cidadãos. Foi então que chegou a o grande dia.

A praça de eventos estava lotada. Havia até torcidas uniformizadas e o barulho... era infernal! Um a um, os candidatos foram se apresentando perante a comissão julgadora e a expectativa pela próxima apresentação deixava a todos inquietos. O que viria depois? Apareceu de tudo na concorrência pelo primeiro lugar. Foram canções cantadas de bocas fechadas, dançarinos que usavam as costas ao invés dos pés para dançar, dentre muitas e muitas coisas que não se vêem todos os dias, até que enfim, chegou a vez do penúltimo candidato. Ele era um escultor. Quando o alto falante anunciou o candidato, o riso foi geral. Um escultor? O que poderia um artista como ele fazer de inacreditável?

As esculturas são formas e os resultados dos trabalhos dos escultores geralmente são muito bons, mas de inacreditável, o que ele poderia fazer? Anunciado, ele entrou no grande palco arrastando algo sobre um carrinho, e fosse o que fosse, estava coberto por um enorme tecido preto. O silêncio foi total. A platéia ansiosa, não via a hora de ver o que ele havia feito para concorrer, nem ao menos respirava. O jovem escultor disse algumas palavras ao publico e após com um movimento súbito e inesperado, ele puxou a cobertura que escondia sua escultura. A exclamação foi geral! OOOOHHHHHHHHHH!!!

Na frente de todo mundo, estava a mais bela escultura que alguém já tinha visto. Era a escultura de um corpo de mulher. Seus traços faciais eram tão perfeitos. Seus olhos tão vívidos. Sua boca tão linda. Um corpo escultural, vestindo uma túnica  como nos tempos dos Deuses do Olimpo. A perfeição era tão grande, que todos silenciosamente esperavam que ela se movimentasse e que a qualquer momento, falasse também. Não houve um dos jurados que não concordasse que aquele era o melhor candidato. Ele era mesmo um grande artista. Um daqueles que aparecem de séculos em séculos, e para a felicidade de todos, ele estava ali, bem na frente de seus olhos. Ele era de carne e osso e tinha realmente feito a coisa mais inacreditável já vista.

Sua escultura parecia viva, e mais, ela parecia que com sua beleza tinha enfeitiçado a todos! Ele tinha que ser o vencedor. Contudo, alguém lembrou ao júri que ainda havia um candidato que não se apresentou. Ele era o ultimo na lista e tinha direito a fazer sua apresentação, e quem sabe, até vencer o concurso, se fosse o melhor. Justiça tinha que ser feita. Mesmo contrariados,  todos foram unânimes. Ele iria se apresentar. A platéia inconformada, começou a vaiar. Em meio a um barulho ensurdecedor, com um martelo enorme em suas mãos, ele entrou no palco. No mesmo instante em que ele chegou ao centro do palco, as vaias pararam de soar. O silencio se fez.

Os jurados, a comissão organizadora do evento e a platéia, estavam sem piscar. O que um cara com um martelo enorme nas mãos poderia fazer de mais inacreditável, do que aquela escultura mágica que encantou todo mundo? O candidato disse a todos que agora sim eles iriam ver alguém fazer a coisa mais inacreditável que já tinham visto, e que isto, eles poderiam escrever, porque era o que ia acontecer. Sem dizer mais uma palavra, ele dirigiu-se para onde estava a bela escultura feita pelo seu concorrente. Ele parou em frente a ela e admirou cada detalhe. Depois virou-se para a platéia que ainda estava muda, dizendo que ele mesmo, nunca tinha visto algo tão inacreditável como aquele trabalho, mas que agora sim, todos iriam ver algo verdadeiramente inacreditável.

Então, ele empunhou seu enorme martelo de ferro e com golpes firmes e decididos, CRASH! TUD! TUD! BAM! CRACK! CABRAM! TUNK! CRÁS! CRECK!

Ele destruiu a bela e magnífica escultura de seu concorrente que encantou a todos. Diante dos olhos arregalados dos jurados, da comissão organizadora e da platéia, ele não se cansou de dar marteladas naquela magnífica obra de arte, até que de suas formas perfeitas, não houvesse mais nada. Atônitos, ainda em silêncio, diante do que tinham que admitir, era inacreditável, todos ouviram quando ele disse com voz firme e decisiva, que tinha provado que ele poderia fazer melhor que todos os outros candidatos. Que tinha superado a todos com o que tinha acabado de fazer, e sobre tudo, o escultor da obra de arte que ele destruiu. Naquele instante, ele se proclamou o vencedor do concurso, porque ele tinha feito a coisa mais inacreditável já vista. Ele havia destruído uma verdadeira obra de arte. Revoltados com a atitude dele, a platéia inteira, num tremendo estrondo, como um vulcão quando entra em erupção, vaiou a toda voz. UUUHHHHH!!!! FOOORAAAAA!

Contudo, os juizes após ponderar muito sobre a decisão, o proclamaram como o grande vencedor, deixando a todos sem saber o que dizer. Eles o fizeram, porque perante a lei, destruir uma obra de arte, é o crime mais incrível e a coisa mais inacreditável que alguém possa fazer. A platéia inteira, mesmo não concordando com a decisão, teve que aceitar que ele fosse o vencedor e grande ganhador do concurso, recebendo as chaves do seu carro importado e zero quilometro, enquanto o escultor chorava tristemente sobre o que restou de sua obra de arte, porque Lei é Lei e ela tem que ser obedecida, em qualquer situação.

Mesmo que para isto, seja preciso que se faça, a coisa mais inacreditável que alguém possa fazer.

Autor: José Araújo

domingo, 5 de abril de 2009

UM DIA TALVEZ, ELES POSSAM VIR...





Quem sabe, daqui há dois mil anos eles virão. Talvez, mas ao que tudo indica, é o que vai acontecer, eles possam chegar em suas naves prateadas, que após entrar na atmosfera de nosso planeta, irão atravessar a massa de gases que terá substituído o oxigênio impuro que hoje respiramos, voando sobre o que tiver restado dos oceanos, dos rios e das florestas. Elas estarão protegidas por poderosos campos de força que impedirão que as devastadoras tempestades magnéticas lhes façam algum mal. Jovens humanos vindos do planeta Gaia, a irmã gêmea da Terra do outro lado do Universo, virão conhecer o que sobrou dela depois que interferimos na natureza. Terra. O berço de seus ancestrais.

Curiosos, eles virão visitar monumentos anciões em ruínas, exatamente como fazemos hoje com lugares como as pirâmides do Egito, a cidade perdida de Machu-Pichu, os templos dos Maias e dos Incas e as planícies de Nazca, com seus desenhos tão grandes e detalhados, que só podem ser vistos do alto, e que hoje, nos despertam tanta curiosidade e fascínio, dos quais, nem mais vestígios existirão. Em dois mil anos eles poderão vir. Quando aqui chegarem, poderão encontrar apenas enormes sulcos no solo, onde um dia foram grandes rios como o Amazonas, o Tâmisa e o Nilo, dentre muitos outros. Em lugares onde hoje existem paraísos tropicais, encontrarão paisagens cobertas pelo manto branco da neve, e a Aurora Boreal, poderá estar brilhando num céu avermelhado, sobre as terras do Brasil.

Onde antes haviam muitas fontes verdejantes, em meio a uma natureza esplendorosa, poderão encontrar ao mesmo tempo, deserto e geleiras, dunas de areias, grandes muralhas de gelo e rios de lava incandecente coexistindo lado a lado, como ainda não chegamos a ver. Não encontrarão nada parecido com aquilo que aprenderam nos livros virtuais sobre o que foi planeta azul. Geração após geração, a raça humana no planeta Terra terá chegado ao fim dos tempos de sua existência e terá se tornado em pó. Os sábios de Gaia, ensinarão aos jovens humanos de lá, que os humanos da Terra, do pó vieram e ao pó retornaram, pelas próprias mãos. Quando partirem de seu planeta, os grupos de jovens da nova geração de humanos nascidos em Gaia gritarão excitados:

Vamos para o planeta Terra!

O berço de nossos ancestrais!

Lugar de muitas memórias e imaginação!

Vamos partir!

Então, suas naves virão. Todas elas repletas de novos humanos, loucos para chegar aqui. Ansiosos para conhecer o lugar que deu origem à sua raça. Com a velocidade da luz, eles logo chegarão. Sensores eletrônicos de presença instalados no fundo dos oceanos por mãos humanas do passado, os que ainda tiverem resistido ao caos provocado por nós, indicarão em seus resgistros, o tamanho do grupo de naves que estarão chegando. Ao entrar na atmosfera, que então será composta de gases que hoje nem imaginamos poder existir, terão apenas noção das proporções dos continentes pela sua silhueta escura, destacada na imagem avermelhada do planeta que dantes era azul e que graças aos humanos, se tornou avermelhado. Guias turísticos e mestres em história, mostrarão a eles onde ficavam grandes países, berços de gigantescas nações e suas grandes capitais, assim como as principais cidades e monumentos de cada lugar.

Quando as naves estiverem sobrevoando onde um dia foi um país chamado Brasil, os mestres lhes dirão que lá embaixo, onde estarão vendo apenas vulcões em erupção e fogo saindo do solo por toda parte, um dia foi um país tropical. Um lugar paradisíaco, onde nasceram grandes artistas do passado da humanidade. Alguns conhecidos por nós, outros ainda por nascer. Uma nação onde Caetano Veloso cantava a Tropicália para a alegria da juventude Hippie brasileira. Onde Cecília Meireles escrevia e declamava os mais belos versos e poesias do romanceiro da inconfidência. Lugar onde outro grande artista, Dorival Caymmi, mostrava ao mundo inteiro todo seu talento de compositor para orgulho da pátria amada.

Onde Gal Costa e Maria Bethânia, cantaram e encantaram corações com suas vozes melodiosas. Um país de tantos talentos, de tantas artes, de tantas glórias. O Brasil das obras de Tarsila do Amaral, de Di Cavalcanti e Cândido Portinari. Berço dos grandes mestres da literatura nacional, como Graciliano Ramos; Guimarães Rosa; José de Alencar; Lima Barreto; Machado de Assis; Mário de Andrade; Luiz Érico Veríssimo; João Ubaldo Ribeiro; José Lins do Rego, Oswaldo de Andrade e outros que ainda vão surgir. Quanto desperdício! (Eles dirão) Eles também se perguntarão, porque uma raça tão inteligente, tão sensível, tão cheia de talentos e virtudes, mãe de tantos gênios da arte e da literatura teria cometido um crime tão hediondo assim? Por que tanto ódio de si mesmos? Com uma mente aberta, usando seus 100% de sua capacidade de raciocínio, eles não encontrarão explicação lógica para crime que teremos cometido.

Atônitos, ao ver nas telas de suas naves o registros digitais das imagens do que antes foi o planeta Terra, eles ouvirão os relatos de seus mestres e guias silenciosamente, com um aperto no coração. Enquanto isto, suas naves irão pairar sobre vários locais históricos de onde foi um dia um país maravilhoso, sem igual. Em muitos lugares estratégicos, como no topo do Pão de Açúcar, ou o que sobrar dele após tanta destruição, serão construídos hotéis para acomodar os turistas vindos de Gaia em busca de conhecimento. Neles, haverá sem exceção, atmosfera artificial para maior conforto dos viajantes. Poder respirar sem ser artificialmente, será definitivamente impossível num planeta como a Terra do futuro.

Grande parte dos turistas, pagarão enormes quantias em dinheiro para se hospedar em hotéis construídos em pontos especiais, por apenas uma noite, mas para poder dizer aos seus quando retornarem, que estiveram aqui. Gastarão o que for necessário para poder viver momentos únicos e aterrorizantes de encontro com aquilo que um dia, foi o lar de seus ancestrais. Turismo cultural na Terra, daqui a dois mil anos, poderá ser considerado matéria obrigatória no curriculum de cada ser humano que nascer em Gaia. Em suas naves, durante as viagens de um lugar para o outro no planeta Terra, que um dia será chamado de Planeta Vermelho, muitos passageiros adormecerão porque fugir da realidade através dos sonhos, poderá ser sua única saída para que não fiquem extremamente traumatizados, com tudo que virem de ruim por aqui.

Por entre os gazes nos céus, sobre o que restar dos oceanos, voando sobre grandes geleiras onde um dia foi o sertão brasileiro, eles poderão vir, e eles virão, se os humanos do planeta que hoje é azul não pararem para refletir sobre as conseqüências de seus atos, contra a natureza, contra o meio ambiente, e pior, contra eles mesmos. Quando estiverem satisfeitos com o aprendizado que tiveram visitando o continente sul americano, seguirão viagem rumo a outras paragens. Seu destino, o lugar onde foi o Pólo norte do planeta. Pelas imagens que viram nos livros digitais, o solo de lá antes era coberto pelo gelo e ficava no extremo norte do planeta, mas as imagens reais que irão encher seus olhos de terror, serão as enormes erupções de Geisers, que se lançarão em jatos poderosos de líquidos ácidos e com uma temperatura tão alta, que se atingissem suas naves sem que estivessem protegidas por seus campos de força, seria o seu fim.

Pouco a pouco, lugar por lugar, os novos humanos vindos de Gaia conhecerão detalhes de cada país que um dia existiu na Terra. Algumas naves já mais distantes que as outras, ao sobrevoar o que antes foi uma cidade que se chamava Paris, proporcionarão aos seus tripulantes, a oportunidade de ver surgir do lodo fedorento de enxofre, apenas a ponta de uma imensa estrutura metálica que em sua época de glória, era chamada pelos homens de Torre Eiffel. Um dia, certamente eles virão e se permitirmos que este dia chegue, teremos cometido suicídio, teremos procurado a nossa morte com as próprias mãos. Teremos usado a inteligência que Deus nos deu com a melhor das intenções, infelizmente, para este fim. Teremos matado aos poucos, desde os primórdios dos tempos, a nós mesmos e a todos os seres vivos que Deus criou.

O planeta vermelho do futuro, que hoje conhecemos como azul, terá resistido a tantas barbaridades, a tantas atrocidades, mas estará moribundo, e deserto, porque não mais estaremos aqui. Ele estara pedindo clemência para que acabem com seu sofrimento, com sua agonia. A Terra estará gritando de dor, e seu pranto, será ouvido através da imensidão do Universo sem fim. Ela estará implorando ao todo poderoso, ao nosso criador, que faça com que chegue para ela, assim como chegou para nós humanos, o dia do juízo final.


Daqui a dois mil anos, ou até muito menos, um dia talvez, eles possam vir...

Será que ainda há tempo para mudar o rumo que as coisas estão tomando?

Vamos deixar que o pior aconteça por causa de nossas atitudes impensadas?

Responda sinceramente, mas não a mim, o escritor e autor deste conto, mas a sí mesmo, contudo, pense bem antes de responder...

De minha parte, do mais fundo de meu coração...

Eu espero que não...

Autor: José Araújo