Manhã de segunda feira, os primeiros raios de sol iluminam a praça da Sé em São Paulo e por toda a praça pode-se ver pessoas sem teto ainda dormindo pelos cantos, pelos bancos, abandonados à sua própria sorte.
Uma grande quantidade de pessoas, que ali vivem, tomam seus banhos e lavam suas roupas nas águas da fonte da praça, onde muitos meninos e meninas sem casa, sem família passam seu tempo nadando a despeito da proibição da polícia.
Alguns sem teto tem uma historia com “h” outros tem estória com “e”, mas um ponto em comum todos eles tem, ou seja a carência afetiva, uma necessidade que talvez para muitos não seja satisfeita.
Entre homens, mulheres e crianças sem teto, que vivem na imensa praça da Sé, muitos passam seu tempo tentando fugir da polícia escondendo-se em lugares inimagináveis para nós transeuntes que pela praça passamos todos os dias.
Vida difícil, vida sofrida, muitas doenças, fome, frio, intempéries das mais diversas, falta de amor, falta de carinho, falta de compreensão, vida difícil até mesmo para levar adiante no meio de tantos bandidos, traficantes e outros tipos de gente de mau caráter que abusam destes pobres.
Existem muitas historias com “h” nas vidas de muitas destas pessoas carentes e em muitos casos, já tiveram antes outras condições de vida, outros padrões e sem sequer saber como, vieram parar ali, naquele purgatório a céu aberto.
Certa vez, conheci uma mendiga muito especial, uma velha senhora, suja, maltrapilha, pés descalços, mas com um olhar que mostrava sua alma, sua essência, sua espiritualidade e eu a conheci quando ia em direção ao Poupa Tempo e ela se dirigiu a mim e me falou com uma voz que penetrou fundo em meu coração:
O Senhor teria um momentinho, por menor que seja para me conceder sua atenção?
Naquele momento eu não tinha outra opção a não ser parar e dar a ela toda a minha atenção.
Ao perceber que eu iria lhe dar minha atenção, ela me olhou bem nos olhos, com um semblante calmo e sereno, apenas esmaecido, escondido pela sujeira e começou a falar:
Caro Senhor, sou hoje uma mendiga, não tenho casa, não tenho família, muitas vezes passo dias sem comer e quando como, são sobras ou as sopas e lanches que algumas almas boas nos trazem aqui nesta praça, mas já tive muito, tive conforto, família, amor e carinho dos meus filhos e marido, mas o destino os levou a todos para sempre, eu entrei em parafuso, perdi a noção da vida e aqui estou lhe pedindo um simples momentinho de sua atenção.
Enquanto boquiaberto eu a ouvia, não pude deixar de me perguntar:
Deus como uma pessoa tão inteligente, que fala tão bem e tem tão bons modos esta aqui, neste lugar?
O que poderia ter feito com que ela chegasse a este ponto, mesmo com a perda da família?
Impossível dizer, só ela poderia dizer, somente ela saberia, bem lá no fundo de seu coração, que motivos a trouxeram a este purgatório de onde poucos escapam com vida em pleno centro da maior Capital do País.
Ela continuou dizendo:
Percebo seu espanto com meus modos e vejo pelos seus olhos que o senhor tem um bom coração e uma alma iluminada, daí meu senhor eu só queria lhe pedir uma coisa muito importante para mim, que neste momento não posso ter.
Ouvi bem o que ela disse e no primeiro momento pensei logo que se tratava de dinheiro, mas disse a ela para continuar.
Até então ela não havia me dito seu nome e foi naquele momento que ela me disse:
Meu nome senhor é Elisabeth e meus sobrenomes são quatro, mas hoje em dia, nada mais representam para mim e sendo assim pode me chamar de Lili, se assim o senhor preferir.
A cada instante eu ficava mais impressionado com ela e mantive o silêncio, enquanto ela seguia em frente explicando seu pedido.
Senhor eu achei numa lata de lixo um pé de orquídeas e ele esta muito fraquinho, quase morrendo e eu já cultivei muitas orquídeas em minha vida e sei muito bem como cuidar delas, mas como o senhor pode ver, não posso nem cuidar de mim mesma, mas eu gostaria muito de salvar o pé de orquídea, o que para mim iria representar muito mais do que qualquer bem material que o senhor pudesse me dar.
Eu só queria que o senhor se pudesse, comprasse ali na Praça João Mendes, na loja de flores, um vasinho de xaxim, uma barrinha de xaxim e um saquinho de terra vegetal com o que eu poderia tratar do pé de orquídea do jeito que eu sei fazer, posso salva-lo, cuidar dele e ainda ter um ultimo prazer na vida, o de ter um pé de orquídea florido em minhas mãos, só meu, para que eu possa alimentar minha alma com sua beleza, com sua delicadeza.
Não pude conter minha emoção e as lágrimas rolaram ali mesmo, em minha concepção não poderia existir no meio daqueles sem teto, ninguem, mas ninguem mesmo, igual a Dna.Lili e naquele momento eu pude sentir a mão de Deus, agindo de uma maneira que muitas vezes não compreendemos, mas que não tem outro intuito a não ser nos ensinar e viver.
Dna. Lili, apesar da aparência física, de suas roupas e do mau cheiro que notadamente vinha de suas roupas molhadas de suor, talvez mesmo até sem terem sido lavadas a meses, tinha uma aura que qualquer pessoa com senso de humanidade conseguiria enxergar, tamanho era seu brilho.
Quase sem poder pronunciar uma palavra audível, pedi a ela que me esperasse enquanto eu iria comprar o que havia pedido.
Sai de lá cabeça baixa, refletindo sobre a razão de nossa existência no mundo e a caminho da loja de flores tive que parar para dar atenção a um cliente que encontrei na rua.
Nesta minha parada, demorei mais do que imaginava, mais que uma hora e meia, mas não tirava Dna.Lili do meu pensamento, rezava para que ela estivesse ainda me esperando,não via a hora de entregar a ela os apetrechos que poderiam salvar seu pé de orquídeas.
Após comprar o que ela havia pedido voltei ao local para entregar a ela e não mais a encontrei, indaguei a várias pessoas do lugar até que um deles me contou que uma meia hora atrás Dna.Lili havia tido um mal estar súbito, caiu e antes de ser levada pelo socorro ela veio a falecer, tendo sido levada já morta, mas o homem que me deu a informação disse que ela quando caiu no chão, ainda segurava com as duas mãos uma plantinha, que ela mantinha encostada em seu peito, como se quisesse protege-la de alguma coisa.
O homem que contou como tudo aconteceu, com certeza não conhecia um pé de orquídea e para ele, aquilo não tinha sentido, mas eu que pude sentir a verdadeira essência de Dna Lili, sei que na verdade ela era um anjo, um anjo muito lindo, que havia vindo à terra, para me mostrar que as coisas mais valiosas estão dentro de nossos corações e a verdadeira beleza esta na alma, não na aparência física da qual nada levamos quando partimos deste mundo.
Sempre que me lembro dela, choro, choro sim, de emoção, por ter sido privilegiado ao receber esta lição de vida, dada por um anjo tão lindo, que desceu dos céus para esta selva de pedras da cidade grande e eu fui abençoado por Deus ao receber sua luz, em plena Praça da Sé, no coração de São Paulo.
Na vida, nem sempre o que vemos é aquilo que deveriamos enxergar, pois em nossa ignorancia, julgamos nossos semelhantes pela aparencia externa, não nos preocupamos em saber como são por dentro, qual a musica que ecoa no ritmo e na cadencia das batidas de seus corações, em nossa descrença na humanidade, julgamos todos por um, mas Deus é quem sabe como e porque ele coloca anjos como Dona Lili em nossos caminhos, pena que na maioria das vezes nem percebemos a presença deles entre nós.
Autor: Jose Araujo
2 comentários:
Que bela história!
Espero que você tenha plantado um pé de orquídeas no vasinho.
E que Dona Lili esteja bem, no céu.
Hoje, minhas flores e estrelas vão para ela!
E prá você, um abraço!
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essas crónicas suas é bom de mais vc tem um dom de deus, que ele só dar quem merece é vc é um tudo de bomcontinuem assim
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