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sábado, 19 de julho de 2008

O LAGO DAS BATATAS

Todo mundo não via a hora de partir para as férias e ela se lembra ainda hoje, quantas e quantas noites de véspera de viagem ela passou sem dormir de tanta excitação e quantas vezes ao chegar lá ela sentiu como se seu estomago estivesse vazio, aquela mesma sensação estranha, que a gente sente quando se apaixona por alguém. A fazenda tinha nela um grande lago que havia recebido o nome de Lago da Batata, ele tinha este nome não porque você podia pescar batatas nele, mas porque a propriedade de Nhá Maria sua avó, tinha uma enorme plantação de batatas que abastecia grande parte das cidades vizinhas e região. Ana Maria lembra de quando aprendeu a ler e começou a compreender as coisas, ela achava lindo e adorava ver todos aqueles barquinhos na beira do lago, cada qual com um nome que sugeria uma ligação profunda com o nome do lugar, tais como, “Batata Frita”, “Batata Chips”, “Batata Palha” “Batata Boat” e havia tambem os pedalinhos, cada um uma cor que eram chamados de batatinhas, além do que, para alegria da criançada, todos os dias o almoço era servido em mesas de madeira, colocadas estrategicamente às margens do lago, embaixo de frondosas arvores de eucalipto, de onde se podia ter uma vista ampla do lugar e a comida, bem, esta então, era a grande atração, a paixão de todo mundo, sua avó servia a todos, arroz, feijão, bife e é claro, batata frita. Nhá Maria era uma figura constante na vida de todo mundo que freqüentava o lugar, fossem parentes ou amigos, seu sorriso que iluminava totalmente seu rosto encantava a todos que a conheciam e a partir daí, jamais deixavam de vir visitá-la, de trazer seu carinho, amor e respeito por ser tão especial.




Aos 78 anos de vida ela era talvez a pessoa mais ativa na fazenda quando chegava a época das férias, pois queria sempre que tudo estivesse perfeito para a chegada da família e dos amigos que lhe traziam tanta alegria e calor ao coração. Ela sempre foi de planejar brincadeiras paras crianças, jogos e passatempos para os adultos, mas dava sempre uma maior atenção ao inventar atividades que envolvessem tanto as crianças, quanto adultos, para que de uma forma sutil, cada um pudesse perceber que mesmo quando já adultos, há sempre uma criança adormecida dentro de nós, apenas esperando que em algum momento alguém nos chame para brincar de “Amarelinha”. Nhá Maria era baixinha, tinha 1,60m de altura, era magrinha, usava seus cabelos sempre presos num coque bem arrumadinho no alto de sua cabeça e usava vestidos de chita estampados e coloridos, sempre com motivos de flores que eram sua grande paixão. Com sua pele morena, seus cabelos brancos e olhos azuis da cor do céu, a faziam ainda mais do que especial, não havia que não admirasse e destreza e rapidez com que ela executava todas as tarefas diárias, alem de dar atenção, carinho e amor a todos que a rodeavam. Ela era extremamente sentimental e parecia sempre ter uma lágrima nos olhos quando ouvia uma musica no rádio, quando ouvia um pássaro cantar pela manhã em sua janela ou quando assistia o sol nascer por detrás das montanhas, mas certamente muitas outras lágrimas vinham quando ela recebia um beijo ou um abraço de uma criancinha. Ela sempre soube encontrar algo positivo em todo mundo que ela conhecia, mesmo que de vez em quando isto fosse muito difícil, mas com seu amor ela sempre descobriu belezas há muito escondidas nos corações mais duros e sempre deu um jeitinho de fazer desabrochar neles uma linda flor, mesmo que para isto, ela tivesse que surgir do meio de um lamaçal.




Ana Maria sempre se lembrará do que ela dizia quando encontrava alguém mais duro, mais frio e séptico com relação á vida, ela dizia com uma voz que transmitia toda a força da fé e dor amor, que Deus nos fez a todos e esta dentro de todos nós. As prioridades na vida de Nhá Maria sempre foram Deus, a família, os amigos e uma vida simples e feliz e para isto, ela diversificava suas atividades, fazia parte do grupo de senhoras de sua igreja, onde podia ajudar outras pessoas de formas diferentes e isto lhe trazia muita alegria em poder se doar um pouco mais. Todos os anos ela fazia uma grande festa na fazenda para angariar donativos para a ajudar a população carente de muitas cidades vizinhas e era tão ativa ainda aos 78 anos, que participava efetivamente na competição de barcos, remando como se daquilo dependesse sua vida e atravessava o lago de ponta a ponta, sem demonstrar nenhum cansaço, sempre sorrindo, abraçando e beijando a todos, pois para Nhá Maria, a vida sempre foi uma festa e ela sempre envolveu a todos neste espírito positivo e por isto as pessoas se sentiam outras ao lado dela, como tinha que ser. No outono de 1990, ela teve diagnosticado um câncer e é claro, todo mundo ficou absolutamente devastado com isto, mas no coração de Ana Maria, de alguma forma ela sabia que no final, tudo seria de acordo com a vontade de Deus. Ano após ano, desde a descoberta da doença, durante todos os tratamentos e sofrimentos com a quimioterapia, com perda de seus cabelos, com a tristeza da família, ela nunca perdeu a fé em Deus e a vontade de viver, sempre que alguém lhe parecia triste ela dizia que Deus sabe o que faz e que o que quer que ele houvesse designado para ela, todos deviam aceitar com respeito, pois era a vontade de Deus e nestes momentos, o sorriso que brotava em seu rosto, fazia com que lágrimas sentidas corressem livremente no rostos de quem a estivesse ouvindo, tendo seus corações mais uma vez, preenchidos pela fé e pelo amor que ela tinha o poder de transmitir.




Em 1993 Nhá Maria foi parar numa cadeira de rodas e a esta altura já tinha que ser alimentada por tubos, mas seu olhar, ele era o mesmo de antes, havia neles o brilho da vida e da crença na existência de um Deus todo poderoso e mesmo sabendo que sua morte estava próxima, todos já estavam acostumados com a idéia, era questão de tempo e quando a hora se aproximou, ela pediu para ver o padre da capela da cidade e quando ele chegou ela parecia estar vendo um anjo e disse a ele com uma voz que poderia derrubar por completo todas as barreiras que são compostas pelo ódio, pelo rancor, pela inveja e pelo ceticismo e suas palavras foram:


“Padre, o senhor sabe que nunca tive medo da morte porque eu sei para onde estou indo, eu não quis partir antes porque eu sabia que minha família ainda não estava pronta para aceitar minha partida, mas agora eu sei que eles estão e por isto vou partir padre, mas antes peço sua benção em nome do Senhor”.


E enquanto recebia a benção do Padre, Nhá Maria partiu calmamente, foi morar lá no céu, foi ficar ao lado de Deus nosso senhor, onde é o lugar de todos aqueles que acreditam nele e tem fé de que a vida não é passageira, que ela é muito mais do que a maioria enxerga, que ela em si, é uma benção divina, que aqueles que a recebem dele, é porque foram escolhidos para trazer ao mundo, mais uma prova de seu poder. Hoje já não há mais a presença física de Nhá Maria na fazenda, porém seu espírito iluminado esta presente o tempo todo nas mentes e nos corações daqueles que sempre a amaram e a tradição que se iniciou há séculos atrás não foi interrompida, a vida segue seu caminho e agora, outra avó tomou o lugar de Nhá Maria no Lago da Batata, sua filha, Albertina, mãe de Ana Maria, que aprendeu com ela os caminhos da luz e os filhos de Ana Maria, assim como todos as outras crianças da família ao longo das gerações, nem dormem na véspera da viagem de férias, de tanta excitação.



Texto: José Araújo


Fotografia: Camarim - Fotógrafo: José Araújo

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro José,

Parabéns pelo seu trabalho e sucesso!!! Desejo toda felicidade para você e sua família.

Forte abraço!

Gi, agora de Curitiba, lembra de mim?