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domingo, 19 de abril de 2009

A ARVORE DO CONHECIMENTO...





A noite escura e a lua aparecendo de vez em quando por detrás das nuvens, davam a nítida impressão de cenas de filmes de terror, onde os personagens principais são vampiros e lobisomens. Enquanto a lua ficava escondida, mal dava para se ver onde pisar. Barulhos estranhos que soavam por todo o lugar davam mais ênfase ao clima sombrio. Chiados e correria de ratos e ratazanas e o bater de asas de pássaros noturnos, conspiravam para fazer com que qualquer um que não estivesse acostumado ao ambiente se arrepiar. Do córrego fedorento que era usado para se despejar todo tipo de sujeiras, inclusive descargas de banheiros, sem a luz do luar só se podia ouvir o ruído das águas correndo ao lado da favela. Na maior parte de sua trajetória, ele corria na parte de trás dos barracos, mas no trecho em que ele seguia seu rumo ao lado de uma viela, era preciso tomar muito cuidado para não escorregar e cair dentro dele. Em qualquer canto, em qualquer viela, a delinquência e os atos ilícitos eram uma constante no lugar.
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Quando acontecia da luz da lua passar pelas densas nuvens sombrias que pairavam no céu, seus raios eram refletidos nas águas do riacho e nos olhos de gatos e cachorros que perambulavam por toda parte. Naquela favela, envolta pelo clima de medo e mistério, com tantos perigos, com tanta pobreza, tantos crimes e violência, morava um verdadeiro estudante. Um verdadeiro leitor. Seu nome era Gabriel. Seus pais haviam falecido quando ele tinha oito anos e depois disto, ele foi viver com uma velha tia que morava de favor num dos barracos da favela. Quando completou dez anos de idade, sua tia também veio a falecer. O dono do barraco era um dos traficantes de lá. Retomando o barraco onde a velha senhora morava para dar a um dos seus parceiros, para não deixar Gabriel na rua, sem ter onde morar, ele deixou que o garoto ficasse numa espécie de quarto, tão apertado que mais parecia um caixote e ficava em cima do barraco do traficante.
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Ele era tão incomodo, que nem dava para Gabriel esticar as pernas quando deitava no chão duro e úmido para dormir. Era uma vida de cão. O garoto tinha tido a sorte de ter ido pelo menos por três anos à escola onde aprendeu a ler e a escrever. Muitas noites, sem ter o que comer, ele pegava folhas de jornais e revistas que ele tinha encontrado no lixo e para se distrair, ficava lendo e relendo as mesmas coisas que já tinha lido por inúmeras vezes, até finalmente adormecer. Era como se lendo ele estivesse se alimentando. Para ele conhecimento era o alimento da alma. Quando sua mãe ainda estava viva, ela costumava se cansar de chamá-lo para o almoço ou jantar, mas ele preferia acabar de ler. Agora, só no mundo e vivendo às custas de favores e doações, não eram poucas às vezes em que ele ficava sem comer. Sem nenhuma renda e sem um adulto para cuidar dele, ele vivia como era possível. Seu maior prazer, era quando encontrava um velho livro jogado fora.
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Mesmo que faltassem algumas páginas, com sua capacidade de raciocínio aguçada, ele ficava imaginando o resto. Ao contrário dos outros garotos de sua idade que moravam na favela, ele conhecia o mundo, sem sair do lugar. Ele sabia de cor e salteado os nomes de todas as capitais de todos os países. A descoberta de que se aprende lendo, desde pequeno o encantou. Ficava fascinado quando descobria algo diferente nas folhas de jornais e revistas, que muitas vezes ele encontrava no chão das vielas por onde passava.
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Ele era diferente aos olhos dos outros garotos da favela e dos adultos também.
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Dentro dos vários grupos de moleques soltos no mundo por pais irresponsáveis e até mesmo marginais, eram poucos os que tinham entrado no mundo das drogas e conseguido sair sem sofrer represálias por parte dos traficantes, e isto, quando conseguiam sair. Toda semana, ele ouvia os moradores dizer que um deles havia sido encontrado morto. Uma hora por overdose, outra por assassinato. Como em todo lugar, tem gente boa e gente ruim. Naquela favela, existiam pessoas de bem, decentes, tementes a Deus e com boa índole, mas infelizmente lá, a grande maioria, era voltada para o mal.
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Os grandes bandidos tomavam conta da favela e eram eles que ditavam as leis naquele lugar. A maioria dos barracos, eram iluminados por ligações clandestinas feitas diretamente dos postes de iluminação pública que havia apenas numa rua que passava ao lado da favela. Em seu pequeno quarto Gabriel não tinha luz. À noite, quando ele queria ler alguma coisa, acendia um toco de vela e era assim que ele conseguia fazer o que mais gostava na vida antes de dormir. O jovem estudante, que mesmo não frequentando escola nenhuma, aprendia o tempo todo lendo tudo que encontrava pela frente e apesar de toda sua inteligência e conhecimentos, ele não tinha ainda idade para trabalhar. Ele era muito pobre e quando comia direito, era porque almas bondosas lhe davam o que comer. Roupas, ele só tinha algumas poucas, muito velhas e remendadas. Pobre, só no mundo, sem nenhum bem material que fosse seu, dia após dia, ele lia e aprendia cada vez mais. O dono do barraco morava na parte de baixo e utilizava seu espaço para o tráfico de drogas. Durante o dia ou durante a noite, o barraco era muito movimentado.
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Pessoas das mais estranhas entravam e saiam de lá ha todo momento. Eram garotinhos usados como aviõezinhos como os traficantes os chamavam, eram os "clientes" e "parceiros" que num fluxo de se espantar, faziam movimentar milhares de reais em plena favela enquanto a pobreza dos verdadeiros moradores era de se assustar. Crianças, jovens adolescentes, adultos e pessoas com mais idade eram atraídos para as drogas das maneiras mais inimagináveis possíveis. O dono do ponto, este era rico. Morava no barraco como disfarce para sua atividade, mas tinha de tudo. Em seu espaço, infinitamente maior do que o cubículo em que morava Gabriel, ele tinha aparelhos Som de última geração, TV Digital, Celulares, Refrigerador Duplex, computador, dentre tantas outras coisas que pelas vias normais, só poderiam estar nas casas de pessoas que trabalham ganhando um bom salário, para poder conseguir comprar tudo aquilo. Enquanto o dono do barraco tinha tudo e se gabava de poder ter o que quisesse, Gabriel não tinha nada além de um livro velho que ele tinha achado há muito tempo e que não deixava de ler todos os dias. Nem mesmo um colchão ele tinha para dormir.
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Mesmo com a vida difícil que ele levava, nunca se envolveu ou se deixou levar para mau caminho. Muitas vezes, os delinquentes que encontrava pelas vielas por onde tinha que passar, tentavam obriga-lo a experimentar as drogas, mas com sua astúcia e inteligência, ele sempre se esquivou deste mal. Os amigos e “parceiros” do dono do barraco, sempre riam dele e faziam piadas de mau gosto, insinuando que ele não era "macho", que não era homem nem para provar que podia fazer muitas coisas que eles faziam. As palavras deles nunca ficaram nas lembranças de Gabriel. Parecia a todos que ele tinha alguma coisa de anormal, afinal, todos se enturmavam e facilitavam as coisas uns para os outros, mas ele não. Certo dia, Betão, o dono do ponto, começou a ficar curioso com o comportamento de Gabriel. Ele não tinha luz em seu cubículo, mas quando Betão olhava para cima de seu barraco quando caminhava pela viela à noite, ele sempre via uma estranha luz.
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Certamente não era a luz de uma vela. Muito menos, de uma lâmpada comum. Era algo diferente e ela só se apagava, bem tarde da noite. Fazendo girar a sua mercadoria sem parar, mesmo sem ter muito tempo para se preocupar com o que Gabriel fazia em seu cubículo à noite, ele não deixava de pensar naquilo. Dia a dia ele passou a observar Gabriel durante o dia e por poucas vezes à noite quando entrava e saia de lá. Ele não se envolvia com a gente do tráfico. Não tinha amigos e sempre andava só, mas tinha sempre em seu rosto um sorriso para as pessoas que o cumprimentavam ao passar por ele. Dizer muito obrigado era costumeiro em seu vocabulário e uma regra em sua vida. Com seu jeito humilde de ser, ele sabia ser agradecido pela ajuda que algumas pessoas lhe davam quando podiam. Ele tinha um "quê" que nenhum dos outros garotos da favela tinha. O ser humano, curioso por natureza, pode chegar a extremos para satisfazer sua curiosidade e numa noite, quando já ia se deitar, Betão subiu pé por pé a escada de madeira que levava até onde Gabriel dormia.
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Silenciosamente, ele se aproximou da porta improvisada feita com uma placa de madeira compensada e por uma fresta na madeira rachada, se pôs a olhar furtivamente o que o garoto estava fazendo, invadindo a sua privacidade, o que para ele, como um marginal e fora da lei, era normal. Naquela noite a luz que se podia ver saindo até mesmo pelos buracos feitos por pregos arrancados da madeiras do barraco, era intensa. Era algo que parecia ser sobrenatural. Quando Betão colocou os olhos encostados na fresta, ele pode ver Gabriel sentado num velho engradado em frente a uma mesa improvisada com um caixote de madeira. Ele estava lendo. O que mais chamou a atenção do traficante, foi que ele estava iluminado como se estivesse em pleno dia. Aquilo já era demais. Forçando um pouco mais a vista por causa da luz, ele pode ver que o garoto sorria. Havia em seu semblante uma paz e uma alegria que para quem vivia a vida que ele levava e ainda morando naquele cubículo, extremamente desconfortável e tão apertado, não podia ser. Betão se afastou um pouco, coçou a cabeça sem saber o que pensar.
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Mais curioso ainda, ele se lembrou que havia um outro buraco por onde ele poderia ver melhor. Sorrateiramente, tal como uma serpente que se prepara para atacar sua presa, ele desceu da escada, saiu do barraco e contornou o mesmo, onde havia uma outra escada maior encostada na parede. Betão subiu nela e ao chegar na altura do buraco, ele olhou para dentro do cubículo de Gabriel. Naquele momento ele ficou paralisado. A visão que ele teve foi muito além da mais fértil imaginação. Do velho livro que Gabriel lia, saia uma árvore que parecia se feita de luz. Seu tronco que saia bem do meio do livro, subia quase ao teto e seus galhos, estavam espalhados sobre o garoto. Ela era tão linda, tão maravilhosa e as folhas de seus galhos, iluminadas como se tivessem luzes próprias balançavam suavemente, e olhando bem, os cabelos de Gabriel balançavam também. Nela havia lindas flores. Todas elas tinham o formato de uma estrela brilhante. Como as estrelas do céu. Havia também frutos, mas no lugar de frutos, havia cabeças e elas eram de todas as cores, de todas as raças.
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Cada qual com uma expressão mais bela que a outra. Em cada olhar o brilho da inteligência e de sabedoria. Ainda tomado pela emoção da surpresa, sem poder mover um músculo sequer, Betão sentiu que lá de dentro vinha um cheiro delicioso de grama verde. Coisa que para um barraco, às margens de um riacho que era um esgoto a céu aberto, era impossível de acontecer. Gabriel, com as pernas cruzadas sorria enquanto lia. A cabeças pareciam falar com ele e ele parecia ouvir. Havia também uma musica linda e suave que tocava o tempo todo. De vez em quando, ele balançava a cabeça em sinal de aprovação, outras vezes, como se não acreditasse no que lia, mas estava maravilhado do mesmo jeito. Betão foi tomado por um sentimento profundo. Era um misto de inveja e encantamento. Ele daria tudo para estar no lugar de Gabriel e ele poderia estar à força, se conseguisse se mover. Afinal, ele sempre pode tudo. Do fundo de sua alma, ao ver tudo aquilo, ele sentia que Gabriel tinha em suas mãos o maior de todos os tesouros e que seu dinheiro sujo, não poderia comprar. E lá ele ficou.
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Foram algumas horas na mesma posição em cima daquela escada. Nenhum músculo se movimentou em seu corpo. Em certo momento, Gabriel bocejou de sono. Olhou para o livro, e sorriu. Ele estava feliz. Quando ele o fechou delicadamente, a árvore foi engolida pelo livro como num passe de mágica e a luz se apagou. Naquele momento Betão conseguiu se movimentar. Não que ele estivesse cansado de ficar lá, na mesma posição, mas ele ficou contente por poder voltar para seu barraco, deitar em seu colchão e pensar sobre tudo aquilo que ele viu. Assim foi. Deitado, olhando para o teto, ele varou a madrugada pensando. Então era por isto que Gabriel era diferente e sempre feliz mesmo sem ter nada de seu na vida. Aquela visão, uma constante em sua memória, foi amolecendo o seu coração. Ele relembrava das coisas horríveis que ele fazia com garotinhos em idade escolar. Ele refletiu sobre muitos aspectos de sua vida. Lembrou-se de como sofreu abusos em sua infância e como tudo que sofreu refletiu em sua personalidade e comportamento. Reconheceu que todo o poder que ele tinha e todo dinheiro que conseguia vendendo as drogas, na verdade, não tinham o menor valor.
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Do que lhe servia ter de tudo? Os melhores e mais modernos aparelhos eletrônicos. Carro novo que ficava escondido numa garagem longe da favela. Ele na verdade, tinha tudo, mas ao mesmo tempo, não tinha nada. Ele que sempre se proclamou dono da verdade na favela e ditava as leis que ele mesmo criava, não sabia nada de nada, mas Gabriel sim. Ele tinha um tesouro incalculável. Algo tão precioso e valioso que ele não tinha, porque nunca procurou. Ele tinha o conhecimento e isto, ninguém pode tirar de ninguém. Em suas reflexões ele se arrependeu amargamente por ter fugido da escola depois de ter cabulado aulas quase todos os dias, no pouco tempo que ficou na escola onde sua mãe o matriculou. O grande tesouro de Gabriel era aquele livro. O mistério daquela luz estranha e maravilhosa que tanto lhe chamou a atenção, até que ele resolveu investigar, era aquela arvore. Era lá que estava a chave do segredo de sua paz, de sua personalidade diferente, de seu semblante sempre acompanhado por um sorriso, mesmo nos piores momentos de sua vida.
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Betão queria muito que aquele livro fosse dele. Que ele pudesse se sentar embaixo dos galhos daquela árvore mágica que saia dele, mas ele sentiu do mais fundo de seu coração que não era justo nem correto, roubar o livro do rapaz. Antes de ter presenciado aqueles momentos de pura magia no cubículo onde morava Gabriel, ele simplesmente roubaria o que quer que fosse. Bastava ele querer para ter. Ele penas tiraria o objeto do dono, sem pedir permissão, afinal, naquele lugar ele sempre foi o chefão todo poderoso, mas agora não mais. De alguma forma, ele sentia que precisava proteger aquele grande tesouro de ser roubado de Gabriel, muito menos queria correr o risco daquele objeto de infinito valor ser destruído de alguma forma. Noites e noites se passaram. Sempre que podia, Betão ficava olhando Gabriel embaixo daquela arvore maravilhosa e aquela visão lhe dava uma paz e um sentimento que ele nunca teve na vida. Algo começou a tomar conta de seu coração. Ele queria o bem de Gabriel. Aprendeu a respeita-lo por ser tão especial assim.
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Secretamente ele começou a fazer uma coisa que ele não fazia há muito tempo. Ele começou a ler e lendo ele começou a aprender. Ele conheceu lugares que nem imaginava que existiam. Povos e costumes de todo canto do mundo. Ele aprendeu a viajar sem sair do lugar e quando ele lia escondido dos outros marginais, ele tinha a nítida impressão de que estava embaixo daquela mesma arvore que ele viu no cubículo de Gabriel. Dia após dia, escondido dos "clientes" e “parceiros” do tráfico, ele aprendia mais e mais. Sempre que podia, ele comprava um livro diferente e quando acabava de ler, emprestava a Gabriel que na primeira vez em que ele lhe ofereceu um livro emprestado, nem acreditou. Betão começou a agir estranho para os manos do pedaço. Não queria mais que o chamassem pelo apelido, mas sim de Roberto que era seu nome. Passou a ir a teatros, ao cinema, chegou mesmo a ir ao Teatro Municipal assistir uma ópera escondido, é claro, dos outros delinquentes e ele sempre foi um deles, mas depois de saber da origem da Arvore do Conhecimento e conhecer seus encantos, aos poucos estava deixando de ser.
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Roberto, o ex-Betão, gradativamente foi mudando sua vida. Fez um acordo com outro traficante e passou seu ponto e a clientela, porque não tinha outra coisa a fazer. Ou ele passava o negócio para a frente, sou seria morto pelos outros marginais. Feito isto, ele se mudou de lá e arrumou um emprego. Foi trabalhar numa biblioteca onde tinha ao alcance de suas mãos, os maiores tesouros literários da humanidade. Na mudança, ele levou Gabriel para morar com ele e dividiam o mesmo quarto no novo barraco, assim como tudo que ele tinha. Após a fase de adaptação ao novo lugar onde foram morar, ele fez questão de custear a volta de Gabriel para a escola e garantiu que ele nunca mais ficaria só neste mundo. Roberto saia cedo para trabalhar, deixava dinheiro para Gabriel tomar o ônibus para ir e voltar da escola e quando voltava à noite, eles sentavam juntos na mesa para jantar. Um dia, Gabriel ainda atônito pela mudança de Roberto, com muito jeito perguntou como ele pode mudar tanto.
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O ex-traficante e marginal, que agora era um homem de bem, que cuidava de seu "filho" que surgiu como milagre em sua vida, olhou bem em seus olhos e lhe contou seu segredo. Ele disse com lágrimas nos olhos, que o milagre aconteceu, porque sem Gabriel saber de nada, ele havia visto sair do livro que ele estava lendo numa certa noite, há muito tempo atrás, a árvore mais linda que alguém pode ver na vida. Que o havia visto, sentado naquele engradado de madeira, no cubículo onde ele vivia, com fome, com frio, sem ter nem mesmo um colchão para se deitar e dormir, mas alegre e feliz, porque estava embaixo dos galhos da Arvore do Conhecimento, que sempre o iluminou com sua luz, fazendo ele ser o garoto especial que era. Emocionado Gabriel sorriu e o abraçou. Por alguns momentos eles ficaram abraçados, com lagrimas correndo nos olhos de ambos, mas de repente, um tiro se fez ouvir. Roberto olhou para trás. Virou-se novamente para Gabriel e caiu...
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Uma bala perdida o havia acertado nas costas, na altura de seu coração. Se as posições dos dois fossem diferentes, seria Gabriel quem teria sido atingido. O garoto mais do que depressa tentou socorrê-lo, mas foi tarde demais. A bala havia perfurado seu pulmão e se alojado próxima ao seu coração. Gabriel ajoelhado, com a cabeça de Roberto no colo, gritou por socorro, mas ninguém apareceu. Outros disparos foram ouvidos em meio à escuridão da noite. A favela emudeceu. Todos os moradores ficaram em seus barracos. Ninguém se atrevia a sair, nem mesmo para prestar socorro a alguém. Roberto não teve chance nem mesmo de ser socorrido e levado a um hospital. Ele partiu deste mundo nos braços de Gabriel, mas antes de morrer, teve tempo de dizer ao garoto, que um dia, se Deus permitisse que ele voltasse para pagar seus pecados e se redimir de tudo de ruim que ele fez nesta vida, ele queria que pelo menos, pudesse ter mais cedo, a chance de poder ver surgir novamente de dentro de um livro, a Arvore do Conhecimento.
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Emocionado, com seu jovem coração sangrando mais uma vez na vida, ele viu seu novo amigo e protetor partir. Mais uma vez ele estava só. Mas a vida nem sempre nos traz coisas ruins, umas atrás das outras. Quando vieram recolher o corpo de Roberto, junto com a equipe veio uma policial técnica que ao ver Gabriel, não conseguia tirar os olhos dele. Assim que o corpo foi removido, ela se aproximou dele e para cumprir seu dever começou a preencher um relatório de rotina. Ao questioná-lo sobre muitas coisas, ela ficou impressionada com a educação e desenvoltura dele. Após ter cumprido sua obrigação preenchendo o relatório com muito profissionalismo, ela se afastou por uns instantes de Gabriel, pegou o celular, fez algumas ligações. Gabriel observava intrigado. Enquanto ela falava com as pessoas do outro lado da linha, sua expressão mudava constantemente. Por vezes ela parecia triste, por outras, pensativa, e às vezes, ensaiava um sorriso.
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Entre uma ligação e outra, ela olhava para Gabriel. De acordo com a Lei, não tendo parentes, sem ninguém da família para cuidar dele, seu destino seria ir para o Juizado de Menores e de lá, encaminhado para um reformatório. O coração de Gabriel batia acelerado. Ele sabia qual era seu destino e pedia a Deus que fizesse em sua vida mais um milagre. Que de alguma forma ele não fosse obrigado a ir para um lugar de onde ele tinha medo, porque ele sabia que quem entrava lá, se fosse bom, saia ruim e se fosse ruim, saia pior. Curioso, meio desconfiado, sem saber o que mais de ruim poderia acontecer com ele, ao lado de outro policial ele ficou. Em dado momento, depois de quase uma hora de conversas pelo celular, finalmente ela desligou o aparelho de uma vez. Segurando o celular junto ao peito, como se ele tivesse sido naquele momento a melhor ajuda que ela poderia ter, ela sorriu. Calmamente ela caminhou em direção a Gabriel. Ao vê-la se aproximando com um sorriso lindo em seus lábios, ele não sabia o que esperar.
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Quando ela lhe disse que não precisava mais se preocupar, que ela tinha arrumado um jeito dele não ter que ir para o reformatório juvenil, ele sorriu e a abraçou. A jovem policial correspondeu ao abraço dizendo que depois de falar com muitos amigos e conhecidos, ela tinha conseguido um casal para adota-lo. Ao ouvir isto ele nem pode acreditar. Além de não ter que ir para aquela fábrica de marginais ele tinha ganhado uma família! Deus lhe concedeu o milagre que ele pediu com tanta fé. E assim foi. Gabriel, do barraco na favela, foi morar com um casal que não podia ter filhos por motivos de saúde. Já eram de meia idade e não queriam arriscar a assumir a responsabilidade de adotar um bebê, por medo de não conseguir cumprir a missão de criar e educar a criança. Gabriel na vida deles tinha caído do céu. Em sua nova casa havia uma biblioteca enorme. Seu novo pai era um homem culto e um dia, sentados na sala lado a lado, ele lhe contou uma fábula antiga sobre a história da Arvore do Conhecimento.
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Gabriel ouviu calado, a historia era linda, mas a sua era mais. Sua memória o levou de volta ao barraco na favela e ele se lembrou do desejo de Roberto, seu amigo e protetor, que tanto bem lhe fez antes de morrer. Ele não disse nada ao seu novo pai, mas pensou. Ninguém como ele e Roberto, sabia exatamente o que significava estar lendo um livro, do qual saia o tronco de uma arvore, cujos galhos eram repletos de folhas iluminadas. Uma arvore cheia de luz, carregada de botões de flores que tinham o formato e o brilho, das estrelas lá do céu...
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Ele e Roberto tiveram em suas vidas, de formas diferentes, em circunstâncias diferentes a alegria de conhecer, a verdadeira e única Arvore do Conhecimento. Uma arvore tão bela, tão cheia de luz, tão ao alcance de todos, mas tão ignorada e desconhecida por muitos, que às vezes, passam a vida inteira, sem dar a ela a devida atenção. O segredo de sua localização na verdade não é um segredo, é questão de sentimentos, de emoção. Basta abrir um livro, começar a ler e se entregar à leitura. Em poucos instantes, enquanto se passa a viver a historia que estamos lendo, deixando o espírito ser levado pelo enredo criado pelo autor, quando já podemos até mesmo visualizar os lugares, as paisagens e os personagens, do meio do livro, a gente nem percebe, mas surge uma luz e ela vai crescendo, e conforme lemos o livro, esta mesma luz vai tomando a forma de um tronco, depois surgem os galhos, depois as folhas, depois as flores, e por ultimo, os frutos e eles só aparecem, quando terminamos de ler o capitulo final.
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Sem saber, a cada livro que lemos na vida, fazemos germinar, crescer, florir e dar frutos, uma nova, mágica e encantadora Arvore do Conhecimento, que nos ilumina com seus galhos e folhas cintilantes, para nos proteger a todo momento, dos males que acompanham as trevas da ignorância.
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Autor: José Araújo

9 comentários:

mdb disse...

José, aqui estou para dizer que todos nós tivemos uma ou mais, árvore do conhecimento na vida. Descobri o nome próprio, agora após ler esse maravilhoso texto. Muito especial e nos trás um rico ensinamento, de que nunca é tarde para começar a viver com dignidade.
Gabriel, apesar de tantas perdas encontrou em um marginal, sua mais linda história de vida e a guardou em segredo.
Roberto em sua ignorânia, através de Gabriel soube tirar a mais linda experiência, de quanto vale um livro na triste vida de um marginal. O livro foi o elo entre o bem de Gabriel e o mal de Roberto, que soube usar de bom senso e trocando radicalmente uma vida marginalizada por uma normal. Sem erros e ainda estendendo a mão a uma criança tão linda de coração, como Gabriel.
Que bom que ele pode praticar esse ato de amor antes de partir prematuramente pelos erros do passado, que na linguagem de traficantes nunca pode passar para o lado do bem, quem patrocinou o mal tanto tempo como no caso de Roberto. O preço é a própria vida.
Ainda bem que Gabriel sempre teve na mente só praticar o amor, sem machucar ninguém, apesar de ter motivos para ser um menino revoltado com a vida, pois trocou tudo por livros, revistas, jornais velhos, etc...
Acabou conquistando uma pessoa que mal acabara de conhecer, fazendo=a ser sua fada madrinha, arrumando para ele um lar digno para uma criança que merecia tudo do bom por ter escolhido como companheiro inseparável o livro.
Querido amigo josé, obrigada por escrever textos tão didáticos como este.Parabéns. Abraços da amiga eterna.
Marilene Dias

Alvaro Garcia disse...

"Uma arvore tão bela, tão cheia de luz, tão ao alcance de todos, mas tão ignorada e desconhecida por muitos, que às vezes, passam a vida inteira, sem dar a ela a devida atenção. O segredo de sua localização na verdade não é um segredo, é questão de sentimentos, de emoção. Basta abrir um livro, começar a ler e se entregar à leitura. Em poucos instantes, enquanto se passa a viver a historia que estamos lendo, deixando o espírito ser levado pelo enredo criado pelo autor, quando já podemos até mesmo visualizar os lugares, as paisagens e os personagens, do meio do livro, a gente nem percebe, mas surge uma luz e ela vai crescendo, e conforme lemos o livro, esta mesma luz vai tomando a forma de um tronco, depois surgem os galhos, depois as folhas, depois as flores, e por ultimo, os frutos e eles só aparecem, quando terminamos de ler o capitulo final."

Que coisa mais linda e profunda você escreveu José!

A cada dia eu o admiro mais e mais pela sua sensibilidade e pela capacidade de nos transmitir mensagens tão lindas como as contidas em seu conto "A arvore do conhecimento"

Parabéns como sempre!

Seu amigo e fã,

Paulinha disse...

Meu lindo amigo! Somente que te conhece como eu para saber que você é mesmo real! Admiro demais tudo que você escreve e sei que cada palavra escrita sao de seu lindo coração! Te adoro viu?

Beijos e mais beijos meu querido!

Da amiga de sempre e sempre,

Edson Santos disse...

A sua descrição da Arvore do conhecimento nos leva a refletir sobre a importancia do saber. É algo tão maravilhoso, tão necessário ao nosso eu interior e como você disse em seu texto, muita gente não dá a este fato a devida atenção!

Dentre muitos trechos deste conto que eu mais gostei, este definitivamente me encantou:

(Do velho livro que Gabriel lia, saia uma árvore que parecia se feita de luz. Seu tronco que saia bem do meio do livro, subia quase ao teto e seus galhos, estavam espalhados sobre o garoto. Ela era tão linda, tão maravilhosa e as folhas de seus galhos, iluminadas como se tivessem luzes próprias balançavam suavemente, e olhando bem, os cabelos de Gabriel balançavam também. Nela havia lindas flores. Todas elas tinham o formato de uma estrela brilhante. Como as estrelas do céu. Havia também frutos, mas no lugar de frutos, havia cabeças e elas eram de todas as cores, de todas as raças.)

Quem tem talento para escrever não precisa escrever dificil, com palavras simples como as que você usa em seus trabalhos, você consegue emocionar a qualquer um.

Gosto muito de ler seus contos e poder passar alguns minutos ou horas lendo o que você escreve, não tem dinheiro no mundo que pague.

Não é sem motivos que meu irmão te adora José!

Parabens e continue sempre assim!

Abração!

Beto - SBC disse...

Meu querido amigo escritor!
Estive viajando e só hoje pude ler seu conto.
Fantástico como sempre!
Às vezes as pessoas encaram a ficção como total fantasia, mas não podemos esquecer de que o que ontem foi ficção, hoje é realidade em nosso dia a dia.
Quem dera seus leitores pudessem refletir sobre o que você tão sábiamente falou em seu texto e de uma forma tão especial, para que todos nós, um a um, pudessemos fazer a nossa parte para que não aconteça conosco um desfecho tão ruim.
Parabens pelo alerta e pela forma como você o transmitiu!

Abraços e bom resto de semana!

JOÃO disse...

caro josé,te conheci a pouco tempo, mas cada dia que visito seus escritos sinto-me muito iluminado,você é fantàstico., eu tive o desprazer de conhecer o submundo do crime e das drogas fui recuperado pela educação tal qual o Roberto, e conheci o amor da minha vida hoje sou realizado profissionalmente e tenho uma linda filha de onze anos , posso dizer com certeza que a educação essa árvore maravilhosa existe, não é fábula é real,sempre vou ler seus ártigos e guardar muitas coisas maravilhosas no meu coração, sou teu fã! obrigado por você existir, um abraço.
JOÃO (RJ)

Lerte Soares de Souza disse...

É impossível não gostar do que você escreve José Araújo! A cada conto uma mensagem diferente. Há sempre em seus textos algo que toca o coração do leitor de alguma forma muito especial. Lendo os comentários que deixam em suas publicações, é possível sentir o poder de suas palavras. Deus dá o dom de escrever às pessoas certas e o seu dom José, não fica só na arte de escrever, você tem um carisma que ultrapassa as barreiras das distancias. Que nosso senhor te proteja sempre e que permita que muitas outras pessoas possam se beneficiar de sua luz interior.

Parabéns é uma palavra comum na maioria dos comentários, mas o que posso mais dizer senão obrigado?

Sim meu caro. Obrigado por nos trazer através de seus textos, momentos de profunda paz e reflexão.

Um abraço e siga em frente, não pare de escrever jamais!

"o poeta da verdade" disse...

Seja bem vindo amigo e aos poucos vou verificando seus escritos , rsrs é muita coisa e fico contente com isto , pois é sinal de inspiração no ar... e que venha setembro e a antologia!

Isaulina disse...

José Araujo mais uma vez eu estou aqui para deixar a minha marquinha e não seria justo eu não esta participando mais uma e tantas outras vezes né amigo
Eu quero aqui dizer que o caminho de quem se envolve nesta vida marginalizada é sempre a morte ou a cadeia Eu amei a historia de Grabiel porque a pessoa quando tem um amor genuino sincero de coração ela pode passar o que for ela sempre consegue tudo que quer Porque a sinceridade do coração Deus ve
José Araujo eu fico muito feliz de pode esta participando deste lindo conto! E só você e mais ninguém poderia escrever um conto tão lindo desse eu aproveito amigo para parabenizar todos os livros que vc escreve que tem ajudado tantas pessoas! você é mesmo um ser ilumindado por Deus. Você é muito carinhoso, dedicado e amoroso para com todas as pessoas
E acima de tudo é muito Humilde isto é muito importante na vida de uma pessoa a humildade. Muito obrigada por você ser meu grande amigo Parabéns José Araujo!!!