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sexta-feira, 10 de abril de 2009

O GRANDE CONCURSO



Na zonal sul da cidade, um grande e famoso shopping promoveu um concurso, que daria um carro zero quilometro, à pessoa que fizesse a coisa mais inacreditável. O carro era um automóvel importado de ultimo tipo e a euforia tomou conta dos clientes que freqüentavam o lugar. A chamada a nível de promoção do Shopping, funcionou perfeitamente. Era um concurso diferente dos demais, e todos os dias, na praça de eventos havia sempre uma chamada para o concurso, com a informação ao público sobre candidatos já inscritos. O Shopping ficava lotado de segunda a domingo. As lojas estavam vendendo muito além da média, já que estavam fora de épocas especiais. Os jovens, os de meia idade, e é claro os velhos também, estavam se matando de tanto treinar para o que iriam fazer no dia de sua apresentação. Eram dores de cabeça de tanto pensar. Músculos e nervos distendidos causando desconforto em todo lugar. O exagero chegou a um ponto, que quatro pessoas morreram de tanto comer e duas foram parar na UTI de tanto beber, só para provar que poderiam conseguir vencer, fazendo a coisa mais inacreditável, mas certamente, este não era o caminho para ganhar o primeiro lugar.

No dia marcado para as apresentações na praça de eventos do Shopping Center, cada um tinha que mostrar que podia mesmo fazer a coisa mais inacreditável que já se tinha visto no país. Pais orgulhosos e esperançosos, inscreveram seus bebês até de dois anos de idade e outros, inscreveram seus avós e bisavós, pois tinham certeza de que eles poderiam vencer o concurso. Não se falava em mais nada na cidade, a não ser, o grande concurso. Entre os jovens e os velhos, entre homens e mulheres, o assunto era um só. O concurso virou coqueluche e contaminou a todos os cidadãos. Foi então que chegou a o grande dia.

A praça de eventos estava lotada. Havia até torcidas uniformizadas e o barulho... era infernal! Um a um, os candidatos foram se apresentando perante a comissão julgadora e a expectativa pela próxima apresentação deixava a todos inquietos. O que viria depois? Apareceu de tudo na concorrência pelo primeiro lugar. Foram canções cantadas de bocas fechadas, dançarinos que usavam as costas ao invés dos pés para dançar, dentre muitas e muitas coisas que não se vêem todos os dias, até que enfim, chegou a vez do penúltimo candidato. Ele era um escultor. Quando o alto falante anunciou o candidato, o riso foi geral. Um escultor? O que poderia um artista como ele fazer de inacreditável?

As esculturas são formas e os resultados dos trabalhos dos escultores geralmente são muito bons, mas de inacreditável, o que ele poderia fazer? Anunciado, ele entrou no grande palco arrastando algo sobre um carrinho, e fosse o que fosse, estava coberto por um enorme tecido preto. O silêncio foi total. A platéia ansiosa, não via a hora de ver o que ele havia feito para concorrer, nem ao menos respirava. O jovem escultor disse algumas palavras ao publico e após com um movimento súbito e inesperado, ele puxou a cobertura que escondia sua escultura. A exclamação foi geral! OOOOHHHHHHHHHH!!!

Na frente de todo mundo, estava a mais bela escultura que alguém já tinha visto. Era a escultura de um corpo de mulher. Seus traços faciais eram tão perfeitos. Seus olhos tão vívidos. Sua boca tão linda. Um corpo escultural, vestindo uma túnica  como nos tempos dos Deuses do Olimpo. A perfeição era tão grande, que todos silenciosamente esperavam que ela se movimentasse e que a qualquer momento, falasse também. Não houve um dos jurados que não concordasse que aquele era o melhor candidato. Ele era mesmo um grande artista. Um daqueles que aparecem de séculos em séculos, e para a felicidade de todos, ele estava ali, bem na frente de seus olhos. Ele era de carne e osso e tinha realmente feito a coisa mais inacreditável já vista.

Sua escultura parecia viva, e mais, ela parecia que com sua beleza tinha enfeitiçado a todos! Ele tinha que ser o vencedor. Contudo, alguém lembrou ao júri que ainda havia um candidato que não se apresentou. Ele era o ultimo na lista e tinha direito a fazer sua apresentação, e quem sabe, até vencer o concurso, se fosse o melhor. Justiça tinha que ser feita. Mesmo contrariados,  todos foram unânimes. Ele iria se apresentar. A platéia inconformada, começou a vaiar. Em meio a um barulho ensurdecedor, com um martelo enorme em suas mãos, ele entrou no palco. No mesmo instante em que ele chegou ao centro do palco, as vaias pararam de soar. O silencio se fez.

Os jurados, a comissão organizadora do evento e a platéia, estavam sem piscar. O que um cara com um martelo enorme nas mãos poderia fazer de mais inacreditável, do que aquela escultura mágica que encantou todo mundo? O candidato disse a todos que agora sim eles iriam ver alguém fazer a coisa mais inacreditável que já tinham visto, e que isto, eles poderiam escrever, porque era o que ia acontecer. Sem dizer mais uma palavra, ele dirigiu-se para onde estava a bela escultura feita pelo seu concorrente. Ele parou em frente a ela e admirou cada detalhe. Depois virou-se para a platéia que ainda estava muda, dizendo que ele mesmo, nunca tinha visto algo tão inacreditável como aquele trabalho, mas que agora sim, todos iriam ver algo verdadeiramente inacreditável.

Então, ele empunhou seu enorme martelo de ferro e com golpes firmes e decididos, CRASH! TUD! TUD! BAM! CRACK! CABRAM! TUNK! CRÁS! CRECK!

Ele destruiu a bela e magnífica escultura de seu concorrente que encantou a todos. Diante dos olhos arregalados dos jurados, da comissão organizadora e da platéia, ele não se cansou de dar marteladas naquela magnífica obra de arte, até que de suas formas perfeitas, não houvesse mais nada. Atônitos, ainda em silêncio, diante do que tinham que admitir, era inacreditável, todos ouviram quando ele disse com voz firme e decisiva, que tinha provado que ele poderia fazer melhor que todos os outros candidatos. Que tinha superado a todos com o que tinha acabado de fazer, e sobre tudo, o escultor da obra de arte que ele destruiu. Naquele instante, ele se proclamou o vencedor do concurso, porque ele tinha feito a coisa mais inacreditável já vista. Ele havia destruído uma verdadeira obra de arte. Revoltados com a atitude dele, a platéia inteira, num tremendo estrondo, como um vulcão quando entra em erupção, vaiou a toda voz. UUUHHHHH!!!! FOOORAAAAA!

Contudo, os juizes após ponderar muito sobre a decisão, o proclamaram como o grande vencedor, deixando a todos sem saber o que dizer. Eles o fizeram, porque perante a lei, destruir uma obra de arte, é o crime mais incrível e a coisa mais inacreditável que alguém possa fazer. A platéia inteira, mesmo não concordando com a decisão, teve que aceitar que ele fosse o vencedor e grande ganhador do concurso, recebendo as chaves do seu carro importado e zero quilometro, enquanto o escultor chorava tristemente sobre o que restou de sua obra de arte, porque Lei é Lei e ela tem que ser obedecida, em qualquer situação.

Mesmo que para isto, seja preciso que se faça, a coisa mais inacreditável que alguém possa fazer.

Autor: José Araújo

9 comentários:

George Tavares disse...

Você é mesmo fantástico!
Com este texto, está mais do que claro que a justiça como dizem, é cega mesmo!

Parabéns pelo texto e pela sacada que só você mesmo poderia publicar!

Sergio Matos disse...

Um conto que nos leva a refletir sobre aquilo que chamamos de justiça.
Enquanto o artista chorava sobre os restos de sua obra prima, o homem que foi capaz de destruir a mais bela obra de arte estava sendo premiado pelo que fez!

Somente um escritor como você poderia escrever um conto que é a imagem real do que acontece na sociedade dos homens.

Sucesso amigão!

Abraços!

Edson Santos disse...

Como sempre você fala de sentimentos humanos com muita propriedade e sempre nos mostra do que somos capazes de fazer.
Um concurso realizado num shopping conseguiu virar a cabeça de todos que frequentavam o lugar.
Pessoas tentavam a todo custo se preparar para o dia da grande apresentação e isto, em meio a dores, contusões, mas sem desistir de tentar.
Um grande artista produz sua obra prima e a vê destruida bem diante de seus olhos e de toda uma platéia que assistiu a tudo sem poder fazer nada de tão rápido que aconteceu.
Jurados ao cumprir seus deveres, fizeram exatamente o que o concurso pedia.
Para prevalecer a lei, deram a quem destruiu a obra de arte o prêmio tão sonhado por todos os outros canditados, quando na verdade, o prêmio pela lei seria deles, pelo erro que cometeram.

Você é demais e é por isto que adoro ler o que você escreve com esta mente que só você tem!

Abraços e boa Páscoa!

mdb disse...

José, eu cada dia o admiro mais.Esse conto mostra a justiça ao pé da letra.
INACREDITÁVEL era o tema do concurso e o último concorrente fez certinho. Destruiu o desejo do público que era a vitória para o escultor da incrível escultura. Só que a escultura não era inacreditável, tanto que fora feita por um homem. Mas o destruidor da mesma, sim provou que era o ganhador.
Ele fez tudo ao contrário, não criou nada, fez nascer um ódio do público, em vez de ser aplaudido foi vaiado e
ainda sendo expulso pelo público.
É isso aí ele soube ousar e muito bem.
É típico dos vitoriosos, aqueles que não aceitam um lugar comum. Querem sempre mais. E com sua sabedoria e astúcia levou o prêmio tão cobiçado por milhares de pessoas.

José,meu querido autor e escritor adorei seu conto. Para mim você é milll!!!
Parabéns, meu amado amigo.
Beijos.Marilene

Diogo Vilella Jr. disse...

Absolutamente real!

É bom ver escritores como você que usam a literatura para mostrar de forma direta, mas discreta, a realidade do que se faz para se cumprir a lei!

Parabéns pela sensibilidade e pelo talento de se enxergar as coisas que nos rodeiam com tanta nitidez!

Abçs!

Alvaro Garcia disse...

A sociedade dos homens criou a Lei dos Homens para controlar e punir os crimes, mas muitas vezes a Lei é tão injusta quanto o que os jurados fizeram dando o prêmio ao concorrente que cometeu o crime mais inacreditável, deixando o escultor em prantos sobre os destroços de sua obra de arte.
Um conto muito bem bolado e só poderia mesmo ter sido por você José!
Como sempre você nos faz refletir de uma forma muito especial!
Abraços do amigo e fã,

UN VOYAGEUR SANS PLACE disse...

Quando é que teremos justiça no mundo?
Justiça é só uma palavra sem sentido... fico indignado em como o ser humano pode ser o que é!

Au revoir e boa semana.

Rafael B. Paranhos disse...

Nem sempre a Lei e a Justiça andam juntas.

Uma é imponente e obriga as pessoas a obedece-la, mesmo sem ter razão.

A outra é cega e não enxerga os abusos da Lei, mas ainda assim, quando se trata de fazer o que realmente deve ser feito, sua balança pende para o lado certo.

Ainda bem que criou-se a profissão de Advogado, para que se faça a Justiça, perante os abusos da Lei.

Parabéns pela alegoria entre a Lei e a Justiça, coisa que pelo que vi publicado em seu Blog, só você mesmo poderia fazer.

Abraços e acima de tudo, Justiça, mesmo que ela seja céga, pelo menos, aos olhos da Lei!

Rogério Maya T. Sá disse...

É bom encontrar oásis como seu Blog no meio da vastidão do oceano da Internet. Navegar por estes mares nem sempre é seguro e nem sempre se encontra um porto seguro para ancorar e apreciar a paisagem. Sua página é de pura paz e reflexão e é gratificante a gente poder encontrar trabalhos literários como o seu. Tudo que puder ler nas publicações anteriores só nos induz a refletir sobre tudo à nossa volta e lendo o que você escreve, parece que uma paz imensa e absoluta toma conta da alma da gente. É como ler os antigos contos de fadas, que com sua magia nos levava a refletir.
Que Deus o mantenha sempre assim, escrevendo de forma simples e fácil de se compreender suas mensagens tão especiais. Isto é um dom e você não deve despreza-lo. Mesmo que lhe digam que não, não acredite, pois seu trabalho é mais do que especial.
Parabéns pela sensibilidade, pelo talento e principalmente pelo dom de tocar com sua luz os corações de leitores como eu.