João
Carlos entrou na Estação da Luz, a mais bela de todas as estações de trem da
cidade de São Paulo. Admirando a arquitetura do lugar, ele ajeitou sua gravata
e seu paletó e passou a observar a multidão de gente que caminhava apressada
num ir e vir sem parar. Era quase sete horas da noite, ainda um horário de pico
na capital paulista e o movimento era constante. Atento, ele procurava a garota
que seu coração conhecia bem, mas cujo rosto nunca tinha visto; a garota do
camafeu.
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Seu
interesse nela tinha começado ha mais de um ano atrás num sebo no centro velho
da cidade. Naquela tarde, ele queria algo diferente para ler e sabia que em
sebos era muito provável que encontrasse alguma edição antiga em inglês de
Sense and Sensibility. Ele era um amante das obras de Jane Austen e tinha quase
todos os seus livros. Após andar pela Rua Quintino Bocaiuva em alguns sebos do
lugar, ele ia quase desistir de sua procura, quando o dono de um deles disse
que talvez na Rua José Bonifácio ele encontrasse o que procurava. Sem muitas
esperanças, como a rua era próxima, ele resolveu ir até lá. Ao entrar no único
sebo que havia na rua, ele percebeu que nas prateleiras havia muitos livros em
inglês. Animado, ele passou a procurar o livro que tanto queria. Era uma
infinidade deles e depois de algum tempo procurando, finalmente ele o
encontrou. A capa por si já demonstrava que seu dono ou dona anterior deveria
ser uma pessoa muito cuidadosa. Estava em perfeitas condições. Ao abri-lo,
imediatamente ele ficou intrigado. Não por nada que houvesse originalmente
naquela edição, mas pelas anotações que haviam sido feitas logo na segunda
página onde havia um grande espaço em branco. Ao final do texto escrito em uma
caligrafia nítida e suave, ele descobriu o nome de sua dona anterior. Ana Beatriz
H. Baltazar.
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Com
tempo e muito esforço, num final de semana quando ele teve um de seus poucos
momentos de descanso, com a ajuda do Google, ele acabou por descobrir seu
e-mail. Sem ter muita esperança de receber resposta, ele enviou a ela uma
mensagem, apresentando-se, contando como foi que havia conseguido seu contato e
porque e a convidou para se corresponderem.
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São
Paulo, palco de grandes paixões, de grandes alegrias, também é como qualquer
outra cidade, por vezes é também cenário de dramas e também de tragédias. No
dia seguinte, ao voltar do trabalho, no cruzamento da Avenida Paulista com a
Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, o destino pregou-lhe uma peça. Sem nem mesmo
ter tido tempo de ver o que o havia atingido, seu carro foi abalroado por um
ônibus lotado que tinha perdido os freios quando o sinal fechou. Foram meses de
UTI. Muito tempo depois, já recuperado, já em sua casa confortavelmente sentado
em sua cama, ele abriu seu Notebook e acessou sua caixa de e-mails. Para sua
surpresa, ela havia respondido exatamente no dia em que houve o acidente. João,
ainda curioso sobre aquela pessoa que tinha um excelente gosto por livros,
respondeu ao e-mail explicando o ocorrido.
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Depois
disto, todos os dias ele recebia mensagens de Ana Beatriz. Durante meses eles
trocaram confidencias, falavam um do outro, procurando conhecer mais a fundo os
gostos, os sonhos, a vida profissional e o que esperavam da vida, do futuro. Os
dois se identificaram de uma forma, que a certo ponto já a afinidade era tanta,
que às vezes, tanto ele, quanto ela imaginavam que se conheciam a vida toda. Um
romance estava nascendo entre os dois. Certo dia, ele pediu a ela que lhe
enviasse uma foto. Ela se recusou. Ele não insistiu, apenas respeitou a decisão
dela e o relacionamento continuou tão bom quanto antes. Ela preferia pensar que
se ele realmente se importava com ela, sua aparência não iria importar.
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Após
meses de troca de e-mails, finalmente resolveram marcar um encontro na Estação
da Luz, pois ela trabalhava na Pinacoteca do Estado, do outro lado da rua e
assim que pudesse sair do trabalho poderiam ir a algum restaurante jantar,
tomar algum drinque e finalmente se conhecerem pessoalmente. Ana Beatriz disse
a João Carlos que ele a iria reconhecer por um camafeu que estaria usando e que
não havia como se enganar porque ele era único. A joia era herança de sua mãe e
havia sido feita com exclusividade para ela por encomenda de seu pai. Assim,
naquele dia, pouco antes das sete horas, ele estava lá, procurando pela garota
que seu coração amava, mas cujo rosto ele nunca tinha visto.
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Em
dado momento, uma jovem mulher veio caminhando em sua direção. Ela era de tirar
o fôlego. Seus cabelos negros e cacheados balançavam com o movimento de seus
passos. Um corpo escultural. Olhos verdes que mais pareciam duas esmeraldas
brilhando sob a luz dos magníficos candelabros da estação. Seus lábios sensuais
eram uma verdadeira tentação. Um rosto tão perfeito que mais parecia o de uma
top model que tinha acabado de ser preparada para uma sessão de fotos. Seu
vestido, leve e pronunciando suas formas, era de um verde que combinava com a
cor de seus olhos. João Carlos se empolgou. Ela era linda demais! Seria ela a
garota por quem ele tinha se apaixonado, sem ao menos saber como ela era, se
era feia ou bonita? Num ímpeto, ele criou coragem caminhou em sua direção. Ao
aproximarem-se, um grupo enrome de pessoas atravessou entre eles apressadamente
rumo ao portão de embarque da estação.
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Confuso,
logo que a viu novamente sorriu timidamente e ela correspondeu com um sorriso
que mais lhe pareceu ser uma provocação, depois virou as costas e foi em
direção aposta a passos largos, sem olhar para trás. Ele ficou congelado onde
estava. Olhava aquela mulher magnífica se distanciando elegantemente sobre seus
saltos altos que faziam o ritmo de seu andar parecer um poema de amor declamado
à luz do luar. Ela entrou por um dos corredores da estação e desapareceu. Seu
desejo de segui-la era imenso, porém, mas ainda, era seu desejo de finalmente
se encontrar com aquela por quem ele se apaixonou por - email era ainda maior.
Ele se sentiu divido. De repente, João Carlos se libertou de seu momento de
indecisão e finalmente foi atrás dela. Ao entrar em outra ala, lá estava ela.
Ao lado dela havia outra mulher que aparentava uns quarenta anos. Aparência comum,
sem nenhum atrativo. Cabelos mostrando os primeiros fios brancos. Estava
vestida discretamente, com certa elegância. Ela não era feia, mas
definitivamente em nada se assemelhava àquele anjo de cabelos negros e olhos
verdes que tanto o encantou.
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No
meio de tudo aquilo, após ter até se esquecido do camafeu que a identificaria e
de repente, mas em dado momento, ele pode ver que quem o estava usando era a
mulher mais velha. E lá estava ela, ao lado daquela mulher magnífica. O
contraste era gritante. Seu rosto pálido, sem maquiagem, tinha um semblante
delicado, gentil e sensível. Seus olhos castanhos claros tinham certa doçura.
Seus modos eram suaves. Seus gestos tranquilos enquanto as duas conversavam
calmamente, mostravam que era uma pessoa educada e elegante. João Carlos ficou
mais uma vez paralisado. Poucos momentos depois, a bela mulher se afastou
enquanto ele não a perdia de vista, mas seus pensamentos estavam naquela que
seu coração tanto conhecia, mas que seus olhos nunca tinham visto. Decidido,
pensando consigo mesmo, que aquilo que o esperava com aquela mulher mais velha
provavelmente não seria amor, mas sim, algo muito mais precioso, mesmo melhor
do que o amor; uma amizade pela qual ele seria grato a Deus por todo o sempre,
ele se aproximou daquela que estava usando o camafeu.
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Educadamente,
ele se apresentou mostrando a ela o livro através do qual ele a tinha
encontrado, mas a mulher, com um olhar de surpresa e curiosidade apenas olhava
para ele sem dizer uma palavra. Após tê-la convidado a jantar, quando terminou
de falar, com um sorriso gentil e tolerante, ela disse a ele que
definitivamente, ela não sabia do que ele estava falando, mas achava que estava
compreendendo tudo, pois a jovem que estava a poucos momentos ao seu lado,
havia pedido a ela encarecidamente que usasse o camafeu e, se um jovem se
aproximasse e a convidasse para jantar, era para lhe dizer que ela o estaria
esperando do lado de fora da entrada principal da estação. Sem mais, ela tirou
o camafeu que estava pendurado em seu pescoço, entregou a ele e disse sorrindo,
que desejava aos dois toda a felicidade do mundo, pois eles se mereciam, afinal
a jovem era uma mulher de muita sorte, pois nos dias de hoje, não é qualquer
homem que passa num teste como aquele. Ele não soube o que dizer.
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Estava
emocionado demais para conseguir dizer qualquer coisa. Aquela que seu coração
amava e conhecia muito bem, mas que seus olhos nunca tinham visto, era muito
mais do que especial. João Carlos sorriu, apertou a mão da mulher, agradeceu,
virou-se na direção onde encontraria a mulher se seus sonhos e, com o coração
cantando de emoção, com a certeza de que é sempre melhor escolher entre os
sentimentos, ao invés da razão, segurando firme em sua mão a cópia do livro de
Jane Austen, Sense and Sensibility, aquele que lhe mostrou onde encontraria o
grande amor de sua vida, ele caminhou em sua direção.
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Naquele
momento, a beleza e magnificência da arquitetura da Estação da Luz estavam mais
do que nunca evidenciadas pela iluminação noturna, coroada pela beleza de um
céu repleto de estrelas que brilhavam como diamantes na imensidão do azul
escuro do firmamento, mas quando os dois finalmente ficaram frente a frente, a
capital paulistana foi testemunha de um momento de pura magia. Nos olhos deles,
havia luz. Uma luz que iluminava a tudo e a todos em sua volta, muito mais do
que as luzes da própria estação, ofuscando até mesmo o brilho das estrelas lá
no céu.
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Neles,
havia o brilho intenso e eterno de um grande amor, um amor verdadeiro, que
nasceu para durar para sempre, baseado em sentimentos, em sensibilidade, não
apenas na razão. Um amor que escolheu os unir de uma forma muito especial,
fazendo da literatura um portal mágico e sublime, por onde eles puderam se
encontrar, ligados por um mundo virtual, para serem felizes para todo o sempre
na vida real.
Autor:
José Araújo
Um comentário:
Jose,
Que lindo!
Vim atraída pelo título,pois sou hiper fã de Jane Austen e "Razão e Sensibilidade" é o meu romance preferido.E para a minha surpresa me deparei com esse conto lindo!adorei.
Parabéns!
Apesar de muitos pesares, acredito no amor e nesse tipo de amor. abraços
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