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terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O TUAREG...


Num lugar legendário, onde a terra é seca, onde o vento sopra sobre um mundo de areias e pedras, onde o sol ardente força o homem a levar uma silenciosa e discreta existência, é lá, que iremos conhecer a estória de Aziz, o Tuareg.


Seu povo nômade vive a mais de dois mil anos no imenso deserto do Saara, um lugar mistico, cheio de paisagens diferentes, que escondem em dunas ou rochedos ardentes, pequenos oásis que parecem peçados de um paraíso perdido.


Este meio ambiente, onde a vida real, os sonhos, os mistérios e o misticismo se misturam ao lugar, tem moldado ao longo dos séculos o povo Tuareg, também chamado de Molâthemin (Povo dos véus), um povo que diferentemente de outras nações do Oriente Médio, não obriga as mulheres a cobrirem o rosto, mas sim os homens, para evitar que os maus espíritos se apoderem deles entrando pela boca e pelo nariz.


Na cultura Tuareg, os chefes de cada grupo sempre foram mulheres, pois são elas que tem o dom da intuição e o poder de falar com os espirítos da natureza.


Para os Tuaregs, o conceito de masculinidade se media pelo comportamento rude de um guerreiro, ele não poderia ser sensivel, muito menos expressar os seus sentimentos.


Há tempos atrás, no Vale de Tidene, nascia Aziz, filho da Amenokal (suprema chefe) Tin Hinan e sua chegada foi saudada com honrarias por todos os componentes da tribo e desde bebe, foi entregue ao mais bravo dos guerreiros para ser treinado.


O tempo não para, os dias e noites se tornam pássaros, se juntam em bandos, voam para longe, não voltam mais.


Aziz cresceu, já era quase adulto e de vez em quando, fechava os olhos e vivia o ontem, galopando com seu pai num cavalo alasão e ele segurando-o firme pela cintura, enquanto Aziz abria os braços e parecia estar voando, como se os Deuses tivessem de repente, lhe dado este poder...


Viver o Ontem, era algo que ele gostava de fazer de vez em quando, algo que lhe trazia paz e esperança de que um dia tudo pudesse mudar em sua vida, que ele realmente pudesse ser livre para ser ele mesmo, sem nunca fingir.


Tin Hinan sua mãe, ordenou ao seu melhor guerreiro a ensinar Aziz desde pequeno o que era ser homem em sua nação, mas para isto ele teve que aprender a lutar e matar seu semelhante, mas bem no fundo de seu coração, Aziz nunca aceitou esta imposição.


O tempo como sempre, não para, os dias e noites se tornam pássaros, se juntam em bandos, voam para longe, não voltam mais.


Ele se tornou um adulto, cada vez mais belo, tanto que muitos de sua tribo, diziam ao pé da orelha uns dos outros, que ele não tinha feições masculinas, nunca seria um guerreiro, seria a vergonha de sua nação...


Os homens geralmente cobriam o rosto com o véu, quando chegavam à idade adulta numa cerimônia de iniciação e finalmente, chegou a vez de Aziz usar o seu, mas algo estranho aconteceu...


Tin Hinam colocou o véu em Aziz cobrindo-lhe a face e o levou para fora da tenda, para que todos pudessem ver que seu filho já era um adulto, que já poderia atravessar com as caravanas, o imenso deserto do Saara.


Quando eles apareceram na saída da tenda, não houve, homem, mulher ou criança que não levasse as mãos à boca em sinal de espanto, pois a expressão de seus olhos, a única coisa plenamente visível agora, era de um anjo, não de um guerreiro bravo e feroz.


Até então Tin Hinan não havia prestado atenção em seu filho, pois o posto de chefe suprema da tribo, lhe tomava todo o tempo e agora, diante daqueles olhos ela se sentiu pequena, foi como se de um momento para o outro, ela tivesse descoberto que havia na vida de um homem, muito mais do que simples coragem e bravura, que havia também sentimentos...


Após alguns momentos de silêncio, sua mãe anunciou à tribo que seu filho iria daquele dia em diante fazer parte do grupo que vigiava o acampamento à noite e não houve quem não aclamasse Aziz pela grande honra que estava recebendo.


Porém, dentro de Aziz havia um vazio enorme, havia uma dor imensa que o atormentava a cada momento, pois usar o véu para cobrir o rosto era sinal de que estava fadado a reprimir seus sentimentos...


E o tempo se passou, os dias e noites se tornaram pássaros, se juntaram em bandos, voaram para longe e não voltaram mais.


Dia após dia, Aziz ficava cada vez mais triste e a expressão que havia em seus olhos, incomodava a todos os seus companheiros e era tanto o incomodo causado, que eles resolveram se afastar dele, pois achavam que ele era uma ameaça à reputação masculina de todos os homens da tribo.
Aziz viu se só, numa noite silenciosa, deitado sobre uma pedra, no topo da montanha olhando para o céu e as estrelas, que magicamente, estavam iluminados por uma Lua, que parecia preencher todo o firmamento.


Sua voz estava silenciada, mas seu coração gritava, ele queria que os Deuses lhe mostrassem o caminho a seguir, o caminho da salvação, pois para Aziz, aquilo não era vida, era uma prisão onde ele estava sendo reprimido e oprimido ao mesmo tempo, tendo seu direito de ser negado por toda sua gente, inclusive por aquela, a quem ele tanto amava, sua mãe Tin Hinan.


Ele fechou os olhos por alguns instantes tentando ouvir o som do silêncio que o rodeava e foi então que ele ouviu uma voz firme e suave ao mesmo tempo, dizendo ao pé de seu ouvido...


“Aziz, lembre-se de que o que faz do deserto um lugar mágico é que nele, em algum lugar, há sempre um poço de água escondido, de onde se pode beber a essência da vida.”


“Você é um poço escondido no deserto de amor que é seu povo, um poço de onde um dia, eles beberão a sabedoria de que o amor tem mais força do que a guerra e de que a vida, é o maior bem que existe neste mundo...”


“Eles aprenderão que é preciso viver e deixar viver...”


Aziz levantou-se, seu coração batia calmo e compassado enquanto caminhava em direção à sua aldeia e seu caminho foi iluminado a cada passo pela luz divina que sempre o acompanhou, a diferença foi que daquele instante em diante ele compreendeu a importância de ser ele mesmo, de demonstrar todos seus sentimentos.


Aziz tirou o véu, caminhou de rosto livre, com o vento da noite soprando em seus cabelos e em seu rosto, um sorriso que nunca mais deixou de acompanha-lo por toda a sua vida.


Como sempre, o tempo não para, os dias e noites se transformam em pássaros, juntam-se em bandos, voam para longe e não voltam mais.


O povo de sua aldeia, desde a manhã daquele dia que ficou para trás a muito e muito tempo, passou a enxergar Aziz com outros olhos, não estranharam a ausência do véu em seu rosto, apenas enxergavam seu sorriso, puro, sem maldade, viam nele, o que havia escondido dentro deles mesmos, a necessidade de viver em paz e aceitar as diferenças entre seus semelhantes.


É certo que o tempo não para, os dias e noites se transformam em pássaros, juntam-se em bandos, voam para longe e não voltam mais.


As mulheres Tuaregs continuam sendo as lideres de seus grupos, mas no Vale de Tidene, os homens de hoje, mesmo ainda usando seus véus, vivem em paz consigo mesmos, sabem apreciar a paz e beleza de uma flor quando milagrosamente, a encontram pousada sobre uma pedra pontuda e afiada, à beira de um poço de areias movediças, no meio do deserto infinito, do ódio e do rancor...


Texto: Jose Araujo


Fotografia e arte digital: Jose Araujo