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sábado, 29 de maio de 2010

UM ESCRITOR NA PRISÃO



Tarde sombria na capital paulistana. São Paulo da garoa há muito já havia perdido este título, mas naquela tarde de quarta-feira as condições climáticas pareciam querer relembrar os velhos tempos. Isabella caminhava pensativa pela calçada. Ela estava bem agasalhada, mas mesmo assim, sentia arrepios. Seu coração batia acelerado. Sua mente lhe dizia para não seguir em frente. Naquele dia ela tinha um compromisso que não gostaria de ter marcado. Após caminhar um pouco, logo após sair da estação do metro, ela se viu andando ao lado de um muro alto, com cerca elétrica instalada em cima dele. Mesmo sendo alto, de onde ela estava já era possível avistar as paredes cinzentas de um prédio sombrio. Por toda a sua vida, as pessoas lhe disseram que quem vivia nele era a escória da humanidade. Ela sempre acreditou. Certamente, seu mal estar e sua insegurança ao comparecer ao compromisso se devesse a esta crença, mas naquele momento; ela não queria pensar nisto.
Tudo que Isabella sabia era que tinha um dever a ser cumprido e mesmo estando assustada, receosa, ela iria enfrentar a situação e tentar sair-se bem, da maneira que fosse possível. Finalmente ela chegou ao portão de entrada daquele lugar. À primeira vista, o grande portão de ferro lhe pareceu ainda mais assustador do que nas fotos que havia visto nas manchetes de jornais. Depois de ter sido recebida por dois seguranças e ter sido revistada de forma desagradável por uma mulher usando um uniforme, ela teve que tirar seu casaco e sua blusa de frio e vestir uma espécie de jaleco, o que a fez sentir-se ainda pior. Do lado de fora do enorme edifício com janelas reforçadas com barras de ferro, o mau cheiro e a umidade lá presentes, a faziam imaginar o que a esperava do lado de dentro.
Após estar pronta, ela foi conduzida a um auditório dotado de uma mesa e dezenas de cadeiras de plástico colocadas lado a lado, por toda a extensão do lugar. A mesa era branca e as cadeiras eram azuis. As paredes pintadas de branco, em contraste com as cores dos móveis a fizeram lembrar de um pronto socorro montado em caráter de emergência, numa situação de guerra. Isabella já tinha assistido filmes sobre guerras e catástrofes. Coisas assim eram comuns nos cenários de muitos deles. Só, naquele enorme salão, ela não pode deixar de pensar no que a esperava pela frente, mas certamente, dentre todos os seus temores e suas mais remotas expectativas ou possibilidades, ela nunca poderia imaginar o que realmente a esperava naquele lugar.
Um mês antes, um dos professores de sua faculdade deu um trabalho individual à classe e foi ai que começou esta historia, que até aquele momento, só causou a ela dores de cabeça, desassossego e mal estar.
A cada aluno foi conferido uma missão.
A dela seria fazer um workshop de literatura. Até aí tudo bem, mas o trabalho deveria ser feito numa penitenciaria. Quando ela ouviu o professor detalhar sua missão, ela não pode acreditar. Cansada, exausta de tanto trabalhar e estudar à noite, vivendo numa cidade onde a violência esta presente no dia a dia, aquele trabalho tinha sido a pior coisa que lhe podia acontecer.
Isabella não era de desistir de seus objetivos e, mesmo tendo que fazer algo que ela nunca pensou em ter que fazer durante toda a sua vida, lá estava ela. Sentada na cadeira por detrás da mesa, de onde ela teria que se dirigir a marginais, assassinos e fora da lei, ela tremia. Tinha sido difícil conseguir autorização da direção da penitenciaria para fazer o trabalho junto aos presos, mas depois de muito argumentar e com a ajuda do pai de um dos seus colegas de classe, que conhecia o diretor, finalmente ela estava lá. Todas as quartas-feiras, por três semanas, ela teria duas horas em companhia dos presos para fazer seu trabalho. Na penitenciaria workshops não eram obrigatórios aos presos e o comparecimento deles dependia de inscrição voluntária.
A principio, bem dentro de seu coração, ela esperou que não houvesse nenhum interessado em participar, mas para sua maior surpresa, uma semana depois de abertas as inscrições não havia mais vagas. Sabendo disso, ela não pode compreender exatamente qual o interesse daqueles homens. Marginais e fora da lei. Como poderiam eles se interessar por literatura? A pergunta ainda martelava sua mente enquanto estava sentada naquela mesa. O silêncio aterrador do ambiente, a cada segundo de espera, maltratava Isabella.
Um barulho a fez voltar-se para porta de entrada do salão. Dois seguranças a abriram e se posicionaram. Um de cada lado. Tremula, ela viu quando o primeiro dos inscritos entrou. Sem olhar em sua direção ele procurou uma cadeira e nela se sentou. Assim foi com todos os demais. Em poucos instantes, ela se viu sendo examinada de cima para baixo por todos aqueles homens. Eles a olhavam com desejo. Naquele instante, ela se sentiu literalmente nua. Um calor subiu-lhe a face enquanto ela preparava o material para iniciar o trabalho. Foi então que o ultimo inscrito chegou.
Quando ele entrou e virou-se em sua direção, seus olhos se encontraram. Subitamente, ela pode sentir naquele olhar algo diferente. Ele não a olhava como os outros. Naqueles olhos havia um tristeza profunda. Era um rapaz. Deveria ter uns vinte e dois anos de idade, mas aparentava muito mais. Silenciosamente, ele caminhou de cabeça baixa até o fundo do salão e sentou-se numa cadeira da ultima fileira nos fundos, onde não havia mais ninguém.
Os demais participantes conversavam e gesticulavam entre eles. Ela soube pelos risos maliciosos de cada um, que o assunto não era outro se não ela mesma. Uma angustia ainda maior tomou conta de seu peito. Estava cada vez mais difícil suportar aquela situação. Ela não sabia o que esperar daqueles homens. Tudo que ela sabia e tinha ouvido falar, era que prisioneiros como eles, sem contato com uma mulher por tanto tempo, seriam capazes de fazer qualquer coisa. Seu medo a fazia imaginar cenas horrendas. Ela se via nas mãos sujas daqueles homens sendo agarrada a força, tão rapidamente, que os seguranças que estavam na porta nem teriam tempo de evitar o pior.
Em dado momento, ela disse a si mesma que tudo fosse de acordo com a vontade de Deus.
Isabella terminou de separar o material para o workshop, levantou-se de sua cadeira e com a voz demonstrando sua insegurança, ela se apresentou.
Ela disse aos presos que estava lá para dar a eles a oportunidade de estar mais em contato com a literatura e que todas as quartas feiras, durante um mês, ela viria à penitenciária para que juntos, pudessem compartilhar a magia de escrever. A reação de quase todos foi dar risadinhas e tecer algumas piadinhas de mau gosto sobre tudo o que ela falou.
Dotada de uma força que nem ela mesma sabia que havia em seu interior, ela disse a eles, com muito mais confiança, que ela estava trazendo a eles a possibilidade de se descobrirem, de conhecer a si mesmos através da escrita. Disse que naquele mundo onde eles viviam tudo era proibido, mas ninguém poderia proibi-los de escrever. Aquela era a chance de cada um deles de poder se expressar livremente, sem receios, sem represálias, pois tudo aquilo que escrevessem, só ela iria ler. Explicou também, que era aluna de uma faculdade e que tinha recebido de seu professor de literatura aquela missão como trabalho para a prova final do semestre. Alguns se entreolharam, fizeram alguns comentários e de alguma forma que ela não pode compreender, nomearam um dos presos para falar com ela em nome de todos.
Assustada, ela ficou observando tremula enquanto um dos homens, o mais velho de todos, se aproximou, tirou o boné e disse a ela que haviam decidido por unanimidade cooperar, dando a ela a chance de concluir seu trabalho e dar a eles alguns momentos de paz no meio daquele inferno que viviam.
Ela nem pode acreditar.
Para ela, aqueles homens eram ignorantes, violentos e não esperava nada de positivo por parte deles. Muito menos cooperação. Sorrindo com delicadeza, o velho prisioneiro voltou para seu lugar e esperou. Sem ainda estar acreditando no que estava acontecendo, ela explicou a todos, mais calma naquele momento, que gostaria que cada um escrevesse, nas quatro folhas de papel que iria distribuir eles, aquilo que bem entendessem. Que gostaria que deixassem suas mentes livres. Que ao escrever, se deixassem levar pelas asas da imaginação. Que se transportassem daquele lugar onde viviam para um novo mundo. Um mundo tão distante e inatingível para eles. O mundo da liberdade.
Ao ouvi-la falar, alguns levantaram as mãos para perguntar se realmente poderiam escrever o que quisessem e se não seriam repreendidos depois por isto. Isabella garantiu a todos que não. Tudo que eles escrevessem ali seria um segredo entre ela e cada um. Aqueles homens que sempre tiveram sua liberdade de expressão roubada deles de forma brutal, se olharam, sem acreditar. Em silencio, ela passou por entre as cadeiras distribuindo o material. Em cada cadeira havia um suporte onde eles poderiam apoiar as folhas e escrever confortavelmente. De posse de lápis e papel, todos a olhavam com atenção. Naquele momento já não havia naqueles rostos a malicia e maldade que ela viu em seus olhos quando chegaram. O retardatário, aquele que chegou por ultimo no inicio da reunião, não se manifestou. Ele ficou calado desde que chegou e ao que parecia, não tinha a menor intenção de dizer qualquer coisa. Ela resolveu não interferir.
Em dado momento ela disse que poderiam começar a escrever. Que teriam uma hora para escrever sobre qualquer coisa que quisessem e depois, deveriam entregar a ela seus textos que seriam apreciados e posteriormente ela iria chamar cada autor para ler em voz alta para que todos pudessem ouvir. Iniciado o trabalho, ela criou coragem e começou a caminhar por entre as cadeiras. Todos estavam absortos em pensamentos e escrevendo. Menos um. Aquele homem de olhar triste que chegou depois de todos os outros, não estava escrevendo. Ele apenas estava de cabeça baixa, segurando o lápis e as folhas de papel em suas mãos. Visivelmente, ele não tinha a intenção de escrever. Em dado momento, ele levantou a cabeça e Isabella estava ao seu lado. Ele corou e baixou a cabeça. Ela não pode deixar de sentir pena daquele homem. Por que ele agia tão diferente dos demais. Por que ele aparentava sofrer tanto a ponto de deixar transparecer seu sofrimento em seu olhar. Com sua voz suave, ela perguntou baixinho se ele não gostava ou se não sabia e escrever. Tudo era possível. Ela pensou.
Sem levantar a cabeça ele respondeu em voz baixa que sabia ler e escrever, mas não via motivos para escrever. Naquela afirmação, ela viu que a coisa era muito mais profunda do que ela poderia imaginar. Ela abaixou-se ao lado dele, levantou sua cabeça com a mão e olhando em seus olhos, Isabella disse a ele que deveria tentar. Que o segredo era escrever o que ele estava sentindo. Sem esconder nada. Sem pensar em consequências. Apenas escrever o que tivesse vontade, pois na literatura, a gente encontra a liberdade. É possível viajar sem sair do lugar. Se ele realmente quisesse, poderia criar um mundo novo, sem paredes, sem grades, um mundo onde ele e as letras viveriam livres, sem fronteiras. Enquanto ela falava, aquele jovem prisioneiro olhava sem seus olhos sem piscar. Ela sentiu que estava de alguma forma rompendo as barreiras que ele havia criado para se isolar. Isabella se levantou, voltou para sua mesa e de lá, ficou observando o resto do grupo compenetrado em seu trabalho. Ao término do tempo estipulado, todos entregaram a ela seus textos. Menos o jovem e solitário prisioneiro que continuava sentado na ultima fileira, sem se mover.
Ela recebeu os textos de todos e agradeceu. Pediu que se sentassem e se levantou. Caminhando devagar ela se aproximou do rapaz. Enquanto ela se aproximava, ele desviou seu olhar para que não tivesse que encarar Isabella. Quando ela chegou até ele, viu que as folhas continuavam em branco. Elas estavam intactas. Exatamente como quando ela as entregou a ele. Ela não pode se conter. Perguntou a ele seu nome e ele respondeu baixinho que era João. Com voz compassada e calma, ela disse ao rapaz que ele não era obrigado a escrever, mas haveria ainda outra oportunidade na próxima semana e, que ela gostaria muito mesmo de poder ler algo escrito por ele. Que tinha certeza absoluta, que fosse o que fosse, seria muito bom. Ele esboçou um sorriso. Ela correspondeu e voltou para sua mesa. Dirigindo-se a todos, ela disse que levaria para casa seus textos e na próxima aula, pediria a cada um para ler o seu. A grande maioria pareceu ficar excitada com a ideia e se levantaram conversando animadamente entre eles sobre o assunto. O jovem silencioso e solitário se levantou, olhou para ela, sorriu timidamente e se foi. Naquele dia Isabella voltou para casa com outra visão daquele mundo que ela acabara de conhecer.
Sua primeira impressão daqueles homens foi dissipada pela aceitação mutua. Eles a receberam. Ela os aceitou. Ela quase não dormiu pensando em tudo que ela presenciou naquele salão. Relembrava os rostos de cada um. O brilho nos olhares sob a perspectiva de poderem se expressar livremente através da literatura. Para eles, era como se de repente, ganhassem a tão desejada liberdade! Uma semana se passou. No dia do próximo evento, ela chegou mais cedo. Aproveitou para falar com a assistente social e perguntar sobre João. O que ela soube explicou tudo. A senhora Nair, a assistente social da prisão, disse que desde que foi preso e veio parar naquele lugar, nunca tinha sido visto conversando com outros presos. Parecia às vezes, que ele vivia fechado em seu próprio mundo. Que não tinha a menor vontade de se expor. Ela agradeceu as informações, explicou seus motivos por se interessar pelo rapaz e se foi.
Na hora marcada todos estavam presentes. Até mesmo João. Os demais até brincaram com ele dizendo que tinha dormido lá para não se atrasar. Ele não respondeu. Apenas sorriu, tímido como sempre, baixou a cabeça e ficou em silencio. Isabella entregou os textos de todos. Disse que havia corrigido alguns erros de ortografia, mas que num âmbito global, todos estavam excelentes. A galera vibrou. Então, ela chamou primeiro que iria ler seu texto. O aplauso foi geral. O velho presidiário que havia transmitido a ela a decisão de todos em cooperar foi o escolhido. Com orgulho e sentimento, ele leu a mais bela poesia que Isabella havia ouvido nos últimos tempos. Enquanto ele lia e gesticulava, lágrimas da mais profunda emoção brotaram de seus olhos e rolavam livremente por seu rosto marcado pelo tempo e pelo sofrimento. Isabella não resistiu.
Ela deixou que a emoção tomasse conta de seu coração e quando percebeu, estava abraçando aquele velho homem com carinho e cumprimentando-o pela sensibilidade. A plateia vibrou. Um após o outro leu seu texto na frente dos colegas. A atenção de todos estava naquele que lia. Parecia que estavam enfeitiçados pelo momento que viviam. O jovem solitário e triste, observava tudo em silencio profundo. De longe, Isabella pode perceber que ele também estava emocionado. Uma lágrima furtiva e solitária como ele, teimava em rolar em sua face cansada e sofrida.
Após a leitura e animação do momento, ela disse a todos que iriam ter a chance de escrever mais alguma coisa naquela tarde e, que na próxima aula iriam poder ler. O aplauso foi geral! A excitação de todos era visível. Em cada rosto a alegria de poder se expressar, de poder colocar no papel em forma de palavras seus sentimentos, era algo que ela nunca poderia pensar que iria encontrar naquele lugar. Todos receberam suas folhas e lápis. Ela nem precisou dizer para que começassem a escrever, pois todos ao receber seu material iniciaram seu texto. Para surpresa de Isabela, João também.
Sem demonstrar que havia percebido, ela começou a caminhar entre as cadeiras observando o trabalho de cada um. Quando chegou perto dele, João cobriu com a mão o que tinha escrito, olhou para ela e sorriu. Ela compreendeu e se afastou. Ela sabia que o que quer que ele estivesse escrevendo, seria muito mais do que especial. Pacientemente, ela esperou que todos acabassem e entregassem seu trabalho. Ao terminar de juntar todos, menos o de João que não entregou o dele, ela disse a todos que estavam liberados e que os veria na próxima quarta-feira. Aqueles homens não eram mais os mesmos que entraram naquele salão no primeiro dia. Eles se levantaram de suas cadeiras com educação. Se despediram dela desejando boa noite e a maioria expressou a ela o desejo de que a próxima reunião chegasse logo. Mais uma vez, ela voltou para casa pensativa, mas naquele dia, ela estava se sentindo feliz.
Através da literatura, ela tinha levado àquele mundo insano e violento em que viviam, um pouco de alegria, felicidade e descontração. Estava sendo incrível e muito gratificante ver a evolução daqueles homens em apenas duas aulas e, seu coração já começava a se apertar pensando no ultimo dia em que os visse. Outra semana passou. Chegou do dia de vê-los pela ultima vez. Alegre pela mensagem de paz, amor e liberdade que ela levou a eles através da literatura, ela ainda sentia falta de pode ter conseguido algum progresso com João, mas o tempo havia acabado. Ele não havia se interessado o bastante para entregar a ela o que quer que tinha resolvido escrever afinal. Ao entrar no salão, todos já a esperavam. Eles não só a esperavam como haviam lhe preparado uma surpresa.
A penitenciaria tinha cursos de artesanato para os presos e eles haviam se unido para fazer um presente muito especial. Fizeram com palitos de sorvete o mais belo vaso de flores que ela já tinha visto e, junto com ele, veio um coração. Era uma almofada vermelha em forma de coração e nela estava escrito: “Um escritor é livre até mesmo para voar, além das nuvens, além das estrelas, rumo aos seus sonhos e aos de outras pessoas”. Isabella desabou. Sorrindo e chorando ao mesmo tempo, ela agradeceu a todos de coração. Recebeu abraços carinhosos e respeitosos de todos eles. Ao terminar a sessão de cumprimentos e toda a agitação, ela percebeu que todos ficaram sem silêncio. Ao olhar na direção para onde todos estavam olhando, ela viu João. Em pé onde estava, ele segurava entre suas mãos, como se segura um pássaro preso entre elas, uma folha de papel. Ele a olhava sorrindo.
Era um sorriso tão lindo, tão especial, que parecia mais o de um anjo. Daquela expressão de tristeza e de velhice precoce que havia antes em seu rosto, nada mais existia. Ele parecia ser o homem mais feliz da face da terra. Ainda em silencio, ele se aproximou lentamente de onde ela estava. Ao chegar bem perto, com voz embargada ele disse que fazia questão de ler o texto que havia escrito na aula anterior e, que ele seria como um presente dele para ela, como despedida. Isabella balançou a cabeça afirmativamente ainda sorrindo. João então começou a ler enquanto seus colegas e ela o escutavam em silêncio total.
Em meu mundo, de onde eu vim, nunca ninguém se dispôs a me ouvir. Muito pelo contrário. Desde criança me ensinaram que eu deveria ficar calado. Me fizeram acreditar, que nada do que eu dizia tinha algum valor ou sentido, então eu me calei. Vivi a minha adolescência, cheio de dúvidas, sem ter coragem de perguntar a alguém. Me fizeram crer, que ninguém estava disposto a me ouvir. Que eu não tinha nenhum conteúdo e o melhor que eu podia fazer, era silenciar. Sofri longos anos a solidão e a dor de não ter alguém para me escutar. Eu precisava falar. Ninguém quis me ouvir. Chorei tantas noites, rezando e pedindo ao Pai todo poderoso, que fizesse um milagre algum dia e enviasse alguém que me libertasse desta maldição. Que me dissesse, que podia falar e que iria me ouvir, mas foi em vão. O tempo passou, fui envolvido por más companhias e acabei vindo parar nesta prisão injustamente. Fui preso no lugar do verdadeiro causador de um desastre, que feriu muitas pessoas num acidente de ônibus. Não era eu. O criminoso que estava ao meu lado, quando tudo aconteceu, fugiu e todas as evidencias estavam contra mim. Queria poder falar. Tentar me defender. Mais um vez na vida, não me ouviram. Apenas me julgaram.
Eu continuei em silencio. Guardei em meu peito todos os meus sentimentos. Minha revolta. Eu quis morrer. Mas de repente, vinda do nada, uma mulher que eu nunca vi na vida, entra na prisão, invade meu coração com seu jeito suave e compreensivo. Me diz que eu posso falar. Que ninguém vai me proibir ou me castigar por isto. Que posso ser livre para voar. Que através da escrita, eu posso dizer tudo que eu sinto. Tudo que tenho guardado e preso a vida toda dentro de meu peito. Me diz também, que a literatura pode me fazer sair deste lugar. Que posso atravessar paredes, criar outros mundos. Que posso até mesmo, viver outras vidas, criar outras vidas. Que posso ser eu mesmo, ou qualquer coisa que eu quiser. Quando eu iria imaginar, que a minha liberdade estava o tempo todo ao meu lado? Que o portal mágico para ela estava em uma folha de papel e, que a chave era um simples lápis? Obrigado Dona Isabella! A senhora me libertou. Permitiu que eu acordasse a tempo de não cair de uma vez por todas, no abismo sem fundo da depressão!
Agora eu sei meu Deus, que você realmente usa formas inesperadas para nos fazer compreender muitas coisas na vida! Desta vez, você trouxe para dentro do inferno em que vivíamos nesta prisão, um anjo da literatura e eu estou livre afinal!
Enquanto todos os presos e Isabella, emocionados, ouviam João ler seu texto, em dado momento, quando ele levantou as mãos para o alto, segurando aquela folha tremula de papel, por um breve instante, todos tiveram a impressão de que aquilo que ele segurava, não era uma folha de papel. Que na verdade, ele estava segurando uma pomba branca. A pomba da paz, do espírito santo. Pronta para ser libertada de suas mãos e estar livre para voar quando ele a soltasse. Completando a magia do momento, a luz de um holofote pousou sobre as mãos de João, como se fosse a luz divina, abençoando aquela pomba da paz. Lagrimas corriam livremente dos olhos de todos os presentes naquele salão.
Isabella não pode deixar de imaginar, como seria lindo se aquela pomba voasse mesmo. Se ela pudesse dar a volta ao redor do mundo, levando uma mensagem muito especial a todos os humanos. A mensagem de que a verdadeira liberdade, a verdadeira paz, esta no conhecimento e que este conhecimento, só pode ser adquirido quando nos entregamos à magia e ao encanto da literatura.
Quando tudo acabou, quando todos se despediram demoradamente, cada um voltou para sua cela e Isabella voltou para o seu apartamento, mas daquele dia em diante, a vida de nenhum deles foi a mesma. Ela concluiu seu trabalho com louvor. O professor ficou impressionado com tudo que leu e passou a incumbir mais seus alunos de trabalhos como aqueles em diversas outras áreas. Isabella passou a receber cartas periódicas de todos aqueles homens que vivenciaram com ela aquela experiência inesquecível e que foi para ela, um presente de valor incalculável, mas o maior presente que ela poderia ter recebido, veio dois anos depois, numa caixa de papelão entregue via Sedex. Pequena. Parecia uma caixa de chocolates, ou alguma embalagem dos artesanatos feitos na prisão, mas dentro dela, havia um livro e quando ela leu o título e o nome do autor, seu coração disparou e lágrimas sentidas, da mais pura emoção, rolaram lentamente de seus olhos naquele momento tão especial.
O título do livro era “Um Escritor na Prisão.”
E o autor... era o João...


Autor: José Araújo





































sexta-feira, 21 de maio de 2010

JOSÉ ARAÚJO PARTICIPA DA ANTOLOGIA ESPECIAL BIENAL DE MINAS GERAIS 2010 - ALL PRINT EDITORA COM LANÇAMENTO NO EXPOMINAS DIA 23 AS 16 HORAS






A Antologia Especial Bienal do Livro de Minas 2010, terá a participação do escritor José Araújo com o conto "O Grande Concurso".
De fundo relexivo, o conto do escritor paulista faz uma alegoria entre as leis dos homens e as Leis de Deus.
Seus contos, onde os personagens vivem situações do cotidiano de todos nós, sempre terminam com uma profunda reflexão.

A trama vivida pelos personagens do conto se passa num famoso Shopping de São Paulo onde se realiza um grande concurso.Para ganhar o tão sonhado premio, um carro zero e importado, é preciso que se faça a coisa mais inacreditável que alguem possa fazer. Contudo, os concorrentes não contavam com o fato de que:
"Lei é Lei e tem que ser obedecida em qualquer situação, mesmo que para isto, seja preciso que se faça, a coisa mais inacreditável que alguém possa fazer."

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O ESCRITOR JOSÉ ARAÚJO AUTOGRAFA SEU LIVRO "POR UM MUNDO MELHOR" DIA 21 DE MAIO, ÀS 19 HORAS, NA BIENAL DE MINAS GERAIS 2010 STAND M09 USINA DE LETRAS


Depois do sucesso de vendas na Bienal do Livro do Rio de Janeiro em setembro de 2009, depois de ter encantado os paulistanos com seu estilo único de escrever contos, que são um bálsamo para o coração do leitor, o escritor José Araújo chega a Minas Gerais, terra de seus pais e de toda a sua família, que na sua maioria são das cidades de Passos de Minas, Bom Despacho e Belo Horizonte.

José Araújo traz em sua bagagem 56 anos de experiência de vida e muitos “causos” para contar através de seus contos baseados em acontecimentos do dia a dia, que o autor transforma de forma mágica e cativante, em emocionantes estórias que levam o leitor à reflexão e refletindo, muitas vezes ele se vê nitidamente nas situações vividas pelos personagens.

Seu livro Por um Mundo Melhor – Contos para Reflexão, foi escrito para leitores de todas as idades, para todos os sexos e tem encantado milhares de pessoas pelo Brasil afora, que em muitos casos, o adotaram como livro de cabeceira. Aquele livro que a gente quer ter sempre por perto para que possamos abri-lo em momentos difíceis em busca de paz, de fé, de esperança de uma vida melhor, com paz, amor, coragem e muita determinação. Isto explica o sucesso deste autor. Ele traz de volta o romantismo do passado, mas abordando de forma contemporânea os problemas que nos afligem no dia a dia. Ler este livro, nos faz acordar para a realidade de que para sermos felizes, precisamos correr atrás da realização de nossos sonhos e, por consequencia, fazendo deste mundo, um lugar melhor para se viver.

Não perca a oportunidade de conhecer este autor e sua obra na Bienal de Minas Gerais de 2010 em Belo Horizonte!

Dia 21 de maio às 19 horas, no Expominas, estande M09, da Usina de Letras Editora, o escritor José Araújo estará autografando para o público mineiro este livro que pode mudar sua vida para melhor, com o estímulo de positividade, bons sentimentos e muitas emoções.

Expominas, estande M09, Avenida Amazonas 6030, Bairro da Gameleira, Belo Horizonte, Minas Gerais.

domingo, 9 de maio de 2010

LÁGRIMAS DE DEUS NO CÉU DO SERTÃO...


O sol ardia e o calor era insuportável. Parecia que aquele dia estava sendo o mais quente do ano. A seca no interior do nordeste brasileiro era a pior das ultimas décadas. Severina com o olhar distante, dizia a si mesma que se não chovesse logo, não sobraria uma única alma viva para contar a historia de fome, de sede e de muito sofrimento naquele lugar. Não chovia há muito tempo. As cabras estavam morrendo e as poucas vacas que ainda estavam de pé, não produziam leite. Os animais estavam magros e fracos. As pessoas tentavam sobreviver e salvar seus filhos da morte certa como podiam. Os homens estavam sendo obrigados a caminhar longas distancias para conseguir trazer água, mas aos poucos, os outros vilarejos mais próximos tinham ficado sem um a gota de água se quer. As prefeituras tinham que enviar caminhões pipa com o liquido vital para matar a sede da população.

A coisa estava tão ruim que foi preciso fazer racionamento de água até mesmo dentro de casa. Quando o caminhão da prefeitura trazia água até cidadezinha mais próxima, Severina e seu marido Ericlênio iam buscar a fonte da vida em galões de alumínio que antes eram utilizados para carregar o leite das vacas para vender. Quando retornavam ao seu pequeno lar, o pouco de água que conseguiam trazer, era guardada num latão com tampa e que tinha uma torneira improvisada que seu marido colocou nele e, que eles deixavam debaixo de um cajueiro, o único lugar mais fresco que encontraram para que a água não se evaporasse com o calor. De qualquer forma, o cajueiro não ficava muito próximo à casa deles e era preciso uma boa caminhada para chegar lá. Não que fosse exageradamente longe, mas devido ao terreno irregular, da janela da cozinha só se podia ver os galhos mais altos da arvore. Naquele dia Severina achava que não iria suportar aquele calor.

Ela e sua família já tinham passado por maus bocados, mas aquela seca estava sendo demais para qualquer um. Sem chuva, sem mandiocas para fazer farinha, sem o leite das vacas, já havia quase nada para comer e principalmente, logo não haveria absolutamente nada para alimentar Minguinho, seu filho de apenas seis anos de idade, era o que mais lhe doía no coração. Ericlênio havia saído e ela estava na cozinha raspando um pedaço de rapadura para juntar com um resto de farinha de mandioca e dar ao seu pequeno filho. Olhando para fora ela parecia olhar, sem nada ver. Havia uma tristeza enorme naqueles olhos antes tão alegres e esperançosos. A seca no sertão era sempre implacável, mas agora, depois de tanto ouvir falar pelo rádio sobre o aumento da temperatura do planeta, Severina já estava acreditando que o fim de todos estava próximo.

Em dado momento algo chamou sua atenção e forçando um pouco a vista, ela viu seu pequeno filho caminhando em direção a onde estava o cajueiro. Ela não teria dado muita atenção ao fato dele estar andando pelos arredores, o que era usual, mas foi o jeito como ele estava caminhando que a deixou intrigada. Ela parecia estar indo até onde estava o cajueiro, mas indo com alguma missão a ser cumprida, não zanzando de lá para cá como era seus costume. O menino desapareceu das vistas de sua mãe, demorou um pouco a reaparecer, mas quando o fez, vinha andando com muito cuidado e ele vinha com suas mãos juntas, como se formando uma concha e ele trazia nelas algo que não dava para ver de longe. Severina ao vê-lo dirigir-se para os fundos da casa achou que poderia ter encontrado alguma coisa que o interessou e acabou por não se preocupar mais com o assunto.

Contudo, minutos depois lá ia ele de novo. Ao vê-lo andando desta vez, mais rápido e decidido na direção do cajueiro, ela resolveu averiguar melhor. De novo ele desapareceu de suas vistas, mas minutos depois ele vinha retornando e com suas mãos juntas, em forma de concha, trazia algo e seguia andando cuidadosamente na direção dos fundos da casa. “Este menino está aprontando alguma coisa!” Ela pensou. Com aquele calor miserável, se nem os animais mais fortes como os bois e as vacas estavam aguentando, como poderia um garotinho franzino e subnutrido como seu pequeno Minguinho sobreviver se abusasse muito de sua sorte? O que ela não esperava, era que iria aprender uma grande lição, testemunhando o único milagre que ela iria ver acontecer em sua vida.

Preocupada e curiosa, ela deixou o que estava fazendo e saiu discretamente pela porta dos fundos e sem que ele percebesse, ela o seguiu quando ele se dirigiu mais uma vez em direção ao cajueiro. Ao chegar lá, Severina viu quando ele se ajoelhou em frente ao tambor onde guardavam a pouca água que conseguiam e juntando as duas mãos, ele ficou aguardando a água cair nelas, gota por gota até que enchesse e depois, cuidadosamente ele se levantou, tentando manter o equilíbrio para não perder nem uma gotas e pôs-se a caminhar de volta para casa. Ela se escondeu bem para que ele não a visse e quando ele já estava ha alguma distancia, ela se aproximou do tambor e constatou que havia um pequeno vazamento água na torneira e o liquido precioso e vital se perdia gota por gota, sem parar. Severina virou-se e seguiu pequenino de volta para casa e como adulta, mais rápida do que ele, ela chegou primeiro cortando caminho para não ser vista e o esperou.

Quando ele chegou, foi direto para o quintal dos fundos e se dirigiu para onde havia o cercado onde ficavam as cabras, passou por baixo dele, se equilibrando com o maior cuidado e foi até onde haviam algumas cabras prostradas no chão, quase morrendo de fome e de sede e quando ela viu que ele ia passar junto ao velho bode, o mais bravo e perigoso que tinham e que ainda estava de pé e com forças suficientes para atacar Minguinho, seu coração quase parou. Se gritasse o bode poderia se assustar e ataca-lo, se ficasse quieta, talvez fosse pior, mas o que aconteceu a deixou sem ação. O velho bode olhou para o menino, balançou a cabeça devagar como se faz quando se concorda com alguma coisa, deixando-o passar e o acompanhou até onde estava um pequeno cabritinho. O pequenino era pele e osso e nem mais conseguia se levantar. Minguinho chegou perto dele, abaixou-se e com o maior cuidado aproximou suas mãos com a água que trazia nelas da boca do animalzinho. Sem forças nem para levantar direito a cabeça, com um tremendo esforço ele esticou sua pequena língua para tocar a água e Minguinho se abaixou o mais que podia para facilitar.

Presenciando aquela cena, os olhos de Severina encheram-se de agua. Lágrimas de pura emoção rolaram livremente sem seu rosto cansado e maltratado pela seca. Que ironia. Ela pensou. Não cai uma unica gota de chuva ha tanto tempo, mas bastou presenciar o que meu filho esta fazendo, para que elas aparecessem de dentro de mim. Quando o cabritinho conseguiu lamber toda a agua que havia em suas mãos, Minguinho se levantou e saiu correndo em direção a onde estava o tambor. Severina ainda emocionada o seguiu e aguardou seu retorno no meio do caminho, escondida atrás de uma grande rocha. Quando ele vinha voltando, ela saiu de seu esconderijo e se colocou em sua frente, impedindo sua passagem. Seu pequenino filho parou, levantou os olhos que encontraram os dela e eles se encheram de lágrimas. Com a voz embargada, Minguinho disse a ela que não estava desperdiçando água. Foi tudo que ele disse e começou a caminhar de novo. Ela saiu de seu caminho. Aquela era sua missão e ele a estava cumprindo. Severina não disse nada, apenas afastou-se e deixou passar.

Quando ele passou, ela o seguiu de volta acompanhando-o de perto. Ao vê-lo se ajoelhar ao lado de outro animalzinho caído no chão, tentando fazer com que ele bebesse a pouca água que tinha conseguido trazer na concha que ele fazia com suas pequenas mãos, mais uma vez e a emoção foi maior e as lágrimas caíram de seus olhos. Vendo aquele coração maior do que ele mesmo. Tão lindo e radiante que parecia ofuscar até mesmo a luz daquele sol que estava matando tudo e a todos naquele lugar, elas foram caindo, uma a uma e então, subitamente, ao caírem, outras gotas se juntaram a elas e outras mais se juntaram cada vez mais...

Estava chovendo! Mas como? Não havia sequer uma nuvem nos céus daquele deserto no sertão! Severina atônita olhava para o céu, enquanto seu filho e os poucos animais que ainda estavam de pé pulavam de alegria; recebendo as gotas de chuva como se fosse o maior presente que tivessem recebido em suas vidas. Lentamente, as gotas que vinham do nada foram molhando tudo naquele lugar. Era um milagre o que estava acontecendo. A vida finalmente estava sendo preservada.

A natureza se encarregaria de fazer germinar novamente as sementes das plantas que morreram e tudo voltaria ao normal. Depois daquele dia Severina sempre soube que provavelmente muitos iriam dizer que milagres não acontecem realmente, que tudo foi só coincidência. Afinal tem que chover em algum lugar e que naquele dia, a chuva sem nuvens deveria ter alguma explicação cientifica.

Mas ela decidiu que não iria discutir aquele assunto, nem ia tentar. Tudo que ela sabia, era que a chuva caiu sobre o deserto do sertão salvando o bem maior, a vida, exatamente como fez Minguinho, seu pequeno grande homem. Carregando em suas mãos aquela água que estava para ser desperdiçada, pingando da torneira e caindo na areia escaldante e que estavam sendo usadas por ele, carregando-a como ele podia, fazendo uma concha com as mãos, caminhando um longo percurso, após esperar que ela enchesse suas mãos, gota por gota, sem desistir, para salvar as vidas daqueles pobres animais.

Até hoje, quando ela se lembra daquele momento de suas vidas, em estado de extrema gratidão, Severina se ajoelha no chão e com as mãos levantadas em direção ao céu, com o coração batendo rápido de tanta emoção, sabe que aquela chuva que caiu naquele dia, vinda de lugar algum, sem uma nuvem no céu, só podia ser mesmo as lágrimas de Deus, caindo dos céus do sertão, enquanto ele chorava de emoção, de orgulho e satisfação, vendo cá embaixo, Minguinho, sua pequena grande criação, fazendo o que ele estava fazendo, cumprindo sua missão sem medir esforços, com toda a força de seu coração, em nome do amor.

Autor: José Araújo