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sábado, 28 de junho de 2008

PARÁBOLAS DE UMA VIDA...




Lá estava ele, o orgulhoso Bule de Chá, orgulhoso se si mesmo, orgulhoso de ser feito de porcelana, orgulhoso de seu bico longo, orgulhoso de sua alça larga e grossa, para garantir seu manuseio, com toda segurança. Ele tinha algo de que muito se orgulhava em sua frente e algo em suas costas e ele falava com veemência sobre isto, contudo, ele não falava sobre sua tampa, pois ela tinha uma rachadura que havia sido reparada por alguém, mas o serviço não havia sido bem feito e ela podia ser vista a olho nu, por qualquer um. Ele em seu todo era muito bonito, mas tinha um pequeno defeito e não gostava de falar sobre isto, mas os outros, com certeza falavam e certamente, mais do que deviam. As xícaras, os pires, o pote de manteiga e o de açúcar, as colheres e as facas de pão, quando olhavam para ele, a primeira coisa que lembravam, era do defeito de sua tampa e o Bule de Chá sabia disto, ele conhecia todos muito bem e dizia a si mesmo, que ele tinha plena consciência disto e que ele sabia que em sua tampa rachada, que ele carregava sobre si, estavam estampadas sua modéstia, sua humildade, coisa que nenhum dos outros compreendia.
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Todos nós temos defeitos, mas também, cada um de nós, sem exceção, tem seus talentos, tem virtudes, é questão de sensibilidade de quem nos olha, para poder enxerga-los. Ele falava consigo mentalmente, que às xícaras foi dado uma alça, ao pote de açúcar uma tampa e que a ele, foram dados ambos, mas uma coisa ele tinha que não foi dada a nenhum dos outros em sua criação. Ele tinha um bico, e isto, fazia dele o Rei da mesa de chá. O pote de açúcar e a manteigueira, tiveram a sorte de terem sido feitos artesanalmente e tinham seu valor como obra de arte, mas era ele quem fazia a infusão das mais aromáticas folhas para preparar o chá, ele era o provedor do sabor e do aroma, que davam o prazer e o encanto da hora do chá. Era ele que transformava as folhas através de água fervente e sem sabor, na maravilha que tanto agradava o paladar dos humanos, trazendo momentos únicos de puro deleite, ao degustarem gota por gota a benção que ele lhes trazia através do chá. Isto tudo, mesmo que só mentalmente, foi dito a si mesmo, naquele momento, no auge de sua juventude, pelo Bule de Chá.
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Então um dia, num momento comum, de uma mesa de chá, ele foi levantado pelas mais delicadas mãos, as mãos de uma criança, mas estas mãos estavam trêmulas e ele caiu. Seu bico quebrou, sua alça se espatifou em pedaços e sua tampa, bem, de sua tampa, os outros componentes da mesa de chá já haviam falado o bastante, não é necessário mencionar. E lá estava ele, o Bule de Chá, caído no chão, em meio a uma poça, com o liquido precioso, escorrendo sem parar. Ele recebeu uma grande pancada ao cair, mas a mais dura e dolorosa pancada, foi que todos os outros, riram dele, não das mãos delicadas e trêmulas, que o deixaram cair. “Minha memória eu nunca perderei” disse o Bule de Chá a si mesmo uns tempos depois, enquanto reflexivo, relembrava a trajetória de sua vida. Depois do acidente, ele foi chamado de inválido, de inútil e imprestável, colocado num canto qualquer, até que foi dado a uma velha mulher, que passou na porta da casa, pedindo esmolas, ou qualquer coisa, de que não mais precisassem.
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Naquele momento, sentindo-se rejeitado, humilhado, lá ele se foi, mudo, sem palavras, tanto por dentro quanto por fora, tamanha sua decepção. Mas naquele momento, uma vida melhor estava começando para ele depois do desastre que aconteceu. Na vida, de uma coisa, a gente se torna outra, no decorrer de nossa jornada. Quando a velha mulher chegou em sua casa, terra foi jogada dentro do Bule de Chá e para um Bule, é o mesmo que se ele fosse enterrado, mas no meio da terra, foi colocado um bulbo de uma flor. Quem o colocou lá ele não sabe, ele não viu, mas naquele momento, ele estava começando a receber a compensação pelas perdas que sofreu, dentre elas, as mais importantes, foram a perda de seu status de Rei da mesa de chá e a perda de seu bico e de sua alça. Dentro dele, no meio da terra fértil, o bulbo se tornou seu coração e ele nunca havia tido um igual, pois este tinha vida que pulsava mostrando que estava vivo. Então, dentro do Bule de Chá, mais uma vez havia vida, mas desta vez, com muito mais força, com mais vitalidade e o bulbo de flor pulsava, até que um dia, um broto nasceu. Ele havia acabado de vir ao mundo e estava cheio de emoções, envolto em muitos pensamentos, na ânsia de viver e num belo dia ele floresceu e o melhor de tudo, o Bule de Chá que viu isto acontecer, ele esqueceu-se de seus tormentos, de sua tristeza, encantado com a beleza da flor.
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Ele estava tão radiante com aquele momento que depois de muito tempo, sem falar nada, nem a si mesmo, ele disse em voz alta, que não há maior benção divina, do esquecer de si mesmo e de todos os problemas, contemplando o milagre da vida. A flor fez que não ouviu. Ela não agradeceu, ela não pensava nele, afinal era admirada, ela era reverenciada, não precisava dele, mas ele, ele estava feliz, e não é difícil imaginar, quão feliz ele deve ter sido. Algum tempo depois, o Bule de Chá, já velho, aleijado e cansado, ouviu alguém dizer que a flor era tão linda, que merecia outro vaso melhor. Ele não tinha um coração de verdade, mas era como se tivesse, pois ele se partiu em dois, no momento em que isto aconteceu. Não demorou muito, tiraram a flor e a terra de dentro do velho Bule de Chá e a replantaram num vaso novo e resplandecente. O velho Bule de Chá, quebrado, inválido, com um corpo feio e marcado pelas rugas causadas por sua porcelana que rachou, foi jogado no cesto do lixo, cujo lixo, foi levado pelo lixeiro, que por sua vez, o despejou num lixão.
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Mas esta estória não acaba por aqui, porque mesmo enterrado, sob toneladas de lixo, como qualquer outra coisa inútil e imprestável na vida, ele estava feliz, porque dizia a si mesmo, com toda a convicção, que poderiam tirar qualquer coisa dele, como o fizeram durante toda a sua vida, mas a sua memória não, ela era a única em que ninguém iria colocar a mão, portanto ela, sendo imortal, seria sempre dele, a única coisa, que ele nunca iria perder.
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O Bule de Chá, feito da mais fina porcelana, desde seus dias de glória em sua juventude, até a rejeição e abandono final em sua velhice, teve uma dura, mas encantadora caminhada em sua jornada pelos caminhos da vida, e no final das contas, ele nada mais fez, do que nos mostrar com sua saga, criada pela mente do escritor, que tudo que aconteceu, nada mais é, do que uma verdadeira e profunda reflexão sobre o fato, de que até mesmo os destinos das coisas e dos objetos, muitas vezes são como se fossem, parábolas de uma vida.
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Autor: José Araújo
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Fotografia: Simplicidade
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Fotografo: José Araújo
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Acervo pessoal de 2006









domingo, 22 de junho de 2008

REJEIÇÃO, AMOR E DEVOÇÃO...


Ha muitos anos atrás, Juscilene Erinéia Silva, a Jú para os amigos e parentes, começou a namorar Leon Cleyson Martinez, o Léo para ela, aos 14 anos, quando ele tinha 16. Ele tinha sua própria motocicleta e seus pais eram bem de vida, até faziam parte do Elite Club de sua cidade, próxima a Recife, capital de Pernambuco. Ela gostava de sua companhia, contudo, nunca teve por ele uma grande paixão. Na verdade, após 4 anos de namoro, eles nunca dormiram juntos, Juscilene era virgem e não pretendia mudar tão cedo este aspecto de sua vida. Certa noite, quando ela tinha 18 anos, ela teve que ser deixada só em sua casa, pois seus pais, com a ajuda da Prefeitura local, tiveram que viajar para a cidade de Campinas, no Estado de São Paulo, para levar seu irmão mais novo para se submeter a exames rigorosos com um especialista em Câncer. Foi naquela noite que tudo começou, ela fez sexo pela primeira vez e não foi com Leon com quem ela se deitou. O homem que tirou a virgindade de Juscilene nunca teve sua identidade revelada, ele, seu parceiro daquela noite iria permanecer incógnito para sempre, pois ela jurou a si mesma que morreria com este segredo, para o bem dela e de sua família, humilde e sem recursos tanto financeiros, quanto emocionais, para suportar o baque que seria tal revelação.

Poderia ter sido qualquer um, um adulto amigo da família, um parente ou um colega de escola. O mistério permaneceu para todo o sempre. Quando seus pais retornaram da viagem, ela soube que seu irmão estava desenganado, que tinha pouco tempo de vida, pois seu Câncer já estava muito avançado e não havia mais nada a fazer. Ela pensou naquele momento que as coisas não poderiam ficar piores do que estavam, mas ficaram, logo ela soube que estava grávida e seu mundo desabou. Leon ficou sabendo de sua gravidez através de Ceiça, a melhor amiga de Juscilene e sua reação, foi completamente inesperada. Ele a procurou e disse que se casaria com ela do mesmo jeito, que assumiria um filho que não era seu, que ele o trataria como se fosse dele, porque ele a amava de todo coração.

Sem muitas alternativas, ela aceitou a proposta de Leon Cleyson e os dois se casaram em 31 de maio de 1968 e na época, ela estava já com 4 meses de gestação. Depois da cerimônia feita nos conformes, primeiro no civil, depois no religioso, com direito a festa e com a cidade inteira como convidados, ela se mudou para a casa dos pais de Leon, onde eles haviam preparado um espaço só para os dois, no piso superior do sobrado de propriedade da família Martinez. Após 9 meses de muito cuidado e carinho, nasceu Lucycleide Suelen que fez a alegria da vida de Leon Cleyson que a tratava com muito amor e carinho, chamando-a carinhosamente de meu docinho. O tempo passou e quando Lucycleide tinha 2 anos de idade, nasceu Susycleide Helen, sua irmã por parte de mãe, contudo, sua mãe já não sentia mais nada por Leon enquanto ele ainda a amava profundamente.

O sonho de Juscilene, sempre foi se tornar famosa, uma estrela de sucesso e uma vez que sua relação com Leon já não tinha bases muito sólidas, ela resolveu pedir para que ele a deixasse ir embora de casa, porque ele não se encaixava em seus sonhos e projetos de vida. Leon com seu jeito pacífico e amoroso, mesmo sofrendo muito com a rejeição, atendeu ao seu pedido e num final de semana, Juscilene Erinéia e suas filhas Lucycleide e Susycleide com apenas as roupas que tinham, se mudaram para uma casinha, do outro lado da cidade, que Leon alugou para elas, prometendo pagar o aluguel até Juscilene se aprumar na vida. Nestas alturas, Lucycleide tinha 7 e Susycleide tinha 5 e pelos próximos 3 anos, sua mãe teve um grande numero de empregos e maior ainda o numero de namorados. A vida delas se tornou uma montanha russa, cheia de altos e baixos, mais baixos do que altos e Juscilene aos 25 anos de idade já havia cruzado o país de norte a sul com suas meninas em busca da fama, mas sem sucesso e tudo que havia conseguido, foi uma coleção de péssimos relacionamentos com os muitos homens que passaram por sua vida.

Certa época, Juscilene Chamou Leon Cleyson e lhe propôs um acordo, se ele a deixasse usar uma das casas que havia na fazenda de seus pais como moradia para ela e suas filhas, até que ela conseguisse vencer na vida, ele não precisaria pagar a pensão alimentícia das meninas, e como sempre, para satisfazer a mulher que ele sempre amou, Leon concordou e elas foram morar no campo. Lucycleide tempos depois, se lembrava que a vida delas no campo foi uma das melhores fases de suas vidas e sentia saudades do tempo que elas faziam até sua própria manteiga e plantavam muitas hortaliças para comer. Lucycleide já estava com 18 e sua irmã com 16 e nesta época, Susycleide começou a mostrar sua capacidade musical e começou a cantar e sua mãe, ficou maravilhada com o dom da filha mais nova, direcionando suas atenções todas para ela e como sempre, relegando a filha mais velha a segundo plano, pois sua intenção, era aprimorar as aptidões da caçula como cantora e montar uma dupla de musica sertaneja. Susycleide era uma adolescente rebelde e sua mãe tinha que ficar muito tempo ao lado dela, dando lhe atenção 24 horas por dia, treinando-a e ensinando tudo o que sabia, tornando cada ensaio, uma aula de musica e representação.

Logo estava formada a dupla sertaneja As irmãs Silva e não demorou muito, tamanho o sucesso que fizeram, ninguém mais segurava a dupla, que era a cada dia mais requisitada para cantar nos rodeios e festas de peão de boiadeiro por todo o país. Lucycleide nestas alturas, como não tinha tino musical, não tinha utilidade prática para sua mãe e irmã, assim ela foi enviada para a casa de Leon, seu pai de criação, onde ficava por meses sem ver a mãe e a irmã e aquilo doía fundo em seu coração, pois apesar de ter sempre se sentido rejeitada pela mãe, ela a amava muito e sentia falta de sua presença em sua vida, assim como de sua meia irmã que nunca teve muita afinidade com ela e sempre fez questão de se manter longe, a maior distancia possível.

Sua mãe e sua irmã quando estavam juntas, era difícil dizer quem era a mãe, quem era a filha, como mostram algumas fotos da época em que a dupla era a coqueluche da musica caipira no Brasil. Anos se passaram e a saudade apertava no coração de Lucycleide, ela chorava às escondidas, mas levava a vida estudando, hora aqui, hora ali, pois seu padrasto era vendedor ambulante e ela morou na casa de muitos parentes dele enquanto ele viajava. Era difícil conciliar e aprender, pois em 1 ano, ela chegou a freqüentar 4 escolas diferentes, mas com sua determinação, ela sempre foi uma das primeiras alunas da classe em qualquer escola que estudasse. Num belo dia, ela recebeu uma carta de sua mãe dizendo que ela poderia acompanha-las em suas turnês no período de férias escolares e ela vibrou com a idéia, pois iria poder abraçar e beijar sua mãe e sua irmã, que ela tanto amava na vida, mesmo sem sentir em algum momento da vida, que era correspondida por elas. A dupla, Irmãs Silva, já tinha até um ônibus próprio, o que chamavam de jardineira na época, que foi transformada em casa ambulante e foi nele, que Lucycleide passou a morar com sua família nas férias escolares.

Ela estava mais feliz do que nunca com o que estava acontecendo, era tudo que ela sempre quis depois que se separou de sua mãe e de sua irmã, mas o que ela não sabia, era que sua própria família a estava usando apenas como faxineira, lavadeira, passadeira e cozinheira em suas viagens e enquanto elas ganhavam rios de dinheiro por semana nos shows, pagavam a Lucycleide uns míseros centavos e ainda achava que estavam pagando demais. Qualquer outra filha teria sentido-se humilhada, mas Lucycleide não, ela não. Tudo que ela queria era poder ser incluída e aceita, para todo o sempre, como membro da família. Mas como muitas coisas na vida não tem explicação, apesar de tanta rejeição, patéticamente, ela era a maior fã da dupla e vibrava assistindo suas apresentações, dizendo a todos com orgulho e um sorriso largo no rosto, que a dupla Irmãs Silva, eram sua mãe e sua irmã.

A dupla tinha que rodar o país para dar conta de cumprir todos os contratos e mais uma vez Lucycleide foi enviada para ficar com seu pai e seu avô na fazenda e assim, a separação foi inevitável e o sofrimento dela pela distancia e pela saudade, voltou a machucar seu coração. Apesar de tudo, ela se formou na escola, sempre muito atenta, inteligente e dedicada, prestou vestibular e entrou para a faculdade, queria fazer Letras, porque sua paixão era os livros, ela respirava literatura, sua grande paixão. Depois de ficar sem ver de perto sua família por 5 anos, um dia ela resolveu ir encontra-las e fazer uma surpresa, no meio de uma das viagens da dupla, mas para seu desencanto, quando elas a viram se aproximar fizeram como se não a conhecessem, a ignoraram e virando-se de costas para ela, seguiram em outra direção. Lucycleide ficou muito magoada, seu coração doía como se houvesse sido apunhalado, mas queria pensar que elas tinham um motivo justo para terem agido daquela forma e quando pudesse, perguntaria a elas o que realmente aconteceu. O que aconteceu depois, simplesmente não aconteceu, pois sua mãe e sua irmã não voltaram aquele dia, apenas mandaram um recado a ela, dizendo que tiveram que viajar às pressas para fazer um grande show.

Triste e chorosa, com um peso enorme em seu peito, algo que tirava até mesmo sua respiração, ela voltou para a casa de seu pai de criação, que aliás, sempre foi mesmo um pai para ela, não um padrasto como dizem por ai, pois ele sempre foi o único que deu a ela atenção, carinho e por isto para Lucycleide, Leon Cleyson era o melhor homem do mundo e não poderia ser avaliado, tamanho o seu valor. No último ano da faculdade, sem ver a família ha muito tempo, ela recebeu um telegrama dizendo que sua mãe estava doente, com um mal incurável e se ela não se apressasse talvez não a visse ainda com vida, pois ela estava internada em um Hospital em Manaus, no Amazonas. O amor de filha e de irmã, nunca deixou o coração dela, por piores que fossem as rejeições e humilhações sofridas por ela e causadas pela sua própria família. Susycleide nestas alturas já pensava em carreira solo como cantora e não dava a atenção e cuidados que sua mãe tanto necessitavam e Lucycleide largou tudo, no ultimo ano da Faculdade e foi cuidar de sua mãe Juscilene Erinéia, como mandou seu coração.

Sua irmã não deu sorte na carreira solo de artista e acabou por ir trabalhar numa fábrica de peças para máquinas de costura, pois o dinheiro que receberam todos os anos de sucesso, do jeito que veio, ele foi, escorrendo-se entre os dedos das duas, como o fazem as areias do sertão. Aquela que lhe deu a luz, mas nem sempre se comportou como tal, não demorou muito veio a falecer e Lucycleide, que já havia perdido o ano da faculdade para cuidar dela, mesmo sofrendo pela perda, pode dormir tranqüila, em paz com sua consciência, por saber que cumpriu sua missão de filha, até o último sopro de vida de sua mãe que sempre a rejeitou. No inicio do ano seguinte, Lucycleide que era muito bonita e sensual, dona de uma beleza nordestina bem brasileira, inscreveu-se num concurso de modelos em São Paulo e acabou por ganhar o primeiro lugar, escolhida por unanimidade pelos jurados. Da noite para o dia, Lucycleide, que veio do nordeste brasileiro, tornou-se uma modelo famosa em todo mundo, foi convidada para participar de vários filmes ao lado de celebridades de Hollywood e seu destino de estrela, como estava escrito, em algum lugar nas páginas do livro da vida, não poderia ter sido melhor.

Apesar de ter tentado inúmeras vezes, ela nunca mais viu sua irmã pois tempos depois ela soube que tinha ido trabalhar no Japão para tentar ganhar a vida e vez ou outra, elas se falavam por telefone ou internet, mas sempre garantia à sua irmã, que seu amor por ela seria eterno, como o foi por sua mãe. A certa altura, já famosa no mundo inteiro, Lucycleide Suelen, conhecida internacionalmente como a modelo brasileira Lucy Martinez, contra a vontade de seu agente, ela resolveu que por devoção à sua família e à sua mãe, que iria deixar de usar o sobrenome Martinez, dado a ela por Leon Cleyson seu pai de criação, o que ele fez de todo coração e passaria a usar o sobrenome Silva, o nome de família usado e amado por sua mãe e sua irmã. No primeiro dia de desfile após a sua mudança de seu nome artístico para Lucy Silva, ela foi recebida pela platéia aplaudindo de pé e muitos homens e mulheres, não conseguiam conter as lágrimas que deixavam rolar livremente de seus olhos, enquanto a admiravam desfilar.

Ao término do desfile, ela foi cumprimentada por centenas de pessoas que queriam poder abraça-la e estar ao seu lado, nem que fosse por poucos minutos e ela nunca pensou que um dia iria fazer tanto sucesso assim, mas o que Lucycleide não sabia, é que sua irmã numa entrevista coletiva à imprensa, disse aos jornais tudo aquilo que sempre quis dizer a ela, mas por orgulho, preconceito, complexo de superioridade ou uma mistura deles e de outros sentimentos, nunca teve coragem de dizer. O mundo soube através da entrevista de Susycleide, a irmã biológica de Lucycleide, que tipo de ser humano era a modelo Lucy Silva, que além de ser uma linda mulher, era a filha, a irmã, o ser humano lindo, por dentro e por fora, uma pessoa muito especial chamada Lucycleide Suelen Martinez, vinda do nordeste do brasileiro, de origem pobre e humilde, que nunca conheceu seu pai verdadeiro, que nunca foi aceita totalmente por sua mãe pela forma como ela foi concebida, tendo sido rejeitada e humilhada pela mãe e irmã, mas que jamais, em nenhuma circunstancia, deixou de amar sua família, mas não era um amor comum como o que conhecemos entre pais e filhos, ou entre irmãos e irmãs, o amor que existia dentro dela, era um sentimento era muito mais forte, este amor especial, o que Lucycleide carregava em seu peito pela família, era a mais pura, a mais absoluta, a mais completa, a mais intensa, combinação, de amor e devoção...


Autor: José Araújo

Fotografia: José Aráujo – Titulo: Esperando para ser vista - Acervo particular de 2006.

domingo, 15 de junho de 2008

O TREM AZUL...


"Dia 26 de março de 1962, dia de meu aniversário, hoje eu faço 8 anos de idade e como sempre não vai ter nada, mas para mim é um dia mais do que especial, hoje eu vou poder viajar de trem pela primeira vez em toda minha vida, mal posso esperar!"


Era exatamente assim eu estava naquela manhã, numa expectativa total, com ansiedade, agitado, com medo de algo dar errado e acabar com meu sonho de subir a bordo daquele trem que eu vivia contemplando por anos a fio. Mesmo sem saber se um dia eu iria ter a chance de embarcar naquele trem, sempre que dava o horário dele passar, eu corria para a beira do rio Tietê que passava bem ao lado de minha casa, de onde eu podia vê-lo lá no alto do morro e ficava fascinado quando aquela nuvem de fumaça que saia da locomotiva surgia na curva, por entre as árvores, mesmo antes de se poder enxergar o trem.

Para mim, ele era a única coisa real com que eu podia contar, parecia vivo, nunca falhava e aparecia na curva, pontualmente às 11:00 da manhã, apitando quando se aproximava da estação da Vila Sorocabana, que ficava do outro lado do rio, depois da Rodovia Presidente Dutra e para mim ela era algo inatingivel, pois para chegar lá, eu precisaria atravessar o rio de canoa e depois atravessar a pista da rodovia, sendo que sozinho eu nunca o faria, não tinha coragem e de qualquer maneira, sem um adulto era impensável. Seu apito era como musica para meus ouvidos, onde quer que eu estivesse, o que quer que eu estivesse fazendo, saia correndo para poder vê-lo passar todos os dias. Me lembro que naquele dia, minha mãe estava doente e meu pai estava num lugar chamado Barra Funda, nome estranho que eu imaginava literalmente, ser um lugar muito fundo, onde as pessoas iam para lá trabalhar e ficavam presas, sem poder sair.

Minha tia foi nos visitar pela manhã e viu que não havia nada em casa para comer e faltavam muitas outras coisas e então, ela resolveu logo cedo que iria até o Mercadão de São Paulo e precisaria de alguém para ajuda-la a carregar as coisas, assim eu fui o escolhido, por não haver outra opção. Quase não pude acreditar que aquilo estava acontecendo! Precisamente às 10:15 da manhã, saímos em direção à estação, atravessamos o rio de canoa com a ajuda de um peão da Olaria onde morávamos e depois cruzamos a rodovia que naquele horário, quase não tinha movimento de carros. Minha apreensão só diminuiu, quando chegamos à estação à 10:55 e subimos à plataforma de embarque, que não tinha sequer uma escada, era possível subir apenas com a ajuda de um homem que parecia estar lá, só para ajudar as pessoas na dificil tarefa de subir até lá.

Pontualmente às 11:00, ouvi o apito do trem e vi a fumaça vindo por trás das arvores em nossa direção, nem posso descrever a sensação que senti naqueles momentos, foi algo que era uma mistura de tudo, mas principalmente, a realização de um sonho meu. O barulho da locomotiva foi crescendo mais e mais à medida que ela se aproximava da estação, eu tremia, admirando as engrenagens que faziam suas rodas girarem, em completa perplexidade, estava no céu naquele momento. Quando o trem finalmente parou e o maquinista liberou o vapor em excesso, faltou muito pouco para eu cair sentado, achei que tudo ia explodir, mas logo voltei a contemplar a maquina com admiração, pensando comigo: Que força! Que poder!

O bilheteiro desceu a escadinha do trem para a plataforma e gritou para todos embarcassem logo, pois tinham que cumprir o horário, coisa que muito tempo depois, fui compreender que naquela época, era ponto de honra tanto para ele, quanto para o maquinista. Minha tia segurou minha mão, subimos a bordo, eu nem piscava tamanha minha ansiedade de ver o vagão por dentro, em cada detalhe. Os vagões por fora eram pintados de azul claro, sendo que por dentro os bancos de passageiros eram feitos de ripas de madeira amarelada, lisinhas, chegavam a brilhar, as paredes internas do vagão eram em um amarelo bem claro, sendo o chão também de madeira, porém em marrom escuro. Para mim, era o lugar mais lindo que já havia visto na vida, pois minha casa era muito pobre e de chão batido. Nos sentamos, minha tia me deixou ficar na janela e nesse momento, meu sorriso era radiante, era tudo que eu sempre quis, estava feliz e não via a hora de partir.

Em poucos momentos, o maquinista apitou dando sinal de partida e a locomotiva deu um tranco de arranque, começamos a andar devagar, aumentando gradativamente a velocidade e eu apreciando da janela, tudo por onde passávamos. Não conseguia ter noção se nós estávamos andando para a frente, ou se tudo lá fora é que estava cada vez mais, correndo para trás. A Estrada de Ferro Sorocabana fazia a ligação da Cidade de Guarulhos com o Mercado municipal na Estação Areal e até chegar lá, a linha percorria vários bairros que só podiam contar com o trem como meio de transporte. Lembro-me ainda hoje, que quando o trem fazia as curvas da estrada de ferro, eu fiquei fascinado ao ver o último vagão lá atrás, virando curva, após curva, como se estivesse nos seguindo por onde quer que fossemos. Árvores, macacos, pontes, rios e lagoas, assim como casas e vilas de ferroviários, se revezavam rápidamente pelo caminho. Tudo que eu nunca havia visto, que somente ouvia os adultos falarem, estava passando bem ali, na minha frente e graças àquele trem tão querido, que todo mundo chamava de Maria Fumaça e eu só não entendia, por que chamavam um trem, com nome de mulher.

Tive a melhor experiência dos meus 8 anos, bem no dia do meu aniversário, um presente que não foi programado, mas que eu recebi e ficou gravado em meu coração e em minha alma para sempre, numa viajem de sonhos, saindo de onde eu morava, passando por Vila Augusta, Jardim Tranqüilidade, Tucuruvi, Jaçanã, Torres Tibagy, entre outros, até chegar à Estação Areal, ao lado do Mercadão, hoje Mercado Municipal de São Paulo, próximo ao Parque D.Pedro II. Fiquei por dias atordoado com todos os acontecimentos bons daquele dia, coisa que não era comum acontecer comigo, mas por um acaso do destino, tive o melhor e único presente de minha infância. A Maria Fumaça da Estrada de Ferro Sorocabana, menos de um ano depois, foi substituída por uma locomotiva a Diesel que todo mundo passou a chamar de “Cara Chata” e pelo que sentia nas conversas que ouvia, era muito pior que a velha locomotiva movida a vapor, pois mesmo ela sendo nova, vivia quebrando e sempre chegava atrasada.

A magia que girava em torno da Maria Fumaça, não afetava somente a mim, mas aos adultos também e eles sentiram assim como eu, uma tristeza profunda com a desativação da velha locomotiva. O tempo passou, o progresso veio e levou consigo até mesmo a antiga estrada de ferro, que deu lugar a um enorme Anel Viário, que hoje vive entupido de automóveis. A frieza, a falta de magia e romantismo das ruas e avenidas asfaltadas, não nos traz nenhum sentimento especial como tínhamos em nossos corações naquela época. Porém, por uma daquelas coisas do destino, a musica que marcou minha vida e a da pessoa por quem me apaixonei pela primeira vez na vida, foi “Seguindo o Trem Azul”, cuja letra fala de um Trem Azul de uma forma muito especial e a magia do Trem dos meus sonhos, a cada vez que a ouço esta música, volta à minha mente e associo aquele raro momento de felicidade de minha infância, com toda a felicidade que esta pessoa trouxe à minha vida.

O Trem Azul passou pela minha vida e eu embarquei nele por duas vezes, a primeira quando criança, realizando um velho sonho de menino e na segunda, ele me levou para longe através da música e me fez conhecer a estação do amor, me mostrou vida, luz, esperança, paz, carinho e crença de que tudo pode ser, quando o amor é verdadeiro, pois ele fica para sempre no coração, mesmo que este amor um dia não esteja mais presente fisicamente em nossas vidas, assim como foi com a velha Maria Fumaça, que há muito se foi, mas permaneceu em meu coração por toda a vida. De vez em quando, eu fecho meus olhos me transporto no tempo e no espaço, posso até ouvir o apito da locomotiva, e por vezes, quando abro os olhos novamente, fico na dúvida se estou acordado ou sonhando, se de repente ela não vai aparecer dobrando a curva, trazendo com ela meu grande amor que há muito se foi para o céu. Nestes momentos, peço a Deus que um milagre aconteça, que o Trem Azul possa levar nele, a mim e ao meu amor, juntinhos mais uma vez, mesmo que seja pela última vez, para que façamos de uma forma mágica e sublime, a viagem final...

Autor: José Araújo - Fotografia de álbum de família (Foto original recuperada)

domingo, 8 de junho de 2008

MONÓLOGO DE UMA CELEBRIDADE...



Olááááááá!!!!!!
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Tudo bem com você?
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Lembra-se de mim?
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Sou a maior celebridade entre a raça humana! Não tenho sexo, posso ser aquela ou aquele. Posso ser quem eu quiser!
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Desconheço a palavra justiça! Posso mutilar, sem matar. Despedaço corações e destruo vidas. Acabo com cargos e faço empregos serem perdidos injustamente. Sou astuciosa, ardilosa, maliciosa e quanto mais velha eu me torno, mais forças eu ganho. Quanto mais atenções dedicam a mim, mais credibilidade eu ganho entre as pessoas em qualquer lugar que eu esteja.
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Sou muito versátil, floresço em todos os níveis da sociedade, não preciso de ambientes especiais para ser cultivada. Minhas vitimas não tem como escapar da minha crueldade. Tentar me rastrear é impossível, quanto mais tentam, mais eu me esquivo. Não tenho e nem quero ter amizade com ninguém. Quando eu mancho uma reputação, ela jamais será a mesma. Derrubo governos, acabo com casamentos, separo grandes amigos, provoco a discórdia entre as pessoas.
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Arruíno carreiras, causo noites de insônia, dores de cabeça, tonturas, mal estares, ataques do coração e o melhor de tudo: Provoco suicídios em pessoas que nunca pensaram nesta hipótese. Espalho as suspeitas e provoco sofrimentos. Faço pessoas inocentes encharcarem seus travesseiros com lágrimas de dor.
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Sou tão eficaz que até mesmo quando se pronuncia meu nome, soa como o chocalho de uma cascavel.
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Eu sou poderosa, ardilosa, imbatível! Sou capaz de produzir grandes manchetes capazes de encher primeiras páginas, assim como notas inesperadas nas colunas fúnebres dos jornais.
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Lembrou agora de mim?
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Como não?
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Todos me conhecem!
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Se alguém neste mundo não foi meu aliado, certamente já sofreu as consequências de minha existência.
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Ainda está difícil?
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Se insiste em não lembrar, vou refrescar sua memória:
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Meu nome é F-O-F-Ó-C-A!
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Deixei claro agora?
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Eu tenho vários sobrenomes, mas todo mundo me conhece e uma grande parte da humanidade tende a preferir acreditar em mim a numa tal de Dna. Verdade! Posso usar qualquer um de meus sobrenomes para fazer o que eu quiser com as pessoas, principalmente, se tiver sua ajuda ou de um de seus amigos. Posso me chamar Fofóca de Escritório, Fofóca de Telefone, Fofóca do MSN, Fofóca de Orkut, Fofóca de Sala de Bate Papo, Fofóca de Rua, Fofoca de Bar, Fofoca de Banheiro, Fofoca de Refeitório, Fofoca de Igreja, Fofoca de Escola, enfim, a lista de minhas opções de sobrenomes é infinita, mas qualquer que seja a minha escolha para causar o mal, se você estiver ao meu lado, seremos invencíveis, podemos dominar o mundo e juntos, podemos causar danos irreversíveis nas vidas das pessoas.
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É absurdo o quanto se fala de mutantes ultimamente, mas eu sou a única e a original, tudo que apareceu depois de mim é falso, aliás, até mais falso do que eu! Afinal, minha gama de mutações é incontável e meus poderes são insuperáveis, posso desaparecer aqui e aparecer lá, posso tomar a forma que eu quiser, posso ser adulto, posso ser adolescente, posso ter qualquer idade, mas eu vou muito além disto! Lanço as chamas do ódio, só usando palavras, faço sangrar corações com minhas laminas invisíveis, transformo a vida das pessoas num inferno.
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Bom, depois de tudo que eu disse, depois de deixar bem claro quem eu sou e do que sou capaz, acho que nunca mais vai esquecer meu nome não é mesmo?
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Eu não deveria lhe dizer isto, pois posso estar pondo em risco a minha posição, minha própria reputação como a maior de todas as celebridades, mas só desta vez, e para nunca mais repetir, eu vou dizer:
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Lembre-se, antes de repetir uma estória, pergunte a você mesmo se o que vai dizer é mesmo verdade. Se realmente é preciso ou necessário, repetir o que você ouviu de outras pessoas, todo arrogante e confiante em si mesmo, achando que sabe da verdade, baseado no que os outros lhe disseram, afirmando que você sempre tem quem te mantêm informado sobre a vida e o comportamento alheio, seja no trabalho ou em qualquer outro lugar. O que podem estar lhe dizendo, pode ser mais uma de minhas ardilosas criações e a qualquer momento, você poderá estar cometendo uma injustiça imensa, da qual jamais se perdoará e carregando este remorso pelo resto de sua vida.
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Lembre-se de que o mal uma vez feito, muitas vezes não pode ser reparado.
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Não queira carregar na consciência uma vida destruída, um coração partido, uma injustiça cometida, só porque você resolveu por algum motivo, acreditar em mim.
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Se não tiver certeza do que vai dizer, cale-se, pois há um velho ditado que diz com muita sabedoria, que GRANDES MENTES discutem idéias, MENTES MEDIANAS discutem eventos, mas MENTES BAIXAS, discutem pessoas, ou melhor, dizendo, DESTROEM PESSOAS!
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Nossa!
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Que monólogo eu fiz!
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Você não abriu a boca para dizer nada!
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Desta vez eu quase entreguei meus segredos de bandeja!
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Nem acredito que eu disse tudo isto!
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Mas não vem ao caso, não importa, isto não me afeta!
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Eu não tenho escrúpulos e nunca vou mudar, principalmente se você me der uma mãozinha de vez em quando, e para isto, eu conto com você!
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Não precisa muito, não requer esforço, nem habilidade, é só relaxar, não usar a mente para ponderar e deixar a língua solta!
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Basta uma palavra sua, para me manter viva e me tornar sempre, uma CELEBRIDADE!
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Mas por falar em mente...
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E a sua mente?
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Em qual delas se encaixa?
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A decisão é sua, mas pense bem, comigo você será um grande sucesso, até mesmo uma grande celebridade como eu, nem que seja para aparecer em manchete criminal, abrangendo uma pagina inteira, da coluna policial!
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Autor: José Araújo
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Fotografo: José Araújo 
Foto: FUXICO - (Acervo particular 2005)