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domingo, 23 de agosto de 2009

A PERSEGUIÇÃO



Segunda Feira. Noite fria na capital paulista. 

O expediente no escritório acabou logo depois das 18hs, mas ela teve que ficar até mais tarde. Depois de colocar o serviço em dia, ela desliga seu computador, tranca a sua gaveta, pega sua bolsa e vai para o elevador. Não há quase ninguém na empresa e a portaria esta silenciosa. Só quando passou pela porta giratória e pisou na calçada, foi que ela teve conhecimento do tempo frio e da noite escura que havia lá fora. Um calafrio percorreu sua espinha. Quando começa a caminhar em direção ao semáforo para atravessar a rua, ela ouve passos atrás dela. Ela se sente desconfortável. Tenta desviar sua atenção do barulho, mas não consegue. Ela cruza a rua, mas os passos atrás dela continuam, fazendo crer que realmente esta sendo seguida. Desde que saiu do trabalho, às 21hs, por várias vezes ela tentou livrar-se do som dos passos que a acompanham constantemente, mas foi em vão. Ao passar em frente a uma confeitaria não se contem. Ela entra nela em busca de refúgio. Precisa ganhar tempo. Ela precisa pensar no que fazer.
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Talvez um café bem forte possa ajudar a pensar com mais clareza. Quem sabe, ao invés de café, um bom chá de erva cidreira, acompanhado de alguns biscoitos fosse melhor. Preciso me acalmar. Ela pensa. Quase uma hora depois, ao terminar, sentindo-se um pouco mais segura, ela sai para a rua. Mal ela começa a andar pela calçada e os passos novamente se fazem ouvir. Ao passar por uma coluna ela não pensa duas vezes e se encolhe atrás dela. Aproveita a escuridão que reina naquele canto para se esconder. Os passos desaparecem. Sem compreender muito bem como ou porque eles sumiram, ela sai detrás da coluna e atravessa a rua rapidamente. Num ultimo recurso para se ver livre de seu perseguidor ela apressa o passo. Por instantes ela não ouve mais nada, apenas o som das buzinas dos carros, das sirenes de ambulâncias e caminhões de bombeiros que passam numa rua paralela atendendo a alguma ocorrência. Mesmo andando depressa, sem ouvir passos atrás de si ela não pode deixar de sentir-se espionada.
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Os passos recomeçam. Nada que ela faça pode distrair seu perseguidor, que por sua vez mais ou menos, mantém distancia, mas sem perder de vista sua vítima. Ela quer olhar para trás para ver quem é, mas teme seus próprios medos. Aquele ou aquela que a persegue, sabe disso e continua a segui-la descaradamente, sem se importar em ser discreto. Se quem a persegue pudesse ter usado sapatos próprios para dançar sapateado, com chapinhas de ferro em suas pontas, ele o faria para poder confirmar mais expressivamente sua presença. Carrasco poderia ser seu nome. Seja quem for não tem pena, não sente medo, nem conhece temores. Afinal ela nem ao menos teve a delicadeza, ou melhor, coragem de mostrar seu valor, voltando-se para ver quem a seguia, conhecendo finalmente seu executor; ela nem ao menos permitiu uma apresentação furtiva. Ela continua sua caminhada pela calçada. Seus medos são maiores do que qualquer coisa. Ela não enxerga mais nada ao seu redor ao não ser seu próprio medo ouvindo os passos atrás dela.
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Alguém a persegue, disto ela não tem mais dúvidas. Basta uma silhueta imaginável, uma sombra mais saliente em seu caminho, e ela se afunda ainda mais em seu desespero. Ela vê um cachorro vira-latas procurando comida no lixo, poucos passos à sua frente. O cão a olha como se não a visse. Ao invés de latir ele uiva. Ela estremece. O animal uiva com tanta veemência, que parece ter sido violentamente espancado. Ela sente que ele parece estar uivando para manifestar sua indignação pela sua covardia. Mais à frente, com os passos propositalmente martelando seus ouvidos, ela se esconde atrás da fachada de um prédio na tentativa de despistar seu perseguidor. No momento em que ela se esconde, os passos deixam de ser ouvidos. Com o coração batendo tão violentamente que parece querer sair pela garganta, ela se desespera. Quem a esta perseguindo parou. O ruído surdo de seus sapatos não mais se fez ouvir. Ele deve saber onde me escondi. Disse a si mesma.
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Ela decide sair e procurar outro lugar para se proteger. Não poderia pedir ajuda a nenhum estranho porque talvez, qualquer pessoa a quem ela se dirigisse, fosse quem a estava perseguindo. Começa a andar novamente pela calçada, o mesmo som se faz ouvir. O maldito Tic-tac da perseguição. Quanto mais ela apressa seus passos, mais rápido os passos se fazem ouvir. Eles alteram ainda mais seu mecanismo biológico. Esta frio. Ela esta sem blusa mas transpira. O suor escorre pelo rosto, em suas costas. Seu vestido de Cetim esta grudado em seu corpo. Desta vez eu não escapo. Descontrolada, ela pensa. A porta de um bar noturno surge em seu caminho. Ela entra, mal consegue respirar. Senta-se numa mesa e pede uma bebida forte. O garçom sugere Whisky. Ela aceita. Quem sabe um pouco de álcool seja a solução. Uma dose, outra dose ela bebe. Mais relaxada, sentindo sua cabeça girar levemente ela resolve sair de lá. Depois que ela sai, mais de meia hora depois de entrar naquele lugar, como um martírio, os passos parecem estar cambaleando atrás dela.
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É como se aquele som infernal estivesse querendo dizer a ela que o dono, ou a dona daqueles sapatos também havia bebido. Ao ouvir seu rastreador, o medo faz com que o álcool que a deixou tonta a faça se sentir ainda mais perseguida. Ele age em seu metabolismo e ela adquire todas as características de uma presa que esta numa caçada desleal. Seus nervos e músculos não mais respondem aos estímulos de seu cérebro como deveriam. Ela começa a trançar as pernas e a tropeçar em seus próprios pés. Suas mãos transpiram. O suor é grudento, viscoso, cúmplice quem sabe, de quem a persegue. Seus lábios tremem e seus pensamentos são escassos. Ela reage. Mais uma vez ela apressa os passos. A rapidez pode ser minha aliada nesta luta. Ela pensa. Meio atordoada ainda pelo efeito do álcool que ingeriu para tentar fugir daquilo que a estava amedrontando, caminhando o mais rápido que pode, tenta de desvencilhar de quem a persegue. Pura ilusão! Muito pelo contrário.
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Quanto mais rápido ela anda, mas alto são ouvidos os passos atrás dela. Eles são como uma tortura nos ouvidos da vítima, para que ela perca seu controle e baixe a guarda e ai então o predador pode atacar. Quando o eco da perseguição se torna mais alto do que nunca, ela procura furtivamente algum reflexo de quem a persegue nos vidros das lojas, bancos e casas da avenida. Ela olha para todos os lados, para todos os cantos onde houvesse vidros que pudessem refletir o seu, ou sua perseguidora e seu medo aumenta, porque não consegue ver absolutamente nada. Tudo que ela consegue ver nos vidros mudos e silenciosos é sua própria imagem, e é claro, a da cidade àquelas horas da noite, quase deserta naquela região. Ela não aguenta mais. Prefere morrer a ter que suportar a perseguição de alguém que ela não vê. Qualquer pessoa, homem ou mulher pode ser seu carrasco e executá-la ali mesmo. Talvez não haja testemunhas quando for atacada, mas se houver, certamente ira fingir que não viu nada para não se envolver e será meu fim. Ela pensa.
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Decide então atravessar a rua novamente, mas para tentando pensar direito e ao parar, os passos atrás dela desaparecem. Tremula, ela acaba por chegar à conclusão de que é mesmo melhor voltar pelo caminho por onde veio. O final da avenida à sua frente parece mais escuro e tenebroso. Ao menos, pelo caminho em que andou para chegar até onde esta, as vitrinas e janelas são maiores, os vidros são limpos e polidos. A cidade onde ela vive e trabalha se reflete mais nítida nelas, assim como pode ser refletido quem a persegue, contudo, ela já não tem mais esperança de escapar de seu perseguidor. Finalmente ela atravessa a rua com o ruído dos passos novamente em seu encalço, e por um momento, pensa em virar-se, mas teme o que vai ver. Os passos estão se aproximando. Ela chora. Vou morrer. Ela pensa. Mas de maneira inexplicável, misteriosamente eles mantém certa distancia. Em meio ao pânico e terror, ela se recorda das janelas e vitrinas das lojas e busca com seus olhos embaçados pelas lágrimas a imagem de seu carrasco.
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Mais uma vez se vê caminhando em meio ao som de algo que ela não pode ver. Ela pensa em atravessar de novo. Não há ninguém por perto. Outra vez ela busca com os olhos qualquer pista da localização de quem a esta perseguindo, mas nada vê. Somente ouve os passos surdos que a acompanham por onde for. O rumor da perseguição continua. Cada vez mais desequilibrando seu cérebro, sua mente. O medo aumenta a cada passo. De repente, um rato passa correndo em sua frente. Ele nem sequer parou para olhá-la, entrando no primeiro esgoto que encontrou. Certamente ele estava com pressa para encontrar o caminho para o seu lar, talvez uma favela no lado sujo e pobre da cidade. Se pânico é tanto, que ela não tem mais idéia do que poderia ser seu último recurso para fugir daquele que certamente a iria executar. Subitamente ela para. Decide finalmente enfrentá-lo a qualquer custo. Respira fundo. Parada, ela já não ouve mais os passos que a perseguem.
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O medo de tudo e de todos faz com que seu mundo se torne a cada segundo, uma verdadeira escuridão, mais do que uma noite fria e sem luar. Reinicia seus passos lentamente. Volta a ouvir o som do caminhar de quem a persegue. Ela já esta cansada de sofrer aquele martírio. Tudo começou no exato momento em que saiu do escritório em que trabalhava no final do expediente, após ter feito serão. Já era tarde da noite. Muitas pessoas na capital paulista estavam indo e vindo de seus trabalhos. A cidade que nunca dorme e não deixa a população inteira dormir ao mesmo tempo e não dá permissão a ninguém para parar por muito tempo. Se um sai do serviço em algum lugar da cidade, outro esta entrando em outro lugar. Por duas longas horas, ela tem sofrido a perseguição de alguém que não se pode ver. Maior martírio não pode haver para alguém que não pode ver seu executor. Ela se detém ainda insegura. Mas uma vez ela respira. Talvez até para tentar se livrar um pouco de sua covardia, de seus pânicos.
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Parada onde está, sem o maldito som daqueles passos a ecoar em sua mente, ela gira lentamente, olhando para os dois lados da avenida. É quase meia noite e o ultimo metro vai passar na estação onde ela o pega todos os dias. Agora, mais próxima da estação, com mais pessoas indo de lá para cá ela se sente mais segura. Passa o bilhete na catraca e desce a escada rolante. Homens e mulheres com caras de cansados e com sono estão aguardando o trem. A composição chega. Ela caminha para entrar nela e ouve os passos atrás dela. Olha para trás, mas há muita gente entrando no vagão e seu carrasco poder ser qualquer um. Um frio lhe percorre a espinha pensando no trecho que ela tem que caminhar da estação onde irá descer, até a portaria do seu prédio. Minutos depois, ainda com o coração descompassado, ela chega ao seu destino, mas ao descer do trem os passos atrás dela recomeçam. Neste momento, ela decide que seja o que Deus quiser.
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Sai da catraca, sobe a escada rolante que a leva para a rua e ao chegar lá, para estar na entrada principal de seu condomínio é só atravessar a rua. Ela para na calçada e espera o farol de pedestres se abrir. Apenas uma pessoa caminha em sua direção. Ela não consegue distinguir se é homem ou mulher. A pessoa que se aproxima esta usando uma blusa de moleton preta, com um amplo gorro que cobre sua cabeça. Finalmente, chegou minha hora, ela pensa. Certamente seu perseguidor não a deixaria atravessar a rua e entrar na área de segurança da portaria de seu prédio, onde o porteiro e o segurança da noite estão a postos.
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Decidida a terminar com aquele sofrimento de uma vez por todas, o farol se abre e correndo, ela atravessa a rua em direção à sua casa. Sente que vai morrer. Nunca mais vai rever seus pais no interior. Suas pernas bambeiam, seu coração quase para, mas ela segue em disparada rumo ao seu destino e de repente o inevitável acontece:
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Sem perceber, ela entra pela portaria do prédio como um furacão, deixando o porteiro e o segurança da noite atônitos, sem compreenderem o que estava acontecendo. Ela toma o elevador e chega ao seu apartamento, acompanhada apenas por seus únicos e verdadeiros inimigos, seus medos e suas fobias, criadas por sua própria imaginação.
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E ao entrar, ela olha para um quadro que está na parede de sua sala e nele esta escrito: 

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"Aquele que crê em mim será salvo, não perecerá diante de seu inimigo e quando chegar a hora, ascenderá ao Reino de Deus."
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Lá fora, no universo paulistano, São Paulo continua acordada, ela não pode parar. Muita gente chega, uns ficam outros não. Muita gente se vai, à procura de mais segurança e qualidade de vida. Outros preferem ficar e pagar para ver o que acontece porque amam esta metrópole. 
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Na vida tudo tem um preço e todos temos que pagar mas com fé me Deus, a tudo podemos superar. 
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Neste momento, em algum lugar desta cidade ou de outra grande metrópole ao redor do mundo, exatamente como aconteceu com ela, estressado, com a mente e o físico debilitado pelo excesso de trabalho e problemas de origem pessoal, alguém sai da empresa onde trabalha, houve passos atrás de si, e daí por diante, começa uma nova perseguição.
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Se vai haver crime ou não é uma incógnita para todos nós, talvez nada aconteça, mas pode acontecer. É preciso ter fé e acreditar na proteção divina.


Autor: José Araújo

domingo, 16 de agosto de 2009

O REENCONTRO



Paulinho vivia triste e solitário em um orfanato desde o dia em que nasceu. Maior que todos os outros órfãos de lá, ele sonhava em ter um lar, uma família e também, que um dia ele pudesse voar como os pássaros. Ele queria ser livre como eles para ir onde quisesse. Conforme ele foi crescendo, foi compreendendo o porquê de não ter pais, mas era muito difícil para ele entender porque não podia voar. Sempre que o orfanato organizava excursões ao Zoológico, ele ficava encantado com os pássaros. Se o deixassem, ele ficaria somente apreciando as aves do lugar e enquanto ele as admirava, uma pergunta teimava em ecoar em sua mente.
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- Se aqui no Zoológico existem pássaros muito maiores do que eu, e eles podem voar, por que eu não posso? Ele pensava.
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- Será que há alguma coisa errada comigo? Ele imaginou.
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Perto do orfanato onde Paulinho vivia, morava um menino que era deficiente físico. Ele não podia andar. O garotinho tinha um sonho. Ele sempre desejou poder correr como os outros meninos e meninas da vizinhança. Sempre que seu velho pai o levava à pracinha para tomar sol, ele ficava olhando as outras crianças correndo e brincando de um lado para o outro, e uma pergunta também teimava em ecoar em sua mente:
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- Por que eu não posso ser igual a todas as outras crianças? Ele pensava.
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Certo dia, Paulinho que queria poder voar igual aos pássaros, pulou o muro do orfanato e fugiu. Ele apenas atravessou a rua movimentada e se viu na pracinha, ao lado da piscina de areia onde ele viu o pequeno garoto deficiente, que não podia caminhar, nem correr como as outras crianças do lugar. Ele nunca tinha visto o garoto e não sabia que ele era deficiente. Paulinho se aproximou do pequenino que estava sentado brincando de fazer castelos de areia e perguntou a ele se nunca tinha tido vontade de voar como os pássaros e o garotinho respondeu:
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-Não. Mas eu sempre fico imaginando como seria bom se eu pudesse andar e correr igual aos outros meninos e meninas.
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Foi então que ele descobriu a deficiência do garotinho, e com o coração apertado pelo sofrimento dele, Paulinho que sempre quis poder voar disse a ele:
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-Isto é muito triste.
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-Será que podemos ser amigos?
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Surpreso, o menino deficiente disse que sim. Os dois sorriram um para o outro e brincaram por horas a fio. Eles fizeram juntos muitos castelos de areia e varias esculturas com a ajuda da água que Paulinho ia buscar na fonte com a ajuda do pequeno balde de plástico do menino. Eles riram muito o tempo todo das coisas engraçadas que faziam ou diziam. Já havia passado muito tempo desde que começaram a brincar juntos. Já era quase hora do almoço quando o pai do pequenino veio buscá-lo com a cadeira de rodas. Ao ver a cadeira onde seu novo amiguinho vivia sentado a maior parte do tempo, o coração de Paulinho disse a ele o que deveria ser feito. O garoto órfão, que sempre quis voar como os pássaros e não podia, aproximou-se do pai do pobre menino e disse-lhe algo no ouvido.
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- Tudo bem, se é isto mesmo o que quer fazer. Disse o homem sorrindo.
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Paulinho, o pequeno órfão que sempre quis voar como os pássaros, correu para perto do seu novo amiguinho e disse:
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- Você é o meu primeiro e único amigo nesta vida. Eu agradeço por ter passado ao meu lado todas estas horas e quero que saiba que eu nunca fui tão feliz assim. Gostaria muito de ter o poder de fazer alguma coisa para que você pudesse andar e correr como as outras crianças, mas eu sinto muito por não poder.
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O menino deficiente olhou para ele com lágrimas nos olhos e disse que estava tudo bem. Afinal ele já estava mesmo acostumado a ficar sentado o tempo todo. Foi então que Paulinho disse a ele que mesmo não podendo ajudá-lo a andar e correr, ainda tinha uma coisa que poderia fazer por ele. O pequeno órfão aproximou-se da cadeira de rodas onde já estava sentado seu novo amigo, abaixou-se e pediu a ele que colocasse suas pernas em seus ombros e segurasse firme em suas mãos porque ele iria carregá-lo nas costas. O menino ficou confuso, não sabia se deveria ou não e olhou para seu pai. Ele balançou a cabeça em sinal de aprovação e então, sem muito esforço pelo fato dele ser muito menor do que ele e também magrinho, Paulinho o carregou nas costas.
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A princípio, ele caminhou devagar, levando o pequenino nas costas que admirava tudo na pracinha sob outra perspectiva, e ele sorria como nunca. Quando ele pedia a Paulinho para ir numa certa direção, ele o fazia, e a cada passo, o menino sorria mais e mais. Ele estava andando! Ele podia ir onde ele quisesse com a ajuda de Paulinho! Em dado momento, Paulinho ao vê-lo tão feliz, lembrou-se também de seu sonho de poder voar. Foi então que ele começou a andar mais depressa com seu amiguinho em suas costas. Não demorou muito para que eles estivessem correndo sobre a grama do jardim. Confiante em seu novo amigo, o pequeno deficiente soltou as mãos dele, que passou a segurá-lo pelas pernas para que não caísse. Ele pedia a Paulinho que fosse mais rápido, e mais rápido ele correu com ele sentado em seus ombros.
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A certa altura, eles já estavam correndo tanto, que o vento começou a balançar os cabelos dos dois. O garotinho deficiente levantou os dois braços e começou a movimentá-los como se fossem as asas de um pássaro. Tanto Paulinho, quanto o pai do menino, começaram a chorar quando ele começou bater os braços ao vento, para cima e para baixo, como se fossem suas asas e maravilhado pelo que estava acontecendo, ele começou a gritar a toda voz, com o mais belo sorriso de alegria, liberdade e contentamento que uma criança pode ter em seus lábios:
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- ESTOU VOANDO! ESTOU VOANDO!
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Quando já estavam cansados, Paulinho o colocou de volta na cadeira, deu a ele um abraço como nunca dera ou recebera de alguém e disse que nunca mais o esqueceria. O menino sorrindo olhando-o nos olhos, agradeceu pelos momentos especiais que haviam vivido juntos e se despediu. O pai do menino deu um abraço apertado em Paulinho, dizendo que se encontrariam no mesmo lugar no dia seguinte. O menino órfão que sempre quis poder voar e não conseguiu, feliz por ter proporcionado ao seu novo amiguinho a sensação de estar voando, livre para ir onde quisesse, resolveu voltar ao orfanato.
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No dia seguinte pela manhã, um casal veio ao orfanato com a intenção de escolher uma criança para adotar, e no ultimo instante, quando já estavam prontos para ir embora, sem encontrar o que tinham ido procurar, Paulinho que estava do outro lado da casa, deu a volta para encurtar o caminho para o seu quarto, entrou correndo e quase os atropelou. Tudo que aconteceu depois, foi o que estava escrito que iria acontecer.
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Eles se olharam e sorrindo, disseram ao mesmo tempo, que Paulinho era o filho que procuravam. Naquele mesmo dia, ele foi adotado e levado para a casa de seus novos pais. Nunca mais ele teve noticias no seu amiguinho que conheceu na piscina de areia da pracinha. Por vezes, ele imaginava em como ele deveria ter ficado decepcionado pelo fato dele não ter ido encontrá-lo naquele dia em que partiu. O tempo passou. O menino que foi criado num orfanato desde que nasceu e foi adotado por um casal que passou a amá-lo como se fosse seu próprio filho. Ele estudou muito, formou-se, e o dia mais feliz de sua vida, foi quando finalmente ele conseguiu realizar seu velho sonho de poder voar. Após entrar para a aeronáutica, finalmente chegou o dia em que ele conseguiu tirar seu Breve de piloto. Numa manhã ensolarada, com um céu tão azul quanto o anil, ele decolou em seu primeiro vôo solo do Campo de Marte em Santana, rumo à Base Aérea de Cumbica em Guarulhos.
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Tendo como cenário do lado de fora da carlinga de seu avião, apenas um imenso e infinito tapete azul, radiante por ter conseguido realizar seu sonho, ele não pode deixar de se lembrar de seu amiguinho. De quando ele gritava que estava voando sentado em seus ombros, enquanto corriam ao vento naquela pracinha. A emoção tomou conta de seu peito e ele não se conteve, e, a toda voz, sem se importar se alguém o estava ouvindo pelo rádio ou não, ele gritou chorando e sorrindo ao mesmo tempo:
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- ESTOU VOANDO! ESTOU VOANDO!
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Naquele exato momento, na cabine de Torre de Controle de Vôo da base aérea de Cumbica, com lágrimas nos olhos, pelo rádio um jovem controlador ouvia os gritos de felicidade de Paulinho, sem saber quem na verdade ele era, nem de onde tinha vindo. Ao ouvir os gritos do piloto, ele se lembrou do tempo em que não podia andar, da piscina de areia daquela pracinha perto de onde ele morava e do amigo que conheceu lá, do menino que proporcionou a ele os melhores momentos de sua infância carregando-o nas costas naquele dia, quando ele gritou de peito aberto, ao parecer estava voando, as mesmas palavras que ouviu do piloto pelo rádio. Do mais fundo de seu coração, ele desejou que um dia ele pudesse reencontrar Paulinho. Queria mostrar a ele que finalmente, com a ajuda de aparelhos, havia voltado a andar, podendo estudar e trabalhar normalmente e que graças a ele, e às lembranças daquele dia, ele decidiu tornar-se um controlador de vôo.
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Pouco tempo depois, um avião é detectado pelo radar da Base Aérea de Cumbica e o controlador dá as instruções ao piloto:
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- Arara GRU a Tucano SP na escuta?
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- Tucano SP na escuta, fale Arara GRU.
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- Tucano SP, inicie a descida para aterrissagem.
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- Tucano SP entendido Arara GRU.
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- Arara GRU para Tucano SP.
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- Aqui Tucano SP, pode falar Arara GRU.
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- Tucano SP, pouso liberado, pista lateral.
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- Ok Arara GRU, fazendo a volta para aterrissar.
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- Entendido Tucano SP, prossiga.
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Ao aproximar-se da cabeceira da pista, Paulinho, agora o capitão Paulo, contemplou a imensa faixa negra da pista bem à sua frente. Quando os pneus traseiros tocaram o asfalto, seguidos logo depois pelos dianteiros, ele sorriu. Vôo perfeito para um principiante. Ele pensou. Após taxiar pela pista lateral da Base Aérea, observado do alto da torre pelo controlador de vôo, ele deixou o avião no hangar e de alguma forma, sentiu vontade de passar pela torre de controle e agradecer ao homem que o ajudou a pousar em segurança. Ao subir a escada, chegando onde ficavam os radares e os controladores, perguntando aos que estavam lá quem o havia instruído em sua aterrissagem, um deles apontou com o dedo um rapaz que estava apoiado numa muleta contemplando o vôo de algumas garças que voavam ao longe.
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Ao aproximar-se, para chamar a atenção do rapaz que estava de costas, ele colocou levemente a sua mão no ombro dele. Quando ele se virou em sua direção, os dois emudeceram. Mesmo após longos anos distantes um do outro, eles se reconheceram. Foi como se um filme daquele dia na pracinha estivesse sendo exibido em suas mentes. Sem dizer uma única palavra, eles se abraçaram. Entre lágrimas e sorrisos, sob o espanto dos outros homens que estavam na torre, eles mataram as saudades e contaram um ao outro, tudo que aconteceu em suas vidas, desde aquele dia em que se conheceram.
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Um queria voar e não podia, o outro queria andar e correr, mas também não podia.
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Paulinho não conseguiu voar quando era pequeno, mas pode ensinar seu amigo a querer voar.
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Juntos, eles conseguiram, porque mesmo distantes um do outro, aprenderam que a liberdade não está só no fato de se poder voar, mas também no ato de sonhar, de acreditar em nossos sonhos, nos sonhos das outras pessoas e querer realizá-los, porque sem eles, ninguém pode, nem aprende a voar.
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Autor: José Araújo

domingo, 9 de agosto de 2009

O SEGREDO DE DONA VERIDIANA



Já fazia muito tempo que Ana Lúcia não via a velha e boa Dona Veridiana. Raramente se lembrava dela. Ela não tinha “tempo”. Sua vinda para São Paulo de mudança, faculdade, estudos, rapazes, baladas, carreira, negócios, muitas responsabilidades. Tudo mudou, a vida seguiu seu caminho e ela nem se lembrava mais de quando foi a ultima vez que a viu. Na verdade, desde que ingressou na Faculdade São Francisco para fazer o curso de Direito, seu “tempo” era curto, mas a princípio, de vez em quando ela ainda achava um jeito de voltar a Minas Gerais para ver seu velho pai. Contudo, no segundo ano do curso, ela conseguiu uma vaga de estágio em uma sociedade de advogados e ai então, o pouco "tempo" que tinha para respirar se esgotou de uma vez. Ela se dedicava de corpo e alma ao trabalho, mas principalmente aos estudos para realizar seu sonho de se formar e tornar-se uma grande advogada.

Ana Lúcia era muito boa no que fazia, tanto, que os donos da empresa onde estagiava a elogiavam sempre, dizendo que gostariam de ter pelo menos 10% de sua capacidade de raciocínio rápido e objetivo. “Tempo”? Para que ela precisava dele? Afinal, ela estava trabalhando firme, se esforçando ao máximo para garantir seu futuro e alcançar suas metas. Nada poderia detê-la. Nesta labuta, na correria do dia a dia, com as responsabilidades que assumira ao montar seu próprio escritório de advocacia, ficava desde cedo até tarde da noite no trabalho e ainda levava pilhas de processos para analisar em casa. Ela quase não dormia. Sua vida era o trabalho e nada mais. Ao longo dos anos, no ritmo frenético que se tornou sua vida, ela mal via seu velho pai e perdeu totalmente o contato com Dona Veridiana, uma antiga vizinha de seus pais no interior de Minas Gerais, que após a morte de sua mãe, acabou tornando-se a sua segunda mãe neste mundo.

Certo dia, muitos anos depois, ela mal tinha chegado ao escritório quando numa ligação telefônica, seu pai lhe disse que Dona Veridiana havia falecido e que o funeral seria no dia seguinte. Ao ouvir o que seu pai disse, memórias de seu tempo de sua infância e adolescência tornaram-se claras em sua mente. Ela parecia estar vendo um filme sobre quando ela era pequena e ficava aos cuidados da boa e carinhosa Dona Veridiana, enquanto seu pai trabalhava. Do outro lado da linha, sem ouvir resposta ao que ele estava dizendo, o pai de Ana Lúcia perguntou se ela ainda o estava ouvindo. Ela quebrou o silencio que perdurou alguns poucos minutos, pedindo desculpas ao seu velho pai. Disse que o estava ouvindo e na sequencia, disse também que sentia muito pelo que aconteceu. Ela queria dizer a ele que já fazia muito tempo que ela não ouvia falar da pobre velhinha, mas calou-se com um remorso súbito que invadiu seu coração.

Seu pai continuou a falar, contando como tudo aconteceu e quando ele terminou, Ana Lúcia disse que havia pensado que Dona Veridiana tinha morrido há muitos anos atrás. Ao ouvir isto, seu pai lhe disse que ela, muito pelo contrário, nunca a tinha esquecido. Que todas as vezes que se encontravam, a boa velhinha perguntava sobre ela, como estava sua vida, sua saúde, sua carreira e principalmente, seu coração. Disse que Dona Veridiana ficava muito feliz sempre que ao estarem conversando, lembrava de quando Ana Lúcia era pequena. Que especialmente, ela gostava de contar a ele, detalhes de quando ela preferia ficar do outro lado do muro, no quintal da casa dela, onde as duas brincavam muitas vezes o dia todo sem parar. Com o coração sangrando e seus olhos cheios de lágrimas, ela disse ao seu pai:

- Eu amava a velha casa em que ela morava Papai e mais ainda, estar ao lado dela o tempo todo.

- Sabe filha, depois que sua mãe morreu, quando você ainda era muito pequena, Dona Veridiana quis se certificar de que você teria uma figura feminina ao seu lado, já que eu não quis me casar de novo. Ela foi para você uma segunda mãe.

- Ela me ensinou tudo que eu sei sobre cuidar de mim, da casa, do senhor, o que eu fiz até quando eu estava ao seu lado. Até me ensinou a bordar, a fazer tricô, a ser uma pessoa justa, valorizando e lutando para que a justiça fosse feita em qualquer situação. Se não fosse por ela Papai, acho que nunca teria pensado em ser uma advogada. Dona Veridiana passou muito tempo comigo e me ensinou a reconhecer e a valorizar as pequenas grandes coisas da vida.

Numa súbita decisão, Ana Lúcia disse que podia esperá-la, que ela ligaria assim que chegasse ao aeroporto, pois iria ao enterro da boa velhinha. Seu pai por conhecê-la como a palma da mão, duvidou que ela fosse, mas mesmo ocupada o tempo todo com seus clientes, com os processos e os prazos, daquela vez ele se enganou.

Ao desligar o telefone, ela acionou o interfone e disse à sua secretária que tinha um compromisso urgente naquele final de tarde e também no dia seguinte. Ligou pessoalmente para a agência de viagens e conseguiu um vôo para Belo Horizonte no mesmo dia. O funeral de Dona Veridiana foi um evento quase não notado. Havia muito poucas pessoas no velório e também no cemitério. Ela não tinha filhos e quase todos os seus parentes já haviam morrido. Na volta do enterro, Ana Lúcia e seu pai pararam em frente à casa onde morava Dona Veridiana que ficava ao lado da casa onde eles viveram muitos anos, antes de se mudarem para um apartamento. O portão estava aberto, não havia trancas impedindo a passagem e eles entraram. Sentada nos degraus que davam acesso à porta de entrada da velha casa, Ana Lúcia parou por um momento. Ela não sentia e nem via nada que estava ao seu redor.

Era como se ela tivesse atravessado algum portal que a transportou para outra dimensão, além do tempo e do espaço. A casa estava exatamente como ela se lembrava dela. Cada degrau daquela escada guardava em si as recordações de grandes momentos que aconteceram entre as duas. Ela levantou-se em silencio e caminhou até a porta. Por algum motivo a tinham deixado aberta também. Bastou girar a maçaneta para ela se abrir. Ao entrar na enorme sala habitada agora apenas pela mobília e pelos objetos que Dona Veridiana amava e cuidava com todo carinho, ela percebeu que cada quadro, cada móvel, cada copo na cristaleira, estava no mesmo lugar onde ela se lembra de tê-los visto pela última vez.

De repente, ao olhar para o velho aparador encostado numa das paredes, Ana Lúcia parou.

- Que foi filha? Seu pai perguntou.

- O cofrinho de ferro desapareceu! Ela respondeu.

- Que cofre filha? Ele questionou curioso.

- Em cima daquele aparador, havia um pequeno e velho cofre que ela mantinha trancado o tempo todo.

- Quantas e quantas vezes, eu perguntei a ela quando era pequena, sobre o que havia guardado dentro dele e ela sempre me respondia que era a coisa que ela mais valorizava na vida, e por isto, estava guardada no cofrinho trancado com dois pequenos cadeados e as chaves, ela carregava penduradas por um pequeno alfinete, em seu sutiã, bem na altura de seu coração.

- Agora ele se foi pai.

- Tudo nesta casa esta exatamente como eu me lembrava, exceto pela ausência do cofrinho. Quem sabe alguém da família dela, ou algum amigo o tenha levado embora, com medo de que o roubassem, afinal, ela dizia a todos a mesma coisa quando lhe perguntavam o que havia dentro dele.

- Nunca vou saber o que era a coisa que ela mais valorizava na vida.

Triste, de cabeça baixa, Ana Lúcia disse ao seu pai que precisavam ir embora, pois ela tinha que voltar para casa e para seu trabalho no último vôo daquele dia. Passaram-se algumas semanas desde que Dona Veridiana faleceu. Certo dia, ao voltar para casa, retornando de seu trabalho, já tarde da noite, o porteiro lhe entregou um pacote que havia sido entregue pelos correios na tarde daquele dia. Ela ficou surpresa. Não estava esperando nenhuma entrega naqueles dias. De qualquer forma, ela pegou o pacote e nele, não havia nome nem endereço do remetente, apenas seu nome como destinatária. Numa situação normal ela não o teria recebido, poderia ser algum tipo de armadilha feita por algum devedor que se considerava prejudicado por causa de algum processo no qual ela atuou. Tudo era possível numa profissão como a dela, onde a luta do bem contra o mal é uma constante para que a justiça prevaleça. Talvez alguém realmente estivesse querendo se vingar dela de alguma forma, usando aquele pacote como portador do mal, mas estranhamente, ele se sentiu compelida e levá-lo para seu apartamento.

Como estava cansada, com fome e com sono, ela o colocou em cima da mesinha de centro de sua sala, tomou um banho revigorante, colocou um roupão macio e aconchegante, comeu alguma coisa leve e foi dormir. No dia seguinte, bem cedinho, ela levantou-se e antes de mais nada foi até a sala e pegou o pacote em suas mãos. Sem pensar duas vezes ela abriu a embalagem e dentro dela havia um velho cofre de ferro avermelhado, todo enferrujado e trancado com dois pequenos cadeados. Olhando para ele, fisicamente parecia que o cofrinho tinha sido enviado a centenas de anos atrás. Em uma das alças laterais, havia uma etiqueta e numa caligrafia muito difícil de se ler, estava escrito:

Dona Veridiana Muniz

Ana Lúcia estremeceu. Com uma rapidez incrível, ela virou o cofrinho de todos os lados para ver se não havia mais nada pendurado. Emocionada, ela viu que no fundo dele, coladas com uma fita adesiva, estavam as chaves dos pequenos cadeados que impediam que ele fosse aberto. Trêmula, Ana Lúcia destrancou os dois, abriu lentamente a tampa e viu que dentro dele havia um envelope cor de rosa. Ao lado dele, também estava um pequeno porta retrato com uma foto dela quando pequenina. Ela estava sentada no colo de Dona Veridiana usando seu vetido de primeira comunhão. Dentro do delicado envelope, havia uma carta que ela leu enquanto suas mãos tremiam de emoção:

- Depois que eu partir deste mundo, quem encontrar este cofrinho e seu conteúdo, por favor, pela graça de Deus, faça com que ele chegue às mãos de Ana Lúcia Martins, advogada, filha do Sr. Pedro Martins que foi meu vizinho por muitos anos. Dentro dele, além desta carta onde peço este grande favor, esta um pequeno porta retrato, e escrito atrás da foto, a revelação do que foi a coisa mais importante de minha vida.

Com o coração batendo a milhões por segundo, com os olhos cheios de lágrimas, Ana Lúcia pegou o pequeno porta retrato, tirou cuidadosamente a foto e leu o que estava escrito atrás dela.

- Aninha minha eterna menininha, obrigada pelo seu tempo!

- Ele foi a coisa que eu mais valorizei em toda a minha vida!

- Um beijo na testa, como eu sempre lhe dava, quando você me chamava de mamãe e mesmo sem ser minha filha, eu sempre me considerei sua mãe, de todo meu coração!

- Sempre te amei filha e nunca a esqueci. Tenha certeza de que até meus momentos finais neste mundo, quando eu estiver dando meu ultimo suspiro, terei você em meus pensamentos.

- Sua mãe de coração, Veridiana.

Com as lágrimas correndo livremente em sua face, sentindo turbilhão de emoções que nunca havia sentido em toda a sua vida, Ana Lúcia segurou a foto por alguns poucos minutos e então ligou para o seu escritório, cancelando todos os compromissos até o final daquela semana.

- Mas por quê?

Perguntou com voz preocupada, do outro lado da linha, Rose, sua fiel escudeira, secretária, telefonista, recepcionista e mais do que tudo, sua amiga. Uma funcionária que ficava com ela no escritório até altas horas da noite, deixando de lado até mesmo sua família para ajudá-la, mesmo que ela não percebesse isto com a vida louca e corrida que levava em seu dia a dia.

- Depois eu explico Rose. Vou passar no escritório só para pegar minha bolsa e casaco que deixei ontem quando sai.

Quando ela chegou ao escritório, Rose perguntou novamente a ela qual era a razão daquela súbita decisão e Ana Lúcia respondeu com um sorriso calmo e tranqüilo, que sua secretária nunca tinha visto em seu semblante desde que começou a trabalhar com ela, que era porque precisava passar algum tempo com seu velho pai. Ainda sem compreender muito bem o motivo daquela atitude tão inesperada, a secretária a observou enquanto pegava seu casaco e sua bolsa em sua sala para sair. Ao vê-la passar pela recepção em direção à porta de saída, certa de que teria que ficar lá para atender a todos os clientes, que certamente, iriam querer uma boa explicação pela ausência de Ana Lúcia, Rose quase caiu de sua cadeira quando sua empregadora de tantos anos, virou-se para ela, colocou a bolsa em cima do balcão da recepção, e com as duas mãos na cintura, e um sorriso maroto nos lábios, disse algo que ela nunca pensou que iria ouvir:

- Rose, pegue já as suas coisas, vá para casa e curta sua filhota linda, e isto, é uma ordem!

- Nem pense em se atrever a não cumprir, estamos entendidas?

- Ah! Mais uma coisa Rose, obrigada pelo seu tempo!

Às vezes, não percebemos o quanto nosso "tempo" é importante para aqueles que nos cercam. Sejam colegas de trabalho, sejam amigos, parentes ou namorados, sejam maridos, esposas, filhos, netos, pais ou avós, e também, é comum não enxergamos o quanto o "tempo" destas pessoas também é importante para nós.

Muitas vezes, só damos conta disto quando as perdemos por causa de nossa incapacidade de enxergar o mal que pode causar na vida das pessoas a nossa falta de “tempo”, ou quando partem de nossas vidas para sempre, quando se vão deste mundo, para nunca mais voltar, e ai então, já é tarde demais...

Autor: José Araújo

domingo, 2 de agosto de 2009

PERSPECTIVAS DA VIDA


Quando Luiz Roberto era ainda uma criança, sempre podia contar com seu pai para olhar as dificuldades que surgiam em sua vida sob outra perspectiva, fosse um arranhão jogando bola, uma pipa perdida porque a linha se quebrou, ou até mesmo, um coração partido na fase em que já era um adolescente. Anos depois, já um quarentão, ele tinha um bom cargo na empresa em que trabalhava e financeiramente levava uma vida estável. Como na vida tudo tem suas fases boas e ruins, de repente, a empresa para a qual ele trabalhava o demitiu para substituí-lo por outro profissional, muito mais jovem, ocupando o mesmo cargo e recebendo um salário bem menor que o seu. Quando ele recebeu a noticia de sua demissão, seu mundo desabou.


A situação ficou ainda pior quando sua namorada o trocou por outro, alegando que eles não tinham futuro juntos e seria melhor para os dois terminarem enquanto ainda era tempo, para não sofrerem mais depois. Luiz Roberto não conseguia imaginar o que mais de ruim poderia acontecer, mas as coisas pareciam ficar cada vez piores. Apesar de ter economizado por anos, de possuir uma boa casa, ele não poderia se dar ao luxo de ficar sem uma fonte de renda, caso contrário em pouco tempo se esgotariam suas economias. Ele precisava trabalhar porque além de arcar com a manutenção da casa, pagando os empregados domésticos que tinha, ele também ajudava seu pai que morava no interior de Minas Gerais, que com uma idade avançada, nem mesmo tinha uma aposentadoria para se manter. Chegou um momento, em que ele estava arrasado. Não tinha mais ânimo para nada.


A cada entrevista que fazia candidatando-se a uma vaga, a resposta era sempre a mesma. Não! Perdera a mulher que amava na seqüência dos acontecimentos ruins e estava passando por uma série de outros problemas pessoais, causados por tudo que estava lhe acontecendo. Tudo de ruim parecia estar acontecendo como num espetáculo de queda de dominós, quando cada peça cai, uma atrás da outra, numa seqüência rápida e incontrolável. Em dado momento, precisando de ajuda e se sentindo totalmente derrotado, Luiz Roberto resolveu ir ao encontro de seu velho pai no sítio onde morava. Após ter ficado lá por uma semana, no ultimo dia de sua visita, eles estavam sentados na varanda da velha casa que dava uma vista maravilhosa do por do sol. Seu pai como sempre, não perdia o espetáculo do sol se pondo ao longe por detrás dos montes. Luiz Roberto não conseguia mais suportar a angustia, o sofrimento e a pressão pelas quais estava passando nos últimos tempos.


Pensando em como sua vida estava toda descontrolada, com a incerteza do que ainda estava por vir em sua vida, em dado momento ele disse ao seu pai que se juntássemos todos os momentos felizes de nossas vidas, ele tinha certeza de que não dariam meia hora. Ainda absorto, apreciando o espetáculo maravilhoso do por do sol naquela tarde, com céu no horizonte em tons de rosa, laranja, vermelho e dourado, sem olhar para ele, seu pai respondeu que ele tinha toda razão. Atônito com a resposta dele, ele o olhou boquiaberto. No estado em que ele se encontrava, ele esperava que seu pai, como sempre, tivesse uma solução para todos os seus problemas, mas seu velho estava imóvel, estudando cuidadosamente o sol se por ao longe no horizonte.


Quando o astro rei acabou de desaparecer por detrás dos montes, com lágrimas nos olhos, seu pai virou-se em sua direção, e, olhando-o fixamente nos olhos, fez a ele uma afirmação e uma pergunta que mudou a vida dele para sempre.


--Estes poucos momentos meu filho, são como grandes tesouros, não são?


Autor: José Araújo