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terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

ANTOLOGIA DIMENSÕES.BR



Queridos amigos e leitores, é com grata satisfação que comunico a todos, que fui um dos selecionados para participar da Antologia DIMENSÕES.BR da ANDROSS EDITORA, que trará 50 contos de literatura fantástica, tendo como cenário um lugar livre o suficiente para abrigar os estilos mais variados e os tons mais criativos.


Um cenário mágico, onde tudo é possivel e impossivel.


Um cenário único, chamado BRASIL.


Organização da escritora HELENA GOMES.


O conto de minha autoria escolhido para integrar esta publicação foi "A Fada madrinha e o feitiço da indecisão."


Lançamento esta previsto para agosto de 2009.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

O MISTÉRIO DA CAIXA DE SAPATOS



Finalmente havia chegado o tão esperado período de férias! Ao entrar no ônibus na rodoviária, Eliana se lembrou de ver se não tinha esquecido seu livro de mistérios. Ela adorava ler e sua autora favorita era Agatha Christie. Estudando em Campinas, ela só retornava à casa de seus pais em São Paulo neste período, e quando chegava em casa, só queria estar ao lado de seu querido pai. Seu João, como todos o chamavam, trabalhou duro durante a vida inteira. Ele sempre quis poder dar à sua única filha, a chance de fazer uma faculdade e tornar-se uma profissional da área de comunicação, coisa que ele sabia ser o seu grande sonho. No pouco tempo que duravam as férias, ela o ajudava em sua loja de aviamentos, que era sua única fonte de renda. Como a loja abria de domingo a domingo, raramente ele conseguia descansar, mas desta vez ela resolveu que iria faze-lo viajar pelo menos por uma semana, para relaxar e aproveitar a chance ver novas paisagens e viver novas emoções. Eles tinham parentes em Minas Gerais e foi para lá que Eliana comprou passagens de avião, para que a viagem não fosse cansativa, nem para ele, nem para a mãe dela que depois de muitos argumentos contra o passeio, resolveu ir também. Num sábado à tarde, eles foram para o aeroporto e ela os acompanhou, ficando no saguão até a partida do avião em que eles iriam embarcar. Seu velho pai, aos sessenta e cinco anos, não demonstrava cansaço. Ele parecia que tinha cinqüenta anos de vida. Sua mãe, mais jovem dez anos que seu pai, parecia muito mais velha que ele. Na hora da despedida, entre muitas recomendações a Eliana sobre como tocar o negócio na ausência dele, eles trocaram beijos e abraços quando anunciaram a partida de seu vôo. Com lágrimas nos olhos, sabendo que iria sentir uma saudade enorme de seus pais, ela sabia que a presença que mais iria lhe fazer falta era a de seu pai. Desde pequena ela foi muito apegada a ele e quando vinha para casa nas férias, estar ao lado dele mesmo que fosse na loja o dia todo, era a coisa que ela mais gostava de fazer. Enquanto o avião taxiava pela pista lateral rumo a pista principal para decolar, Eliana o acompanhava com os olhos, mas na verdade, ela estava mesmo era relembrando os bons momentos vividos ao lado de seu pai.

Era comum ela ficar com ele na lojinha até a hora de ir para a escola e ela ficava impressionada pela maneira com que ele se relacionava com todos os clientes, amigos e conhecidos do bairro. Não havia um momento sequer que em seus lábios não houvesse um sorriso. Sempre tinha uma palavra amiga para aqueles que o procuravam com algum problema pessoal. Seu João era amado por todos que o conheciam, sem exceção. Quando finalmente o avião entrou na pista central e começou a rodar por ela, ganhando velocidade para levantar vôo, ela acenou para eles, mesmo sabendo que talvez nem pudessem vê-la a tamanha distancia. Contudo, um aperto em seu coração fez com que ela se sentisse aflita ao ver a aeronave já em pleno vôo e ganhando altitude. Eliana colocou a mão no peito, como se agindo daquela forma ela conseguisse se livrar da angústia que a afligia. Sem conseguir enxergar mais o avião, ela dirigiu-se para o estacionamento onde deixou seu carro e no caminho ela se lembrou de que seu querido velho havia lhe dito para passar num supermercado e levar algumas coisas para ela se alimentar direito. Ele, ao contrário de sua mãe, preocupava-se com ela em todos os detalhes. Seu João tinha por sua filha um amor imenso. Era algo característico dele e mesmo que sua mãe brigasse com ele, dizendo que ele não tinha que "melar" demais Eliana, ele sempre fez ao contrário do que ela lhe dizia. Ela recebeu de sua família uma educação como poucas. Aos vinte e um anos de idade, ela era uma jovem responsável, educada, ativa, inteligente e que havia aprendido com seu pai que o amor é o maior tesouro deste mundo. Valorizar a família, colocando-a em primeiro lugar, sempre foi para ela a sua maior preocupação. Dona. Neide nunca foi de demonstrar sentimentos. Nunca se preocupou em tratar a filha com carinho como seu pai o fazia. Ela gostava de sua filha do jeito dela. O amor que sentia por Eliana também era imenso, mas demonstrar isto a ela, não era de seu feitio. Para ela, haviam outros valores que mereciam estar em primeiro lugar. Uma pessoa extremamente minuciosa, exigente e um tanto materialista, Dona. Neide só falava em economizar.

Desperdício para ela era crime e cada vez que seu pai fazia alguma pequena extravagância, era motivo para discussão. Seu João como sempre, não revidava. Ele permanecia inalterado ao ouvir sua mãe nervosa criticando tudo que ele fazia. No fundo, no fundo, ele se sentia muito mal com a maneira como ela o criticava, mas achava que era melhor se calar para não piorar a relação dos dois. Muitas vezes ela dizia que por não ter muito estudo, ele era uma pessoa sem visão da vida. Que sua falta de instrução fazia dele uma pessoa sem futuro, sem perspectivas de progredir financeiramente. Seu João ouvia sempre critica após critica e sempre guardou para si seus sentimentos a respeito disto, mas desde que Eliana cresceu, ela começou a perceber o que acontecia entre os dois. Certa feita ela quis conversar com sua mãe a respeito da maneira como ela tratava seu pai e ela simplesmente se recusou a falar sobre o assunto, dizendo que já havia dado a ele toda a sua vida em troca de muito trabalho e sacrifício sem esperança de terminar seus dias em uma situação melhor do que a que se encontravam. Após muito argumentar, Eliana acabou compreendendo que aquele era o jeito dela. Que ninguém iria conseguir fazer com que ela mudasse sua personalidade àquelas alturas de sua vida. Ao sair do supermercado, ela encontrou um amigo de seu pai que perguntou por ele e quando soube de sua viagem, abraçou Eliana cumprimentado-a por ser tão boa filha. Disse ainda, que seu pai era um homem como poucos neste mundo. Uma pessoa que tinha uma índole impecável e que merecia ter pelo menos um pouco de paz e descanso, após trabalhar até 15 horas por dia atrás do balcão de sua loja. No caminho ela ainda sentia que alguma coisa a incomodava, mas ao chegar em frente à sua casa, já havia alguns fregueses esperando para ser atendidos e ela nem entrou em casa, abriu a porta da loja que ficava no andar térreo do sobrado onde moravam, e trabalhou sem parar até quase 8 da noite. Cansada, ao fechar a loja ela subiu e foi tomar uma banho. Ao sair do banheiro, dirigindo-se para o quarto pelo corredor, ela parou em frente a uma foto de casamento de seus pais que estava pendurada na parede. Os dois estavam abraçados. Seu pai vestia um terno preto e sua mãe um vestido de noiva muito lindo, simples, mas de um encanto raro hoje em dia. Eles estavam sorrindo. Sua mãe nem de longe parecia a mulher de agora. Seu pai pelo contrário, tinha no olhar o mesmo brilho. Era como se a luz que ela sempre viu em seu velho fosse uma coisa que sempre existiu nele. De alguma, forma ela ficou preocupada em como eles estariam ao desembarcar em Belo Horizonte. Eliana esperou até uma hora depois do horário previsto para a chegada do vôo e ligou pelo celular. Seu pai foi quem atendeu.

Como sempre, a ligação de amor que sempre houve entre eles falou mais alto que tudo. Ele disse que estavam bem e que iriam tomar um taxi até o metrô e através dele, chegariam ao local marcado para encontrar com seus tios. Depois de pedir a ele que tomasse bastante cuidado e desse um beijo em sua mãe, ela desligou e foi providenciar algo para comer. A noite passou rápido. No dia seguinte ela abriu a loja bem cedo. Trabalhou por todo o dia, mas estava sentindo o mesmo aperto no coração. Era uma angustia inexplicável que a atormentou desde que eles partiram. Durante dois dias ela tentou falar com eles pelo celular e pelo telefone fixo de seus parentes, mas não conseguiu. Eliana já estava ficando muito apreensiva. Não era normal ficarem sem dar noticias assim. No terceiro dia, já pensando em largar tudo e ir para Belo Horizonte, de repente um taxi parou em frente à sua casa. Era sua mãe. Quando ela a viu descer só do veículo, seu coração disparou. Ela saiu da loja e foi de encontro à sua mãe e sem mesmo perguntar como ela estava, Eliana perguntou pelo seu pai. Sua mãe, sem ter nos olhos uma lágrima sequer, disse a ela que seu pai estava morto. O chão pareceu desaparecer debaixo de seus pés. Ela quase desmaiou. O desespero tomou conta dela e tudo que conseguiu, fazer foi perguntar como aconteceu. Literalmente sentada na calçada aos pés de sua mãe, ela a ouviu dizer que tudo foi muito rápido. Que estavam numa estação do metro e plataforma estava cheia de gente, pois era horário de pico. Disse que ele estava segurando a mão dela e de repente ele a apertou. Contou que ele não disse nada. Apenas a olhou nos olhos e caiu morto bem aos seus pés. Indignada, ela ainda disse que foi obrigada a ficar quase uma hora a espera da policia local. Que foi uma situação muito desagradável ter sido obrigada e acompanhar o corpo dele até o IML e ainda ter que esperar muito tempo para receber os objetos que tiraram de seus bolsos. Se pelo menos tivessem algum valor! Ela disse. Mas não! Ela completou. Era apenas sua carteira com seus documentos pessoais e nada mais. Não acreditando no que estava ouvindo, Eliana desabou.

Ela chorou copiosamente por muito tempo. Enquanto isto os amigos e vizinhos foram se aproximando para saber o que tinha acontecido. Inabalável, Dona Neide dizia a todos que não era nada demais. Que seu marido havia morrido, afinal, todos se algum dia. As pessoas ficaram indignadas com a maneira como ela falava de seu próprio marido. Um homem que para todos era um santo por agüentar calado todas as críticas e absurdos que ela lhe dizia na frente de sua filha e de qualquer um. Quando Eliana se recuperou um pouco do choque, começaram-se os preparativos para receber o corpo e para os demais tramites para o enterro. Foram momentos muito tristes porque o corpo mal chegou e já teve que ser enterrado. Após o enterro, ela e sua mãe voltaram para casa, e quando chegaram lá, a primeira coisa que ela disse a Eliana, foi que tinham que abrir a loja. Que não estavam em condições de ficar mais nem um minuto com o seu negocio fechado. Anestesiada com os acontecimentos ela disse à sua mãe que tudo bem. Que só iria tomar um banho e desceria para abrir a loja. Quando ela desceu, antes de abrir a porta para os clientes, ela quis ficar um pouco a sós e relembrar os momentos em que viveu junto com seu velho pai. Andando pela loja, ela passava os dedos em tudo aquilo que ela sabia que ele tocava ha todo momento. O talão de notas fiscais, a calculadora, sua caneta entre tantas outras coisas. Olhando para os objetos, ela pensava que nunca mais ele os tocaria. Que de agora em diante seriam utilizados por outra pessoa qualquer. Lagrimas escorriam de seus olhos. Era uma dor imensa que parecia partir seu coração. Em dado momento ela se dirigiu para o deposito que ficava no fundo da loja. Era um cômodo pequeno que guardava o estoque composto de poucas mercadorias. Num canto havia uma velha escrivaninha que ele usava para fazer seus pedidos. Eliana sentou-se na cadeira em frente ao móvel e começou a abrir as gavetas. Uma por uma, olhando tudo que estava dentro delas. Quando abriu a ultima gaveta, bem no fundo dela, por detrás de muitos outros papeis que estavam lá, Eliana viu uma pequena caixa de papelão. Era uma daquelas caixas de sapatos de criança. Não muito grande pois cabia tranqüilamente na gaveta. Mesmo estando passando por maus momentos, sem perceber que o estava fazendo, ela se lembrou das historias que lia nos livros de Agatha Christie. O que poderia haver naquela caixa? Talvez documentos antigos. Quem sabe algum dinheiro. Por outro lado, poderiam muito bem ser dividas a serem pagas que estavam guardadas lá. "O mistério da caixa de sapatos"! Ela pensou.

Como nas historias que ela adorava ler, onde geralmente os personagens principais eram o inspetor Hercule Poirot ou Miss Jane Marple, alí, bem na sua frente, havia um mistério a ser desvendado. Ansiosa, ela cortou os barbantes que amarravam a tampa na caixa. Lentamente ela a abriu. Inconscientemente desapontada com o que viu dentro dela, Eliana suspirou fundo. O que havia lá nada mais eram do que recortes de jornais e revistas. Mas espere um momento! Ela pensou. Por que seu pai guardaria recortes de jornais e revistas? Para que? Curiosa ela começou a ler os recortes um por um. Todos sem exceção, eram sobre lançamentos de livros de um autor do qual ela nunca tinha ouvido falar antes. Nenhum dos jornais ou revistas eram de São Paulo. Todos eram de outros estados e até mesmo de alguns países vizinhos. J.A.A. era o pseudônimo do escritor. Intrigada, ela tentava tirar suas próprias conclusões a respeito daquilo, mas alguma coisa ainda faltava. O que teria seu velho e amado pai a ver com tudo aquilo? A caixa estava cheia de recortes e depois de tirar um por um para ler, ela viu que no fundo havia um envelope amarelado pelo tempo. Uma pista talvez? Quem sabe não seria a chave para desvendar "O mistério da caixa de sapatos"? Tremula, ela pegou o envelope. Ao abri-lo lentamente, seu coração começou a bater mais rápido. Por que ele estaria batendo assim? Era apenas um velho envelope. O que poderia conter que pudesse lhe causar algum mal? Bobagem! Ela falou em voz alta. Dentro dele havia uma carta e logo nas primeiras linhas, ela reconheceu a letra de seu pai. Quando ela começou a ler o texto, ela percebeu logo na primeira frase, que a carta era dirigida a ela mesma. Eliana estremeceu. Um nó que se formou em sua garganta a sufocava, mas assim mesmo, ela continuou.

"Filha, se um dia você encontrar esta carta, depois que eu já não mais estiver por aqui, saiba que sempre quis lhe contar um segredo que guardei por muitos anos. Algo que não pude lhe contar com medo de que sua mãe soubesse. Quando eu era mais jovem filha, gostava muito de escrever. Escrevia contos, crônicas e poemas só pelo prazer de escreve-los. Sua mãe sempre foi contra e dizia que aquilo era perda de tempo. Que uma pessoa como eu, que não tem muita instrução, nem deveria tentar escrever porque só iriam sair besteiras, e pior ainda, cheias de erros de ortografia. Muito triste pelo fato dela não me apoiar no que eu mais gostava de fazer, eu sempre escrevia escondido. Um dia sem perceber, deixei um rascunho de um conto que estava escrevendo em cima do balcão da loja e ela achou. Foi um dos dias mais tristes de minha vida. Na frente dos clientes ela me disse que eu deveria me preocupar em fazer algo que nos trouxesse mais dinheiro. Não com besteiras como escrever. Que mesmo eu sabendo que não tinha condições nem sequer de tentar, eu ainda teimava em faze-lo. O que seguiu nos próximos dias, foram algumas noites sem dormir. Uma dor profunda que invadiu meu coração depois de tudo que ela falou. Eu sempre me dediquei totalmente a ela e a você filha, mas parecia que tudo aquilo que eu fazia não tinha o menor valor. Sempre fui um homem honesto, trabalhador e fiel a ela como poucos são neste mundo. Mas tudo que parecia interessar a ela era que nossa vida financeira se tornasse melhor. O que eu sentia nunca foi importante para ela, tudo que realmente importava, eram os bens materiais. Inconformado, depois de algumas semanas sem escrever eu resolvi recomeçar. Quando eu escrevia parecia que eu me distanciava de todos os males do mundo. Em minhas historias eu criava mundos diferentes. Neles o ser humano era melhor. Dava mais valor ao lado sentimental e espiritual. Depois que terminava de escrever, relendo as histórias, eu mesmo gostava muito do que lia. Era como se o autor não fosse eu mesmo. Chegava a me emocionar com as situações, sentimento e sensações vividas pelos personagens. Assim, tendo na literatura uma válvula de escape para minha tristeza e ressentimento pelas criticas, pela falta de apoio e compreensão de sua mãe, eu nunca mais parei de escrever. Certo dia esteve na loja um rapaz muito jovem que no meio de uma conversa sobre uma mercadoria, ele mencionou que era escritor. Eu disse a ele que também gostava de escrever e ele ficou muito interessado quando eu lhe disse sobre o que eu gostava de escrever. Apenas para satisfazer a curiosidade dele eu lhe mostrei um pequeno conto que escrevi. Com lágrimas nos olhos após ler a minha historia, ele me disse que há muito tempo não tinha lido na igual. Que meus textos eram de ordem reflexiva e que havia muitas pessoas no mundo que iriam adorar poder lê-los. Imagine! Eu disse a ele. Quem iria querer ler o que escrevo, tendo como inspiração os meus próprios sentimentos? Olhando em meus olhos, ele me disse que foi exatamente por isto que ele se emocionou. Naquele instante filha, eu não conseguia acreditar que alguém pudesse falar tão bem sobre o que eu escrevia. Afinal, sua mãe nunca gostou e sempre me criticou por faze-lo. Ficamos amigos e ele passava na loja de vez em quando. Um dia eu lhe disse que não escrevia mais porque tinha medo que sua mãe descobrisse. Que tudo que eu mais queria era viver em paz. O jovem rapaz me disse que eu não deveria agir assim. Que eu não poderia privar o mundo de ler meus pensamentos. Disse também que havia falado sobre mim a um editor amigo e que ele ficou muito interessado em ler algo escrito por mim. Pediu que eu lhe desse um de meus contos para levar e mostrar ao editor. Eu disse a ele que não gostaria de fazer isto, porque na verdade, se ele gostasse, não passaria disto. Que eu nunca iria deixar ninguém publicar um texto meu para correr o risco de sua mãe descobrir. O rapaz sorriu e disse para eu não me preocupar. Que os autores raramente usam seu próprio nome. Que usam pseudônimos para publicar suas obras e que assim ela não iria saber. Pois é filha. Foi assim que seu pai se tornou J.A.A. o autor de dezenas de contos publicados em livros por algumas editoras, assim como também em jornais e revistas. Perdoe-me por ter escondido isto de você também filha, mas eu não queria ter que sofrer mais com as críticas de sua mãe. De seu pai que te ama muito filha, nunca se esqueça disto."

Enquanto Eliana estava lendo a carta, parecendo ouvir a voz de seu velho pai, ela se perguntava o porque dele não ter contado a ela. Eles sempre foram tão amigos. Tão chegados que eram um ao outro. Mas lembrando da forma como ela presenciou sua mãe desmotivando seu velho por varias vezes na vida, ela compreendeu que ele tinha realmente medo que de alguma forma ela soubesse. Relembrando a fisionomia de seu velho, ela pode imaginar como ele deve ter ficado feliz por ter tido seu trabalho lido e reconhecido pelo mundo literário. Mas também imaginou como ele deve ter ficado triste por ter que carregar com ele aquele segredo. Um segredo só agora desvendado e que estava escondido num lugar tão fácil de ser achado, mas que sua mãe nunca encontrou. Talvez tenha sido melhor. Ela nunca demonstrou ter sentimentos. Talvez até fosse uma pessoa capaz de senti-los, mas pela forma como ela agia para com seu pai, para com ela e para com outras pessoas, sua mãe traçava seu próprio destino rumo à solidão.

Depois de beijar aqueles recortes por muito tempo, dizendo mentalmente ao seu pai que ela o amava muito, Eliana falou em voz alta, para quem quisesse ouvir, que ela lhe dava os parabéns. Que ela tinha orgulho de ser a filha do grande escritor que ganhou o coração de milhares de pessoas, sem poder se identificar por medo de complicar sua relação com sua mãe. Eliana colocou os recortes na caixa. Amarrou a tampa com o mesmo barbante e a colocou de volta na gaveta. Como sua mãe queria, ela abriu a loja. Trabalhou até certa hora da noite e depois fechou tudo e subiu. Quando ela entrou na sala, sua mãe estava vendo TV e era hora do telejornal. De alguma forma, mesmo não estando interessada na reportagem que estava passando, ela se sentou um pouco para assistir. De repente, surgiu na tela uma chamada de atenção para uma reportagem especial. Sem acreditar no que estava vendo, ela viu uma foto de seu pai sendo mostrada na tela da TV. O repórter anunciava a morte de seu velho, dizendo que havia falecido o grande escritor J.A.A. que era o pseudônimo de João Alves de Andrade, paulista nascido na capital. Um homem de origem simples, mas devido ao seu infinito conteúdo interior, se tornou um dos maiores escritores do país. O representante da editora que publicava seus contos disse na entrevista ao repórter que iriam publicar um livro inédito escrito por seu pai. Sua mãe estava muda ao seu lado. Não movia um músculo sequer. Assistia a tudo como se aquilo não representasse nada para ela. Eliana chorava e sorria ao mesmo tempo. Seu coração batia emocionado e feliz. O editor falou ao repórter que em primeira mão, ele iria revelar o título do livro e ela não se conteve e chegou mais perto da tela para ouvir melhor. Com um ar solene, ele disse que o título do livro que iria ser publicado na semana seguinte iria ter o título de "O mistério da caixa de sapatos." A emoção foi demais. Eliana sentiu as pernas bambearem. Quando ela percebeu, estava sentada no tapete em frente a televisão. Com as mãos na cabeça ela pensava em como tudo aquilo poderia ter sido tão diferente. Que seu velho poderia ter feito o que gostava abertamente e poderia ter tido o apoio e reconhecimento de sua capacidade intelectual por parte de sua mãe. Ainda atordoada ela virou-se para dizer alguma coisa a ela. Ao olhar em sua direção, pareceu que ela estava dormindo. Que como sempre, ela não tinha dado a menor importância quando o assunto era os sentimentos de seu pai.

Devagar, Eliana quis acorda-la chamando por ela, mas foi em vão. Ela se levantou do lugar onde estava e a tocou com as mãos. Desesperadamente ela precisava falar com ela sobre seu querido pai. Não houve resposta ao toque de suas mãos. Quando tentou levantar o queixo de sua mão com a mão ela deu um grito. Dona. Neide havia partido. Enquanto ela tentava absorver a mais uma dura realidade, em algum lugar lá no céu, ela estava se encontrando com seu pai. De braços abertos, com o mesmo sorriso de sempre, ele a recebeu. Ao caminhar em sua direção, quando chegou bem perto dele, a primeira coisa que ela fez foi lhe pedir perdão. Com um abraço carinhoso e um beijo na testa, ele disse baixinho, que quem ama não precisa pedir perdão. Pela primeira vez em muito tempo, ela sorriu para ele. Juntinhos eles foram subindo uma escadaria infinita rumo a um plano superior, e em determinado ponto, eles sumiram. Eliana, na sala de sua casa e com a cabeça de sua mãe apoiada em seu peito, lhe pediu perdão. Perdão por não tê-la compreendido. Por não ter se esforçado mais para se aproximar dela e viver uma vida melhor. Com amor, com carinho e com compreensão. De olhos fechados, abraçada ao corpo de sua velha mãe, de repente ela ouvi quando sua mãe lhe disse, que quem ama, não precisa pedir perdão. Depois do enterro, Eliana fez as malas. Deixou tudo em ordem. Contas pagas, anúncio feito no jornal vendendo as propriedades e deixando os trâmites da venda, nas mãos de um corretor. Antes de partir, ela foi até a editora de publicava os trabalhos de seu pai e o editor muito feliz por conhece-la pessoalmente, quis leva-la até uma grande livraria no centro da cidade para ver uma exposição dos livros escritos por ele, como uma homenagem especial. Quando chegaram até lá, no centro daquela imensa livraria, havia uma prateleira imensa, completamente cheia com exemplares do seu ultimo livro. Ao ler o título, ela não pode se conter e as lágrimas rolaram livremente em seu rosto. Em volta da prateleira havia uma multidão que queria ter em casa, a qualquer preço, o seu exemplar. Sem saber, ou sem ter consciência disto, quando seu pai colocou os recortes naquela caixa de sapato e a escondeu no fundo da gaveta, talvez ele já estivesse bolando o enredo e a trama do seu ultimo livro, "O mistério da caixa de sapatos."

Autor:José Araújo

Fotografia: Caixa de Sapatos

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O APARTAMENTO DO 7º E 1/2 ANDAR...



Bairro da Aclimação. A manhã de sábado ensolarado proporcionava aos moradores do lugar, momentos de lazer e muita descontração, no mais belo parque da região. O lago estava iluminado pelo sol e os cisnes brancos que flutuavam em sua superfície, mal pareciam estar se movendo. A brisa suave movimentava levemente as folhas das árvores, que exalavam um aroma delicioso de Eucalipto, envolvendo as pessoas e trazendo com ele, uma paz tão rara na movimentada capital paulista. Ana Laura passeava com seu cãozinho pelas alamedas, que latia para os patos selvagens pousados nas margens do lago, fazendo com que alguns deles levantassem vôo, atravessando para o outro lado em revoada. Absorta em seus pensamentos, ela se lembrava de algumas historias contadas por seus avós, quando era ainda uma criança. Quando se sentavam nos bancos espalhados pelo parque nas tardes de primavera, entre flores de todas as cores e sentindo o perfume da grama verde, que cobria cada centímetro dos espaços que havia entre as arvores, as alamedas e o lago, eles contavam seus "causos" e ela, quase sem piscar, não perdia um só detalhe. À noite, quando ia dormir, Ana Laura se lembrava das histórias mal assombradas que ela ouvia e não era raro ela acordar assustada, como se ouvisse barulhos estranhos em sua casa. Tudo aquilo de que ela se lembrava, eram para ela como se fossem contos de fadas, vividos quando criança e guardados com carinho em suas memórias.

A beleza e inocência que havia naqueles "causos" que ela ouvia deles, era algo mágico. De alguma forma ,ela vivia as sensações de cada personagem. Foi um tempo muito bom, que se passou tão rápido, mas que deixou muitas saudades em seu coração. Aos vinte e dois anos de idade, casada e esperando seu primeiro filho, vendo e ouvindo as coisas que aconteciam na vida moderna, ela quase não acreditava que pudesse ter ouvido coisas tão lindas, como as historias contadas por seus avós. Enquanto seu cãozinho descansava ao lado dela, Ana Laura apreciava as crianças brincando e correndo pelos jardins. Por um momento, ela pareceu ver a ela mesma, correndo com outras crianças e segurando nos braços a sua boneca de pano. Um sorriso surgiu em seus lábios. Do fundo de sua alma, ela sabia que foi uma criança feliz. Foi uma infância abençoada por Deus e vivida com toda a intensidade e segurança, característica da época e do bairro tranqüilo onde moravam. Em dado momento, ela se lembrou de uma das historias contadas por eles, da qual ela nunca teve certeza de que não foi real. Era uma historia de assombração e todos os fatos narrados por eles, teriam ocorrido num casarão que existiu nas proximidades da casa dela, há décadas atrás. Sua avó contava que naquele casarão em especial, que foi construído há mais de duzentos anos, havia morado um casal que se amava muito e que depois de muitos anos de casados, a esposa veio a falecer deixando seu marido inconsolável pela perda de seu grande amor.

Passados poucos meses após a morte dela, ele vendeu a propriedade e mudou-se para outra cidade. A dor da ausência de sua amada era maior quando ele se recordava dos momentos felizes que viveram lá. Sua avó disse que depois que se mudou, ele veio a falecer também e daí por diante, o casarão foi comprado e vendido varias vezes ao longo das décadas e ninguém mais conseguiu viver nele. A qualquer hora da noite, qualquer pessoa que estivesse dentro dele ouvia portas que se abriam e se fechavam. Era como se alguém estivesse andando pelos cômodos à procura de alguma coisa, e não encontrando, refazia o caminho percorrido, abrindo e fechando as portas atrás de si. Quando alguém mais corajoso se levantava para ver o que estava acontecendo, não encontrava, nem via nada demais. Havia apenas o silêncio da noite e o som do vento que soprava lá fora. Depois de ter pertencido a muitas famílias, ele finalmente foi comprado por uma construtora e foi demolido. Em seu lugar foi erguido um prédio residencial de doze andares, com um apartamento por andar, e em pouco tempo, todos haviam sido vendidos aos felizes compradores, que não viam a hora de se mudar para lá. O ultimo andar era o salão de festas. Um projeto arrojado que ao contrário dos outros que fazem a área de eventos no piso térreo, o arquiteto o imaginou na cobertura, o lugar de onde se poderia ter a mais bela vista dos arredores durante as festas, comemorações e reuniões que fossem realizadas.

À noite, era possível ver as luzes do centro da cidade na região da Avenida Paulista com suas antenas iluminadas por luzes coloridas, o que dava a elas um encanto especial. Bastava dirigir o olhar para o outro lado, para ver as luzes ao redor do Parque da Aclimação e sua silhueta noturna inconfundível. Os moradores do condomínio adoravam o majestoso edifício e se sentiam felizes pelo grande negócio que haviam feito ao adquirir seus apartamentos. Um ano depois, certa noite o casal que morava no 7º andar acordou durante a madrugada ouvindo passos pelo apartamento. O marido levantou-se e foi averiguar o que estava acontecendo, mas não viu, nem ouviu mais nada. Achando aquilo tudo muito estranho, ele retornou para o seu quarto e deitou-se ao lado de sua esposa para dormir. Pouco tempo depois, quando eles já haviam adormecido, novamente os barulhos recomeçaram. Mas desta vez, eles ouviram vozes falando baixinho. Parecia um casal conversando. O homem dizia à mulher que era lá que eles haviam deixado alguma coisa. Ela pedia que ele falasse mais baixo e dizia que não só haviam deixado algo no quarto de onde pareciam vir o som de suas vozes, mas também na sala de jantar, na sala de estar, na varanda e na cozinha.

A impressão de que realmente havia duas pessoas no cômodo ao lado foi tão grande, que os donos do apartamento se levantaram ao mesmo tempo, e foram juntos ver o que estava acontecendo. Quando saíram de seu quarto e começaram a caminhar pelo corredor, as vozes desapareceram. Eles se olharam com olhar de interrogação e ele fez um sinal à sua esposa para que não fizesse barulho. Ela balançou a cabeça afirmativamente, e juntos, eles abriram a porta do cômodo de onde vinham os barulhos de supetão. Nada. Não havia absolutamente nada naquele lugar. Eles procuraram atrás das cortinas, do imenso biombo decorativo que tinham colocado lá, mas foi em vão. Assustados, sem saber o que pensar, eles não conseguiram dormir pelo resto da noite. O dia de trabalho que se seguiu foi cansativo, e os deixou ainda mais exaustos pelo fato de não terem dormido quase nada na noite anterior. A partir daquela estranha noite, os barulhos e vozes foram uma constante e o casal não conseguia mais dormir. Após seis meses, depois de muitas discussões e desentendimentos entre eles, exaustos e com receio de ficar em seu próprio apartamento, eles resolveram coloca-lo à venda e se mudar para outro lugar. Outro jovem casal que adquiriu deles o imóvel sem saber do que acontecia à noite, ficou radiante com o preço que pagaram pelo investimento, bem abaixo do mercado e após efetuarem algumas mudanças, se mudaram para lá.

A principio, não houve nenhuma ocorrência que pudesse lhes causar alguma estranheza, mas depois de duas semanas, numa noite quente de verão, algo aconteceu logo que foram se deitar. O rapaz estava lendo um livro com a luz de um abajur e a moça já havia adormecido quando uma porta se abriu, e se fechou logo em seguida. O jovem ao ouvir o barulho, levantou-se da cama e foi até a sala para averiguar. Ao chegar lá não viu nada de incomum e resolveu verificar nos outros cômodos, mas também não achou nada com que se preocupar. Cansado como estava depois de um dia duro de trabalho, ele retornou para a cama pensando que havia ouvido coisas em virtude do stress que passou durante o dia. A jovem até então ainda estava dormindo e quando ele se deitou e se cobriu, o mesmo barulho de porta sendo aberta e fechada se fez ouvir. Desta feita, o som foi mais alto e sua esposa também acordou assustada, perguntando a ele o que estava acontecendo. Ele balançou a cabeça negativamente, querendo dizer que não sabia e foi então, que duas vozes se fizeram ouvir. Uma voz feminina dizia que foi onde estavam, que haviam deixado alguma coisa, mas os donos do apartamento não conseguiram compreender o que era. A outra voz, era de um homem que disse em resposta, que não haviam deixado só ali, mas também na sala de jantar, na sala de estar, na varanda, na cozinha e em todos os lugares do apartamento.

Eles estavam dizendo que tinham deixado alguma coisa naquele apartamento e da maneira como falavam sobre isto, deveria ser algo de muito valor. Assustados, os dois foram juntos tentar descobrir quem estava no cômodo ao lado conversando, mas ao chegar lá, nada encontraram. Tudo estava em perfeita ordem e em seu devido lugar. Não havia sinais de que alguém estivesse estado em nenhum dos cômodos. Não havia ninguém além deles em seu apartamento. Assim começou novamente uma série de barulhos e vozes, que se repetiam todas as noites. Muito preocupados e extremamente assustados, o casal depois de muitas brigas pelo mau negócio que fizeram, resolveu vender o apartamento e se mudar de lá imediatamente. Todos os próximos compradores, num período de quatro anos após o primeiro incidente, fizeram a mesma coisa entre brigas e desavenças entre eles. Foi chegado um momento, em que o condomínio preocupado com a imagem e o conceito geral do prédio, resolveu tomar uma atitude drástica. Ficou decidido em assembléia geral, que o sétimo andar seria lacrado e seu acesso proibido. Todos os outros condôminos concordaram em adquirir a unidade em nome do condomínio e isola-la de uma vez por todas, já que estava mais do que provado, que era impossível de se viver lá. Ninguém no prédio, em qualquer outro andar, jamais viu nem ouviu nada demais em seus lares. Todos achavam que aqueles acontecimentos estavam mesmo relacionados a fenômenos paranormais.

Adquirido o imóvel, foram providenciadas as mudanças para o isolamento do 7º andar e entre elas, estava o bloqueio de acesso das pessoas até lá. Os elevadores modernos com seus painéis digitais, foram programados para não parar naquele andar. No painel de numeração dos andares, foi incluído um novo numero entre o 7º e o 8º andar. Entre eles, foi colocado um novo botão indicativo onde se podia ler o numero 7 & 1/2. Ao lado do botão, estava um aviso gravado em uma placa de alumínio onde se podia ler "Acesso proibido". Foi assim que aquele prédio moderno de apartamentos, ganhou um andar intermediário entre o 7º e o 8º andar. Foi feita a alteração dos números dos apartamentos e assim, o 9º se tornou o 8º e assim por diante, até chegar na cobertura. Tudo que restou daqueles acontecimentos estranhos, foi um boato divulgado de boca em boca, que naquele lugar deveria haver algum tesouro escondido e que era protegido pelos fantasmas que expulsavam quem quer que tentasse viver lá. Ana Laura era amiga de uma aeromoça que residia no condomínio e sempre que ia visitá-la, de uma forma misteriosa, ela se recordava com carinho e com muita saudade das estórias de seus avós.

Sua amiga Márcia morava no 4º andar e mesmo usando quase sempre o elevador para chegar até lá, ela nunca tinha percebido o detalhe da numeração dos andares no painel digital. Por uma daquelas coisas que acontecem e não tem explicação, quando foi levar umas encomendas para sua amiga, ao entrar no elevador a energia acabou. Um tanto assustada aguardou uns poucos minutos e quando a energia foi restabelecida, ao ter que acionar o botão do quarto andar, ela percebeu a existência de um botão com uma numeração fora do comum. Sem acreditar no que estava lendo, ela fixou seu olhar no botão redondo que indicava o 7 & 1/2 andar. Ela ficou curiosa. Achou muito estranho, mas como já estava um tanto atrasada, resolveu deixar para perguntar à amiga numa outra hora o porque daquela peculiaridade impar, no painel do elevador. Rapidamente ela apertou a campainha do apartamento de sua amiga e sem querer ao menos entrar, ela lhe entregou uma sacola com as encomendas e pedindo desculpas pela pressa, se despediu e foi para o elevador. Ela acionou o botão de chamada do equipamento, mas ele demorou a subir. Quando a porta se abriu, ela entrou apressada e sem querer apertou o botão errado, pois enquanto o fazia, ela olhava as horas em seu relógio. Sem olhar para o painel numérico, nem sentir que estava subindo, ela só percebeu o que havia acontecido quando apesar de estar programada para não se abrir naquele andar, quando ele parou; a porta se abriu.

Na parede em frente à porta do elevador, havia uma placa indicativa e nela estava escrito 7& 1/2 andar. Ela estremeceu sem querer acreditar no que leu. Nervosa e apressada como estava, levou alguns segundos para ela perceber que realmente havia ido parar no andar errado. Quando a "ficha" dela finalmente caiu, ela levou um susto, pois o corredor daquele andar parecia não ser usado por ninguém há décadas atrás e sem receber nenhuma manutenção desde então. Por todos os cantos haviam teias de aranhas penduradas no teto. O chão que era feito de tacos, não tinha brilho e sua aparência era de degradação total. O ar estava pesado e havia também muita poeira por todo o lugar. Ligando coisa com coisa, lembrando do que tinham lhe contado a respeito do que havia acontecido num dos andares do prédio, ela compreendeu que naquele exato momento, estava no tão falado andar. Tremula, ela percorreu o longo corredor que dava acesso à entrada principal do imóvel, e quando chegou até lá, Ana Laura viu que a porta estava destrancada e entreaberta. Um calafrio percorreu a sua espinha. Mais uma vez ela estremeceu. Seu coração batia rapidamente quando ela tocou a porta com a ponta de seus dedos, e a empurrou para dentro. Olhando para o interior do recinto, estando ainda do lado de fora dele, ela pode ver que seu aspecto era desolador.

Não havia moveis dentro daquele lugar. As janelas que estavam totalmente desprovidas de cortinas, eram enormes e deixavam a penumbra do entardecer penetrar por elas, contribuindo para fazer do lugar, um abiente assustador. Ela criou coragem e deu alguns passos em direção ao centro da sala. Sua curiosidade era maior do que seu medo. Estranhamente ela se sentia impulsionada para frente, sem poder resistir. Já no meio da enorme sala, ela pode ter uma visão geral do lugar e conhecendo outros imóveis do prédio, ela não acreditou no que estava vendo. Parecia que ela não se encontrava em um apartamento, mas sim em um enorme casarão. As molduras das enormes janelas eram feitas de madeira trabalhada e com detalhes artísticos, que lembravam a ela os tempos de outrora. Coisas que tinha visto apenas em livros, revistas de decoração e em filmes épicos no cinema. Num determinado momento, ela fechou os olhos e balançou a cabeça, pensando consigo mesma, se não estaria imaginando coisas. Ao abri-los, o susto foi maior. O ambiente inteiro havia se transformado como num passe de mágica. Agora ela estava numa sala ricamente decorada. Nas janelas havia as mais belas cortinas que ela tinha visto em sua vida. A brisa da tarde que entrava por elas, balançava levemente uma por uma e o cheiro de flores que vinha lá de fora, era sem dúvida nenhuma, o perfume de rosas. Sem palavras, toda arrepiada, ela admirava a beleza e o cuidado com que a casa era mantida.

Cada objeto minuciosamente colocado em seu devido lugar, conspirava para a harmonização do ambiente. Com certeza, a dona daquela casa era uma pessoa sensível. Uma alma iluminada que sabia como aplicar a filosofia do Feng Shui em seu lar, para ter uma vida melhor. Ainda abalada, sem saber exatamente o que pensar, ela começou a se movimentar admirando as estatuetas chinesas, colocadas de forma estratégica em lugares de destaque. Ao passar por uma cristaleira que havia num dos cantos da sala, ela pode ver peças maravilhosas de cristal alemão e um inacreditável serviço de chá feito de porcelana chinesa, que tinha pintado em cada peça, um pequeno e colorido Rouxinol. Tudo aquilo era maravilhoso. De uma delicadeza sem igual. Ana Laura estava amedrontada. Assustada mesmo, mas, mais do que tudo, ela estava encantada com a beleza e harmonia que via naquele lugar. Sem compreender o porque, de repente ela começou a sentir uma paz imensa. Era como se dentro daquele lugar que certamente era, ou foi o lar de alguém muito especial, ela estivesse em sua própria casa. Era um sentimento estranho, mas ao mesmo tempo muito gratificante e familiar. Era exatamente assim que ela se sentia quando estava ao lado de seu amor. Uma relação que começou ao acaso, mas que os uniu de forma muito especial. Foi uma aceitação mútua, sem limites e com um respeito enorme pela individualidade de cada um.

Ela não sentia ciúmes dele e nem ele sentia dela. Havia entre eles uma confiança imensa que os deixava completamente à vontade um com o outro. Eles se amavam de verdade. Do outro lado da enorme sala, havia uma parede onde estavam pendurados quadros com retratos de família, e encostado a ela, estava um belíssimo aparador. Em cima do móvel de tirar o fôlego de qualquer um que aprecia os móveis antigos, havia um vaso de cristal bico de jaca, e dentro dele, um bouquet de rosas vermelhas num arranjo, que no mínimo, era espetacular. Sem perceber o que estava fazendo, ela caminhou em direção a uma das paredes onde havia um enorme espelho emoldurado. Nos quatro cantos da moldura, haviam pequenos cupidos dourados empunhando seus arcos, prontos para disparar as flechas do amor. Ao parar em frente a ele, ela pode ver que atrás dela havia um lindo casal. Assustada, ela se virou rápidamente, mas não havia ninguém lá. Ao olhar de novo no espelho, ela quase soltou um gritou. Lá estavam eles. No mesmo lugar onde ela os havia visto, há segundos atrás. O vento agora soprava lá fora com mais intensidade indicando que iria chover. Petrificada e emocionada, ela se pôs a observar os dois. Eles se olhavam de uma maneira tão apaixonada, que apesar de assustada ela não pode deixar de se emocionar. Um olhando nos olhos do outro, eles trocavam juras de amor. Ela pode ouvir claramente suas vozes que mais pareciam sussurros em seus ouvidos.

A bela dama usava um vestido branco, longo até os pés, com um decote em “V” que mostrava as belas formas de seus seios, disse ao rapaz que finalmente, depois de muitos tentarem sem conseguir, alguém havia descoberto seu grande tesouro. Ele usava um terno de linho branco, camisa branca com gravata borboleta e uma cartola de mesma cor. Aos olhos de Ana Laura, ele era o homem mais elegante que ela já tinha visto em sua vida. Ainda olhando nos olhos de sua companheira, ele disse que sim. Que era mesmo verdade. Que a moça em frente ao espelho, só foi capaz de descobri-lo, porque ela também carregava dentro de si, a chave mestra para abrir qualquer baú que guardasse em seu interior, um tesouro igual ao deles. Emocionada, com os olhos cheios de lágrimas, ouvindo o casal falar dela sem que ela mesma pudesse vê-los se virasse para trás, Ana Laura compreendeu exatamente sobre o que eles estavam falando. O grande tesouro que eles haviam deixado naquele casarão, tão comentado de boca em boca ao longo dos anos, era o grande amor que eles viveram lá. Ainda observando o casal pelo espelho, sem a menor vontade de olhar para trás e perder um segundo sequer daquele encontro mágico e único do qual ela estava fazendo parte, ela viu quando os dois olharam para ela diretamente nos olhos através de seu reflexo no espelho, e sorriram. Foi uma emoção única. Ela sorriu para os dois e eles acenaram, como se estivessem dizendo adeus.

Com uma voz doce e suave, bela mulher agradeceu a Ana Laura por tê-los libertado para seguir seu rumo e viver um para o outro por toda a eternidade. Disse que estava escrito nas linhas do destino, que a partir do momento em que seu ninho de amor fosse pisado por uma outra pessoa, que carregasse também em seu coração a tão desejada chave para abrir o baú em que guardavam o grande tesouro, finalmente eles estariam livres da obrigação de guarda-lo como sempre o fizeram, desde que se reencontraram quando seu marido morreu. O homem elegante abraçado à sua amada completou, que depois de tanto tempo em que estiveram naquele lugar, eles poderiam finalmente subir aos céus, juntos como sempre sonharam, e lá, entre um coro de anjos e querubins cantando músicas celestiais, viver eternamente e em plena liberdade, o seu grande amor. Aos poucos, como magia pura, uma luz brilhante foi envolvendo os dois, e lentamente, eles também foram se transformando em luz. Enquanto aquilo estava acontecendo, as paredes do casarão pareciam estar pulsando como pulsa um coração apaixonado. Ele estava vivo. O lugar inteiro pulsava ao ritmo do amor. Todo o ambiente estava repleto de paz, de felicidade, de muito amor. A luz branca e suave em que eles se transformaram, aos poucos foi se unindo à luz que os envolvia, até que num único e delicado fio de luz, subiu lentamente em direção ao teto, e desapareceu ao atravessar por ele. Com lágrimas ainda escorrendo em seu rosto, Ana Laura viu através do espelho, quando do teto caiu uma flor. Enquanto seus olhos acompanhavam a trajetória dela caindo até o chão, ela pode ver que era um botão de rosa vermelha, e em seu talo, totalmente sem espinhos, estava preso um pequeno cartão feito de papel vegetal cor de rosa, com as bordas rendadas. Ela virou-se para ve-la achando que não fosse mais ver a flor como aconteceu com o casal, quando ela quis vê-los olhando para trás. Mas não.

Ela estava no mesmo lugar onde ela a viu cair através do espelho. Com passos firmes, ela foi até onde ela estava e se abaixou para pegá-la. Antes de se levantar, ela olhou à sua volta e todo o ambiente havia voltado a ser o que ela tinha visto quando chegou. A sujeira e a desolação tinham voltado a reinar naquele lugar. Foi como se nada tivesse acontecido ali há décadas atrás. Uma das janelas do apartamento se abriu com o vento e as teias de aranha balançaram de lá para cá. Ela levantou-se segurando a rosa e ao abrir o cartão delicado de papel vegetal, ela pode ler o que estava escrito nele em letras artísticas e delicadas.

"Para Ana Laura, com nosso eterno agradecimento, Conde Rodolfo Augusto de Piratininga e Condessa Esmeralda Maria Cocais de Piratininga. Guarde bem o nosso tesouro, pois assim como ele é nosso, ele é seu também. Nos encontraremos novamente no tempo certo, na hora certa, do outro lado da vida. Muitas felicidades a você, ao seu marido e ao bebê que vai chegar.”

Naquele momento, ela sentiu quando seu bebe chutou em sua barriga. Ela sorriu. O seu filhinho parecia estar agradecendo. Enquanto isto, mais uma lágrima de emoção rolava lentamente em seu rosto. Devagar, ela saiu do apartamento e foi até o elevador. Ao entrar nele, quando foi apertar o botão para descer, não havia mais o botão do 7 & 1/2 andar. A seqüência agora no painel era do térreo ao 11º andar. Após apertar o botão para descer para o térreo, ela não resistiu em beijar a rosa e olhando para o teto do elevador, como se estivesse vendo através dele rumo ao infinito, ela disse em voz baixa e suave: "Sejam muito felizes meus queridos e não se preocupem, porque o nosso tesouro irá comigo por onde quer que eu vá. A chave para abrir o baú onde ele esta escondido, ficará guardada onde sempre esteve, dentro do meu coração. Quando eu partir para me encontrar com vocês, eu a deixarei com meu filho, e junto com ela, o mapa para que ele possa chegar até o baú que o esconde."

A porta se abriu, ela saiu do elevador, atravessou a recepção, passou pela porta de vidro automática e saiu para a rua. O ar lá fora estava agradável. Não mais chovia. Já era noite quando ela saiu. Ao chegar em casa, Ana Laura encontrou seu marido esperando com algo especial. Quando ela entrou ele foi ao seu encontro e a beijou. Pediu que ela fechasse os olhos porque ele tinha uma surpresa. Sorrindo e feliz com o carinho e atenção com que ele sempre a tratou desde que se conheceram, ela obedeceu. Quando ele disse que podia a abrir os olhos, ela quase desmaiou de emoção. Era um bouquet de rosas vermelhas. Tão vermelhas, quanto a bela rosa que ela ganhou daquele casal...

No dia seguinte, logo pela manhã, na portaria do condomínio havia uma grande agitação. O zelador ao fazer suas averiguações nos andares e nos elevadores percebeu que já não mais existia o 7 & 1/2 andar. Quando ele subiu pela escada de incêndio para chegar até ele, tudo que conseguiu foi chegar até o 8º andar. Ele havia desaparecido. O prédio que originalmente tinha doze andares, com um apartamento por andar, agora só tinha onze pisos. Até mesmo nas plantas de construção, nos projetos e nos registros da prefeitura, havia somente o registro de onze andares. O caso foi abafado para evitar o alarde dos repórteres e de toda a mídia nacional. Tempos depois, Carlos Alberto, o filho do zelador, fez amizade com o neto de um dos homens que haviam trabalhado na construção do edifício.

Numa bate papo à beira da piscina do condomínio, sentados nas cadeiras, tomando um pouco de sol e uma cervejinha, o rapaz lhe disse que seu avô costumava contar historias incríveis sobre o tempo em que ele trabalhou lá. Uma das coisas de que ele se lembrava, era que seu avozinho um dia antes de morrer, contou a ele que numa noite de verão quando já era de madrugada e ele não havia conseguido dormir, no sétimo andar, ainda inacabado, ele viu um casal abraçado admirando a paisagem da cidade à distancia. Disse também que quando o viram, sorriram para ele e o rapaz pedindo para que ele não tivesse medo, estendeu a mão aberta ,e na palma dela, havia uma pequena pedra. A moça se aproximou dele devagar e passando sua mão delicada em seu rosto, pediu-lhe que fizesse a eles um grande favor. Que ele pegasse a pedra que o rapaz tinha na palma de sua mão, que foi tudo que sobrou do casarão onde eles viveram felizes por tantos anos, e a colocasse na massa de cimento que iriam usar para terminar de fazer o piso daquele andar na manhã do dia seguinte. Quando ele a pegou, misteriosamente o casal desparaceu. Sem compreender exatamente o porque, ele atendeu ao pedido. Os anos se passaram e ouvindo as histórias contadas por outras pessoas sobre o que acontecia naquele andar até ele ser interditado, ele já sabia qual era a razão. Enquanto o neto do velho pedreiro terminava de contar a historia que ouviu de seu avô, o filho do zelador, estudante de parapsicologia, analisava os fatos e ligava os acontecimentos para tentar chegar a uma conclusão lógica e racional.

Contudo, naquele momento, seu coração começou a bater como bate um coração quando esta amando. Do mais fundo de sua alma, ele soube que não precisava pesquisar, nem analisar mais nada. Seu espirito iluminado e seu coração lhe deram a resposta que tanto procurava encontrar, tentando usar somente a ciência e a razão.

Quando ele se virou para pegar o copo de cerveja que estava na mesinha ao lado de sua cadeira, junto a ele havia uma rosa vermelha. Era apenas um botão, mas era o mais lindo que ele já tinha visto. Em seu talo não tinha espinhos. Ao lado dele, estava um envelope branco contendo uma carta feita em papel vegetal azul claro, com bordas rendadas, e nela, haviam algumas frases escritas com letras delicadas e artísticas que diziam:

Jovem rapaz,

"Obrigado por acreditar em nós, em nosso amor e na existência do maior de todos os tesouros deste mundo. Sabemos disto porque lemos o que está escrito em seu coração. Você vai ser muito feliz jovem rapaz, porque você também carrega em seu peito, a chave para abrir o baú que o esconde. Mas lembre-se de uma coisa Carlos Alberto; ele só deve ser procurado num único lugar, ou seja, dentro dos corações dos homens, o baú mais perfeito que existe e que foi criado por Deus para a abrigá-lo. Quem possuir a chave para abri-lo, será eternamente feliz. Esteja certo de que muitos já tentaram e não conseguiram, mas aqueles que acreditaram em sua existência, exatamente como nós, nunca desistiram de sua procura até encontrá-lo. O caminho pode ser árduo e difícil, mas é melhor viver tentando encontra-lo e ter a chance de um dia conseguir, do que nunca ter tentado, e partir deste plano, sem saber o que significa viver de verdade. Para alguns, pode até demorar um pouco, para outros, a demora pode parecer uma eternidade. Para outros, pode até ser mais rápido do que se imagina, mas quando o baú que o esconde finalmente é encontrado e aberto, é a partir deste instante, que a vida realmente se inicia para todos nós. Amar é a melhor definição do que é viver, na expressão da palavra. O importante, é não esquecer de concentrar as buscas dentro dos corações das outras pessoas. É lá que ele está escondido. Se resolver procurar em outro lugar, jamais irá encontrar. Encontra-lo ou não, só depende de cada um de nós. Nós, eu e minha amada esposa, encontramos este tesouro ha séculos atrás, e isto nos tornou imortais. Se não o tivéssemos encontrado, você não estaria recebendo esta carta, nem este botão de rosa. Adeus jovem amigo! No tempo certo, na hora certa, um dia nos encontraremos para trocar um grande abraço. Estaremos esperando por você num lugar maravilhoso, do outro lado da vida, onde agora é o nosso lar.

Com carinho, dos amigos eternos, Conde Rodolfo Augusto de Piratininga e Condessa Esmeralda Maria Cocais de Piratininga."



Autor: José Araújo

Fotografia: O casarão Fotografo: José Araújo


domingo, 8 de fevereiro de 2009

A LINGUAGEM UNIVERSAL...



Naquele dia Walter iria completar seus sessenta anos. Uma vida inteira de muitas recordações, algumas boas, outras ruins, mas ele se considerava um homem que teve uma vida feliz. Sentado em sua poltrona predileta, ele estava assistindo a um filme de comédia que o fez lembrar de coisas que aconteceram em sua vida, há muito tempo atrás. Foram acontecimentos marcantes na vida dele e de seu irmão mais velho que por pouco não destruíram o grande amor e amizade que sempre os uniu. Mesmo sendo mais jovem que seu irmão, desde muito pequeno Walter sentia-se a pessoa responsável por cuidar dele, sendo que mesmo quando ele tinha dezoito e Lucas seu irmão vinte e um, ele ainda cuidava dele porque havia aprendido que deveria ser sempre assim. Desde muito cedo seus pais o encorajaram a cuidar de Lucas porque mais cedo ou mais tarde, eles não mais estariam por perto. Foi assim que ele assumiu o papel de irmão mais velho. Ele cuidava, alimentava, educava e se preocupava com o bem estar de Lucas como o mais velho, não o irmão mais novo. As pessoas às vezes achavam que Lucas tinha alguma deficiência física ou mental, mas não era nada disto. Ele era bem mais baixo e mais magro e sua saúde requeria cuidados especiais. Não podia pegar um vento mais forte que ficava gripado e com febre. Se ficasse muito tempo exposto ao sol, seu corpo em pouco tempo ficava cheio de pequenas feridas que coçavam muito e o faziam sofrer um incomodo terrível. Toda a sua alimentação tinha que ser especial. Ele precisava de vitaminas, sais minerais e outros nutrientes em maior quantidade do que necessita uma pessoa normal. Sua vida era praticamente restringida ao interior de sua casa e raramente ele saia para a rua, ou para passear. Todos tinham receio de que ele pegasse alguma virose no ar e caísse de cama outra vez. Mesmo Walter que convivia com ele desde que nasceu, não tinha certeza se ele nasceu, ou se foi criado de alguma outra forma. Sua mãe sempre o tratou como um vaso de cristal sueco, fino e delicado ou um vaso raro de cerâmica da dinastia Ming.

Talvez esta fosse a razão por ele ter a personalidade que tinha. Era sempre arredio, tinha crises de choro aparentemente sem motivos. Quando era ainda bem novo, se jogava no chão e esperneava quando queria alguma coisa, e isto, sem necessidade, porque nunca lhe negaram nada desde que nasceu. Pode ser até que a sua maneira difícil de ser e a necessidade de chamar a atenção de todos para si, tenha sido por causa dos problemas que sua mãe teve em sua gestação e também no parto. Ela sempre fez questão de dizer que ele só estava vivo por um milagre. Que seu cordão umbilical havia se enrolado em seu pescoço e que ele só não morreu por que o médico que a atendeu foi rápido no diagnostico e fez uma cesariana emergencial. Contudo, mesmo tendo passado por maus bocados na barriga de sua mãe e na hora do parto, Lucas veio ao mundo para assumir seu papel neste plano, mas ele era tão frágil e pequeno, que não foi difícil adivinhar só de olhar para ele que não seria muito forte e que precisaria de muitos cuidados especiais. Depois do parto dele, sua mãe se tornou muito católica. Ela fazia todos os tipos de promessas a todos os santos que conhecia, que não conhecia e principalmente para Deus. Tudo que ela pedia era que Lucas sobrevivesse e pudesse levar uma vida normal. O que aconteceu com ele, foi bem diferente do que aconteceu com Walter quando nasceu. Três anos depois Walter chegou a este mundo. Ele era um bebê enorme. Pesava quase quatro quilos e tinha uma saúde de ferro. Seus tios costumavam brincar dizendo que ele praticamente saiu andando da maternidade quando sua mãe teve alta. E mais! Diziam que se deixassem, Walter seria capaz de comer até pedra com um mês de idade! Ao ver a maneira como ele se alimentava sempre querendo mais, já sabiam que seria como dizem por ai, mais um lima nova na família. A mãe deles viu na constituição forte de saudável de Walter, um verdadeiro sinal de Deus e que ele tinha sido enviado especialmente como um guardião e protetor de seu irmão mais velho. Não era estranho para ninguém ouvir Walter lembrar a Lucas de amarrar os cadarços de seus tênis, ou de abotoar a camisa. Quando chegava a hora das refeições, enquanto ele não comia tudo que havia em seu prato, Walter não parava de lhe dizer que precisava comer bastante para crescer e ficar forte como ele. Quando saiam para passear com seus pais, o que era raro acontecer e passavam em alguma lanchonete, era Walter que cuidava de tudo para que seu irmão não se sujasse e se comportasse como gente. Quem não conhecia os dois desde pequenos, jamais imaginaria que a questão de idade entre os dois, fosse ao inverso do que parecia.

Olhando para eles quando estavam juntos, a diferença era gritante. Walter era bem mais alto e muito mais forte. Seu físico era bem desenvolvido e desde cedo mostrava que iria ser um homem de porte atlético. Lucas por outro lado, era muito magro, muito menor em estatura e sua aparencia era de uma pessoa doente. Walter tinha liberdade de sair para brincar quando quisesse, podia jogar bola debaixo de sol ou de chuva. Raramente pegava um resfriado e aproveitava a saúde que tinha para curtir sua infância o melhor que podia. Enquanto ele o fazia, Lucas ficava preso dentro de casa vendo Tv ou jogando vídeo game, mas tudo que ele mais queria, era poder ir brincar com as outras crianças. Conforme foram crescendo, apesar de ser menor do que todos os amigos da turma de Walter, Lucas se enturmava facilmente com todos que vinham jogar vídeo game com ele e não era raro que os meninos do grupo o ajudassem em suas tarefas escolares. Por anos a fio Walter cuidou de Lucas como se cuidasse dele mesmo. Mas o tempo passou, eles cresceram mais e chegou uma época em que cuidar do irmão estava sendo cansativo para Walter. Ele começou a prestar mais atenção nas regalias que o irmão tinha e ele não. A desmotivação foi tomando conta de sua mente e para piorar o quadro, quando chegava em casa, sempre havia doces deliciosos em uma bandeja, mas só de olhar, ele sabia que não poderia comer nenhum. Aquelas coisas deliciosas, de dar água na boca, eram para seu irmão, não para ele. A mãe deles sempre comprava de tudo para Lucas, mas para Valter não. Se ele quisesse comer algo diferente, só mesmo se sobrasse depois que o irmão comesse e não quisesse mais. Ela sempre dizia a ele que seu irmãozinho precisava de tudo aquilo, muito mais do que ele, porque ele precisava ficar bem de saúde. Muitas vezes ele olhava para os deliciosos chocolates em cima da mesa, os morangos que havia na geladeira e até mesmo os pudins de leite que ele tanto gostava e sentia uma vontade louca de comer só um pedacinho. Mas mesmo sentindo muita vontade de comer, fosse o que fosse, ele não comia porque foi ensinado desde pequeno, que seu irmão precisava mais do que ele. Às vezes quando a tentação e vontade de comer alguma coisa era mais forte do que ele e tentava estender a mão para pegar e comer, ele apanhava de sua mãe para aprender a não fazer mais isto.

Ela dizia sempre a mesma coisa. Que aquilo era para Lucas e que ele não precisava daquilo, de jeito nenhum. Foi assim que apesar de amar demais seu irmãozinho, ele começou a nutrir por ele um grande ressentimento. Certa vez, quando eles já estavam na escola e não eram tão pequeninos, houve um grande concurso de pinturas na escola de Walter. O primeiro prêmio se fosse ganho, daria para que ele comprasse a câmera digital de seus sonhos e ainda sobraria algum dinheiro para gastar com outras coisas. Foi então que ele decidiu que aquele prêmio iria parar em seu bolso de qualquer maneira. Quando ele saiu da escola, foi correndo para casa e ao chegar sem seu quarto ele tirou do fundo da ultima gaveta da cômoda um cofrinho onde ele guardava todas as suas economias. De posse do dinheiro que ele tinha, Walter foi à loja que vendia pincéis, tintas e telas e comprou tudo que precisava para pintar um quadro e poder se inscrever no concurso. Já de volta ao seu quarto, ele começou a fazer esboços do que iria desenhar, mas por mais que se esforçasse, ele não conseguia produzir nada além do normal para uma pessoa sem talento para tal. Depois de muito tempo tentando, desanimado ele finalmente desistiu. Aquela seria a grande chance de realizar o seu sonho, mas ao que tudo indicava, ele continuaria a ser apenas um sonho, nada mais. Após haver abandonado todo o material que havia comprado em seu quarto, ele foi para a sala e sentou-se na frente da televisão. Naquele momento estava passando um filme de comédia, mas ele parecia não estar vendo nada. Seus pensamentos estavam naquela câmera digital de 10 Mega Pixels que ele tanto queria. Em dado momento sem querer, ele olhou para a parede que estava à sua direita e nela havia uma pintura feita por Lucas seu irmão. Um trabalho escolar que ele havia feito ha tempos atrás e que foi colocado lá por sua mãe. Com os olhos fixados no quadro, ele não podia acreditar no que estava vendo. Nunca antes ele tomou o menor conhecimento daquele trabalho feito por seu irmão, mas agora, o que ele via era algo indescritível. Lucas certamente era quem deveria se inscrever no concurso, mas ele não podia. Ele estudava em uma outra escola e não alunos, na escola de Walter, eram proibidos de participar. De repente, uma idéia lhe veio à mente.

Ele poderia se inscrever e faria um acordo com Lucas para que ele pintasse o quadro e se a obra fosse a ganhadora do 1º lugar, eles repartiriam o prêmio. Assim pensando, ele foi até o quarto de seu irmão e lhe fez a proposta. Se ganhassem o primeiro prêmio, ele daria ao seu irmão 20% e ficaria com os outros 80%, que ainda assim seria o suficiente para comprar a sua tão desejada câmera digital. Mesmo sendo pequeno e frágil, além da sensibilidade aguçada e os dotes artísticos, Lucas era muito bom aluno em matemática e sua resposta imediata foi que ou seria meio a meio, ou então ele não faria nada. Ansioso por colocar suas mãos naquele dinheiro, Walter pensou bastante e sabendo que fazendo a divisão meio a meio, com um pouco de economia ele ainda conseguiria comprar o que queria, acabou por concordar. E assim foi. Os dois fizeram o acordo e Lucas se dedicou ao trabalho que tinha que fazer. Em três dias o quadro estava pronto e ao vê-lo, Walter tinha certeza de que o premio já estava no papo. No dia da decisão onde iriam ser apresentados todos os trabalhos feitos pelos alunos que se inscreveram, Lucas disse que não poderia ir assistir ao evento, pois tinha sido contaminado por uma virose e estava com febre. O grande e largo corredor da escola se transformou naquela tarde, numa galeria de arte. Havia dezenas de trabalhos e entre eles, alguns eram muito bem feitos, cada um mais lindo que o outro, mas ao vê-los Walter já sabia do resultado. Seu irmão era um artista nato e ninguém em sua escola poderia concorrer com ele naquela categoria. Certo de embolsar o prêmio e pensando no que poderia fazer com ele, uma outra idéia foi surgindo em sua mente. Se ele mentisse para Lucas, dizendo que não ganharam nem sequer uma colocação no concurso, poderia ficar com tudo para ele e ninguém iria saber de nada em sua casa. Além do mais, a escola onde Walter estudava ficava do outro lado da cidade e ele era o único de seu bairro que estudava lá. Melhor que isto era impossível e assim, quando anunciaram seu nome como o grande ganhador, exatamente como ele sabia que iria acontecer, ele recebeu a faixa do 1º lugar e o dinheiro que colocou em seu bolso, como ele planejou. Quando acabou a solenidade de entrega dos prêmios, ele saiu de lá e foi direto para a loja de produtos importados.

Sem nenhum sentimento de culpa, ele finalmente havia conseguido a sua tão almejada câmera de 10 Mega Pixels. No caminho de casa ele decidiu pedir a um amigo para guarda-la em sua casa, porque afinal, como ele poderia explicar ter comprado um objeto tão caro, sem recursos para isto. Sem sentir o menor remorso pelo que havia feito, pensando em tudo que seu irmão tinha e ele não, finalmente ele voltou para casa e quando Walter entrou, a primeira coisa que Lucas perguntou foi se haviam ganhado o concurso. A resposta, tal como ele planejou foi convincente. Ele disse ao irmão que não tinham ganhado o prêmio e que o aluno que o faturou tinha muito mais talento do que ele. Lucas ficou triste, mas pareceu compreender. Walter sem pensar no que estava fazendo, foi capaz de justificar para si mesmo, ter literalmente roubado de seu irmão e isto, bem embaixo de seu nariz. Contudo, muito tempo depois, um dia ele chegou em casa e seu irmão estava sentado numa das poltronas da sala lendo uma revista em quadrinhos. Ao vê-lo entrar, de seus olhos uma lágrima rolou. Percebendo aquilo, Walter perguntou a seu irmão o que estava acontecendo e ele disse que não era nada. Que foi apenas um cisco que entrou em seus olhos e mesmo achando estranha a resposta, Walter foi para o seu quarto e não tocou mais no assunto. Deitado em sua cama, ele relembrava de todas aquelas coisas gostosas que ele via seu irmão comer e não pode nem sequer experimentar porque sua mãe dizia que ele não precisava daquilo. Apesar de já ser grande e compreender a situação difícil pela qual seu irmão passou desde que nasceu, uma mágoa profunda parecia rasgar seu coração. Ele amava Lucas, mas por tudo que ele recebia de seus pais e ele não, o que ele havia feito parecia ter sido merecido. Ele pensava. O tempo passou e quando Lucas ficou mais velho, ele cresceu e ganhou um bom porte físico, já não era o fracote de antigamente, mas Walter ainda era maior e mais forte. Continuou como sempre a parecer mais velho que ele. Ao vê-lo tão forte e com saúde, ele ficava imaginando, que todas aquelas guloseimas que ele comia sozinho, finalmente tinham produzido um bom resultado.

Um dia, os dois estavam no quarto rindo e conversando, quando ao abrir a porta do maleiro do guarda roupa a câmera que estava abandonada lá há muito tempo por estar quebrada, caiu no chão. Lucas ao ver o objeto parou de sorrir e olhando direto nos olhos de Walter fez a pergunta que ele nunca quis ter que fazer novamente. Serio como nunca, Lucas perguntou a ele se realmente eles não haviam ganhado aquele concurso ha tanto tempo atrás. Envergonhado em sentindo uma onda de calor queimar o seu rosto, ele disse ao irmão que para ser muito sincero, ele tinham ganhado somente o 3º lugar e que havia recebido apenas uma menção honrosa sobre o trabalho. Verdade? Lucas perguntou. Walter sem jeito ainda persistiu na mentira dizendo que sim. Lucas foi até a sua gaveta e retirou dela uma velha fotografia e mostrou ao irmão. Quando Walter a viu ele não acreditou e empalideceu. Era ele mesmo na foto, em cima do palco do teatro da escola enquanto recebia a faixa de 1º premio e com o dinheiro em suas mãos. Olhando fixo para seu irmão, Lucas lhe disse que aquela foto ele mesmo tinha tirado. Que ele foi escondido à exposição da escola, porque queria tirar umas boas fotos e guardar de recordação de quando ele tinha ajudado seu irmão a realizar um grande sonho. Sem acreditar ainda no que estava acontecendo, com a voz embargada, Walter perguntou ao irmão o porque dele nunca haver lhe dito nada desde aquela época, há tanto tempo atrás. Lucas olhando para sua mala quase feita colocada num canto do quarto e depois para os olhos de seu irmão respondeu com outra pergunta. Ele perguntou se ele nunca havia pesando em como ele se sentia por ser privilegiado em tudo com relação a ele desde criança. Disse que Walter não imaginava o que havia sido para ele conviver todos aqueles anos com aquela sensação de culpa. Que por toda a sua vida, ele havia se sentido mal por ver o irmão que cuidava dele com tanto cuidado e carinho, ter negado o pedido de um pequeno pedaço de tudo que compravam só para ele. O que mais o machucava, era perceber que ele engolia a seco tamanha era a vontade que sentia.

Disse que aquilo sempre o fez sofrer por pensar no que ele estaria sentindo e também, que seu coração apertava e doía muito quando a mãe deles brigava com Walter por causa das coisas que ele reclamava sobre a predileção dela por ele. Com uma expressão de profunda tristeza, ele disse a Walter que mesmo depois de ter crescido e ter ficado mais velho, com saúde e totalmente recuperado de todos os problemas que tinha quando criança, ele ainda se sentia mal quando Walter o defendia dos perigos da vida, das intempéries do tempo, como se ele é que fosse o mais velho, quando na verdade era dele este papel. Walter não sabia o que responder. Em frente aos seus olhos ele parecia estar vendo um filme com todas as cenas vividas pelos dois, desde que nasceu. Do fundo de sua alma, ele estava sentindo um remorso imenso pelo que ele tinha feito ao seu próprio irmão, ainda mais depois de tudo aquilo que estava ouvindo dele. Lucas completou, dizendo que ele sempre quis viver a vida de Walter. Que ele teria dado qualquer coisa que lhe pedissem para poder fazer as mesmas coisas que ele fazia. Para ter a liberdade que ele tinha em sair para brincar quando e como ele quisesse. Que somente por uma vez, ele queria ter sido o irmão mais velho. Não para poder controlar a vida de Walter, mas para poder protege-lo como ele fez com ele desde que começou a andar. Ele disse também, que tinha inveja de Walter que sempre foi forte e saudável enquanto ele, sempre foi considerado um garoto frágil e indefeso. Uma pessoa dependente dos cuidados de todo mundo para poder sobreviver. As palavras de Lucas cortavam o coração de Walter que a estas alturas já havia perdido a vergonha de chorar e deixou que as lágrimas fluíssem livremente de seus olhos. Entre lágrimas e soluços, ele disse a Lucas, que de sua parte, ele sempre quis desesperadamente ser aquele que recebia todos os carinhos. Aquele que recebia as atenções de todo mundo. Que ele também teria feito qualquer coisa para ser ele, pelo menos uma vez. Os dois disseram um ao outro tudo que guardaram dentro de seus peitos por toda a vida e finalmente, um silêncio profundo caiu sobre eles.

Sentados, um em frente ao outro nas duas poltronas da sala de estar, eles se olharam silenciosamente por algum tempo. Em dado momento os dois se levantaram no mesmo instante. Lucas com lágrimas nos olhos, disse a Walter que aquilo tinha sido a coisa mais patética e engraçada que já tinha ouvido alguém contar. Afinal, o tempo todo, os dois sempre quiseram ter seus papeis trocados na vida, mas nunca tiveram coragem de confessar. A emoção havia tomado conta da sala onde eles estavam e sem dizer nem mais uma palavra, os dois se abraçaram chorando. Mais uma vez o silencio imperou entre os dois. Walter queria pedir perdão a Lucas pelo que havia feito e pelas coisas que havia pensado e falado sobre ele, mas ficou sem jeito de abrir de uma vez. Foi então que Lucas se afastou dele por um momento, apanhou a bola de futebol que estava em cima do sofá e sorrindo, ainda com lágrimas escorrendo pelo rosto, a atirou com força em Walter. Com os reflexos rápidos que sempre teve, ele a segurou e jogou de volta para o irmão. Nenhum dos dois deu por conta do que estava acontecendo naquele mágico momento, mas o amor puro e verdadeiro que os unia com uma força desconhecida para ambos, estava falando pelos dois de uma maneira muito especial. Os dois brincaram de jogar bola um no outro por um bom tempo, rindo e fazendo chacotas sobre seus times de futebol. Em certo momento, a bola ao ser jogada por um deles saiu pela janela e foi parar no quintal. Os amigos deles que iam passando pela calçada a pegaram e começaram a jogar. Walter e Lucas saíram de casa abraçados. Entre as piadinhas dos colegas, chamando os dois de pernas de páu, eles jogaram futebol com a turma pelo resto da tarde. Walter fez questão de jogar no time do irmão. Naquela tarde, os dois fizeram passes incríveis um para o outro e no final da pelada, o time deles ganhou a partida. Cansados, mas felizes, eles entraram em casa rindo e brincando para tomar um banho e depois jantar. De seus pensamentos e de seus corações, haviam sido apagadas todas as mágoas e rancores de antes. O amor venceu mais uma vez agindo de uma forma estranha como sempre o faz.

Daquele dia em diante, o relacionamento dos dois nunca mais foi o mesmo. Passaram a ser não só irmãos que se amavam, mas principalmente a ter um ao outro, como o melhor amigo. A maneira como eles se comunicavam nunca mais foi a mesma. Quando falavam um com o outro, usavam para se comunicar a única linguagem que é compreendida até mesmo pelos animais. Haviam aprendido a duras penas, que a única maneira de ser feliz é sendo sinceros em todos os aspectos da vida. Aprenderam que a mentira é um mal que corrói até mesmo os bons sentimentos e desde então, eles passaram a usar a linguagem do amor, a verdadeira e única, linguagem universal.

Autor: José Araújo

Arte digital: José Araújo