Páginas

domingo, 27 de julho de 2008

PARA SEMPRE, GINA...



Hoje, depois de tantos anos, após ter vivido tantas e tantas emoções diferentes na vida, sentado nesta cadeira na varanda, lendo um livro de romances e vendo o sol se por, ouvindo os pássaros a cantar nas àrvores do jardim, a beleza deste espetáculo da natureza, me traz de volta a lembrança do meu primeiro amor. Fecho os olhos. É como se eu estivesse no lugar onde nos beijamos pela primeira vez. A orquestra toca Ray Conniff, a música que nos envolve é Moonlight Serenade e o salão, ele está repleto de casais dançando, corpos colados unidos pela magia e sensualidade da musica, pela dança e pela emoção. Palavras de amor são sussurradas nos ouvidos, enquanto nos lábios das jovens convidadas, predominam os batons vermelhos, vermelhos da cor do beijo, do amor, da paixão. Regina, Gina como eu a chamo é uma garota radiante, linda e irá vestir hoje seu primeiro vestido de baile, sei que seus olhos irão brilhar de emoção, postura perfeita, palavras doces e suaves, uma linda mulher que desponta hoje para a vida, para o amor, despertando o interesse de todos os homens que a conhecem. Não sou diferente, sou igual a todos os outros, e me vi enfeitiçado por aqueles olhos ha muito tempo atrás, quando corríamos e brincávamos juntos pelo páteo da escola onde estudamos, mas não tenho coragem de me declarar. Tenho medo de perder a minha Gina e então, prefiro ficar calado, sofrer em silêncio, mas manter pelo menos sua amizade. Cheguei só na festa e logo que entrei no salão, fui primeiro ao toillete para pentear os cabelos ajeitar o traje, para depois começar a cumprimentar os amigos que já haviam chegado. No largo espelho olho para minha imagem e procuro ajeitar a gravata borboleta, o melhor possível.



Camisa branca, terno cinza claro, gravata borboleta em um tecido acetinado, com um tom de azul bem claro, que combina perfeitamente com o cravo de tecido no mesmo tom, colocado na minha lapela. Gosto do que vejo, sei que estou impecável. Saio do toillete e sigo pelo corredor em direção ao hall de entrada do salão, tudo esta perfeito. A harmonia da decoração, o bom gosto da escolha do repertório musical, da orquestra que esta tocando criou um clima inesquecível. Meu coração esta apertado, espero encontrar Gina dançando, ou mesmo sendo flertada por outros rapazes, mas meus olhos percorrem o imenso salão, sem encontra-la. Na noite anterior não dormi direito, pensando em como seria o baile, como eu me comportaria, se eu a visse com outro rapaz, se ela fosse beijada por alguém, não podia sequer imaginar o que meu coração iria sentir, se ele iria se partir em mil pedaços, me trazendo dor e sofrimento pela perda de um amor, platônico até então, mas verdadeiro e sincero. Me pergunto porque eu faço isto, se gosto de sofrer e porque não aceito a ideia de dar meu coração a outra pessoa, ou mesmo o porque de eu não ter coragem de me abrir, de me declarar à mulher que eu amo. Sou covarde, penso comigo...



Risos ecoam pelo ar, pessoas conversam animadamente pelas mesas que rodeiam a pista de dança, não há ninguém desacompanhado, todos tem um amor, um alguém e eu, estou só, na esperança de um dia ter Gina ao meu lado, não como minha amiga, mas como minha namorada, como meu amor. Já se passou algum tempo que cheguei, já conversei com quase todos os presentes e estou ficando desanimado, cansado de representar uma alegria que não sinto, gostaria de sair correndo e voltar para casa, enfiar-me debaixo de um chuveiro, para ver se meu corpo se esfria um pouco, pois o calor que se apossou de mim, está ficando insuportável. Enquanto a orquestra dá uma pausa eu percorro o salão. Olho para todos os lados e não a vejo, não gostaria de ir embora sem vê-la, só ou mesmo acompanhada, mas não poderia deixar de cumprimenta-la nesta noite, tão importante em sua vida. Creio que vou desistir da idéia de ir embora, devo isto a ela, devo isto à minha amiga e mais importante para mim, devo isto ao meu amor. Subo as escadas para admirar alguns quadros que estão pendurados nos corredores na galeria do piso superior. A penumbra torna o ambiente calmo e tranqüilo, um perfeito reduto para alguém como eu.



Admiro as imagens pensando em Gina, em como ela estaria em seu vestido de baile, com estava se sentindo com este evento e meus pensamentos entram em devaneio,. Fecho os olhos tentando imagina-la em seu traje especial desta noite, por um momento parece que ouço sua voz, seu sorriso enquanto fala comigo, e uma voz que perece vir de muito longe me diz...Quer dançar?



Com os olhos fechados, meus lábios sorriem de mim mesmo, isto seria impossível, só em sonho mesmo, falo comigo. Novamente a voz se repete e mais próxima agora... Quer dançar? Sacudo a cabeça, passo a mão pelo meu cabelo, abro os olhos e me volto para trás. Meu corpo se congela, fico perplexo, petrificado mesmo, ela, esta exatamente em minha frente, linda, deslumbrante e com aquele sorriso que só ela tem, que só ela sabe dar, quando realmente gosta de alguém, me olhando do jeito que eu sempre sonhei, mas nunca me atrevi a fazer nada para que acontecesse. Quer dançar? Ela repete, eu continuo paralisado, sem movimentos em meu corpo, só meu coração esta a milhões de batidas por minuto, parece que vai sair pela garganta. Não consigo sequer respirar. Não respondo, apenas fico olhando, ainda duvidando que seja real. Gina se aproxima, a orquestra começa a tocar novamente, ela coloca sua mão esquerda em meu ombro, encosta seu peito no meu, com seu rosto encostado ao meu, começamos a dançar. Neste momento, não são meus movimentos que me fazem sair do lugar, meus olhos fechados, estou flutuando, num sonho lindo, cheio de emoções. Não quero acordar. Seu perfume, seus cabelos, seu calor, me tiram o folego, me fazem delirar, me fazem gemer de amor. Não quero mais parar de flutuar nesta nuvem de sonhos, se abrir os olhos, posso acordar e cair na dura realidade de estar só novamente.



Te amo, sua voz sussurra em meus ouvidos. Estremeço de paixão, não pode estar acontecendo, não é real, penso comigo. Sempre quis te dizer isto mas não tive coragem ela diz. Não posso acreditar. Paramos de dançar, olhos nos olhos, peitos unidos como um só, ela passa a mão em meu rosto num gesto de carinho, que me faz sentir como se fosse a pessoa mais amada deste mundo, fecho os olhos, aproveito o momento, é bom demais para ser real. Com meus olhos ainda fechados, sinto o calor de seus lábios encostados nos meus. Primeiro num leve beijo, como se uma borboleta pousasse em meus lábios rapidamente e levantasse vôo logo em seguida, mas logo um novo beijo, longo, profundo, cheio de calor, amor e emoção. Aconteceu, é real. Um longo abraço nos envolve, ouvimos a voz de nossos corações, contando-nos cada detalhe, de tudo que não falamos um ao outro, por tanto tempo. A musica nos chama, precisamos compartilhar com os outros nossa felicidade. Ela esta linda, parece uma miragem, parece até um anjo que caiu do céu em meus braços. Descemos a escadaria, lado a lado, de mãos dadas, caminhando rumo a um novo mundo, que é o nosso amor.



A orquestra para, a musica terminou. Enquanto descemos a escadaria, todos nos olham com admiração, sou o cara mais invejado da festa, Gina esta ao meu lado, esta comigo, é meu amor. Entramos na pista, ainda de mãos dadas, olhos nos olhos, a musica recomeça, Ray Conniff embala nossos sonhos, começamos a dançar. Casais e mais casais dançam à nossa volta, mas por um estranho mistério, somos os únicos na pista e enquanto giramos ao som da orquestra, parece que a pista se desloca do chão, subindo lentamente, nos levando rumo ao Céu, rumo às nuvens, rumo ao Paraíso, somente eu e Gina, deixando o tempo para trás, e lá embaixo, todos os nossos amigos a nos aplaudir.



Meu gato pula em meu colo, eu abandono meus sonhos, volto à realidade. Já é noite e a lua brilha lá no céu. Uma voz me chama, é minha esposa que me chama para o jantar. Levanto da cadeira com dificuldade, mas antes de entrar, me apóio na soleira, olho para a lua e as estrelas lá no céu e dentre as mais belas estrelas, duas me chamam a atenção. Elas brilham como os olhos de Gina naquela noite do baile. Um sorriso ilumina meu rosto, faço um carinho na cabeça de meu gato que carrego agora em meus braços. É difícil definir o porque, mas eu estou feliz. Talvez porque eu saiba, com toda a certeza, de que o sorriso e o brilho nos olhos de Gina, vão estar preservados para sempre em minha mente, em meu coração. Ela se foi há muito tempo deste mundo, mas está lá no céu, em algum lugar do Paraíso, e pensando bem, pode até ser que aquelas duas estrelas que me chamaram tanto a atenção, possam ser os olhos de Gina, brilhando no firmamento, com toda a sua intensidade, para me lembrar de que até o fim dos meus dias, mesmo eu tendo encontrado outro amor na vida e com ele ter construído uma família, que nosso amor foi verdadeiro, que nos amamos demais e que em meu coração, ela estará sempre viva, que será sempre a minha primeira namorada, meu primeiro amor e não importa o que aconteça, ela vai estar sempre comigo, onde eu estiver. Um amor eterno como já não existem mais, foi o que aconteceu entre nós. Regina, minha primeira namorada, meu primeiro amor, vai ser para sempre, Gina...




Autor: José Araújo



Fotografia: José Araújo – Fotógrafa: Mariana Araújo

domingo, 20 de julho de 2008

A LAMPADA E A LUZ...



E lá estava ela, a lâmpada fluorescente compacta, com seu design moderno e arrojado, acomodada confortavelmente em seu trono numa gôndola de uma grande loja de materiais para construção. Ela tinha consciência de que era famosa, de que tinha vindo de berço esplêndido, afinal, seu fabricante, era uma multinacional conhecida no mundo inteiro. 

Por este motivo, ela era convencida, olhava para as outras concorrentes com desdém, ela se achava melhor do que todas as lâmpadas do mundo e tinha pavor, só de pensar, em viver no meio da pobreza, pois seu lugar era nos ambientes requintados, não em qualquer lugar. Ela era admirada e elogiada por suas características. Seu design futurista encantava a todos e sua incrível capacidade de duração, era decisiva na hora da compra, sem falar é claro, que ela, ao contrario das antigas e ultrapassadas lâmpadas incandescentes, propiciava a luz do dia nos ambientes internos, mais um motivo para que ela se sentisse a melhor lâmpada exposta naquele corredor. Desde que nasceu e veio parar na loja, que ficava num shopping famoso de São Paulo, ela sonhava em ser comprada por alguém de muito bom gosto, que a colocasse em lugar de destaque, porque ela nasceu para brilhar e não seria justo para uma lâmpada como ela, ser comprada sem critério e ser colocada, como ela dizia, num pardieiro qualquer.

Certo dia, ela foi comprada, exatamente como acontece a qualquer produto numa loja, uma cliente entrou preocupada no corredor onde ela estava exposta e no meio de tantas concorrentes, ela foi escolhida com louvor. E ela se foi, feliz e orgulhosa por ter sido comprada por uma pessoa fina e elegante e tinha certeza, de que seu destino era ficar em lugar de destaque na residência dela, num Condomínio de luxo, que a lâmpada pode ler na nota fiscal, ficava no bairro do Morumbi. Todas as outras lâmpadas, ficaram lá na loja, tristes e esperando a sua vez, e imaginando, qual seria o destino que estava reservado para elas e assim, dias, semanas, meses se passaram, e uma a uma, foram sendo compradas afinal, porque o fabricante da lâmpada fluorescente compacta, mais vendida no mundo, havia falido e então, todas as outras marcas, tiveram sua chance de mostrar seus produtos, que também eram de qualidade e ganhar, não só a confiança do consumidor, mas também um bom conceito no mercado da iluminação. Lá, no condomínio de alto luxo, aquela lâmpada orgulhosa e convencida, tinha estado desde que chegou , no lugar de mais status da residência. Ela tinha sido instalada em um Spot, dando vida e charme a um quadro de um pintor famoso, pendurado num canto, à meia luz. Ela nunca pensou em sua vida que seria tão feliz. Era impressionante como sua luz, destacava com magia os detalhes daquela obra de arte e ela era elogiada por todos que visitavam a casa, por que sem ela, aquela obra de arte, não seria nada, sem a devida luz. Lâmpada mais feliz que ela não poderia haver, pois ela era a lâmpada mais importante daquela casa. Ela participava de tudo das grandes festas, das grandes comemorações e assim, seu sonho, era terminar seus dias, no mesmo lugar.

A dona da casa, uma empresária altamente ativa e participante em todas as áreas de sua empresa, soube numa reunião que a multinacional, a fabricante da lâmpada fluorescente compacta, que iluminava seu quadro tão valioso, havia falido, e pensando longe, ela resolveu que iria trocar aquela lâmpada, porque afinal, sendo ela um modelo especial, com um design arrojado e diferente, logo não poderia ser reposta por outra igual. Para o desespero da lâmpada, num certo dia, sem mesmo ser avisada de tal, (um absurdo, pelo fato dela ser uma lâmpada tão especial), veio a governanta com a faxineira e a removeram do Spot e nele, foi colocada uma outra lâmpada, de outro fabricante, do qual ela nem mesmo havia ouvido falar. Ela não sabia, mas seu destino era a luminária da cozinha, e lá ela se foi, nas mãos de uma faxineira (outro absurdo, ela pensava), rumo ao lugar onde ficavam os pobres, ela iria ficar entre cozinheiras, faxineiras, copeiras e isto para ela, era o fim! Quando chegaram à cozinha, havia um menino num canto, ele estava esperando a governanta, pois de vez em quando, sempre que podia, ela doava algumas coisas e alimentos para ele levar para casa, porque por um destes gritantes contrastes sociais, no bairro chique do Morumbi, enquanto de um lado da rua havia uma rede de condomínios de alto luxo, do outro lado, havia uma favela e era nela, que ele morava. O pequeno garoto pedia esmolas porque em sua casa eram ele, sua mãe e mais duas irmãs menores, pois seu pai sem coração, os havia abandonando, à mercê do destino, para viver com outra pessoa. Sua mãe, uma pobre mulher com pressão alta, além de outras complicações de saúde, não podia trabalhar fora para manter a ela e seus filhos e então, só conseguia algum dinheiro, costurando para fora, mas era pouco, só dava para comer de vez em quando, mas comer todos os dias, nem pensar.

A governanta, uma pessoa justa, de origem humilde e de bom coração, desde a primeira vez que conversou com o garotinho e conheceu sua casa e sua família, sempre os ajudou como pode, mas também não era muito, porque sem ordens da patroa, ela não poderia fazer muito mais. Tem certas coisas que não tem explicação e a lâmpada que se achava tão especial, que achava um absurdo, estar sendo levada para a cozinha, foi dada pela governanta ao garoto num gesto de bondade e colocada numa sacola cheia de batatas, para que ele levasse para sua casa e ela pudesse ser colocada no bico vazio de luz de seu pobre lar. A governanta soube pelo garoto, que sua mãe agora só estava podendo costurar, enquanto havia a luz do sol, porque quando a noite chegava, todos tinham que ir dormir, pois a única lâmpada que eles tinham, era uma velha lâmpada incandescente que depois de muito tempo, veio a queimar e eles não tinham dinheiro nem para comer, quanto mais para comprar outra. O menino ficou contente, agradeceu à governanta com um beijo e um abraço e com um sorriso humilde em seu rosto, dizendo que aquela noite, ele e suas irmãs poderiam ficar acordados até mais tarde para brincar. A filha da dona da casa que estava por perto ouviu o que ele disse e falou com um sorriso lindo e mágico em seu rosto, que mostrava toda a sua felicidade, que naquela noite, ela também poderia finalmente ficar acordada até mais tarde, para participar de uma festa de aniversário e poderia usar seu tão sonhado vestido novo, todo branco, leve como uma nuvem, usando um laço vermelho em seus cabelos.

A lâmpada ouvindo tudo, mesmo magoada e ferida por seu destino imposto por aquelas pessoas, pode ver que não havia no mundo, sorriso mais lindo do que o daquela garotinha e que em seus olhos, havia uma estranha luz e aquela imagem, a do sorriso e do olhar da menina, ficou gravada em sua mente enquanto ela seguia na sacola, pelas mãos do garotinho, para sua casa na favela. Aquele dia, havia sido o pior da existência daquela lâmpada, que se achava tão especial. Nele, ela foi destituída de seu mais alto posto naquela casa, foi condenada e viver entre os subalternos na cozinha e finalmente, o golpe final, sua condenação anterior foi revogada e ela foi sentenciada a viver o resto de sua existência, numa favela, no meio da camada mais baixa da sociedade e o mundo daquela lâmpada, fluorescente e compacta, desabou de uma só vez. Quando o garoto chegou em casa e mostrou a sua mãe a lâmpada e a sacola cheia de batatas, ela chorou de alegria, dizendo que o coração daquela governanta não poderia ser maior, ela agradeceu a Deus pelo milagre e disse que naquela noite, ela poderia costurar até mais tarde e ganhar mais algum dinheiro, porque finalmente haveria luz. Quando chegou a noite, com a lâmpada iluminando a escuridão na vida daquela família, o garotinho sua irmã do meio estavam sentados num caixote que usavam como banco, enquanto esperavam sua mãe preparar algo para comer, quando sua irmã mais nova chegou por trás, se enfiou no meio deles, passando os braços no pescoço dos dois dizendo com um sorriso lindo e mágico no rosto, que eles não iriam acreditar, mas naquela noite, eles iriam ter batatas assadas para o jantar. Então, todos se abraçaram e sorriram juntos e nos olhos deles, havia uma estranha luz.

Na hora do jantar, foi uma festa, todos comeram suas batatas assadas que estavam deliciosas, na verdade, de lamber os beiços, pois haviam sido preparadas com o melhor recheio do mundo, o amor de uma mãe. Após o jantar, repleto de alegria e felicidade da mãe e das crianças pela benção recebida, a cada criança, foi dada a metade de uma laranja, porque não havia o suficiente para mais. Do outro lado da rua, era possível ouvir a musica tocando e a lâmpada ficava imaginando que aquela que a substituiu, deveria estar sendo o maior sucesso, no meio daquela gente linda e bem vestida e aquilo, fazia um mal imenso ao seu coração. Ela que observava tudo em silencio naquele barraco, pobre e mau cheiroso, mas mesmo com sua tristeza profunda, inconformada pelo seu destino que ela considerava injusto, não pode deixar de se perguntar, como era possível que nos rostos e no olhar daquelas crianças, pobres e maltrapilhas, houvesse aquela mesma luz estranha, a mesma felicidade e alegria que havia no rosto daquela menina rica, que tinha tudo que queria na vida. A resposta viria mais tarde, quando todos foram dormir. Naquela casa, onde ela tinha um lugar de destaque, iluminando o quadro do famoso pintor, de seu Spot num canto da sala, ela nunca teve a oportunidade de ver mais nada além de sua própria luz. As crianças já haviam ido dormir em suas esteiras espalhadas pelo chão, a mãe delas já estava cansada e resolveu ir dormir também. Ela levantou-se com dificuldade, pois sua dor na coluna a maltratava, fazendo até com que seus passos fossem dolorosos e dirigiu-se para onde estava estendida sua esteira e no caminho, ela apagou a luz.


Foi então, que aquela lâmpada, foi deixada a sós, pendurada em um fio elétrico, comprido e improvisado, para que ela pudesse ser apagada manualmente, já que não havia nem mesmo um interruptor naquele barraco. Na escuridão, olhando pela janela aberta, finalmente ela descobriu a verdadeira luz. A janela não havia sido fechada quando todos foram dormir e por ela, era possível ver os fogos de artifício e ouvir a musica ainda tocando no condomínio de luxo, do outro lado da rua. Mas olhando para cima, em direção ao firmamento, naquela noite de céu limpo e radiante, lá estavam elas, a Lua e as estrelas, a lâmpada percebeu, que elas brilhavam para todos sem distinção, tanto lá, sobre o teto dos ricos, quanto cá, sobre o teto dos pobres, e era o mesmo brilho que a ela viu estampado no rosto , no sorriso e no olhar da menina rica e das crianças pobres, que tanto a impressionou. Foi então, que ela compreendeu, observando encantada aquela magia, que a verdadeira luz, é a luz divina, aquela que brilha para todos, sem restrição. Ela entendeu, diante daquilo tudo, que ela mesma, não passava de um objeto, uma simples lâmpada, feita de matéria e como toda matéria, era perecível e apesar de ter brilhado para todos, iluminando a escuridão na vida dos homens, ela não era nada, comparado àquele espetáculo eterno de luz. 

A lâmpada fluorescente e compacta, com seu design arrojado e futurista, que desde o inicio de sua existência, se achou melhor do que todas as outras, digna apenas daqueles abastados e de ocupar lugares de destaque no espetáculo da vida, na verdade, sempre viveu até aquele momento, na mais completa escuridão.

Autor: José Araújo









sábado, 19 de julho de 2008

O ESCRITOR DE EMOÇÕES...

Há muitos anos atrás, ele recebeu o diagnóstico de que tinha uma doença incurável em seu coração e em conseqüência, aposentou-se por incapacidade de continuar trabalhando, passava algum tempo bem, mas logo tinha que ser internado novamente. Por toda sua vida profissional, ele sempre cuidou mais dos afazeres no trabalho do que si mesmo, não era plenamente realizado no que fazia para ganhar a vida, mas fazia algo que amava de coração, ele escrevia, sim, ele escrevia textos que falavam sobre os sentimentos humanos e o fazia com uma propriedade que tocava os corações daqueles que tinha a chance de ler seus trabalhos.Seu sonho era poder ter tempo para escrever um livro, para poder colocar nele, todas as experiências de vida e seus sentimentos. Toda vez que ele tocava no assunto, sua mulher dizia que ele era um sonhador, que com a pouca instrução que ele tinha, nem mesmo deveria tentar escrever, pois seria uma verdadeira vergonha, com tantos erros de ortografia que ele cometia. Este comportamento dela com relação ao seu sonho o feria profundamente, não pelo fato dela dizer que ele não tinha instrução, mas pelo fato dela não compreender o que aquilo significava para ele e a dor em seu coração e a dor que sentia era tão profunda que talvez fosse até maior do que aquelas que ele sentia fisicamente quando tinhas suas crises e ia para o hospital. Impedido de escrever em casa pela posição irrevogável de sua esposa ele saia com um caderno de anotações embaixo do braço e ia para a praça onde ficava horas a fio escrevendo, criando suas estórias e nelas, ele retratava sua alma pura, seu amor pela humanidade e sua vontade de continuar a viver a despeito de saber que não tinha muito tempo de vida. Num certo dia uma enfermeira que passava pelo local não pode deixar de ver aquele senhor de cabelos grisalhos, bem vestido, sentado num banco de praça e escrevendo algo que parecia leva-lo para longe daquele lugar, tanto que nem percebeu quando ela sentou se ao seu lado e começou a ler o que ele estava escrevendo. O texto era uma estória que ele estava escrevendo sobre um rapaz que havia se acidentado e estava numa cadeira de rodas e no texto só havia palavras de fé e incentivo a crer no poder de Deus e na força de vontade de se curar, o que a fez apaixonar se pelas obras do escritor sem nem mesmo conhece-lo. A enfermeira trabalhava num grande hospital, exatamente numa unidade de reabilitação para pessoas, que de alguma forma haviam se tornado invalidas, total ou parcialmente e ela sabia o quanto era importante para os pacientes acreditarem em sua cura. Ela continuou ao seu lado, lendo o que ele estava escrevendo e ele continuava a não perceber sua presença, aquele homem claramente amava o que fazia e ela sabia que este dom de dar amor ao próximo não era muito comum nos dias de hoje e então ela lhe chamou a atenção para que ele olhasse para ela.

O bom homem virou-se lentamente e em seu semblante havia uma paz, uma luz que tocou profundamente o coração da jovem que não pode controlar suas lágrimas, que rolaram livremente por sua face e ele, ao ver aquela linda jovem chorando, com um sorriso bondoso nos lábios tirou um lenço do bolso e enxugou lhe a face molhada pelo pranto sentido. Ele continuou em silencio e ela após se recuperar, disse a ele que gostaria de lhe fazer um convite para fazer um trabalho voluntário no hospital em que ela trabalhava, em prol de pessoas internadas que estavam precisando de incentivo para lutar pela vida. Assim foi, ele aceitou e conheceu muitos pacientes e parentes dos mesmos e com suas palavras, trouxe muita luz, muita paz a tantos corações debilitados pela carência de afeto, de atenção, de esperanças de sair do abismo onde haviam caído, mas o grupo medido responsável, achou que ele seria de muito mais utilidade no setor infantil e lá foi ele, pronto para doar se uma vez mais na vida, mas sempre de corpo e alma, porem desta vez, a doação seria muito mais de sua alma e coração. Ele confidenciava aos pais dos pequenos pacientes que não tinham mais chance de viver qual era sua verdadeira situação de saúde e lhes dizia que talvez ele fosse para o céu primeiro que seus filhos e perguntava a eles se queriam que ele levasse algum recado especial, para ser dado aos pequenos quando lá chegassem e prometia que ele mesmo, cuidaria lá no céu de cada um deles, com todo carinho e amor. Muitos pais achavam aquilo um absurdo e não lhe davam atenção, mas a grande maioria agradecia profundamente com muita emoção aquele ato de bondade de um homem que nem mesmo tinha chance de continuar vivendo por muito tempo. No meio das crianças havia uma menina que tinha contraído uma estranha doença que a deixou paralisada do pescoço para baixo e ela era uma criança muito triste, não sorria nunca e nem mesmo respondia ao que seus pais e as outras pessoas lhe diziam. Ele ficou comovido como nunca de ver aquela linda criança, prontificou se a tentar a ajuda-la e a visitava todos os dias, lia para ela as estórias de fé e esperança que ele havia escrito e ao final de dois dias, finalmente veio uma reação, uma lágrima rolou em sua pequenina face e lentamente ele olhou em seus olhos e esboçou um sorriso ainda cheio de dor.

Como ela não tinha movimentos abaixo do pescoço ele começou e lavar para pinceis, tintas e papeis e a convenceu tentar pintar com a boca, coisa que ainda relutante, ela fez e para alegria dele e dela, o resultado não poderia ter sido melhor, pois logo ela estava pintando coisas lindas com a boca que deixavam todos atônitos pela beleza dos detalhes dos desenhos que ela fazia. Não passou muito tempo e os médicos deram alta para a garotinha porque afirmavam que não poderia fazer mais nada por ela e sua invalidez seria para o resto da vida. O coração daquele homem que havia se apegado à menina com todas as forças já não mais poderia agüentar tanta emoção e no dia da despedida eles choraram juntos e abraçados coisa que fez muita gente ao redor se emocionar também, sem conseguir esconder o pranto. Ele deu a ela o rascunho de muitas de suas estórias e uma delas era a do rapaz que havia ficado inválido e se recuperou, justamente no intuito de dar a ela esperanças para lutar. Passado muito quase um ano ele ainda lutava para continuar vivendo e visitava o hospital quase todos os dias e num deles, ao descer do táxi na porta da escola, uma garotinha linda saiu correndo ao seu encontro e lhe deu um abraço longo e apertado enquanto soluçava em seus braços e ele ainda sem saber o que estava acontecendo, correspondeu ao abraço como faria com qualquer pessoa e ao olhar de perto aquele rostinho que ele tanto conhecia, suas lágrimas rolaram e seu coração bateu mais acelerado do que nunca. Era ela, a garotinha paralisada do pescoço para baixo e ela disse a ele com um sorriso que para ele não tinha preço, que graças a ele e às suas estórias, ela teve forças para lutar e acreditar em sua cura, ela voltou a acreditar em Deus e em sua luz e por isto ficou curada para sempre.

Muitas pessoas carregam dentro de si a luz divina, porém alguns de nós não conseguem ver que ela esta lá, assim como a esposa do escritor de emoções, que nunca o apoiou em seus sonhos, sempre fazendo com suas críticas, um enorme estrago num coração velho e cansado, mas que mesmo assim, não desistiu de viver, não desistiu do amor ao próximo, muito menos, da fé em Deus, acima de tudo.

Autor: José Araújo

O LAGO DAS BATATAS

Todo mundo não via a hora de partir para as férias e ela se lembra ainda hoje, quantas e quantas noites de véspera de viagem ela passou sem dormir de tanta excitação e quantas vezes ao chegar lá ela sentiu como se seu estomago estivesse vazio, aquela mesma sensação estranha, que a gente sente quando se apaixona por alguém. A fazenda tinha nela um grande lago que havia recebido o nome de Lago da Batata, ele tinha este nome não porque você podia pescar batatas nele, mas porque a propriedade de Nhá Maria sua avó, tinha uma enorme plantação de batatas que abastecia grande parte das cidades vizinhas e região. Ana Maria lembra de quando aprendeu a ler e começou a compreender as coisas, ela achava lindo e adorava ver todos aqueles barquinhos na beira do lago, cada qual com um nome que sugeria uma ligação profunda com o nome do lugar, tais como, “Batata Frita”, “Batata Chips”, “Batata Palha” “Batata Boat” e havia tambem os pedalinhos, cada um uma cor que eram chamados de batatinhas, além do que, para alegria da criançada, todos os dias o almoço era servido em mesas de madeira, colocadas estrategicamente às margens do lago, embaixo de frondosas arvores de eucalipto, de onde se podia ter uma vista ampla do lugar e a comida, bem, esta então, era a grande atração, a paixão de todo mundo, sua avó servia a todos, arroz, feijão, bife e é claro, batata frita. Nhá Maria era uma figura constante na vida de todo mundo que freqüentava o lugar, fossem parentes ou amigos, seu sorriso que iluminava totalmente seu rosto encantava a todos que a conheciam e a partir daí, jamais deixavam de vir visitá-la, de trazer seu carinho, amor e respeito por ser tão especial.




Aos 78 anos de vida ela era talvez a pessoa mais ativa na fazenda quando chegava a época das férias, pois queria sempre que tudo estivesse perfeito para a chegada da família e dos amigos que lhe traziam tanta alegria e calor ao coração. Ela sempre foi de planejar brincadeiras paras crianças, jogos e passatempos para os adultos, mas dava sempre uma maior atenção ao inventar atividades que envolvessem tanto as crianças, quanto adultos, para que de uma forma sutil, cada um pudesse perceber que mesmo quando já adultos, há sempre uma criança adormecida dentro de nós, apenas esperando que em algum momento alguém nos chame para brincar de “Amarelinha”. Nhá Maria era baixinha, tinha 1,60m de altura, era magrinha, usava seus cabelos sempre presos num coque bem arrumadinho no alto de sua cabeça e usava vestidos de chita estampados e coloridos, sempre com motivos de flores que eram sua grande paixão. Com sua pele morena, seus cabelos brancos e olhos azuis da cor do céu, a faziam ainda mais do que especial, não havia que não admirasse e destreza e rapidez com que ela executava todas as tarefas diárias, alem de dar atenção, carinho e amor a todos que a rodeavam. Ela era extremamente sentimental e parecia sempre ter uma lágrima nos olhos quando ouvia uma musica no rádio, quando ouvia um pássaro cantar pela manhã em sua janela ou quando assistia o sol nascer por detrás das montanhas, mas certamente muitas outras lágrimas vinham quando ela recebia um beijo ou um abraço de uma criancinha. Ela sempre soube encontrar algo positivo em todo mundo que ela conhecia, mesmo que de vez em quando isto fosse muito difícil, mas com seu amor ela sempre descobriu belezas há muito escondidas nos corações mais duros e sempre deu um jeitinho de fazer desabrochar neles uma linda flor, mesmo que para isto, ela tivesse que surgir do meio de um lamaçal.




Ana Maria sempre se lembrará do que ela dizia quando encontrava alguém mais duro, mais frio e séptico com relação á vida, ela dizia com uma voz que transmitia toda a força da fé e dor amor, que Deus nos fez a todos e esta dentro de todos nós. As prioridades na vida de Nhá Maria sempre foram Deus, a família, os amigos e uma vida simples e feliz e para isto, ela diversificava suas atividades, fazia parte do grupo de senhoras de sua igreja, onde podia ajudar outras pessoas de formas diferentes e isto lhe trazia muita alegria em poder se doar um pouco mais. Todos os anos ela fazia uma grande festa na fazenda para angariar donativos para a ajudar a população carente de muitas cidades vizinhas e era tão ativa ainda aos 78 anos, que participava efetivamente na competição de barcos, remando como se daquilo dependesse sua vida e atravessava o lago de ponta a ponta, sem demonstrar nenhum cansaço, sempre sorrindo, abraçando e beijando a todos, pois para Nhá Maria, a vida sempre foi uma festa e ela sempre envolveu a todos neste espírito positivo e por isto as pessoas se sentiam outras ao lado dela, como tinha que ser. No outono de 1990, ela teve diagnosticado um câncer e é claro, todo mundo ficou absolutamente devastado com isto, mas no coração de Ana Maria, de alguma forma ela sabia que no final, tudo seria de acordo com a vontade de Deus. Ano após ano, desde a descoberta da doença, durante todos os tratamentos e sofrimentos com a quimioterapia, com perda de seus cabelos, com a tristeza da família, ela nunca perdeu a fé em Deus e a vontade de viver, sempre que alguém lhe parecia triste ela dizia que Deus sabe o que faz e que o que quer que ele houvesse designado para ela, todos deviam aceitar com respeito, pois era a vontade de Deus e nestes momentos, o sorriso que brotava em seu rosto, fazia com que lágrimas sentidas corressem livremente no rostos de quem a estivesse ouvindo, tendo seus corações mais uma vez, preenchidos pela fé e pelo amor que ela tinha o poder de transmitir.




Em 1993 Nhá Maria foi parar numa cadeira de rodas e a esta altura já tinha que ser alimentada por tubos, mas seu olhar, ele era o mesmo de antes, havia neles o brilho da vida e da crença na existência de um Deus todo poderoso e mesmo sabendo que sua morte estava próxima, todos já estavam acostumados com a idéia, era questão de tempo e quando a hora se aproximou, ela pediu para ver o padre da capela da cidade e quando ele chegou ela parecia estar vendo um anjo e disse a ele com uma voz que poderia derrubar por completo todas as barreiras que são compostas pelo ódio, pelo rancor, pela inveja e pelo ceticismo e suas palavras foram:


“Padre, o senhor sabe que nunca tive medo da morte porque eu sei para onde estou indo, eu não quis partir antes porque eu sabia que minha família ainda não estava pronta para aceitar minha partida, mas agora eu sei que eles estão e por isto vou partir padre, mas antes peço sua benção em nome do Senhor”.


E enquanto recebia a benção do Padre, Nhá Maria partiu calmamente, foi morar lá no céu, foi ficar ao lado de Deus nosso senhor, onde é o lugar de todos aqueles que acreditam nele e tem fé de que a vida não é passageira, que ela é muito mais do que a maioria enxerga, que ela em si, é uma benção divina, que aqueles que a recebem dele, é porque foram escolhidos para trazer ao mundo, mais uma prova de seu poder. Hoje já não há mais a presença física de Nhá Maria na fazenda, porém seu espírito iluminado esta presente o tempo todo nas mentes e nos corações daqueles que sempre a amaram e a tradição que se iniciou há séculos atrás não foi interrompida, a vida segue seu caminho e agora, outra avó tomou o lugar de Nhá Maria no Lago da Batata, sua filha, Albertina, mãe de Ana Maria, que aprendeu com ela os caminhos da luz e os filhos de Ana Maria, assim como todos as outras crianças da família ao longo das gerações, nem dormem na véspera da viagem de férias, de tanta excitação.



Texto: José Araújo


Fotografia: Camarim - Fotógrafo: José Araújo

domingo, 13 de julho de 2008

O SABIÁ E A DIFERENÇA, ENTRE O AMOR E A PAIXÃO...


Do alto de uma arvore, à beira do lago, onde fica a fonte dançante, do parque do Ibirapuera, o Sabiá observava por entre as folhas, um jovem rapaz, que soluçava sem parar e seu pranto sentido, tocava fundo o coração sensível do pequeno pássaro cantor. Em meio aos soluços, ele dizia ao vento, com voz engasgada, que a jovem por quem ele se apaixonou, não iria com ele ao baile de formatura da faculdade, se ele não desse a ela, um presente muito especial. Ela havia pedido a ele, uma rosa muito difícil, quase impossível de se encontrar. Ela queria uma rosa branca, com manchas vermelhas, dizendo que ou ele lhe traria este presente, ou então, ela iria ao baile tão sonhado pelo jovem, com outro rapaz. E lá, embaixo daquela arvore, ele continuava a chorar e dizer ao vento, que havia procurado desesperadamente em todos os cantos de São Paulo, até mesmo nas floriculturas em frente ao cemitério da Consolação, mas sua busca havia sido em vão. E agora, triste, cansado, sem saber mais o que fazer para encontrar a tão desejada flor, ali estava ele, sentado, olhando a fonte bailarina, dançando sua dança silenciosa e sem fim, com os olhos cheios de lágrimas e uma dor imensa em seu coração.

O Sabiá, ouvindo ele dizer aquilo, ficou extasiado, sim, porque ele e todos os seus ancestrais, noite após noite, dia após dia, ao longo dos tempos, viveram para cantar, com todo sentimento, para os verdadeiros amantes que nos dias de hoje, são tão difíceis de se encontrar, mas ali afinal estava um, bem diante de seus olhos. Emocionado com o sofrimento do rapaz, ele resolveu que iria, a qualquer custo, ajuda-lo a conseguir a tão desejada flor. E após algum tempo, o jovem, cansado de chorar, exausto de tanto andar pela cidade, ouvindo o som calmo e relaxante das águas dançantes, entregou-se aos braços de Morfeu e adormeceu à sombra da árvore. O pequeno Sabiá voou de seu galho e pousou ao lado do rapaz e aproximando-se de seu ouvido, penetrou em seus sonhos com sua voz melodiosa, dizendo a ele que não precisava mais chorar, porque quando acordasse, a rosa tão desejada, estaria em suas mãos e então, ele poderia ser feliz para todo o sempre, ao lado de seu grande amor.

E enquanto o jovem dormia, o pássaro cantor levantou vôo e começou sua jornada pelo parque, à procura da tão desejada flor. Sua sombra causada pelo sol da tarde, era vista por todos os animaizinhos do parque e ele voava, de lá para cá, por todos cantos, de galho em galho, de roseira em roseira, mas nada encontrou. Por um estranho mistério, nem mesmo uma rosa comum podia ser vista em todo o parque do Ibirapuera. Cansado de voar, ele pousou numa velha roseira, quase seca e cheia de espinhos enormes e pontudos e começou a cantar. Mas naquele momento, ele que sempre foi um cantor dos amantes apaixonados, cantava uma canção triste e sentida, porque ele não via solução para ajudar o jovem rapaz, o amante verdadeiro, que apareceu em sua frente, quase que por milagre, já que verdadeiros amantes, quase não existem mais. Ouvindo seu pranto em forma de canto, a velha roseira perguntou ao pequeno Sabiá, o porque dele estar tão triste e o pequenino contou a ela sobre o jovem rapaz, que estava adormecido sob a sombra de uma arvore, à beira do lago.

Ele contou à velha roseira, que a sua amada havia pedido a ele uma rosa muito especial, quase impossível de ser encontrada e se ele não desse ela este presente, ela não iria com ele ao baile, mas sim com outro rapaz. Mas o pássaro cantor não se conteve e disse a ela, que daria até mesmo sua própria vida, para salvar um grande amor. A velha roseira, pensou muito, ponderou as conseqüências, mas ela como roseira, sabia da importância de uma flor, na dança do amor e resolveu ajudar o pequeno em sua missão quase impossível, de ajudar o rapaz. Foi então que ela disse ao Sabiá, que havia um jeito de conseguir a rosa branca, manchada de vermelho, mas para isto, teria que fazer o maior sacrifício do mundo, abrindo mão de sua própria vida. O Sabiá desesperado para ajudar o amante verdadeiro e salvar seu grande amor, disse a ela que faria o que fosse preciso, mesmo que tivesse que dar em troca sua própria vida, em nome do amor. A roseira viu que no coraçãozinho daquele Sabiá, havia na verdade, toda a essência e pureza do amor e emocionada com a atitude do pequeno cantor, disse a ele que para se conseguir uma rosa branca, manchada de vermelho, ela não precisaria ir muito longe, que bastava ficar em seus galhos e quando o sol começasse a se esconder, ele teria que escolher dentre seus galhos, o mais comprido e afiado espinho, e ficando com seu peito em frente a ele, teria que começar a cantar como nunca o fez em homenagem ao amor.

E cantando sem parar, teria que encostar seu peito no espinho, bem na direção de seu coração e ir forçando a entrada dele em seu corpo, até que por fim, o espinho comprido e afiado, rasgando sua carne, atingisse seu coração. Ela disse a ele que este era um velho encanto, uma magia antiga conhecida apenas por aqueles que são instrumentos do amor e que seu sacrifício era necessário, porque somente o sangue vermelho, do mais puro coração de um Sabiá, poderia ter a força e a magia de fazer brotar e desabrochar, nos galhos velhos e cansados dela, uma rosa branca, manchada de vermelho, em nome do amor. O Sabiá disse a ela, que amava muito a vida, ele amava o sol, a lua, as estrelas, o Parque do Ibirapuera inteiro com suas flores, lagos e arvores, amava as pessoas que vinham passear lá todos os dias e ficava fascinado nas noites em que a fonte era iluminada e dançava, tal qual uma bailarina, ao som das mais belas músicas, encantando a adultos e crianças, mas afinal, o que era um minúsculo coraçãozinho de um pássaro, comparado à grandeza, dos corações de duas pessoas que se amam? A roseira então disse a ele que tudo que deveria ser feito, tinha que ser com muita precisão.

Ele teria que fazer este sacrifício ao cair da noite, quando ele teria que começar a cantar e continuar sem parar, forçando a entrada do espinho em seu peito, em direção ao seu coração, e isto, sem muita demora, pois se pela manhã o sol surgisse no horizonte, iluminando o céu e a terra, o encanto seria quebrado e tudo teria sido em vão. Ele ouviu tudo com muita atenção e disse a ela que iria dar um ultimo vôo sobre o parque, para se despedir de tudo que ele amava e batendo suas pequeninas asas marrons, ele se foi. Mais uma vez, sua pequenina sombra passava por cima de todos os lugares que ele tanto amava e os pequeninos animais do parque, os lagartos, as borboletas, os cisnes e os gansos dos lagos, pareciam fazer uma reverencia com sua passagem, era como se todos eles soubessem o que iria acontecer e estivessem querendo dizer a ele, que neste mundo, não havia ninguém mais como ele, que tivesse a coragem de fazer tão grande sacrifício, em nome da felicidade de outra pessoa. Depois de algum tempo, o pequenino voltou à velha roseira e se colocou em frente ao maior e mais afiado espinho que encontrou. A noite foi chegando e com ela, ele começou a cantar como nunca, enquanto forçava seu peito lentamente, contra a ponta afiada do espinho, que seguia seu caminho, causando uma imensa dor, rumo ao seu coração.

A lua veio, as estrelas também, e naquela noite, elas foram testemunhas daquele ato de amor do pequeno pássaro cantor. E ele cantava e cantava incessantemente e seu canto, cada vez mais alto de tanta dor. Num certo momento, quando a dor atingiu o seu auge, seu canto que na verdade havia se tornado um pranto de dor, foi ouvido em todo lugar. Nos outros parques da cidade, nas casas e apartamentos, nas ruas e avenidas, até mesmo nos lugares mais tenebrosos, como os esgotos da cidade, onde vivem os ratos e outros bichos que nem serquer imaginamos que lá estão. Não houve uma só alma viva que não fosse tocada por aquele canto, tamanha sua emoção, afinal, ele cantava com todo seu coração em nome do amor, mas sofria ao mesmo tempo uma imensa dor, mas para ele, tanta dor, tanto sofrimento, era por uma boa causa, uma causa justa, pelo bem de duas pessoas que se amam, em nome do amor. O tempo foi passando, a dor foi ficando insuportável e o sol não iria demorar a aparecer. Foi então que ele se lembrou do que lhe disse a velha roseira sobre a questão de tempo e ele não poderia deixar que o encanto se quebrasse, quase tão perto de ser concretizado, e num gesto de desespero, usando as ultimas forças que tinha, fez o espinho atravessar, o seu coração.

O sol foi nascendo no horizonte, por trás dos arranha céus da cidade, e com ele, no galho daquela roseira seca e quase sem vida, pendia o corpo sem vida do pequeno Sabiá, com seu peito perfurado por um dos espinhos, mas mesmo diante daquela imagem triste, no galho logo abaixo de onde ele estava, havia florescido a rosa mais bela já vista em toda a cidade de São Paulo. Ela era branca, com manchas vermelhas, exatamente como era desejada, como tinha que ser. No parque do Ibirapuera, a natureza acompanhada por todos os animais, chorava a perda do Sabiá, o pássaro cantor que alegrava suas vidas e trazia a paz e o romance que os namorados procuravam À sombra das arvores para namorar. Um velho cisne, um ancião do lugar, se lembrou de que há muito tempo atrás, o avô do Sabiá, que vivia do outro lado do Oceano, também havia morrido daquela forma e desde então, a roseira onde ele morreu, não mais floresceu e conhecedor da causa que levou o pequenino a se sacrificar, apanhou a rosa com seu bico forte e a carregou até onde o jovem estava, ainda adormecido, e a colocou em suas mãos, exatamente como o pequeno Sabiá havia dito no ouvido do rapaz, enquanto ele sonhava e o que ele disse, se tornou realidade.

Quando o jovem abriu os olhos, a primeira coisa que viu foi a rosa, exatamente como havia sido pedida pela mulher que ele tanto queria na vida. Sem compreender as causas do que estava acontecendo, ele esqueceu de tudo, correu para casa, tomou um banho, vestiu-se com sua melhor roupa e foi direto para a casa de sua amada, com a mais profunda felicidade estampada em seu rosto. Afinal, ele havia conseguido a rosa e agora, sem dúvida nenhuma, ela iria ao baile com ele. Cheio de excitação, ele sonhava de olhos abertos, que quando estivessem dançando, ele poderia sentir o corpo dela em seus braços, poderia sentir o perfume de seus cabelos e dizer em seu ouvido, que ele a amava, mais do que tudo em sua vida. Mas o destino nos prega muitas peças, muitas vezes, o que achamos ser real é só utopia, pois quando chegou na casa dela, ela estava no jardim, nos braços de outro, eles se beijavam e ela sorria, chamando o rapaz, de meu amor. Nada neste mundo poderia tê-lo ferido tão profundamente, foi como uma punhalada certeira em seu coração. Ele ficou parado, olhando a cena e em certo momento, ela se levantou de onde estava com o seu namorado, e dirigiu-se a ele, com um sorriso cínico estampado no rosto, perguntando o que fazia lá. Quase sem palavras, ele respondeu com voz embargada, que tinha vindo lhe trazer o presente que ela lhe pediu. Ela não se conteve diante da simplicidade do rapaz, riu, dizendo que ele deveria ser um retardado, pois era evidente que ninguém neste mundo, iria acreditar que uma garota nos dias de hoje, iria a um baile, ou ficaria com um cara, por causa de uma flor.

Ele não disse nada, apenas baixou os olhos enquanto ela dizia que ele era um babaca, um duro que nem carro tinha e que o seu novo namorado tinha uma Ford Eco Sport e que era muita pretensão dele, achar que ela poderia ficar ao seu lado, por causa de uma flor ridícula, idiota e sem valor. O rapaz virou-se lentamente enquanto ela continuava a ofende-lo e seguiu seu caminho, sem olhar para trás e enquanto ele caminhava, pensava nos sofrimentos pelos quais passou, imaginando o que seria de sua vida, se ele não conseguisse aquela flor e agora, ela não tinha o menor valor, porque afinal, aquela mulher que lhe fez um pedido tão especial, não tinha coração, ela era fria e sem sentimentos, apenas fez o pedido como um pretexto para mantê-lo longe dela e depois humilhá-lo, rindo de sua pureza e ingenuidade. E enquanto ele andava, a rosa branca, manchada de vermelho, foi deixada cair na calçada fria de cimento, sendo chutada por alguém para o meio da rua, onde um ônibus lotado a esmagou, quando passava por lá.

Desta estória, nem sequer uma rosa sobrou, um pássaro cantor que alegrava a vida dos casais de namorados no parque do Ibirapuera, morreu para ajudar um verdadeiro amante a salvar seu amor, mas seu sacrifício foi em vão, porque na verdade, o amor não existia, era fruto da imaginação. O coração de um rapaz foi partido, ele sofreu muito e a dor dele foi quase insuportável, mas ele amadureceu. Ele compreendeu ao longo da vida, que existe uma enorme diferença, entre um amor e uma paixão, e que muitas vezes, levados pelo delírio do apelo sexual, pelos instintos e seus desejos desenfreados, que nos obcecam e nos entorpecem, como drogas poderosas das quais criamos dependência física e psicológica, somos levados a crer que amamos, mas o que ocorre na verdade, é que confundimos nossos sentimentos, com resultados imprevisíveis, muitas vezes desastrosos, mas que principalmente, ficamos cégos, não de uma cegueria de origem física, mas é uma incapacidade de se ver diferente, porque ela nos deixa enxergar o que se passa à nossa volta, mas não o que há na verdade, dentro de nossos corações. Neste tumulto de sentimentos e emoções, o cérebro, desprovido do conhecimento do que realmente há dentro de nossos corações, não consegue diferenciar o bem do mal. Ele se perde entre a realidade da fantasia, mas a coisa mais importante de todas, é que ele não consegue compreender, nem discernir, qual a diferença que há, entre o amor e a paixão.

A roseira, bem, ela ainda existe até hoje, em algum lugar escuro do parque do Ibirapuera, ela nunca mais floresceu e a fonte, ela ainda dança, tal qual uma bailarina, ao som das mais belas músicas, alegrando a todos que freqüentam o lugar. Ela é tão linda, que à noite, quando iluminada, é uma visão maravilhosa, difícil de se esquecer quando se vê. Tudo lá permanece igual, os mesmos lagos, as mesmas arvores, as mesmas flores, as mesmas aves e os mesmos animais, as pessoas vão até lá todos os dias para caminhar, para andar de bicicleta, para correr ou apenas relaxar, mas para a tristeza dos namorados, lá não mais existe, desde aquele dia fatídico, um pássaro muito especial, um pequeno cantor, um ser romântico e fiel aos verdadeiros amantes e que a vida inteira acreditou no amor. Por causa de um equivoco fatal, cometido por aqueles que não conseguiram reconhecer a diferença, entre o amor e a paixão, já não se ouve mais nas arvores do parque, o canto mágico e romantico, do pequeno Sabiá.


Autor: José Aráujo

Fotografia: O Sabia – Fotógrafo: José Araújo

domingo, 6 de julho de 2008

NOS JARDINS DO PARAÍSO...




Há muito, muito tempo atrás, talvez até duas vezes mais tempo tenha se passado, do que eu possa contar, no Bairro da Consolação, na capital de São Paulo, um homem muito forte morava numa casa onde não havia muros, apenas uma pequena cerca de madeira e do lado de dentro dela, ficava seu lindo jardim. Era um jardim muito grande, com uma grama suave e ao longo dele, muitos pessegueiros faziam a alegria dos passarinhos nas manhãs ensolaradas e cheias de luz. O Jardim era tão lindo, que não havia aquele que passasse em frente à casa, e não se apaixonasse pela visão, principalmente, quando chegava a época das floradas dos pessegueiros, que se transformavam em verdadeiros buquês de lindas flores pequeninas, em tons de Rosa bem suave e de um Amarelo bem claro, com nuances peroladas, que verdadeiramente davam encanto e magia, à atmosfera do jardim.
#
O homem grande e forte que morava na casa, se chamava João, mas era conhecido por todos no Bairro como João Montanha. Este apelido lhe havia sido dado pelas suas complexões físicas avantajadas, pois além de ser muito forte, era muito grande também. Ele vivia só, era viúvo, havia perdido sua esposa no parto de seu primeiro filho e desde então, ele perdeu a fé, não acreditava mais em Deus, pois ele achava que se Deus existia, ele era ruim e não tinha compaixão, pois como poderia um Deus bondoso, tirar dele, a pessoa que mais amava na vida e seu filho que estava por nascer. Durante a semana ele trabalhava, saia cedo de casa e só voltava à noitinha, assim, quando as crianças saiam da escola, por volta de meio dia, elas vinham correndo para brincar no jardim, tão belo e florido que fazia a alegria de seus corações. Mas um dia, João Montanha resolveu passar em sua casa no período da tarde, para pegar uns documentos que ele havia esquecido e quando lá chegou, ficou enraivado e furioso com o que viu. As crianças brincavam alegremente por todo o jardim, muitas haviam subido nos galhos das arvores, outras brincavam de pega-pega ou esconde-esconde, numa euforia sem igual, mas quando elas o viram, o jardim inteiro emudeceu.
#
As crianças não disseram nem mais uma palavra, até os pássaros nas arvores pararam de cantar e João Montanha enfurecido, ordenou aos gritos com sua voz de trovão, que todos saíssem imediatamente de seu jardim, porque aquele lugar é sua propriedade e ele não iria permitir a invasão de quem quer que fosse, muito menos das crianças, a quem ele detestava e de quem ele nem queria ouvir falar. Ele, no auge de sua raiva, mandou derrubar a pequena cerca de madeira e construiu um muro de dois metros de altura, com um portão de ferro, cheio de pontas de lança, para que ninguém pudesse entrar. Desde aquele dia, as crianças não tinham mais onde brincar. Elas tentaram brincar nas ruas, mas não era a mesma coisa, pois as ruas eram sujas, duras, cheias de pedras e elas não gostavam disto. Era muito comum se juntarem em grupos, meninos e meninas, conversando e falando sobre a falta que sentiam de brincar no jardim e se lembravam com tristeza, de quão felizes elas eram, naquele lugar mágico e cheio de luz.
#
Então como sempre, a Primavera chegou e por todo o Bairro da Consolação, nas floreiras das janelas, nos jardins das casas e das praças, lindas flores desabrocharam e os mais lindos pássaros cantavam alegremente, pareciam querer dizer com seu canto, que natureza, assim como eles, estava feliz com a chegada dela. Contudo, no jardim de João Montanha, a Primavera não chegou, nele, ainda era Inverno, pois os pássaros não mais se importavam em pousar nas arvores, já que nele não havia mais crianças a brincar e as arvores por sua vez, de tanta tristeza, esqueceram-se de florir. Até mesmo uma pequena flor desavisada, quando resolveu se abrir e viu o clima frio e tenebroso de Inverno do jardim, recolheu-se em seu botão e voltou a dormir. Os únicos que estavam felizes naquele lugar eram o vento frio e a geada, que com sua temperatura abaixo de zero, queimava até mesmo a grama do jardim.
#
O frio e a geada estavam tão felizes com aquele lugar que até disseram que já que a Primavera havia esquecido aquele jardim, ali elas permaneceriam o ano inteiro. O vento que carregava um frio congelante, arrancou todas as folhas das arvores e a geada, cobriu todo o chão com um manto branco, em tons de prata, matando sufocadas e queimadas, as folhas pequeninas e delicadas, da grama do jardim. Sentindo-se solitários, o frio e a geada convidaram os ventos das geleiras do Polo Norte para vir lhes fazer companhia e quando eles chegaram, já entraram devastando com sua força, o que havia sobrado do jardim de João Montanha. Os ventos das geleiras se lembraram que seu primo, o redemoinho dos ventos, iria adorar o lugar e eles o convidaram também e quando ele chegou, entrou rodopiando e rodopiando, carregando consigo tudo que encontrava pelo carinho, e assim ele ficou, de lá para cá, até que resolveu arrancar algumas telhas do pequeno coreto que havia no jardim.
#
O redemoinho gostou tanto daquele lugar, que não resistiu e quis compartilhar aquela delicia com seu amigo americano o tufão e ele veio. Quando ele chegou, já foi logo arrancando parte do telhado da casa de João Montanha, quebrando varias janelas sem dó nem perdão e lá dentro da casa, sentado próximo a uma das jalenas, ele olhava para o ambiente cinza e sombrio de seu jardim e não compreendia, o porque daquele Inverno tão rigoroso e violento, muitos menos, o porque da Primavera ter chagado a todos os outros jardins, mas estar demorando tanto para chegar ao dele. Lá no fundo de seu coração, de alguma forma, ele precisava acreditar que ainda era possível o tempo mudar. Mas a Primavera nunca mais chegou, nem o Verão. O Outono trouxe consigo frutas douradas e todos os jardins da região, mas no jardim de João Montanha não, e assim, lá naquele lugar, antes lindo, cheio de flores, cheio de vida, agora era sempre Inverno, com geada cobrindo a grama e os ventos das geleiras e o redemoinho, dançando num imenso frenesi, entre as arvores do jardim.
#
Numa manhã, muito tempo depois, João Montanha estava ainda deitado em sua cama, envolto em toneladas de cobertas, quando ouviu uma linda canção e ela soava em seus ouvidos, como o som de uma orquestra, tocando em uníssono, a mais bela valsa de Strauss. Mas não, era apenas um canarinho, cantando do lado de fora de sua janela, mas já fazia tanto tempo que ele não ouvia um pássaro cantar em sua janela, que para ele, era musica mais linda do mundo. Então ele se levantou de sua cama e foi até a janela para ver se conseguia ver o pequeno pássaro cantor e o que ele viu, encheu se coração de alegria, pois a geada havia derretido, os ventos das geleiras haviam se transformado em brisas suaves, o redemoinho e o seu amigo americano o tufão, pareciam ter desaparecido, tão rápido quanto chegaram, e um perfume suave e maravilhoso entrava pelas frestas de sua janela. O que aconteceu, foi que com a força dos ventos das tempestades, do tufão e dos redemoinhos de vento, uma parte do muro havia caído e por lá, as crianças entraram no jardim e estavam brincando alegremente na grama e nos galhos dos pessegueiros, na verdade, em cada arvore havia uma criança e elas estavam tão felizes com a volta das delas, que floriram como num passe de mágica, tornando o jardim de João Montanha, o próprio espírito da Primavera.
#
Os pássaros voavam em torno do jardim, de galho em galho, felizes e cantando e as flores, pareciam sorrir, acariciadas suavemente pela brisa da manhã e esta visão era a mais linda que ele havia visto em sua vida, contudo, em um canto de seu jardim ainda era inverno e a geada, os ventos das geleiras, o tufão e o redemoinho ainda agiam sem piedade e lá, em meio a tudo aquilo, embaixo da arvore, havia um pequeno garotinho e ele chorava copiosamente tremendo de frio, mas ele chorava não era pelo frio, era porque não conseguia subir nos galhos do pessegueiro como os outros meninos. Seu pranto era tão triste e sentido, que ao ver, perceber a dor do garotinho, o coração de João Montanha que havia se tornado frio e insensível derreteu e ele, vestindo-se o melhor que pode, saiu para o jardim em direção ao garotinho, mas quando as outras crianças o viram sair da casa, elas correram de medo daquele homem forte e de mau humor. Quando elas acabaram de sair do jardim, no mesmo instante, a área em que elas brincavam, foi novamente tomada pelo Inverno, e com ele todos os seus amigos e seus convidados.
#
João Montanha então percebeu o quanto tinha sido ranzinza e egoísta, ele compreendeu a razão da volta da Primavera ao seu jardim, mas sua atenção estava voltada para aquele pequeno garotinho e tamanha foi a pena ele sentiu do pobrezinho que ele só pensava em ajudar aquela tão frágil criancinha. O garotinho não percebeu a aproximação dele, porque seus olhos estavam embaçados pelas lágrimas e quando João Montanha foi chegando mais perto, ouviu a arvore dizer ao garotinho que ela iria baixar seus galhos, o mais que ela pudesse para ele subir, mas ele era tão frágil e pequenino que não conseguiu alcança-los e seu pranto de dor e desencanto foi ainda maior. Aquele homem enorme pegou nos braços o pequenino, o colocou sentado num dos galhos do pessegueiro e no mesmo instante, as flores da arvore se abriram envoltas em tons de Rosa e Amarelo Perolado, os pássaros foram se chegando, sentaram-se nos galhos dela e logo começaram a cantar.
#
O pequenino, sentado no galho e apoiado por João Montanha, abriu o mais belo sorriso, passou seus pequenos braços em volta do pescoço dele e com um olhar de adoração, deu a ele o mais delicioso beijo que uma criança pode dar. As outras crianças vendo tudo aquilo, voltaram uma a uma e brincaram no Jardim e em suas brincadeiras elas passaram a incluir o Tio João, como agora era chamado por elas e ele, mais parecia uma delas enquanto brincava com todos e seu novo amiguinho e assim, aquele que antes tinha um coração duro, frio e era tão egoísta a ponto de não querer compartilhar com as crianças as belezas da natureza, transformou-se também em uma criança, porque dentro dele, daquele coração duro, havia também um garotinho, só esperando que alguém o chamasse para brincar.
#
No final da tarde, todos foram embora na promessa de voltar no dia seguinte e Tio João, depois muitos e muitos anos de solidão e insônia, pode dormir em paz consigo mesmo e realizado por ter libertado o garotinho quer havia dentro dele também. Nos próximos dias, nas próximas semanas, nos próximos anos, todas as tardes depois das aulas, o jardim dele se transformava em um Play Ground e isto, não importava a estação do ano, porque lá, com a presença das crianças em sua vida, era sempre Primavera. Contudo, seu amiguinho, aquele pequenino que ele ajudou a subir nos galhos do pessegueiro, que lhe deu o primeiro beijo de sua vida, nunca mais apareceu e o tempo foi passando, as crianças iam crescendo, Tio João ia envelhecendo enquanto outras crianças surgiam para brincar em seu jardim, mas em sua memória, estavam guardadas as lembranças dos olhos cheios de amor e vida, daquele garotinho quando o abraçou e beijou.
#
Por vezes ele indagava aos jovens adolescentes que haviam sido crianças brincando em seu jardim, se eles tinham tido alguma noticia, ou se souberam do paradeiro do garotinho que ele tanto amava, mas de quem, nem o nome sabia e as respostas de todos eram negativas, pois o pequenino, do jeito que apareceu, desapareceu, sem deixar vestígios. O tempo como sempre não volta atrás e Tio João, tão amado pelas crianças, agora já era o Vovô João, um homem velho, cansado, com artrite e reumatismo, já não podia mais andar direito, quanto mais brincar com as crianças em seu lindo jardim, mas ele, se contentava em ficar sentado em sua cadeira na porta de sua casa, admirando as crianças correrem de lá para cá, ouvindo o som de seus sorrisos, esbanjando felicidade e ele dizia a si mesmo, que as crianças são a maior benção de Deus.
#
Numa manhã, ele acordou e viu algo estranho através de sua janela, levantou-se com dificuldade para ver melhor, era o Inverno que havia chegado ao seu jardim, mas ele não detestava mais o Inverno, porque ele sabia que como a Primavera, as flores também precisavam descansar, mas algo mais lhe chamou atenção, num dos cantos de seu jardim, ao lado de um dos pessegueiros, estava um jovem rapaz, cabelos pretos e compridos, naquele frio, vestindo uma camiseta branca, calça Jeans e calçando um par de sandálias havaianas. Ele ficou curioso para saber o que aquele jovem rapaz estava fazendo lá. Vovô João saiu de seu quarto em direção à porta de sua casa e desceu com dificuldade as escadas para o jardim. Quando ele se aproximou do rapaz, ele não quis acreditar no que viu, esfregou seus olhos com os dedos, para ter certeza de que não estava vendo coisas.
#
No rosto daquele rapaz, que o olhava com um sorriso doce e suave, estavam aqueles mesmo olhos que lhe ficaram na memória desde muito tempo atrás. Eram os olhos do pequenino que ele ajudou a subir na arvore, há tanto tempo, que ele já tinha até perdido a noção de quanto. O jovem estendeu seus braços em sua direção e o abraçou longamente, e entre lágrimas de alegria e contentamento, Vovô João disse a ele quanta saudade ele havia sentido nos anos todos de sua ausência. Após o abraço, ele quis segurar as duas mãos do jovem rapaz que tanto amava e quando ele as teve entre as suas, seu rosto ficou vermelho de revolta e indignação, pois no meio de cada uma das mãos do rapaz, e também em cada um de seus pés, havia uma cicatriz que obviamente tinha sido feita através de um prego que nelas atravessou. Quase sem conseguir falar, ele indagou ao rapaz quem teria feito com ele tamanha maldade, dizendo que iria tomar providências contra a pessoa de tamanha maldade, pois o jovem quando pequeno certamente, deveria ter sido vitima de violência infantil e isto, isto ele não iria admitir.
#
Mas o rapaz, com seus cabelos negros e longos, com sua barba comprida e seus olhos de um intenso azul da cor do céu, disse a ele que não, que ele não precisava mais se preocupar, porque aquelas marcas em suas mãos e em seus pés, já haviam cicatrizado ha muito tempo, que ele havia sofrido muito e injustamente quando os pregos atravessaram suas mãos e seus pés, mas que agora para ele, elas eram nada mais, nada menos, do que as marcas do amor. Vovô João, que um dia foi o João Montanha e depois o Tio João, naquele momento, sentiu uma emoção imensa tomar conta de seu ser e caiu de joelhos em frente ao jovem que havia sido o portador quando pequenino, do primeiro beijo que ele recebeu de uma criança. O rapaz sorriu e disse a ele para se levantar e por estranho que parecesse, ele não sentiu dificuldade em faze-lo e enquanto isto, o rapaz lhe dizia que quando criança, ele o havia ajudado a subir no galho do pessegueiro e permitiu gentilmente que ele brincasse com ele em seu jardim, e que agora, ele iria retribuir a gentileza, levando-o para brincar em sua casa, em seus próprios jardins, que ficavam lá no Paraíso.
#
Vovô João respondeu ao rapaz que ele não tinha mais forças para caminhar, que mesmo que chegasse com ele até sua casa para conhecer seus jardins, não poderia mais brincar, nem correr, estaria tão cansado da viagem do Bairro da Consolação ao Bairro do Paraíso, que só iria querer dormir. Foi então, que o rapaz ainda sorrindo, com o braço em volta de seu pescoço, disse a ele que não haveria cansaço algum, e quando lá chegassem, ele poderia brincar e correr com ele o quanto quisesse, sem dores, sem medos, sem o peso do tempo em suas costas, porque na verdade, ele o iria levar para o Céu, para brincar para sempre, nos jardins do Paraíso.
#
Naquela tarde, quando as crianças chegaram para abraçar, beijar e brincar com o velho e querido Vovô João em seu jardim, elas o encontraram morto, ele estava deitado, como se estivesse dormindo e tendo um lindo sonho, embaixo de um dos pessegueiros, coberto por um manto flores caídas da arvore, em lindas nuances de cores, que variavam entre o Rosa bem claro e o Amarelo pálido, com tons perolados, numa mistura de cores tão linda e especial, que só poderia mesmo ter sido criada, pelas mãos do maior artista de todo o Universo, por mãos divinas, pelas mãos de Deus.
#
Certamente, enquanto todos velavam o corpo do velho Tio João, entre lágrimas e preces por sua alma, tentando imaginar como era possível que em pleno Inverno, ele estivesse coberto de flores quando partiu deste mundo, ele estava lá em cima, ao lado de seu amigo, o primeiro amigo verdadeiro que ele encontrou em sua vida, e que mudou seu destino para sempre.
#
Tal qual uma criança, livre, leve, solto, como nunca se sentiu na vida, com um sorriso largo nos lábios, agora ele estava brincando, nos Jardins do Paraíso.
#
#
Autor: José Araújo