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domingo, 30 de março de 2008

PERGUNTAS E RESPOSTAS...



Durante o primeiro ano do antigo Colegial, Dna Nair, sua professora de português, passou aos seus alunos uma longa lista de frases reflexivas, para que cada um escolhesse o assunto sobre o qual gostaria de escrever.
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Mariana tinha só quinze anos, mas de vez em quando ficava imaginando o por que das coisas serem como elas são e então, ela escolheu a frase:
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“Por que as coisas são, da maneira que elas são.”
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Todos os alunos deveriam escrever sobre o tema escolhido, seria sua lição de casa e aquela noite, ela escreveu em forma de estória, todas as perguntas que para ela, ainda estavam sem resposta.
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Ela sabia que muitas delas dificilmente respondidas de forma plausível, outras seriam respondidas com clareza, outras com certa dificuldade, mas outras, ficariam literalmente sem resposta.
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Quando Mariana terminou de escrever seu trabalho de casa, ela estava com medo de não o ter feito de acordo com o que Dna Nair havia solicitado, porque pelo tema que ela havia escolhido, ela deveria ter respostas em seu texto, mas tudo que ela tinha, eram muitas perguntas.
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No dia seguinte, ao entrarem em classe, a primeira coisa que a professora fez foi recolher todos os trabalhos, pois ela os levaria para casa para corrigir e os traria no dia seguinte, para entrega-los aos alunos.
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Na aula do próximo dia, para espanto de Mariana, Dna Nair a chamou para ler seu texto, para que todos pudessem ouvir.
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Ela entregou o trabalho de Mariana em suas mãos, deixou-a em frente à classe e foi sentar-se no fundo da sala, junto com um dos alunos e de lá ordenou que ela começasse a ler.
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Todo mundo ficou em silencio absoluto e ela começou a leitura de sua estória, cujo título que era "Por quê?".
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Tendo a classe toda com sua atenção voltada para ela, Mariana acanhada começou a ler.
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Quando somos pequenos, bombardeamos as cabeças de nossos pais como uma infindável lista de “por quês” e não só as deles, mas de nossos parentes, amigos e professores e eu me lembro que quando eu era bem pequenininha, ao ver uma vaso cheio de Rosas sobre a mesa, fiz uma das primeiras perguntas à minha mãe.
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Mãe, por que as Rosas são vermelhas?
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Depois desta pergunta, muitas outras se viriam...
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Pai, por que uma aranha tem uma teia e não uma casa?
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Mãe, por que eu não posso brincar com sua caixa de costuras?
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Pai, porque a grama é verde e o céu é azul?
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No primeiro dia de aula, na minha primeira escola, eu perguntei à professora, por que eu tinha que aprender ler?
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O tempo foi passando e foi ficando cada vez mais difícil de se obter respostas que me convencessem e mais e mais eu procurava respostas para tudo que me rodeava.
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Mãe, porque eu não posso usar batom para ir à escola?
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Um pouco adiante, me lembro de ter perguntado ao meu pai:
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Pai, por que eu não posso ficar fora de casa depois das 22 horas, se todas as minhas amigas podem?
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Mais tarde, nervosa, fiz outra pergunta à minha mãe:

Mãe, por que você me odeia tanto?
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Você me proíbe de fazer tudo aquilo que eu quero!
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O tempo foi passando, eu fui crescendo e as perguntas foram se sucedendo como tinha que ser...
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Pai, por que será que os meninos não gostam de mim?
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Porque eu tenho que ser tão magrinha e ainda por cima, usar óculos?
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Por que é que eu tenho que fazer 16 anos?
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Mãe, por que eu tenho que me formar na escola?
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Pai, por que eu tenho que crescer?
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Mãe, por que eu tenho que partir?
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Longe de casa, estudando em outra cidade, vivendo em uma republica, escrevia à minha mãe perguntando...
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Mãe, por que você não escreve ou liga com mais frequência?
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Por que eu sinto tantas saudades, dos meus amigos que ficaram?
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Pai, por que você não vem me ver mais vezes?
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Por que será que eu te amo tanto assim?
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Sua menininha esta crescendo rápido pai, não se perca de mim!
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Mãe, por que será que eu tenho tanta dificuldade em fazer novos amigos por aqui, eu não entendo mãe, por que algumas pessoas gostam do azul, outras do rosa enquanto muitos, preferem juntas, todas as cores do arco iris?
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Pai, por que eu sinto tantas saudades de nossa casa?
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Pai, por que será que quando aquele garoto novo me olha nos olhos, meu coração bate mais rápido e por que será que minhas pernas começam a tremer quando ouço sua voz?
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Mãe, por que estar apaixonada parece ser o melhor sentimento deste mundo?
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Pai, por que você não gosta da ideia de ser chamado de vovô?
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Mãe, por que os pequenos e frágeis dedinhos do meu bebe seguram os meus com firmeza?
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Pai, porque meu filho tem que crescer tão depressa?
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Mãe, por que um dia ele tem que partir?
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Pai, por que chegou minha vez de ser chamada de avó?
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Mamãe e papai, por que vocês tiveram que me deixar?
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Eu ainda preciso tanto de vocês!
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A vida seguiu seu caminho e as perguntas continuaram a ocupar um espaço enorme em meu coração, mas era tempo de fazê-las ao vento, que só resmunga e não responde a ninguém...
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Por que a juventude escorreu tão rápido por entre meus dedos?
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Por que minha pele, que antes tinha o frescor e maciez da pele de um pêssego, agora mais se parece com uma folha desidratada e seca ao sol?
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Por que agora, meu rosto mesmo cansado e enrugado, ainda oferece sempre, em qualquer circunstancia, um sorriso bondoso e carinhoso, tanto para os amigos, quanto para os estranhos?
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Por que depois de tantos anos, tiveram meus cabelos, que ficar grisalhos e brilhar como prata?
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Por que de repente eles ficaram totalmente brancos, quanto flocos de algodão?
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Por que será que quando me inclino para colher uma flor, minhas costas doem e minhas mãos tremem ao tentar alcança-la?
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Por que depois ter haver feito perguntas por toda a vida, após ter recebido respostas a algumas e a outras não, eis que é chegada a hora de fazer a pergunta final?
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Por que será Deus, que só agora, deitada nesta cama, sem forças para me levantar, olhando o vaso de Rosas na mesinha ao lado de minha cabeceira, eu me lembro de você e pergunto meu pai, por que as Rosas são vermelhas?
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Terminada a leitura, com a classe inteira ainda em silêncio, Mariana fechou seu trabalho, ainda com medo de não haver escrito aquilo que sua professora havia sugerido, ao levantar seus olhos, encontrando com os olhos de Dna Nair, que ainda estava sentada na ultima carteira ao lado de outro aluno, ela pode ver uma lágrima solitária rolar lentamente pela face comovida de sua professora.
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Foi então, que Mariana percebeu, que a vida nem sempre é baseada nas respostas que recebemos às nossas perguntas, mas também, nas perguntas que fazemos durante ela e principalmente a quem as fazemos...
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Texto: José Araújo
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Fotografia: Karen Origoshi

domingo, 23 de março de 2008

CISNE BRANCO...


Dois pequenos olhinhos observavam atentos e ansiosos, através de uma das janelas do segundo andar de um velho casarão assobradado na Baia dos Anjos, um recanto quase desconhecido e escondido, nos confins do litoral sul do Estado de São Paulo.

Era muito cedo ainda, mas o sol já havia mais uma vez proporcionado a Dorinha o seu espetáculo diário quando surgia no meio da Baia, como que se emergisse do fundo do oceano, lá longe, num horizonte lindo e tranquilo, delineado ao fundo, pelo infinito azul do mar.

Era mais uma manhã de sábado e ela costumava ficar no quarto que dividia com suas pequenas colegas, ela não tinha vontade de descer e juntar-se aos outros, sabia que seria mais um final de semana como todos os outros, onde de vez em quando, aparecia alguém para adotar uma das crianças, que ganharia uma casa, um lar e o mais importante, um pai e uma mãe.

Dorinha como sempre, seria deixada para trás, ninguém se interessaria em adota-la, exatamente como acontecia desde que ela se conhecia como gente no Orfanato Sagrado Coração.

Aos nove anos de idade, ela era uma menina linda, tinha uma pele morena da cor de Jambo, cabelos castanhos e cacheados, com olhos de um verde que chamava a atenção de todos que a viam, mas mesmo assim, todos os interessados em adotar uma criança, preferiam os de pele clara, os brancos e de preferência, loiros, de olhos azuis.

Quando ainda era muito pequena, ela não ligava muito para as idas e vindas daqueles homens e mulheres que visitavam o orfanato todos os sábados, afinal, ela nem conhecia o significado das palavras, pai e mãe.

Contudo, o tempo passou, ela foi à escola, aprendeu a ler e a escrever, conheceu o mundo através dos livros que amava ler e quanto mais lia estórias de romances ou aventuras, onde os personagens de pais e mães tinham destaque, quanto mais via os pais dos outros alunos virem busca-los no final das aulas, mais queria compreender por que ela mesma, não tinha neste mundo, um pai e uma mãe.

Aos poucos, vendo seus coleguinhas sendo levados para seus novos lares e sentindo-se rejeitada, já começava a achar que só era permitido às crianças brancas ter um lar, uma família e seu pequeno mundo, se é que se poderia chamar assim, parecia querer sufoca-la de uma forma angustiante, pois seu pequeno coração doía e muitas vezes quando chorava, parecia que seu peito estava sendo dilacerado, sem dó, nem compaixão.

Dorinha sempre foi uma boa menina, atenta, obediente, estudiosa e executava todas as tarefas que lhe eram conferidas no orfanato, com presteza e perfeição.

Contudo, aquela coisa de não ser escolhida por ninguém, já a fazia encarar este fato há muito tempo como uma rejeição e assim, sábado após sábado, ela preferia ficar em seu quarto, olhando pela janela para a Baia dos Anjos, cuja entrada era ladeada por dois morros, cobertos o ano todo pela exuberante vegetação da mata atlântica da região.

Para única alegria de seu coração, todos os sábados, um enorme veleiro passava em frente à entrada da baia, seguindo seu caminho num cruzeiro litorâneo semanal, mas quando ele surgia, era uma visão celestial, ele era todo branco e suas velas enfunadas ao vento, o faziam parecer ao longe um cisne branco, flutuando devagar, era tanto, que às vezes, ela achava que ele havia parado em frente à entrada da Baia, mas era ilusão e aos poucos, ele desaparecia lentamente por detrás de um dos montes.

Durante o período que durava a passagem do veleiro em frente à Baia dos Anjos, parecia que Dorinha se desligava de tudo, de todas as suas dores, de todos os seus dissabores, era como se aquela linda embarcação, que agora ela já chamava de Cisne Branco, soubesse que ela estava ali, triste e solitária, que precisava de alguma alegria na vida, e assim, ele nunca falhava em vir ao encontro de seu coraçãozinho, que disparava quando ele surgia por detrás do morro, primeiro a ponta do mastro da proa, suas velas e em seguida os mastros principais, que um a um, com todas as suas velas enfunadas e tremulando ao vento, iam completando sobre um casco branco, uma visão que para ela, só poderia ser parte de algum paraíso, igual aos que ela conhecia somente através de livros de romances e aventuras.

Final de semana após final de semana, era sempre a mesma coisa, muitos outros amiguinhos partiam e ela sempre ficava, mas de alguma forma, bem lá no fundo de sua alma, ela sabia da existência de um poder maior, que a tudo sabe e tudo vê e que este poder tinha um nome, ele se chamava Deus e todas as noites, ela rezava pedindo a ele que protegesse a todos os seus amiguinhos e amiguinhas que foram adotados, para que nunca mais ficassem órfãos, sem pai, nem mãe.

Certo sábado, ela esperava seu Cisne Branco com a mesma ansiedade de sempre e ele não falhou, majestoso e imponente como um cisne imperial, ele surgiu por detrás de um dos morros, mas quando chegou ao meio da travessia que fazia em frente à Baia dos Anjos, foi virando lentamente, em direção ao horizonte tão distante e sem fim.

Dos olhos de Dorinha, uma lágrima solitária rolou lentamente, porque naquele momento, vendo seu único amigo fiel e verdadeiro partir para longe, ela acreditou que ele não era diferente das pessoas que a discriminavam pela sua cor, que ele, com toda sua brancura celestial, também a estava abandonando, indo para o outro lado do mundo, talvez até, para nunca mais voltar.

A pequena menina, virou-se lentamente como fez o veleiro, reviu sua própria rota, definiu seu rumo e seguiu em direção à sua caminha onde mergulhou em prantos, até adormecer exausta, de tanto chorar.
Contudo, naquele dia que havia se iniciado lindo e com céu limpo, quando já eram umas três horas da tarde, o veleiro já estava muito longe da costa brasileira e ele, com sua beleza e imponência, singrava altos mares, rumo ao destino traçado, pelo maior de todos os capitães do universo.

O céu que tinha estado azul e limpo durante mais da metade do dia, começou a ser salpicado por pequenas nuvens brancas e que para quem estava no convés e olhava para cima, pareciam flocos de algodão, flutuando aleatoriamente entre as velas que tremulavam ao vento.

Não demorou muito e as pequenas nuvens foram se juntando, se transformando em outras mais densas e escuras, era sinal de tempestade e perigo em alto mar.

O vento antes calmo, de uma hora para outra se mudou de uma brisa suave a um vendaval violento, traiçoeiro e o mar por sua vez, que tinha se mantido tranquilo e com ondas regulares, foi se transformando num monstro, que parecia querer engolir a tudo a todos que estivessem sobre ele.

A tripulação do imenso veleiro era uma equipe de marinheiros muito bem treinada, mas mesmo com a experiência de todos eles e com a astúcia de seu capitão, o Cisne Branco de Dorinha, agora já com as velas arriadas e amarradas no convés, parecia gritar de dor, pois o barulho que faziam seus mastros e juntas com a ação da força dos ventos era ensurdecedor e assustador ao mesmo tempo.

Ondas enormes varriam o convés da embarcação, enquanto seus tripulantes tentavam se agarrar ao que pudessem para se proteger e se manter a bordo do veleiro, pois a força das águas parecia querer arrancar e devastar tudo que estivesse em seu caminho.

Capitão Jorge, o comandante da embarcação, um homem de paz, um homem de muita fé em Deus e na vida, naqueles momentos de angustia, se lembrava de sua mulher que o estava esperando em terra firme, uma esposa honesta, que o amava muito e que a despeito do fato de não terem conseguido ter filhos por problemas físicos, tinha por ele profunda adoração.

Ele rezava silenciosamente, pedia ao todo poderoso que poupasse as vidas de sua tripulação, pois além de serem todos seus amigos, eram seres humanos como ele, tinham famílias, filhos, esposas ou mães que esperavam seu regresso e suplicava que Deus desse a ele mais uma chance, que o deixasse viver mais um pouco, pois seu sonho de ser pai ainda não havia morrido dentro dele, ele queria poder receber do pai todo poderoso, a benção de ser responsável pela vida de uma criança, pedia em sua orações que ele não permitisse que tudo se acabasse ali, daquele jeito triste, com todos sendo levados pelos braços de Netuno, para o fundo do mar.

O enorme veleiro, com seus 76 metros de comprimento, três mastros principais e suas 31 velas majestosas, que naqueles momentos não mais representavam nada, que não tinham a menor utilidade naquela situação, parecia na tormenta ser um barquinho de papel, prestes a derreter a qualquer momento na imensidão das águas e afundar, para nunca mais voltar.

Enquanto isto, a noite já havia chegado à Baia dos Anjos e no orfanato Sagrado Coração, Dorinha, assustada com som da chuva, dos trovões e relâmpagos, tentava em vão dormir, mas a cada vez que pegava no sono, um pesadelo tomava conta do mundo de seus sonhos e ela acordava aterrorizada, ela via nele, seu Cisne Branco sendo devorado pelas águas do mar e em seu coração, a dor da perda era insuportável, pois se ele afundasse, ela jamais o veria de novo e mesmo não podendo chegar perto dele, ela queria que Deus permitisse que ela o visse novamente, em todo o seu esplendor.

Dorinha se levantou, ajoelhou-se ao lado de sua cama e pediu àquele mesmo Deus a quem ela tinha pedido, mesmo sem ter sido atendida, que desse a ela um lar, um pai e uma mãe, que lhe trouxesse de volta o seu Cisne Branco, prometeu a ele que não o iria mais amolar fazendo pedidos difíceis como aqueles, se em troca ele lhe concedesse somente o de trazer sua única alegria de volta, são e salvo.

O enorme veleiro se contorcia no meio de ondas de dezenas e dezenas de metros de altura e vindas de todas as direções, ele parecia ser uma simples bola de pingue-pongue, jogado de lá para cá, nas mãos traiçoeiras do oceano e tanto o capitão como a tripulação, já não mais tinham esperanças de sobreviver, parecia que seu destino tinha sido chegar até aquele inferno de ventos e fazer água até naufragar, carregando consigo, dezenas de vidas e com elas, todos os seus sonhos e infinitas paixões.

A tempestade parecia aumentar a cada segundo e em determinado momento, o Capitão Jorge ordenou a todos os tripulantes que abandonassem seus postos, que fossem todos para as suas cabines e trancassem todas as escotilhas, pois não havia mais nada a ser feito a não ser, aguardar o juízo final.

Assim foi feito, todos se esconderam em seus cantos, cada um com o pensamento dirigido aos seus entes queridos, com sua dor no coração e em meio a todo o sofrimento e angustia da tripulação, o Cisne Branco parecia querer proteger a todos sob suas asas, mas ele não podia, pois elas haviam sido destruídas pela força da tempestade, mas ele, apesar de tudo, parecia não desistir.

Entre raios, trovões, ondas violentas, sendo praticamente virado do avesso, o Cisne Branco de Dorinha parecia saber que a bordo e lá na Baia dos Anjos, havia pessoas que dependiam dele e de sua coragem para lutar pela sobrevivência de todos, de sua determinação de lutar pela preservação do bem maior, a vida.

De alguma forma misteriosa, o grande veleiro, mesmo tendo sido literalmente jogado dentro de um liquidificador da natureza, ainda resistia, mesmo gritando e urrando de tanta dor, mesmo que partes dele lhe estivessem sendo arrancadas impiedosamente, ainda lutava para se manter na superfície.

Quando as piores ondas vinham ao seu encontro, é difícil dizer como, nem porque, ele se posicionava como se fosse uma prancha de surf a espera delas e quando uma delas o atingia, ele deslizava na mesma direção que ela e assim foi, onda após onda, entre trancos e solavancos, ele permaneceu lutando com todas as suas forças, enquanto a tripulação exausta e amedrontada, após horas de desespero, foi adormecendo, um a um e, quando acordaram, o veleiro flutuava sobre águas calmas e sob um céu de intenso azul anil.

Cada um que percebia o que havia acontecido por milagre, não se continha e caia de joelhos agradecendo a Deus pela benção concedida e o Capitão também se ajoelhou e com a mão no coração, fez uma promessa ao todo poderoso, que não mais iria forçar a natureza, não iria mais obrigar sua esposa a tratamentos e mais tratamentos para poder engravidar, pois os anos haviam se passado, todas as tentativas haviam sido em vão e entre lágrimas e muito sofrimento, se os dois ainda estavam juntos, era graças ao amor verdadeiro que sempre os uniu.

Dorinha não sabia, nem mesmo o Capitão Jorge, mas o destino deles estava ligado pelas forças divinas e a ponte entre eles, era nada mais nada menos, do que o grande veleiro, o Cisne Branco que ela tanto amava e que tanta paz trouxe ao seu coração, nos momentos em que ela mais precisava.

Usando o poderoso motor a diesel da embarcação, eles conseguiram chegar ao porto onde cada um tomou seu rumo em direção àqueles a quem amavam e daquele dia em diante, a vida deles não mais foi a mesma, eles aprenderam a valorizar o amor e a vida, exatamente com o tinha que ser, pois é comum só darmos valor ao que temos neste mundo, quando estamos na iminência da perda, ou pior, quando já perdemos definitivamente.

O Capitão Jorge providenciou para que o Cisne Branco fosse restaurado e alguns meses depois, numa manhã de sábado, quando Dorinha já havia perdido as esperanças de rever seu amigo, ele surgiu por detrás dos montes, lindo, velas enfunadas ao vento, sua brancura era algo divino, proporcionava um sentimento difícil de explicar e em seus olhinhos, mais uma vez uma lágrima rolou, mas desta vez, foi por alegria, foi porque seu coração estava cantando, ela estava feliz.

A visão de seu amigo, a fez esquecer mais uma vez das mágoas, das dores, da frieza com que as pessoas a tratavam e ela ficou observando-o em deleite, até que em determinado momento, ela percebeu que ele estava mudando seu rumo e que ao invés de seguir seu caminho e passar longe dali, ele estava entrando na Baia dos Anjos e lentamente, o enorme veleiro foi se aproximando e mostrando a Dorinha, suas verdadeiras proporções.

Dorinha encantada saiu da janela, correu pelas escadas abaixo, abriu a porta da frente e estendeu seus bracinhos, como se quisesse abraçar seu amigo que estava chegando e lá ela ficou, em pé, na porta do Orfanato Sagrado Coração, imóvel, como se em transe com a visão magnífica do seu Cisne Branco.

O veleiro entrou na Baia e navegou até onde era possível, os marinheiros lançaram suas ancoras ao mar, ele parou e dele, desceram pequenos botes, tão brancos quanto ele e Dorinha fascinada, observando tudo, viu que um deles chegou até a praia em frente ao Orfanato, atracou num pequeno ancoradouro que havia no lugar e dele desembarcou um homem de meia idade, cabelos pretos, grisalhos em cima e brancos na lateral, um homem que pela aparência e uniforme, só poderia ser o capitão do navio.

Dorinha não prestou atenção a princípio, mas ao lado dele estava uma jovem senhora, de olhar triste, aparência sofrida, um tanto tímida, era a esposa do Capitão, que ao chegar mais perto do orfanato e ao se deparar com a visão da menina, sofreu uma grande transformação e do olhar triste e aparência sofrida, nada mais restou, seu rosto se iluminou com um sorriso, capaz de derreter com sua luz, os mais frios corações.

Seu nome era Dona Vera, uma mulher lutadora e que por amor ao seu marido, se manteve firme ao seu lado por todos os anos de luta e sofrimento, nas tentativas infrutíferas para poderem ter um filho, uma mulher que ao ver Dorinha em pé na porta do orfanato, de braços abertos, como se a estivesse esperando, soube naquele exato instante, que Deus havia lhe enviado a filha que eles tanto queriam e não pode se conter...

Dona Vera correu ao encontro de Dorinha e de longe ouvia se sua voz gritando bem alto...

Filha, mamãe chegou!

Eu vim te buscar meu anjo!

Dorinha, sem saber por que, não pensou, agiu como se fosse impulsionada por uma força que ela nem sabia que existia dentro dela, pulou os dois degraus da porta do orfanato, correu em sua direção e sua voz era ouvida por todos que estavam por perto, com grande emoção...

Mamãe!

Você veio me buscar!

Eu te esperei por tanto tempo!

Eu amo você!
  
Enquanto as duas se abraçavam e choravam, o Capitão Jorge ficou parado onde estava e a emoção tomou conta de seu coração, pois ele também soube, assistindo aquela cena entre mãe e filha, que Deus havia respondido às suas preces e que havia usado como seu instrumento, o magnífico Cisne Branco, um veleiro de 76 metros, três mastros principais e 31 velas majestosas, branco como um cisne que navega no mar azul, seu coração compreendeu que aquela embarcação era na verdade, uma ferramenta divina, que uniu seus corações de uma forma mágica, quase incompreensível, mas que acabou com todo o sofrimento e tristeza de suas vidas.

A Baia dos Anjos nunca mais será a mesma, pois naquela janela não há mais nenhuma criança triste por não ter sido escolhida, pois a mãe de Dorinha criou um movimento de conscientização de pessoas interessadas em adoção apesar de muitos contras, de muitas críticas e incompreensão, ela acabou por convencer as pessoas de que a beleza não esta na cor da pele, na cor dos olhos, dos cabelos, ela esta na alma de cada um de nós, que um filho biológico ou não, seja ele loiro ou de qualquer cor, pode ter boa índole, pode ser uma pessoa do bem, ou pode ser tão rancoroso e violento, quanto qualquer ser humano pode se tornar, que só depende de como ele é tratado, só depende da visão da vida que seus pais lhes dão e assim, aos poucos ela foi conseguindo que as pessoas mudassem seus conceitos de vida e comportamento perante a sociedade e uma após a outra, todas as crianças que chegavam ao orfanato não demoravam a ser adotadas, com a graça de Deus e a ajuda de Dona Vera.

O Orfanato Sagrado Coração mudou de nome, hoje ele se chama "Casa de Amparo à Criança e ao Adolescente Cisne Branco", como não poderia deixar de ser...

Ah! Antes que eu me esqueça...

O verdadeiro nome do veleiro, era mesmo Cisne Branco e Dorinha sem ter consciência, sabia disto, pois seu coração, já havia dito a ela, letra por letra, desde o primeiro dia em que ela o viu...


Autor: José Araújo





















































domingo, 16 de março de 2008

CAMINHOS DO CORAÇÃO...


Maíra tinha acabado de chegar em casa do trabalho, estava cansada após um dia exaustivo, onde o stress se apoderou dela naquele dia como se quisesse destruí-la, aniquila-la sem dó nem compaixão.

A torneira da pia da cozinha jorra água em suas mãos e no prato que ela esta lavando e enquanto isto, Maíra murmura algumas palavras, palavras que só a água da torneira pode compreender e ao lado da pia, em cima do fogão, uma chaleira cheia ferve borbulhando e algumas gotas escapam pelo bico dela e caem diretamente nas chamas vorazes, transformando-se imediantamente em vapor e desaparecendo no ar, mas antes de desaparecerem, parecem querer dizer alguma coisa a Maíra, mas tudo que se houve é um longo hissssssssss...

Naquele momento Maíra queria ser uma daquelas gotas que caíram do bico da chaleira, ela queria desaparecer no ar porque não mais suportava a vida que estava levando há quatro anos, era demais para que ela pudesse agüentar e tudo que ela queria era paz, era fechar os olhos e votar no tempo quando era feliz com seu marido, sonhar com aqueles momentos lindos vividos com seu amor e nunca mais acordar.

Ela se casou com Eduardo por amor e ele existia em ambos quando resolveram que queriam viver uma vida a dois, compartilhando tudo, todos os momentos de suas vidas, fossem eles bons ou ruins.

No inicio de sua vida de casada, seu lar era o seu paraíso, os dois trabalhavam e à noite chegavam praticamente juntos em casa e dividiam todas as tarefas do lar com alegria, com paixão, eles tinham muitos sonhos para futuro do casal e a melhor maneira de alcança-los seria lutar sempre juntos e um dia poder dizer que conseguiram realiza-los por esforço dos dois e todos os dias eles faziam amor, um amor gostoso que tomava conta do corpo e da alma deles e que os unia mais e mais com o passar do tempo.

Maíra era Analista de Sistemas e Eduardo um Arquiteto conceituado em São Paulo onde os dois nasceram, se criaram e se tornaram adultos, aprendendo com suas famílias o valor da honestidade, da sinceridade, do respeito pelo nosso semelhante e como não poderia ser diferente, eram amados por todos os parentes, amigos e colegas de trabalho.

Já haviam conseguido um grande progresso, pois quando se casaram eles foram morar num apartamento alugado e em dois anos de luta, conseguiram comprar e mobiliar uma casa que era só deles e era exatamente como sonharam ser, detalhe por detalhe.

Foi então que o destino pregou ao casal uma daquelas peças que ninguém espera e suas vidas deram uma guinada de 180 graus e tudo de repente estava de ponta cabeça, fora de seu devido lugar.

Eduardo sofreu um acidente durante o trabalho em uma das obras pelas quais era responsável, caiu não se sabe como do terceiro andar do edifício e só não morreu porque o tombo foi amenizado por um toldo da varanda do primeiro andar, mas a queda causou grandes estragos em seu corpo e após acordar no hospital apara onde foi levado, não sentiu mais nada da metade de seu corpo para baixo e após longo período de tratamento e exames exaustivos os médicos chegaram à conclusão de que ele ficaria definitivamente inválido, da cintura até a ponta de seus pés.

O choque foi grande, Maíra e Eduardo entraram em desespero, foi difícil agüentar a barra, mas o amor que os unia, só fez aumentar e dia após dia, a vida foi ensinando aos dois qual o caminho a seguir e assim foi.

Contudo, Maíra tinha 32 anos de idade, uma jovem e sedutora mulher que arrancava suspiros dos colegas de trabalho e dos homens em qualquer lugar e sua beleza era tanta que muitos se declaravam a ela mesmo sabendo que era uma mulher casada.

O tempo foi passando, com o marido impotente não faziam mais amor, não havia mais aquela entrega mutua de corpo e alma e Eduardo ao contrário de Maíra parecia não sofrer tanto com isto e quando alguém fazia uma brincadeira de mau gosto a respeito do assunto ele ria e repicava com outra piada.

Maíra era diferente de Eduardo neste ponto, sua jovialidade fazia com que seu corpo gritasse por amor, por calor, pelas caricias das mãos de um homem gentil, educado e carinhoso como Eduardo sempre foi.

O tempo se encarregou de deixa-la transtornada pela falta se sexo, pela falta de receber e dar prazer e amor, não só físico, mas tambem psicológico e seu relógio biológico gritava alto e em bom tom, bem lá, dentro de sua cabeça que ela precisava ser amada, que precisava fazer amor.

Aos poucos ela foi se transformando, já não sorria mais, só vivia calada, chorava pelos cantos às escondidas para que Eduardo não percebesse nada, mas foi tudo em vão e ao contrario do que ela pensava, seu marido estava muito consciente do que estava acontecendo com ela e ele sofria, tanto ou mais do que ela, porque ele sabia que nunca mais iria ser capaz de se deitar com sua esposa e fazer amor, como acontece naturalmente com aqueles que se amam, coisas de homem e mulher.

A coisa foi tão longe que ela perdia a paciência por qualquer motivo, fosse em casa, no trabalho ou na rua, já havia arrumado um ouvinte invisivel ao qual confidenciava numa lingua estranha todos os seus sentimentos e sua vida estava dia a dia, se tornando tão amarga quanto o fel e todos aqueles que a conheciam, percebiam claramente que aquela linda flor que Maíra um dia foi, aos poucos ia murchando, como uma rosa que morre quando colocada fora de um vaso, sem receber a água, seu alimento da vida, fazendo com que dela só sobre o caule e os espinhos.

Eduardo que sofria calado, um homem que um dia foi perfeito e viril, um homem que amava sua mulher mais do que qualquer coisa na vida, percebia mais do que ninguém o mal que afetava sua mulher, um mal que a fazia arder em chamas na cama à noite, a ponto de encharcar sua camisola e os lençóis da cama, era como se um fogo feroz e traiçoeiro a fizesse queimar em vida e era assim mesmo que Maíra se sentia, queimada viva, dia após dia, noite após noite.

Ela nunca teve coragem de falar nada para Marido, porque achava que aquilo iria feri-lo demais e ele já sofria tanto com as circunstancias em que se encontrava.

Eduardo que já não suportava ver seu amor sofrendo daquele jeito, pensava e pedia a Deus para lhe mostrar o caminho para poder ajuda-la, impedindo que aquela flor murchasse por inteiro, era preciso devolver a ela a alegria de viver, o direito de ser e se sentir mulher, de ser amada como tal.

Certo dia ele se lembrou que Mauro, seu melhor amigo, havia disputado com ele o amor de Maíra e que ele teve sorte de ganhar o amor dela e sair vitorioso na competição, mas isto não foi motivo para que uma amizade antiga morresse e Mauro mesmo ferido, vendo seu amor rejeitado, não deixou de lado sua amizade com Eduardo e a vida seguiu seu rumo e até aquele momento, Eduardo sabia que Mauro nunca quis se casar com outra pessoa e sabia que seu amor por Maíra não havia morrido e foi então que ele teve uma idéia que fez com que seu coração batesse mas rápido de tanta emoção.

Eduardo ligou para Mauro, pediu que ele viesse almoçar com ele e abriu seu coração para o amigo, pedindo que ele salvasse sua mulher do fogo eterno que a consumia e disse com todas as letras, que se algum outro homem tivesse que tocar o corpo de sua mulher, que este homem fosse escolhido por ele, que fosse seu melhor amigo e que este homem sentisse por ela um amor verdadeiro.

Mauro ficou estarrecido com a proposta, sua índole não permitia que aceitasse tal idéia, quis recusar definitivamente, mas Eduardo lhe implorou, disse a ele que o amor que sentia pela esposa era maior de que qualquer outro sentimento humano, que seu amor tinha mais força do que os sentimentos negativos de sua masculinidade e sentimentos feridos, que não iria morrer por causa disto, sofrer sim e muito, mas por uma boa causa, para salvar o amor de sua vida da loucura total.

O amigo não teve outra opção se não aceitar o que ele lhe implorava em prantos e no dia seguinte, convidou Maíra para jantar e ela como sempre acontecia quando precisava chegar mais tarde em casa, ligou para Eduardo e lhe contou sobre o convite e ele, mais do que depressa a incentivou, dizendo que ela não saia mais há anos, que precisava se divertir um pouco e assim mesmo relutante, ela aceitou.

Durante o jantar Maíra que tinha por Mauro uma profunda amizade e confiança, em dado momento confidenciou muito do que sentia a ele que gentilmente se prontificou a lhe dar os ombros para chorar, disse que ouviria tudo que ela quisesse dizer, mas que o restaurante não era lugar para isto e lhe propôs irem ao apartamento dele e assim o fizeram, logo que acabaram de jantar.

De papo em papo, com um bom vinho e horas de confidencias, Maíra já estava mais descarregada, mas solta, pois havia muito tempo que precisava desabafar mas não tinha com quem.

Em determinado momento Mauro se aproximou dela e a beijou de leve nos lábios, com muito carinho e naquele momento, a brasa que estava ainda queimando dentro dela logo se transformou em chamas e como ele a amava, foi uma entrega mutua, sem medos, sem receios, sem remorsos, foi um momento mágico, que fez com que tudo mais à volta deles não mais tivesse importância e entre beijos, caricias e gemidos de prazer, se fez o amor, um amor tão profundo e sereno que pareciam ter transcendido as barreiras do tempo e do espaço e assim, pela madrugada eles dormiram afinal, abraçados, como dois seres que tiveram saciada uma sede imensa, após terem feito uma longa travessia de deserto longo e traiçoeiro.

Maíra acordou primeiro que Mauro, ficou apavorada quando percebeu o que havia ocorrido entre eles, não queria acreditar no que tinha sido capaz de fazer, na traição que havia cometido contra seu marido, o homem que a amava de todo coração e então ela começou a soluçar desesperadamente como se um peso imenso tivesse sido colocado sobre sua consciência esmagando-a por completo.

Mauro vendo-a desesperada, não viu outra saída se não contar a ela o que seu marido havia lhe implorado que fizesse e quando ele terminou, ela não sabia o que pensar, ficou pasma, estática, foi como se naquele exato momento, masi uma vez, o tempo e o espaço não tivessem nenhuma relação entre si e foi então que lá do fundo de seu coração, veio a resposta para a pergunta que ela se fez quando quando soube sobre o pedido desesperado de seu marido.

A primeira coisa que ela se perguntou foi o porque daquilo tudo, qual teria sido o motivo pelo qual seu marido tomou a atitude que tomou e o que seu coração lhe deu como resposta, foi o mesmo que muitos de nós recebemos algumas vezes na vida, quando alguém que nos ama faz coisas extraordinárias que ninguém mais o faria...

Eduardo deu ao amigo a única coisa que ele realmente venerava em sua vida, deu a ele sua mulher, deu a ele aquele corpo que havia sido só seu, doeu muito, seu coração sangrou, mas por um bom motivo, ele salvou sua flor de murchar até morrer, lhe devolveu a vida e mais uma vez, por ironia do destino, ele partiu deste mundo, partiu ao encontro da luz divina, foi encontrar a verdadeira paz lá no céu, nos braços do pai...

O coração encontra caminhos estranhos a muitos de nós, só ele é capaz de encontrar o caminho certo para nos provar a existencia do amor verdadeiro dentro dele, podem haver momentos e circunstancias diferentes onde ele precisa nos fazer acreditar em sua palavra, podem até variar de acordo com diferentes pontos de vista de cada um de nós, mas os caminhos que ele nos indica durante nossa jornada por este plano astral, só ele conhece, mais ninguem...

Texto: Jose Araujo