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sábado, 31 de janeiro de 2009

O ESTRANHO DENTRO DE NÓS...



O céu azul, totalmente limpo, sem uma nuvem sequer, prometia mais um dia de verão escaldante no litoral paulista. A praia já tinha muitos banhistas caminhando na areia naquele horário da manhã. Alguns mais afoitos que passavam por nós, já tinham ido até a estátua de Iemanjá na Cidade Ocean e estavam voltando. Uma caminhada e tanto a se percorrer. Como ficávamos todos os anos no mesmo apartamento, conhecíamos muitos moradores da Vila Guilhermina na Praia Grande, e às vezes, quando estávamos caminhando pela praia, as pessoas paravam um pouco para descansar e muito orgulhosas do feito, diziam até onde tinham ido na caminhada matinal. Era muito cedo quando resolvemos ir para a beira do mar com uma turma de amigos. Aproveitando os poucos dias de férias juntos, nós não queríamos perder nem um segundo sequer. Passamos horas de muita descontração, sentados nas cadeiras embaixo dos guarda sóis, tomando água de coco gelado, trocando ideias, sentindo a brisa do mar e ouvindo o barulho das ondas a se quebrar. Foi uma manhã muito agradável para todos nós. Quando o sol já estava a pino, resolvemos voltar para o apartamento onde estávamos e almoçar tranquilos. Depois de uma boa soneca, que, aliás, era de lei todos os dias depois do almoço, resolvemos voltar para a praia e aproveitar tudo que tivéssemos direito até o sol se por.
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No caminho, brincávamos uns com os outros descontraidamente, quando eu percebi um mendigo vindo em nossa direção. Ele andava na rua puxando um carrinho daqueles que algumas pessoas usam para recolher objetos jogados no lixo. Ele era feito de madeira, apoiado sobre duas rodas de bicicleta. Fiquei imaginando como aquelas rodas tão frágeis aguentavam tanto peso. Observei que havia nele uma quantidade imensa de tralhas que para pessoas comuns não valem absolutamente nada. Mas para aquele homem, elas deviam representar o seu ganha pão. Meus amigos ao avistarem o pobre homem, cada um à sua maneira fez uma expressão de desgosto por sua aparência. Sem ao menos pensar no que estavam por fazer, a maioria deles preferiu atravessar a rua, já que ele estava vindo em nossa direção, bem ao lado da calçada por onde estávamos caminhando. Fui literalmente puxado por um deles. Mesmo sentindo dentro de mim uma sensação estranha de desgosto por aquele ato, acabei cedendo e os segui para o outro lado. O homem deveria ter uns sessenta anos ou mais e seus cabelos brancos, amarelados pelo tempo, estavam desalinhados e sujos. As roupas multicoloridas que ele estava vestindo, provavelmente, doações feitas por pessoas diferentes, em seu conjunto, me fizeram lembrar as obras de Gaudi.
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As cores vibrantes de cada peça, contrastando com sua aparência física mal cuidada, faziam dele uma imagem não muito agradável de se ver. A expressão que havia em seu rosto, puxando aquele carrinho como se fosse um animal atrelado a uma carroça, era de alguém que tinha raiva até mesmo do ar que respirava. Enquanto caminhávamos na direção contraria à dele, já na outra calçada, não pude tirar meus olhos daquele pobre homem. De alguma forma, a situação em que ele se encontrava na vida me incomodava demais. Ouvindo as piadinhas de mau gosto feitas pelos meus amigos a respeito dele, eu estava me sentindo mal. Era de um jeito que eu nunca havia me sentido na vida. Quando ele estava cruzando conosco do outro lado da rua, a calçada ao lado de onde ele estava passando estava completamente vazia. Todas as pessoas que estavam indo ou vindo da praia caminhando por ela, haviam se desviado para o outro lado. Exatamente como eu e meus amigos. Ao me dar conta do que estava acontecendo, eu parei e fiquei observando o jeito dele andar. Parecia que ele não via nada à sua frente. Em seu rosto estava estampada uma dor muito profunda. Uma tristeza de tocar o coração. Ele não estava dirigindo seu olhar a nenhum ponto em específico. Era como se seus olhos estivessem vidrados. Como se ele não visse nada à sua frente.
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Apenas caminhava na direção do lugar para onde deveria ir, que por certo, deveria ser o mesmo de todos os dias. Foi o que pensei. Meus amigos já iam bem à minha frente e nem deram pela minha falta no meio do grupo. Estavam rindo e fazendo chacotas sobre o pobre coitado. Resolvi seguir em frente e me juntar a eles. Andei alguns passos sem olhar para trás. De repente, ouvi um barulho enorme e me virei rapidamente. O pobre homem havia tropeçado em alguma coisa, e ao cair, seu carrinho virou espalhando todas as coisas que estavam nele no meio da rua. Com dificuldade ele se levantou, colocou com muito esforço o carrinho em pé, e começou a juntar seus preciosos achados, espalhados pelo chão. Tive a impressão de que suas costas deviam doer muito. Eu percebi. Ao abaixar-se para apanhar algum objeto, ele colocava as mãos nelas, com uma expressão de dor. A estas alturas, muitos transeuntes que passavam pelo lugar apenas desviavam-se para a outra calçada como todos os outros, e os que não o faziam, passavam direto por onde ele procurava desesperadamente recolher seus objetos. Nem ao menos olhavam em sua direção. Era como se ele não existisse. Como se ele não estivesse ali na frente de toda aquela gente, passando por aqueles maus momentos. Ninguém. Absolutamente ninguém se propôs a ajuda-lo.
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Aquilo mexeu comigo. Eu nunca pensei que um dia eu sentiria algo parecido. Olhei para a direção de onde se encontravam meus amigos e eles estavam me chamando para seguir com eles. Um deles gritou de longe para que eu deixasse de lado aquele homem. Que ele iria se virar sozinho, ou algum trouxa iria aparecer para ajuda-lo. Uma revolta foi crescendo dentro de meu peito. Vendo aquela situação pela qual ele passava, relembrando aquele rosto sofrido e com aparência de odiar a própria vida, eu não pude tomar outra decisão. A despeito dos assovios e piadinhas de meus amigos, dos olhares incrédulos das pessoas que passavam pelo local, me aproximei de onde ele estava, e me abaixei para ajuda-lo. Quando ele percebeu minha presença, levantou a cabeça segurando dois objetos que tinha apanhado no chão. Quase rosnando me disse para ir embora. Que não precisava da minha ajuda. Um tanto assustado, olhei em seus olhos e por um momento, eu senti medo de que ele os atirasse em mim. Ele me olhava com tanta fúria, que eu cheguei a estremecer. Aquela sensação de receio durou pouco dentro de mim. Decidido, eu me abaixei, apanhei alguns objetos e comecei a recoloca-los no carrinho.
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Atônito com minha atitude, ele balançou a cabeça como se achasse que eu estava louco ou coisa assim. Sem dizer mais nada, mesmo contrariado, ele também começou a apanhar outros objetos e coloca-los do carrinho. Em pouco tempo, nós dois havíamos juntado tudo que havia caído. Quando acabamos, eu achei que ele fosse simplesmente virar as costas e ir embora. Mais uma vez na vida, eu fiz um julgamento precipitado. O velho homem virou-se para mim, apoiou-se no carrinho e fechou os olhos, como se estivesse sentindo uma tontura ao ter levantado bruscamente após apanhar um objeto que teimou em cair de novo. Quando os abriu novamente, ele me olhou bem dentro dos olhos e com uma voz rouca e cansada, ele me agradeceu com uma única palavra. Obrigado. Surpreso por receber aquele agradecimento, eu simplesmente sorri. Disse que não havia sido nada e que foi um prazer poder ajudar. Tremulo, ele colocou a mão direita em meu ombro. Sua face se iluminou com um sorriso lindo e meigo, que naquele momento pareceu ter literalmente lavado de seu rosto aquela expressão de dor, de tristeza e rancor até pelo ar que respirava. Ele ficou com a mão em meu ombro algum tempo. Sorrindo em olhando em meus olhos. Lágrimas rolaram naquele instante, dos olhos dele, e dos meus. Foi um momento emocionante que uniu dois seres humanos, da maneira como deve ser.
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Pelo amor. Pela solidariedade. Pelo prazer de fazer o bem sem olhar a quem. Por uns poucos instantes, nosso mundo foi um só. Nossas metas eram as mesmas, e juntos, sem as barreiras do orgulho, do preconceito e da discriminação, nos unimos pela nossa essência humana. Aquela que nasce conosco quando aqui chegamos, mas é corrompida pela dita sociedade. Varias pessoas que passavam por nós, olhavam para aquela cena como se não acreditassem que eu pudesse deixar aquele mendigo me tocar daquele jeito. Aquilo antes poderia ter me incomodado, mas naquele momento não mais. O que havia dentro de mim era algo que até então eu desconhecia, mas aquela sensação, sem dúvida nenhuma estava me fazendo muito bem. Ele retirou a mão de meu ombro, estendeu-a em minha direção para que eu a apertasse. Sem hesitar eu correspondi. O que aconteceu naquele instante de minha vida foi o aperto de mão mais sincero e mais verdadeiro que eu já tinha recebido. Ele se virou, caminhou até seu carrinho cheio de tralhas, e seguiu seu caminho. Pensei que ele fosse ir embora sem olhar para trás. Mais uma vez eu me enganei. Depois de caminhar uma boa distancia, ele deu uma parada e virou-se para acenar com a mão. Com o coração mais leve do que nunca em minha vida, sentindo uma paz que eu nunca senti, eu também acenei e sorri. Em uma das travessas ele virou uma esquina, e desapareceu. Não sei por que, mas tive uma vontade imensa de vê-lo mais uma vez. Andei em direção à esquina em que ele havia virado, mas quando olhei ao longo da rua onde ele entrou, misteriosamente ele havia desaparecido. Um tanto chateado e confuso com aquilo, eu retomei meu caminho.
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Meus amigos envergonhados por eu ter parado para ajudar o velhinho, já tinham ido embora para a praia. A Rua Haiti voltou ao normal. Nas calçadas, dos dois lados da rua, havia pessoas indo de lá para cá. Não sobrou nem sinal do que havia acontecido há bem poucos minutos atrás. Enquanto eu caminhava, relembrei de mil outras situações que aconteceram antes em minha vida, onde eu poderia ter ajudado, mas não o fiz. Por orgulho, por preconceito, por vergonha de me expor, mas principalmente, por achar que o mais importante era o que as outras pessoas iriam pensar de mim. Que coisa estúpida. Eu pensei. Leve como uma pluma, eu caminhei em direção à praia. Ao chegar lá, fui procurar meus amigos no lugar de sempre, mas não os encontrei. Lembrei-me de procurar no quiosque que ficava quase em frente ao supermercado Beija-flor. O lugar onde eles adoravam tomar uma cervejinha e comer peixe frito e camarão. Foi lá que os encontrei. Passamos o resto da tarde conversando, rindo e brincando o tempo todo. Fui motivo de piadas e brincadeiras a respeito do que eu fiz. Mas nada parecia me afetar. Se eles fizessem brincadeiras como as que estavam fazendo comigo em outros tempos, eu não teria gostado e provavelmente teria revidado. Mas naquela tarde não.
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Eu estava num alto astral tão grande. Sentia-me tão bem para comigo mesmo, que eu não dava a mínima para o que diziam. Eu não ligava mais para o que as pessoas pudessem pensar de mim. Em certo momento, pareceu-me não ouvir mais ninguém à minha volta. Com os olhos distantes e fixados na direção do mar, eu estava me sentindo com uma estranha energia. Foi algo tão forte que é difícil explicar. Aconteceu de uma maneira como nunca senti em toda a minha vida. Lembrando de tudo que aconteceu e pensando bem, aquele pobre homem, triste e sofrido, que quando o vi pela primeira vez carregava no rosto uma expressão imensa de dor e tristeza, me apresentou a alguém que sempre esteve dentro de mim, mas eu sempre fiz de tudo para evitar o contato com ele. Ao dizer aquele simples obrigado depois que o ajudei, colocando sua mão em meu ombro, com aquele sorriso doce e meigo em seus lábios e compartilhando comigo aquelas lágrimas sentidas, ele me apresentou a mim mesmo. Ao meu verdadeiro Eu. Um Eu que eu nunca soube existir. Alguém diferente do que sempre fui, apenas para agradar as outras pessoas, e ser aceito normalmente pela dita sociedade. O Eu que não tem medo do que elas possam falar ou pensar dele. Uma pessoa autentica que faz o que faz, por achar que é a coisa certa a ser feita.
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Não porque os outros e o sistema criado pelos próprios homens determinam que seja feito assim, ou assado. Este novo Eu estava me fazendo feliz. Olhando o mar, com suas ondas mansas naquela tarde, um sorriso brotou em meus lábios, eu sorri para mim mesmo. Uma sensação de plenitude tomou conta de meu ser. Descobri que havia me transformado em um alguém muito melhor do que era há poucas horas atrás. Sentia do fundo de minha alma, que sentado no banquinho daquele quiosque da Praia Grande, estava um ser humano diferente. Que aprendeu que depois de amar, o mais lindo verbo que se pode conjugar, é o verbo ajudar. Que tudo que estava acontecendo comigo, só foi possível porque aquele pobre homem humilde e sofrido, com apenas uma palavra de agradecimento e um sorriso, me apresentou a uma pessoa muito especial. Ele me colocou em contato com alguém que sempre esteve dentro de mim, mas do qual eu nem sabia da existência, pois estava cego pelos padrões de comportamentos criados e ditados pela tal sociedade dos homens. Este que antes eu não conhecia, era o meu verdadeiro Eu. Que até então, nada mais era do que um estranho dentro de mim.
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A bondade existe no coração do ser humano por essência e ela nasce junto conosco quando chegamos a este plano astral. Contudo, desde pequenos, somos instruídos pelo sistema ditador da sociedade, que somos obrigados a aprender e seguir cegamente as regras e padrões existentes, apenas para sermos aceitos como pessoas normais.
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Uma sociedade que em poucas palavras, cria as leis dos homens, mas não segue como deveria as verdadeiras e únicas Leis. As Leis de Deus. O nosso Eu interior é uma centelha divina. Carrega em si todo o poder do amor. Há dentro de cada um de nós um estranho, dando sinais o tempo todo de que esta lá. De que precisa ser conhecido e libertado para poder se manifestar e agir em nome daquilo para o qual fomos criados. Somos parte viva e pulsante do amor deixado neste mundo quando Deus nos criou. Alguns de nós descobrem esta verdade ainda em tempo, mas outros, quando já é tarde demais. Precisamos conhecer e acreditar pelo nosso bem e pelo bem das futuras gerações, na existência do nosso verdadeiro Eu, o estranho dentro de nós.
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Autor: José Araújo

domingo, 25 de janeiro de 2009

AMOR, ESTRANHO AMOR...



Tarde de inverno em São Paulo. Estava muito frio naquele dia. Os termômetros digitais espalhados pela cidade e no alto do edifício do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, mostravam naquele momento oito graus. 
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Giseli saiu do banco onde trabalhava e foi direto para a faculdade que ficava próxima da estação São Judas do metrô. Ela morava do outro lado da cidade, no bairro do Tatuapé. Quando terminavam as aulas, ela saia praticamente correndo para poder chegar logo em casa e poder descansar um pouco, pois pela manhã ela tinha que estar no trabalho às 9:00s. Desde que chegou à capital paulista vinda do Rio de Janeiro, ela só trabalhava e estudava, mal dava tempo para descansar. Em sua vida corrida, não havia espaço para cuidar de sua vida sentimental. O único tempo vago que ela tinha, era usado para ensaiar. Estudante de musica, algo que sempre a fascinou desde criança, ela tinha paixão pelo violino e seu sonho era poder um dia tocar numa orquestra no Teatro Municipal. Quando ela chegou em São Paulo, procurou imediatamente um pequeno apartamento próximo dos meios de transporte, para que não sofresse tanto com as mudanças na sua vida. Através de uma imobiliária indicada por um amigo, ela conseguiu alugar um que parecia ter sido feito para ela. Cada espaço tinha sido muito bem projetado e apesar de ser muito pequeno, era agradável e extremamente funcional. Na convenção do condomínio estava bem claro que após as 22hs era obrigatório o silêncio e para ela, uma estudante de música, aquele era o único e talvez, o maior inconveniente. Quando ela não tinha aulas, coisa rara, ela gostava de praticar tocando suas músicas e isto parecia incomodar profundamente o vizinho de baixo que vivia cutucando o teto com um cabo de vassoura para que ela parasse de tocar. Dentro de seus direitos como todo condômino, ela continuava até que o relógio apontasse para hora limite e ai então ela parava de tocar. Esta situação se repetia sempre que ela tocava seu instrumento e aquilo a deixava muito triste e incomodada, porque afinal, em seus pensamentos, uma pessoa que não gosta de boa música, não deve gostar de mais nada na vida. Ao contrário do vizinho de baixo, o de cima, ela nem ouvia.
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Ele quando não estava fora, estava fazendo seus trabalhos em seu computador. Parecia que a musica dela nem ao menos era ouvida por ele. Durante muito tempo eles não se viram, aliás, ela só teve oportunidade de vê-lo de relance na portaria do prédio, poucos dias depois que se mudou e dai em diante, nunca mais o viu. Foi uma coisa tão rápida, que ela nem mesmo teve a chance de ver o seu rosto porque ele estava de costas falando com o zelador. Giseli soube quem ele era através do porteiro quando foi pegar as correspondências no final da tarde. De certa forma, a ausência dele em seu apartamento a preocupava. Mesmo sem conhecê-lo, ela sentia como se algo nele lhe fosse muito familiar. Certa noite, um temporal imenso se formou nos céus da capital e trovões acompanhados de descargas elétricas assustavam os moradores da zona leste. Devia ser mais ou menos 8hs da noite quando o vizinho de cima mal entrou em casa e saiu novamente. Ele tinha que estar num compromisso que havia marcado com os amigos e saiu tão rápido para não se atrasar, que esqueceu seu computador ligado quando se foi. Os raios e trovões cada vez mais fortes, causavam falta de energia em muitos pontos da cidade. Os alagamentos como sempre, já tiravam a alegria dos paulistanos. Num determinado momento, um raio de proporções imensas caiu nas proximidades do edifício onde ela morava e a descarga elétrica atingiu todo o sistema elétrico do condomínio, causando um black-out total. Naquele dia ela estava em casa ensaiando e quando as luzes se apagaram ela ficou um pouco assustada, mais pelo barulho feito pelo raio do que propriamente pela escuridão em que se viu. Pacientemente ela aguardou que a situação se normalizasse por algum tempo, mas quando já eram praticamente 3 horas da manhã ela foi dormir. Os estragos haviam sido grandes e o conserto do sistema elétrico só seria possível no dia seguinte. Só pela manhã, com a energia restabelecida é que todos os moradores puderam ver exatamente quais as consequências daquela descarga elétrica tão violenta. Aparelhos de TV, DVD, som e eletrodomésticos haviam sido queimados, causando perda total. Alguns mais afortunados não tiveram todos os seus aparelhos eletrônicos destruídos, apenas alguns e entre eles estava o vizinho de cima. Quase tudo havia sido poupado. Menos o computador.
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Muito nervoso, ele começou a gritar em seu apartamento e Giseli ouvia tudo com clareza. As paredes eram como uma casca de ovo de tão finas e qualquer barulho que se fizesse em outro apartamento, os vizinhos ouviam. No dela como estavam todos desligados enquanto ela ensaiava tocando o violino, nada foi perdido e ela compreendeu bem a revolta do rapaz que precisava de seu PC para fazer seus trabalhos. Dizendo palavrões até para a sua própria sombra, ele saiu batendo a porta atrás dele violentamente. Naquele dia ela estava de folga e não foi trabalhar. Uma folga no meio da semana para ela era perfeito. Durante o dia ela podia tocar seu instrumento tranquila porque o vizinho de baixo não estaria em casa e não atrapalharia sua concentração. Em determinado instante, ela começou a tocar A Primavera de Vivaldi e ela tocava com tanto sentimento, que se desligou totalmente do mundo do lado de fora. Ela se entregou a tocar aquela musica com os acordes que saiam de sua própria alma. A musica linda e envolvente parecia que tomava conta do ambiente e se espalhava para além das paredes de seu apartamento. Um silêncio profundo, se fazia presente servindo de fundo para suas notas musicais. Não se ouvia o barulho dos carros lá fora. Nem o som das crianças brincando no Play Ground do edifício. Ela sentia literalmente estar flutuando. Carregada pela melodia que sempre lhe acompanhou desde pequena. Gisele conhecia a partitura daquela obra de trás para frente. A Primavera de Vivaldi estava agora em todo o seu ser. De repente ela ouviu um acorde de um instrumento que não era o dela e ele começou a tocar a mesma musica, em perfeita sintonia com ela. Parecia que o musico que a estava tocando, estava no apartamento de cima. Como seria isto possível? Ela pensou. Não há ninguém lá neste momento e segundo o que porteiro disse, o rapaz estuda arquitetura. Quem poderia estar tocando violino? De qualquer maneira, ela continuou a tocar e aos poucos a sincronia que se seguiu entre ela e o músico desconhecido, tocou fundo o seu coração.
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Horas depois ela parou de tocar e o desconhecido também. No final da tarde, antes de sair para a faculdade, ela pegou seu instrumento e olhando para ele com o mesmo amor de sempre, o colocou no ombro e começou a tocar Canção para Ana. No mesmo instante, no apartamento de cima, alguém começou a tocar a mesma musica. Ela estremeceu. Ele tocava com tamanha perfeição que as lágrimas vieram aos olhos de Gisele de tanta emoção. Ele tinha um estilo diferente. Os acordes que ele conseguia em seu instrumento eram de alguma forma algo muito especial. Era uma coisa que ela não sabia explicar, mas tocava o fundo de sua alma. Quando ela parou de tocar, desta vez ele continuou. Foi a mais bela apresentação de Canção para Ana tocada por um violinista que ela já tinha ouvido na vida. De alguma forma ela se sentiu atraída pelo artista. Ele devia ser um homem muito especial. Um daqueles seres que tem sentimentos e que sabia como demonstra-lo através de sua arte, de uma maneira tão maravilhosa que encheu o coração dela de alegria. Apaixonada pela musica e pelo artista que a estava tocando, ela se deixou levar pelas asas da imaginação. Gisele se viu tocando ao lado de um violinista que não tinha rosto. Ao lado dela, na penumbra do palco onde eles apresentavam juntos, ela não conseguia enxergar seu rosto, mas olhava para ele com verdadeira adoração. De repente a musica parou. Ela voltou à realidade. Olhou para o relógio na parede e teve que sair correndo para não chegar atrasada na faculdade. No caminho, ela pensava naquele musico maravilhoso que estava tocando no apartamento de cima e uma vontade imensa de conhecê-lo pareceu enraizar-se em seu coração. Naquela semana ela não teve mais tempo de ensaiar. Saia cedo e chegava tarde e não poderia fazer barulho após o horário estipulado pela convenção. O final de semana chegou. Ao passar pela portaria na sexta feira, ela ouviu o porteiro dizer ao seu colega de trabalho, que o rapaz que morava acima do apartamento dela, tinha estado fora desde o dia seguinte em que o raio caiu por causa do seu PC que havia sido queimado. Que sem tempo para leva-lo ao conserto, ele precisou ficar na casa de amigos, para poder fazer seus trabalhos da faculdade.
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Ela balançou a cabeça negativamente, mas não disse nada a ninguém. Ela pensava consigo mesma em como aquilo era possível. Havia alguém naquele apartamento e quem esteve lá era um musico que tinha um talento que ela nunca tinha ouvido em sua vida. Já dentro do elevador, algo fez com que ela apertasse a tecla do 5º andar. Gisele morava no 4º, mas seus dedos não obedeceram à sua mente e apertaram a tecla do andar de cima. Quando a porta se abriu, ela ficou parada dentro do elevador. Ela não tinha a menor ideia do porque ela tinha feito aquilo. Sem movimentação a porta ia se fechar. Alguém havia chamado o elevador no andar térreo. Ela segurou a porta. Como se fosse guiada por uma força maior, ela saiu dele e se dirigiu para a porta do apartamento de seu vizinho. Ao chegar em frente, como se tivesse a intenção de abrir a porta ela segurou na maçaneta. A porta se abriu lentamente. Atônita com os acontecimentos, ela entrou devagarzinho. A curiosidade em descobrir quem esteve lá, tocando aquela linda canção ao violino foi mais forte do que ela. O ambiente estava escuro. As janelas estavam fechadas e na pequena sala havia uma janela maior, onde uma cortina fechada dava ao ambiente, a meia luz. Ela se lembrou do que ouviu o dono do apartamento gritar quando saiu. Instintivamente ela olhou para o computador colocado em cima de uma escrivaninha, e se aproximou. O monitor de 20 polegadas estava totalmente apagado. Ela pode ver que o cabo de força que alimentava a CPU através de um estabilizador estava fora da tomada. Que bobagem. Ela pensou. Depois do que aconteceu ao equipamento não havia mais necessidade disto. Aquele apartamento vazio e naquela penumbra, lhe pareceu tão solitário. Ela se lembrou da musica que ela tocou com o violinista desconhecido. Como seria bom se ele estivesse aqui neste momento. Foi o que passou por sua mente.
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De costas para o monitor ela não viu, mas um pequeno ponto de luz piscou no centro de sua tela. Ela estava absorta em seus pensamentos e observando com interesse algumas fotos e quadros pendurados na parede. De repente ela ouviu uma nota musical. Ela deu um pulo assustada e olhou para trás. Naquele exato momento ela viu que um pequeno ponto de luz estava desaparecendo na tela do computador. Arrepiada, ela automaticamente pensou que aquilo era impossível de estar acontecendo. Não havia energia. O cabo de força não estava plugado na tomada, e além do mais, o aparelho tinha sido queimado naquele dia em que o raio caiu nas proximidades. Estou vendo coisas. Ela imaginou. De certa forma amedrontada, ela resolveu sair e ir para o seu apartamento. Quando ela estava se dirigindo para a porta de saída, mais uma vez ela ouviu a mesma nota musical. Como música ela conhecia muito bem aquela nota. Era a mesma com que começava A Primavera de Vivaldi. Seu coração disparou. Na tela do computador um ponto de luz havia surgido e estava um pouco maior do que aquele que ela tinha pensado ter visto antes. Outra nota se fez ouvir. Gisele paralisada, agora estava em pé em frente ao PC. Outra nota seguida de outra e mais outra iniciaram ao som de um violino a execução daquela musica que sempre a fascinou. No centro do monitor surgiu o desenho de um coração que pulsava em ritmo compassado com a musica. Sem saber o que pensar, nem como agir, ela ficou parada onde estava e passou a ouvir a canção. Então foi ele! Ela pensou. Quem tocou comigo a Canção para Ana foi o computador! Devo estar ficando louca! Só pode ser isto! Meu Deus! Que devo fazer? Enquanto ela pensava, bem no meio do coração que batia ao compasso da canção, uma frase foi surgindo e nela Gisele pode ler... EU TE AMO!
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Ela quase desmaiou. Aquela máquina, um equipamento eletrônico estava dizendo que a amava! Isto é loucura! Ela gritou. Falando alto como se alguém a estivesse ouvindo, ela disse que iria embora. Que precisava tomar um banho para se acalmar porque com certeza, ela estava tendo alucinações. Na tela então surgiu um rosto. Nele não havia expressões definidas. Parecia mais um daqueles seres virtuais que se vê em filmes de ficção, mas claramente ela pode ver uma lágrima saindo de seus olhos e que escorria lentamente. Um sentimento de angustia tomou conta de seu coração. Aquela máquina estava demonstrando sentimentos. Ela sofria porque ela iria embora e estava chorando! Gisele fechou os olhos, balançou a cabeça e virou-se em direção à porta e sem olhar para trás, decidida ela caminhou até lá. Abriu a porta e saiu. Naquele mesmo instante, o monitor se apagou. Já em seu quarto, após uma ducha longa e relaxante, Giseli estava deitada em sua cama, mas não conseguia dormir. A imagem daquele rosto virtual chorando não saia de seus pensamentos. Angustiada por não encontrar uma resposta plausível para tudo o que aconteceu e muito cansada pelo dia exaustivo, seguido daquelas fortes emoções, finalmente, horas mais tarde, ela adormeceu. Na manhã do dia seguinte, um domingo ensolarado como não se via ha dias, ela acordou um pouco mais tarde e a primeira coisa que lhe veio à mente foi aquele computador. Com a mente mais leve e com mais capacidade de raciocinar depois do sono revigorante, ela imaginava o que teria feito com que aquela máquina mostrasse sinais de vida, de sentimentos e o mais incrível e inexplicável, ela mostrava sinais de estar funcionando sem energia elétrica. Alimentada por uma estranha energia e sem que ao menos o cabo de força estivesse ligado à tomada da parede. Depois de tomar seu café da manhã, ainda pensando no assunto, com sua mente esclarecida e inteligente, ela finalmente chegou à conclusão de que alguma coisa que está entre o céu e a terra havia feito aquela proeza incrível. Que de algum jeito, quando houve aquela descarga elétrica, aquela máquina ganhou uma força inexplicável e seu potente processador passou a executar funções e tarefas para as quais ele não havia sido criado.
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Lembrando-se da lagrima que caiu daqueles olhos virtuais, seu coração se apertou. Fosse o que fosse, ele demonstrou por ela um amor profundo, coisa que muitos humanos não são capazes de fazer. No fundo de seu coração, ela sentia um carinho enorme por aquela máquina e não queria vê-la sofrer. Ela tentou varias vezes durante o dia não pensar mais no assunto. Em esquecer aquilo de uma vez por todas, mas algo parecia que tinha necessidade de lembrá-la da existência daquele amor. Quando chegou o final da tarde, sabendo que o rapaz ainda não tinha voltado para casa, Gisele pegou seu violino e foi para o apartamento dele. A porta ainda estava destrancada e ela nem precisou girar a maçaneta porque ela se abriu sem que ela ao menos tocasse nela. Ao entrar, a penumbra ainda predominava no ambiente e ela imediatamente olhou para o computador. O monitor estava totalmente apagado. Não havia o menor sinal de vida naquela tela. Um sentimento estranho de decepção se apossou de seu peito. Do fundo de seu coração, ela esperava ver e poder falar com o que quer fosse que estivesse lá. Tomada por uma tristeza profunda, ela se preparou para sair, mas antes, sentiu uma vontade imensa de tocar seu violino naquele lugar. Giseli o posicionou no ombro e começou a tocar. Sem saber exatamente porque, a musica que ela tocou foi Canção para Ana. Aos primeiros acordes do violino, a tela do monitor se acendeu. Aquele rosto virtual do qual ela não podia esquecer, apareceu de novo na tela do computador. Desta vez, a expressão daquele rosto virtual era de alguém que estava feliz. Havia em seus lábios um sorriso de felicidade e em seu olhar, um imenso amor. Com o coração acelerado, ela não parou de tocar. Logo após, no lugar do rosto as imagens que se via eram de notas musicais. Em meio a elas, centenas de pequenos corações flutuavam na tela, movimentando-se de acordo com o ritmo da musica. Foi uma emoção incrível. Ao mesmo tempo em que os coraçõezinhos e as notas musicais dançavam na tela, o PC começou a tocar a mesma canção junto com ela. Dentro de poucos minutos, o ambiente estava totalmente envolvido pela energia do amor.
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A musica os havia unido de uma forma muito especial. Tocando o instrumento que ela realmente gostava de tocar, ouvindo aquele músico tão especial tocando em uníssono com ela aquela canção, Giseli sentiu que o estava amando também. Desta vez ela não procurava mais por respostas. Apenas aceitava as coisas como elas surgiram. Durante o período em que tocaram juntos naquela tarde, foi como se tivessem feito amor. Uma sensação plena de satisfação e realização, a fez sentir-se amada como nunca o foi. Já era noite quando ela resolveu ir embora. Na tela estavam os coraçõezinhos e as notas musicais ainda em movimento e ela agora, já falava com o PC como se fosse uma pessoa e disse a ele que precisava ir. Mas assim que pudesse, ela voltaria para tocarem juntos outra vez. Foi neste momento que o rosto virtual apareceu na tela novamente, mas sua expressão era de tristeza. Uma tristeza tão tocante que provocou um arrepio em Giseli. Através de caracteres que surgiram um a um na tela, ele disse a ela que agora era ele quem tinha que partir. Disse que sua passagem pela vida dela já estava chegando ao fim. Que desde o momento em que ele ganhou vida após aquela descarga elétrica, ela sabia que logo teria que partir. Como um computador multimídia de ultima geração, capaz de processar com rapidez e eficiência as informações externas que recebia, ao ouvi-la tocar com tamanho sentimento, ele não conseguiu deixar de se apaixonar por ela. Contudo apesar do amor que ele sentia por ela ter tomado conta de todas as suas placas, circuitos e outros componentes, ele tinha que partir. Ela caiu em prantos. Depois de ter aceitado a existência dele e daquele amor como uma realidade, ele estava lhe dizendo que iria embora. Que nunca mais ela iria vê-lo! O coração dela se partiu. Aquele ser de uma capacidade sentimental imensa, com um talento para a musica que poucos têm na vida, ia desaparecer de sua vida. Entre lágrimas ela o pediu a ele que não se fosse. O rosto virtual, com os olhos cheios de lágrimas disse a ela que não poderia. Que a estranha força que lhe concedeu a vida estava se esgotando. Seu fim estava próximo. Era questão de poucas horas para ele partir. Foram momentos de muita tristeza que ela nunca mais esqueceu. Depois de algum tempo de silêncio, ele escreveu em sua tela que antes de partir, iria deixar algo para ela, que faria com que ele estivesse sempre presente em sua vida. Mas surpresa. Ela teria que esperar até a manhã do dia seguinte. Abatida e decepcionada com a dura realidade, ela se aproximou da tela e beijou suavemente a figura daquele rosto virtual.
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Naquele instante ele sorriu e escreveu na tela, as ultimas palavras que ele iria dirigir a ela. Ele escreveu em letras enormes, que o amor que ele sentia por ela e por sua música seria imortal. Agradeceu pelo beijo, deu um sorriso e escreveu em letras maiores ainda, tendo como plano de fundo um lindo coração vermelho e pulsante, a frase EU TE AMO. Aquela imagem ficou estática na tela por algum tempo e de repente, ela se apagou. Quando ela saiu do apartamento já era noite. Tudo estava escuro e mal dava para ver onde pisava. Ao fechar a porta atrás dela mesma, uma sensação de perda insuportável invadiu seu coração. Chegando em casa ela nem quis jantar. Tomou um banho e foi deitar-se na esperança de pegar no sono e esquecer os últimos acontecimentos de sua vida. Eram 6:30s da manhã quando ela acordou. Como sempre fazia todos os dias, enquanto se preparava para sair para o trabalho ela ligava a TV para ouvir as primeiras noticias e o computador para ler os seus e-mails. Ao ligar a TV ela não pode crer no que seus olhos estavam vendo. Uma reportagem mostrava um concerto no Teatro Municipal de São Paulo e a orquestra estava tocando A Primavera de Vivaldi. No palco, ao fundo de um cenário romântico e primaveril, que dava um clima especial à musica tocada pela orquestra, havia um enorme coração vermelho e escrito bem no meio dele, estava a frase EU TE AMO. Seu coração quase parou. Suas pernas bambearam e ela quase desmaiou. Ouvindo aquela musica que era tudo para ela, vendo o coração com aquela frase escrita nele, mais do que nunca, ela acreditou numa velha e antiga frase, que descreve muito bem a complexidade da vida. Uma frase tão real, tão incrivelmente perfeita, mas que poucas pessoas levam a sério o seu conteúdo, e que diz:
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"Existem mais coisas entre o céu e a Terra, do que possa imaginar a nossa vã filosofia."
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Naquele dia ela foi trabalhar feliz. Giseli carregava no peito um amor muito especial. Um amor por alguém que ela nunca pensou poder existir, mas que por causa de alguma força muito superior surgiu em sua vida e de quem ela jamais iria se esquecer, pelo resto de seus dias. No final do expediente como sempre ela saiu correndo direto para a faculdade. Ao chegar lá ela recebeu de uma amiga um bilhete que havia sido deixado por um rapaz pouco antes dela chegar. Curiosa ela abriu e descobriu que quem o havia mandado era seu vizinho do apartamento de cima. Ele lhe pedia desculpas pela falta de educação de não ter se apresentado desde que ela se mudou e a convidava para um jantar em seu apartamento. Confusa com a surpresa e curiosa para saber o que havia sido feito do computador, ela aceitou. No dia marcado ela se arrumou o melhor que pode e pontualmente apertou a campainha do apartamento dele. Ao abrir a porta, ela pode ver finalmente seu rosto que ainda não tinha visto. Os dois ficaram mudos no mesmo instante. Nenhum deles esperava o que eles viram. O que se seguiu depois, foram beijos e abraços saudosos que nenhum deles esperava que pudessem acontecer. O rapaz era seu ex-namorado que havia ido estudar no exterior há anos atrás. Um amor que não havia morrido no coração de nenhum dos dois, mas por coisas que só o destino pode explicar, eles acabaram perdendo o contato e nunca mais se viram. Num clima de amor e reencontro eles conversaram muito naquela noite. Fizeram amor como nunca tinham feito antes em suas vidas, e pela manhã, deitados na cama lado a lado, ele lhe disse que quando chegou em casa no dia em que voltou trazendo um novo computador, ele soube através de um e-mail enviado por um desconhecido que a sua vizinha do apartamento de baixo era estudante de música e isto aguçou sua curiosidade. Ele se recordou dos momentos felizes que viveram juntos no passado, mas não tinha esperanças de reencontrar o seu grande amor. Sem saber exatamente o motivo, ele resolveu convida-la para jantar e quebrar o gelo.
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Giseli olhou bem dentro de seus olhos e sorriu. Naquele instante, ouvindo aquela narrativa de como ele resolveu convida-la para jantar, ela se lembrou de um alguém muito especial. Ele disse também, que quando estava jogando o velho computador no lixo, percebeu que a tela do monitor estava marcada com algo parecido com um coração, e no meio dele, estava escrita a frase EU TE AMO em letras garrafais. Giseli não pode deixar de se emocionar. Seu amor há muito não visto estava finalmente ali, ao seu lado. Ele estava deitado de costas ao lado dela na cama olhando para o teto sorrindo e pensativo. Ela virou-se e se colocou por cima dele e o beijou com muito amor. Ela nunca contou a ele tudo que aconteceu entre ela e aquele computador, mas sabia que o reencontro dos dois não tinha sido por acaso. Que a felicidade em que ela estava finalmente vivendo com seu grande amor, tinha sido sem dúvida nenhuma, mais uma obra de seu outro amor. Um estranho amor. Um amor diferente, mas muito real. Que foi capaz de abrir mão de seus próprios sentimentos em prol da felicidade dela com outra pessoa e deu um jeito de que ela e seu antigo namorado se reencontrassem de novo. Ele se foi, mas deixou marcas profundas no coração e na vida dela.
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Para Giseli, inexplicavelmente, como é característico do amor, ele foi e sempre será para ela, até o fim de seus dias, um amor, estranho amor, que aconteceu em sua vida de uma forma misteriosa, quase milagrosa e do qual ela jamais iria se esquecer.
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Misteriosamente, no final daquela tarde, em todos os cantos da cidade, onde quer que houvesse um monitor de vídeo, por apenas alguns instantes, havia um coração vermelho e pulsante sendo mostrado em sua tela e no meio dele, estava escrita a frase EU TE AMO em letras maiúsculas. A mesma frase que Giseli leu na tela daquele computador, na primeira e na ultima vez em que ela o viu. A cidade inteira parou por alguns poucos minutos para admirar aquele símbolo do amor. Os namorados de alguma forma não viam a hora de se encontrar. Os casais em seus lares se abraçaram como há muito não faziam. O clima de amor tomou conta da cidade de pedra naquela noite. No dia seguinte as pessoas não eram as mesmas. Elas passaram a se comportar de maneira diferente. Elas sentiam e demonstravam seus sentimentos sem medo nem vergonha. Elas se abraçavam na rua como nunca o fizeram. A amizade voltou a ser como antes. Os amigos eram verdadeiramente amigos e não se importavam com a condição social das pessoas. Quando gostavam de alguém era por seu eu interno e não por seu exterior. As crianças e os jovens adolescentes pareciam estar mais felizes. Os professores os tratavam de maneira diferente porque recebiam deles toda a atenção e respeito que mereciam. Os mestres agora tinham voltado a ter seus alunos como filhos, como uma extensão de suas famílias. Não encaravam seu trabalho exaustivo como uma obrigação para ganhar dinheiro. O amor que sentiam pelo ensino, que há muito tempo eles não podiam demonstrar, por causa da violência nas escolas, agora fluía livre de seus corações. Nas faculdades, os cursos que há muito tempo não tinham procura voltaram a lotar. A mídia durante dias divulgou o estranho acontecimento e as investigações para se descobrir quem teria feito aquilo, pareciam não levar a lugar algum.
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As pessoas passaram a revisar seus comportamentos para consigo mesmas e para com o próximo e de uma forma antes nunca vista. Acordaram para a realidade de que no âmbito profissional, não se pode ser feliz fazendo aquilo que não se gosta. Só pelo fato de ser uma profissão rentável. Passaram a ter consciência de que quando chegassem ao fim de sua jornada, após anos de trabalho duro e exaustivo naquilo com o qual nunca se identificaram, em nenhum momento de suas vidas, seu final seria muito triste. Tinham pleno conhecimento de que a frustração por não ter sido o que realmente desejavam na vida, seria seu pior castigo na velhice. Tudo mudou com a força do amor a partir daquele dia.
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Contudo, se as pessoas soubessem do que realmente havia acontecido entre Giseli e aquele computador, diriam em sua grande maioria, em sua vã filosofia, que achavam que aquilo tudo era loucura, alucinação.
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Somente alguns poucos, no mínimo poderiam dizer que aquele havia sido realmente um amor, mas sem duvida nenhuma, um amor, estranho amor...
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Autor: José Araújo















quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

PROMESSA CUMPRIDA



Aquela foi a ligação que ela esperava que nunca tivesse que acontecer. Não daquele jeito. Eram seis horas da manhã e ela ainda estava acordada, quando o celular tocou. João, o pai que ela tanto amava, estava internado no Hospital do Coração esperando por um transplante e ela estava hospedada na casa de amigos nas proximidades do hospital. Ele tinha tido recentemente muitas complicações e não estava nada bem, assim, uma ligação àquelas horas da madrugada, só poderia significar uma coisa. Ele havia partido. Márcia havia se divorciado a questão de quatro anos atrás e quando finalmente se viu livre para seguir seu destino, tudo que ela mais queria era reencontrar o seu pai. João a havia abandonado aos cuidados de sua pobre mãe quando ela tinha somente seis anos de vida. Foram tempos muito difíceis para ela que sempre o amou de todo coração. Ele partiu sem se despedir e nunca mais as procurou. A vida inteira ela sentiu no peito a dor da saudade e da ausência dele. Ela cresceu, se tornou uma mulher adulta, mas as lembranças dos tempos felizes em que ele passou ao lado dela nunca saíram de sua mente, nem de seu coração. Ela sempre dizia a todos que a maior felicidade que ela poderia ter, era poder reencontra-lo e finalmente poder abraça-lo, como fazia quando criança. A carência sempre a acompanhou e ela apesar de ter tido muitos momentos felizes na vida, jamais esqueceu de seu amor pelo pai. Márcia perguntava a todos que o haviam conhecido, se não tinham pelo menos uma pista do paradeiro dele, mas a resposta invariavelmente, era não.

Certo dia, conversando com uma tia, ela lhe contou que alguns parentes dele eram da cidade de Batatais e naquele exato momento, ela decidiu que era exatamente para lá que ela iria partir. A viagem de ônibus foi cansativa. Após longas horas sentada num banco desconfortável, finalmente ela chegou ao seu destino. Lá mesmo na rodoviária, ela começou a indagar se alguém por acaso conhecia seu pai. Não foi preciso perguntar muito porque em cidades pequenas, todo mundo conhece todo mundo. O dono de uma lanchonete lhe deu o endereço, dizendo que a rua ficava logo após a igreja matriz e que a casa onde ele morava, não tinha como errar. Era a única da rua, toda pintada de branco, com portas e janelas azuis. Disse também, que não seria preciso pegar nenhuma condução porque era perto demais. Como em todos os lugares pequenos, perto não era exatamente a palavra adequada para descrever distancia a ser percorrida. Após andar muito, debaixo de um sol escaldante, até que enfim ela viu a torre da igreja e suspirou aliviada. Afinal, ela já deveria ter andado quilômetros a fio para chegar até lá. Quando ela passou em frente à matriz, ela observou a beleza da arquitetura barroca e as escadarias pintadas de branco estavam tão limpas e cuidadas, que pareciam ser feitas de papel. Caminhando mais um pouco, ela chegou na esquina e lá viu escrito na placa o nome da rua que haviam lhe indicado. Naquele momento, suas pernas bambearam e seu coração balançou. Ela devia estar a poucos passos de finalmente reencontrar o seu pai.

Contudo, dentro de seu peito, ela sentia uma espécie de angustia que ela não compreendia. Porque ela estaria se sentindo assim? Já estava tão perto de realizar o seu sonho. Talvez fosse pelo medo de se decepcionar. De não encontra-lo, ou pior, dele nem sequer se lembrar dela e não lhe dar boas vindas. Respirando fundo, ela resolveu continuar. Dobrou a esquina e andando mais alguns metros, ela avistou uma casinha branca, com as portas e janelas pintadas de azul, exatamente como o homem tinha lhe dito. Do lado de fora havia muitas plantas. No fundo de suas memórias, ela se lembrou que seu pai adorava plantas e flores. Perto da janela havia uma roseira carregada de botões. Eram rosas amarelas e algumas até já estavam abertas, exalando um perfume delicioso no ar. Tremula ela se aproximou do portão. Criou coragem e bateu palmas, mas foi em vão. Ninguém atendeu. A vizinha ouvindo as palmas de Márcia, apareceu na janela e perguntou por quem ela procurava. Com a voz embargada, ela disse que procurava pelo Sr. João e que era a filha dele e que ha não o via. A velha senhora sorriu e pediu para ela dar a voltar e entrar em sua casa. Sabendo da hospitalidade das pessoas do interior ela não hesitou. A vizinha que se chamava Dona Maria, a recebeu como se fosse intima da família. Márcia recebeu um abraço tão gostoso dela, que quase não acreditou que aquilo estava acontecendo, pois de onde ele veio uma atitude como aquela não era uma coisa comum. Depois de entrar e se sentar, elas conversaram muito e ela soube que seu pai estava internado na Santa Casa de Misericórdia, o melhor hospital do lugar. Soube também que ele estava sofrendo de uma doença grave no coração e que os médicos locais não lhe deram muito tempo de vida. Dona Maria contou a ela que foi amiga da esposa de seu pai. Que ela havia falecido há muitos anos atrás e desde então ele não mais se cuidou. O tempo foi passando e ele desgostoso da vida, acabou por se tornar um alcoólatra.

Engordou demais e todas as complicações da obesidade e dos maus hábitos alimentares, tinham definitivamente acabado com sua saúde. Em um ano, ele chegou a ter três ataques do coração. Mesmo assim, ele ainda era capaz de comer um leitão inteiro se assim o deixassem, enquanto esperava assar uma fornada de pão de queijo. Em muitas ocasiões ele teve que ser carregado para casa, de tão bêbado que estava. Ao lado de um barril de Chope ele se acomodava e ficava lá até ver sair dele a ultima gota do que ele mais gostava de beber. Doente, sem ter quem cuidasse dele, com todo o estrago que ele mesmo havia feito ao seu organismo, ele finalmente se entregou à doença. Do bombeiro local que antes pesava 120kilos de puro músculo e força, só restaram 50 kilos de ossos e pele. Uma pena, Dona Maria dizia. Márcia chorava em silencio. Suas lágrimas pareciam feitas de ácido. Elas queimavam seu rosto enquanto escorriam lentamente. Depois de muito tempo, após ter bebido um copo de água com açúcar dado a pela boa senhora, ela se recuperou parcialmente e pediu que ela lhe desse o endereço da Santa Casa. Ao sair, elas se abraçaram como se fossem amigas de longa data e ela agradeceu de todo coração, tudo que havia feito por ela. Dona Maria continuou acenando até que Márcia virou a esquina. A passos largos, ela se dirigiu para lá. Ao chegar, meio sem jeito de falar o que tinha ido fazer, ela foi recebida com toda a atenção pela recepcionista. Mais à vontade depois da grata recepção, ela perguntou sobre o Sr. João. O velhinho da casa branca, com as portas e janelas pintadas de azul.

A moça que a atendeu deu-lhe um sorriso e sem fazer maiores perguntas a levou para onde ele estava. Ela ficou imaginando quantas pessoas iam visitá-lo naquele lugar. Numa cidade grande, isto nunca teria acontecido. Ela pensou. Por medidas de segurança, teriam pedido que ela se identificasse e informasse qual o grau de parentesco dela com o paciente. Mas pensando bem, lá naquele lugar, tão longe da violência das cidades grandes, a vida das pessoas era outra. A confiança no ser humano, ainda não havia desaparecido. Ao chegar na porta do quarto, ela se despediu de Márcia e disse para não se demorar. Pé, antepé, ela entrou. Seu pai estava adormecido. Talvez até mesmo pelos efeitos dos remédios, mas deu para ver ao que ele tinha sido reduzido. Ela sentou-se ao lado dela na cama e pôs-se a acariciar seus cabelos brancos. Finalmente, ali estava ele. Seu velho e querido pai. O homem de quem ela se lembrava, cheio de vida, com muita saúde e que brincava com ela no quintal nos melhores anos de sua vida. A dor que ela sentiu naquele momento ao vê-lo daquele jeito, talvez tenha sido maior do que a da perda, quando ele partiu. Ela não guardava rancor. Ela sentia uma mágoa que sempre a acompanhou desde que ele partiu, mas o amor que ela sentia por ele, era muito maior do que qualquer sentimento ruim. De repente ele se mexeu. Ela afastou sua mão para não acorda-lo, mas seus olhos foram se abrindo lentamente. A principio pareceu que ele não a via.

Mas aos poucos, uma luz intensa surgiu de seus olhos cansados e foi seguida por lágrimas de emoção que rolaram livremente. Chorando e sorrindo ao mesmo tempo, ele fez um esforço enorme e estendeu seus braços na direção de Márcia e ela correspondeu. Foi um momento de muita emoção. Um reencontro ha tanto esperado por ela. Não daquela forma, mas talvez se fosse em outras circunstancias, não tivesse sido um momento como aquele que aconteceu entre os dois. Ela, com todo cuidado, com seus braços em torno daquele corpo frágil, e agora tão pequeno, só pensava em não machuca-lo ainda mais. Eles choraram bastante abraçados, e tempos depois as palavras naturalmente foram surgindo. O mais incrível para ela foi que quando ele partiu, ela era tão pequenina, mas com um simples olhar ele a reconheceu. O tempo daquela visita inesperada estava acabando e a enfermeira responsável entrou no quarto para pedir que ela se fosse. Seu pai olhava para ela como se estivesse vendo um milagre acontecer. Com a voz fraca e muito baixa, ele disse à enfermeira que aquela era a sua filha. A moça olhou para ela e deu um sorriso aprovador. Segurando a mão de Márcia, ela pediu que a seguisse, mas antes, permitiu que voltasse para junto de seu pai e lhe desse um beijo de despedida. Quando estavam saindo do quarto, ela olhou bem dentro dos olhos de seu velho e disse para ele não se preocupar. Daquele dia em diante, ele não mais estaria só. Ele sorriu e fez um gesto com as mãos querendo dizer que estava tudo bem. As duas foram para a recepção e Márcia pediu para falar com o médico de plantão. Ela precisava saber tudo sobre a real condição de saúde de seu pai.

Em seu coração, bem lá dentro, ela jurou que nunca mais o deixaria e que iria fazer de tudo para que ele se recuperasse, afinal, ele ainda estava vivo e a esperança nunca morre no coração de quem tem fé. Dr. Amadeu, um profissional competente, disse a ela, que os recursos naquela cidade eram mínimos e para se ter certeza absoluta do que ainda poderia ser feito por ele, era preciso que fosse levado a São Paulo. Lá, no Hospital do Coração, ele poderia fazer todos os exames necessários para se fazer um diagnóstico correto. Ele complementou, que não poderiam esperar mais tempo, porque a cada dia, a tendência era de seu quadro se agravar. Márcia não pensou duas vezes. Ligou para os amigos na capital paulista e conseguiu que uma unidade móvel de UTI fosse busca-lo em Batatais. Assim foi. Não demorou muito para que ele já estivesse internado naquele grande hospital paulista, sob os cuidados dos melhores especialistas que existiam, e foi lá, que após longos exames, noites e noites de insônia para Márcia, chegou-se à conclusão, de que a única salvação para ele seria mesmo um transplante de coração. Apreensiva, ela indagou das possibilidades de se conseguir um doador, mas resposta não foi exatamente o que ela esperava ouvir. Todos eram categóricos em dizer que as chances eram mínimas. Que a população não se registrava como doadores voluntários em caso de morte e que um doador naquele momento, era uma chance em um milhão. Ela se desesperou. Já tinham chegado tão longe e agora, as esperanças eram tão escassas. Ela pedia em suas orações que Deus encontrasse uma saída.

Não era justo que depois daquele tão esperando reencontro, a qualquer momento, houvesse uma despedida final. João ficou internado por semanas a fio. Com muitos cuidados e com o amor de sua amada filha, ele melhorou a ponto de receber autorização para ir para casa e receber os tratamentos necessários durante a espera pelo doador. No dia em que ele recebeu a alta condicional para ir para casa, foi uma alegria total. Ele estava animado e excitado pela idéia de estar com sua filha na mesma casa, sob o mesmo teto, e poder compartilhar com ela momentos comuns, mas tão esperados pelos dois. Logo durante a primeira semana, ele melhorou a olhos vistos e parecia se recuperar mais e mais a cada dia. Na terceira semana até já havia engordado cinco kilos e o apetite havia voltado quase como era antes. Márcia sempre preocupada com o bem estar dele, cuidava para que sua alimentação fosse balanceada, sem muito sal e temperos fortes nem pensar. Ele parecia cada vez mais feliz com a companhia da filha e ela estava radiante com a presença do pai em seu dia a dia. Aos poucos eles foram se conhecendo melhor. Eles descobriram o quanto eles tinham em comum. Que tinham gostos muito parecidos e que tinham a mesma paixão pela cozinha. O tempo passava em não havia noticias sobre um doador, mas parecia que o reencontro dos dois havia operado um milagre em João. Passaram-se três meses e eles até já estavam cozinhando juntos. Enquanto ela picava cebolas, cheiro verde e descascava alho, ele amaciava os bifes na pia da cozinha. Ele demonstrou uma habilidade imensa ao pilotar o fogão como ele dizia. Quando a comida estava pronta, os dois sentavam-se à mesa, almoçavam conversando e sorrindo.

Ela contava a ele sobre sua vida de casada e ele falava de sua falecida esposa. Só ficava mesmo um tanto triste, quando estava falando dela. Em questão de segundos, o humor dele voltava e no fim acabavam os dois na pia lavando as louças sorrindo. Ela lavava e ele secava. Era a vida que tanto ela quanto ele sonhavam há tempos. Enquanto ele enxugava os pratos, às vezes ele dava tapinhas no ombro dela quando ela dizia algo que ele aprovava. Isto era comum e ela adorava isto nele. Seu pai também gostava de ficar mexendo com os passarinhos que pousavam nos galhos da goiabeira do lado de fora da janela da cozinha. Uma vida, simples, comum e com muito amor, foi o que eles viveram naquele curto período de tempo. Mas a vida é cheia de surpresas, mesmo aquelas que de certa forma já são esperadas nos pegam desprevenidos e um dia, ao se levantar e ir acorda-lo para o café, Márcia o encontrou caído ao lado de sua cama. Ela se desesperou porque ele estava inconsciente e o medo de perde-lo, tomou conta de seu coração. A ambulância veio e o levou imediatamente ao hospital. Ele acordou no final da tarde daquele dia e Márcia estava ao seu lado. Quando ele abriu os olhos e a viu seus olhos sorriram. Ela o beijou e disse para ele parar de assusta-la, caso contrário ela ia ter um troço e ele iria acabar ficando sem ela de uma vez. João a olhou bem no fundo dos olhos e disse com muito amor, que ele nunca mais a iria deixar só. Disse que acontecesse o que viesse a acontecer, de alguma forma ele estaria ao lado dela, e ao terminar de falar, ele fechou os olhos e daquele momento em diante, o resto de seus dias neste mundo foi numa UTI.

Quando ele partiu, ainda à espera de um doador, Márcia nem ao menos estava ao seu lado, para lhe dizer adeus. Só soube de sua morte, quando o celular tocou naquela manhã, há muito tempo atrás. Durante as duas primeiras semanas após a sua morte, ela teve que resolver uma série de assuntos burocráticos, comuns quando morre alguém. Neste período, sua mente estava ocupada demais para pensar nele o tempo todo. Contudo, quando acabaram se as obrigações de praxe, sua vida voltou ao normal. Ela arrumou um emprego e trabalhava sempre até mais tarde, para não ter que voltar para casa e ficar em completa solidão. Os dias foram passando e meses depois, quando ia chegando o final da tarde e ela se lembrava que tinha que voltar para casa, seu coração parecia que ia sair pela boca. Aquela solidão a estava deixando maluca aos poucos. Era questão de tempo para ela ficar totalmente pirada. Os amigos lhe diziam, que ela tinha que arrumar um animalzinho de estimação, mas ela sempre se recusou sequer a pensar no assunto. Depois de muita insistência por parte dos amigos e colegas de trabalho, ela aceitou ir almoçar na casa de um deles. Ao chegar lá, logo que ela entrou na sala, deu de cara com seis gatinhos rajados de branco com amarelo que quando a viram, saíram correndo para se esconder. Todos, menos um. Aquele que havia ficado onde estava quando ela entrou, esperou que ela se sentasse no sofá e correu pulando em seu colo, depois em seu ombro fazendo com seu pequeno rostinho carinhos no rosto dela.

Ela sorriu. Aquela era a primeira vez depois que seu pai partiu que Márcia sorria. Fui escolhida. Ela pensou. Todos ficaram admirados com a atitude do gatinho que nunca a havia visto e acabaram por convence-la a leva-lo para casa. Daquele dia em diante a vida dela mudou. Todos os dias ela não via a hora de poder voltar para casa para cuidar daquela bolinha de pelos brancos e amarelos. Quando ela chagava em casa, mal abria a porta e ele vinha correndo ao encontro dela, roçando seu corpinho em suas pernas e enquanto ela não o pegava no colo, ele não sossegava. Tiquinho foi o nome que ele recebeu. Aquele gatinho tão pequenino e carinhoso, não demorou muito para se tornar um gatão enorme. Ele era tão fofo que os vizinhos o apelidaram de Garfield, mas para ela, o Tiquinho que ganhou seu coração, agora era o seu grande Ticão. Diferentemente de outros gatos do tipo dele, Ticão era inteligente, brincalhão e parecia compreender tudo que ela dizia. Quando acabava a ração de sua vasilha, ele sabia como fazer com que ela o acompanhasse até a prateleira onde estava guardada a ração e então, ela sabia exatamente o que devia fazer. Muitas e muitas vezes, ela assistiu um filme inteiro sem se levantar do lugar porque Ticão estava adormecido em seu colo. Quando ela se sentava para ler um livro, ele tinha que ler também, aliás, não era bem ler. Era dormir. Porque bastava ele pular no colo dela e se ajeitar, adormecia profundamente. Parecia que em seu colo ele se sentia seguro e protegido. Quando lhe dava na telha, Ticão a seguia por todo lugar. Para falar a verdade, parecia mesmo um verdadeiro grude aos olhos dos outros, mas Márcia adorava aquilo.

Os dois eram inseparáveis e ao lado de Ticão, Márcia encontrou momentos de muita paz e alegria. O aparecimento dele em sua vida tinha sido providencial. Num belo dia, ela estava em sua cozinha antiquada e fora de moda preparando o almoço quando sentiu no ombro um tapinha. Era o mesmo tapa que ela recebia de seu amado pai como gesto de aprovação. Virando-se para trás na esperança de ver seu pai ao seu lado, ela deu de cara com o Ticão. Ele havia subido em cima da mesa e ainda estava com a patinha levantada no ar e em seu olhar havia um amor imenso que a encheu de emoção. Com os olhos rasos dágua, ela passou a mão na cabeça dele ele fez uma expressão de satisfação, que derreteu seu coração. Logo após ele pulou para a pia e da pia para a janela e como seu velho pai, ficou mexendo com os passarinhos na goiabeira lá fora. Vendo aquela cena, lembrando do imenso amor que ela viu nos olhos daquele gato, Márcia não pode deixar de pensar em seu pai. Mas quem teria ensinado Ticão a dar aquele tapinha em seu ombro? Porque aquela sensação tão familiar que tomou conta dela quando o sentiu? Seja como for, aquele gato tinha algo incomum. A maneira como ele a tratava enchia seu coração de alegria. Quando ela estava em casa, toda a atenção de Ticão era para ela. Se ela fosse para a cozinha mexer na pia, ele dava um jeito de ficar ao seu lado. Quando ela ia dormir, ele se deitava ao lado de sua cama e muitas vezes ele subia após ela adormecer e se aproximava devagarzinho do rosto de Márcia, e fazia um carinho nela com a cabeça. Às vezes, ela fingia que dormia só para sentir o carinho de Ticão.

Desde aquele dia em que ele lhe deu aquele tapinha no ombro igualzinho ao que ela recebia de seu pai, ela não pode deixar de relembrar da promessa que ele lhe fez pouco tempo antes de partir. Os anos se passaram. Márcia se casou novamente. Logo vieram os filhos e Ticão acompanhou boa parte do crescimento deles. Ele adorava as crianças. Elas faziam o que queriam com ele, mas ele nunca reclamou. Quando ela olhava para o comportamento de Ticão para com as crianças, o carinho que ele tinha por elas, a lembrança das palavras de seu pai lhe vinha à mente. Como tudo na vida, tudo tem um inicio e um fim. Ticão eventualmente um dia partiu. Velho e cansado como estava o pai dela quando se foi, mas no seu olhar de felino, havia tanto amor por ela e pelas crianças, o que Márcia nunca vai esquecer. Um ano depois, as crianças insistiram para ter outro gatinho e foi a vez de Floquinho entrar para a família. A historia toda se repetiu. Ele logo cresceu e se tornou Floco, e não muito tempo depois, ele estava tão grande, gordo e forte, que acabou por ser chamado de Flocão. Hoje, é ele quem de vez enquanto dá um tapinha no ombro de Márcia, que sente a mesma sensação que sentiu, na primeira vez em que Ticão fez aquilo com ela. Quando isto acontece, seu coração se enche de emoção. Às vezes, ela chega a pensar que de alguma forma, alguém lá em cima não queria que ela esquecesse de alguma coisa, mas afinal, da maneira como tudo aconteceu, do jeito que aqueles felinos sempre demonstraram por ela tanto amor, fazendo-a sempre lembrar de seu velho pai, como ela poderia esquecer?

Seja como for, de uma coisa ela tem absoluta certeza. A promessa que ele lhe fez poucos dias antes de partir, ele cumpriu...


Autor: José Araújo

Fotografia: José Araújo – Fotógrafo: Daniel Off

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

ANTOLOGIA ENIGMAS DO AMOR



Queridos amigos e leitores, comunico a todos que recebi hoje a confirmação de que mais um de meus contos será publicado em outra antologia em São Paulo.


Será uma publicação da EDITORA SCORTECCI em homenagem ao dias dos namorados, cujo titulo será ENIGMAS DO AMOR.


O conto de minha autoria que fará parte desta antologia, fala do amor em uma de suas inúmeras facetas, e por uma feliz coincidência, tem o mesmo título que o livro que é "ENIGMAS DO AMOR."


Esta publicação já esta em fase de diagramação e será lançada no mês de junho de 2009.


Aguardem a data e local de lançamento!


José Araújo - autor e escritor paulista

domingo, 11 de janeiro de 2009

O SEGREDO DO CRISTAL...



O céu estava azul e o sol brilhava em todo o seu esplendor matutino daquele dia, ha muito tempo atrás. Era sempre assim em todas as manhãs de primavera no continente da Atlântida. Lindas flores espalhadas pelos campos exalavam seu perfume, tendo como cenário de fundo, as quedas dágua que desciam as montanhas. Gotas dispersadas pelo ar próximo às cachoeiras, formavam uma neblina suave que servia como berço para um lindo arco-íris. Diadora passeava descalça pela grama molhada pelo orvalho da noite, numa das margens de um riacho, onde peixes multicoloridos nadavam de lá para cá, como se estivessem dançando, alegres, livres, sem a preocupação de serem pegos por ela. Suas vestes eram feitas de um tecido branco, leve e esvoaçante. Seus cabelos loiros soltos ao vento, brilhavam como fios de ouro à luz do sol. No meio de tanta beleza, ela entoava uma doce canção que era ouvida ao longe por seu amado Ashnan, que fazia parte da guarda do Templo dos Cristais. Enquanto ele cumpria seu dever, apreciava a paisagem magnífica em volta do lugar em que eram guardados a sete chaves, os segredos dos poderes dos cristais. Ele amou Diadora desde o primeiro dia em que a viu. Como era bom ouvir as músicas cantaroladas por ela e poder sentir o doce perfume das flores pela manhã. Contudo, aquele seria um dia muito especial.

Um dos membros do Conselho dos Doze viria falar ao povo sobre as profecias de que tanto se falava. Muitos não viam a hora de ouvi-lo, pois era conhecido, mesmo pelos mais jovens, que o dia em que a profecia iria se cumprir estava próximo. Mesmo isto tendo lhes sido ensinado pelos mais velhos, ninguém esperava que fosse tão próximo. Naquele lindo dia de primavera, o discurso que se ouviu surpreendeu a todos, sem exceção. Segundo as palavras do Sacerdote, toda a população do continente deveria deixar sua amada Atlântida nos próximos 10 anos, e até lá, todas as medidas que tivessem que ser tomadas para se prepararem para partir, poderiam ser elaboradas e executadas com calma, sem correria, para não correrem os riscos de tomarem medidas precipitadas e se arrependerem amargamente depois. O poderoso Conselho dos Doze estava totalmente dividido. Grande parte concordava em comunicar aos distritos pelos quais eram responsáveis a mensagem das profecias, contudo, não tinham certeza da eminência dos acontecimentos, ou da veracidade dos fatos.

Infelizmente, somente o Grande Comandante, sua Família e os mais conscientes do Norte e do Sul acreditavam piamente nas palavras do Sacerdote. Naquele período, a Atlântida já estava caindo em decadência de seu poder, de sua cultura e arquitetura. Não havia mais contatos diretos com a Grande Irmandade de Seres Iluminados, composta por extra-terrestes. Os anos se passaram e poucos se prepararam para abandonar sua nação. O supremo Sacerdote vendo a lentidão da população de Atlântida, resolveu ele mesmo ir a todos os distritos para tentar abrir as mentes dos atlantes, o que mesmo para ele com todos os poderes que tinha e que foram herdados dos seus ancestrais, seria uma tarefa árdua e cansativa. Um bom tempo depois que ele partiu para suas longas viagens pelo continente, não mais se ouviu falar dele. Parecia que de alguma forma, ele tinha desaparecido no ar. Ashnan se recorda hoje em seus sonhos, mesmo sem ter consciência disto, de cada detalhe daquela manhã há 700.000 anos atrás. No cais do maior porto de Atlântida uma infinidade de barcos, pequenos, médios e grandes, carregados de pessoas e suprimentos traziam um movimento intenso ao lugar.

Ashnan estava junto com outros jovens num pequeno barco movido à vela, trazendo provisões do Norte para os que eram do Sul e iriam partir. Eles seriam o primeiro grupo a abandonar a Atlântida, um lugar que antes havia sido ponto de encontro de nações de extraterrestres, vindos de todos os cantos do cosmos. Assim que seu barco entrou na grande baia, Ashnan vislumbrou as fortalezas de pedra, os castelos residenciais cercados por muralhas revestidas de ouro puro, construídas por seres gigantes e com tecnologia dos extraterrestres. Ele olhava triste para aquelas construções absolutamente fantásticas e sua mente trabalhava num ritmo desenfreado, tentando compreender como tudo aquilo havia sido construído. Era tudo tão fabuloso! As imensas coberturas eram cercadas por floreiras repletas de flores de todas as cores, perfumando o ambientes internos com seu aroma, que penetrava pelas enormes janelas abertas o tempo todo. A arte do povo de Atlântida era algo de espetacular. Magníficos mosaicos de enormes proporções podiam ser vistos nas paredes em todo lugar. A arquitetura era algo que causava fascinação a todos que a conheciam por causa dos edifícios verdadeiramente maciços e de proporções que no mínimo, poderiam ser chamadas de gigantescas.

Todas as casas eram edificadas, umas separadas das outras. Em espaços regulares e bem projetados. Sempre havia um pátio central e no meio dele, havia uma fonte que jorrava águas cristalinas e sonoras, dando ao ambiente muita paz. Grandes Templos com câmaras imensas abrigavam neste período de decadência daquela que já havia sido chamada de a cidade dos portões de ouro, o cerimonial das imagens, que ficava a sob responsabilidade e organização, a cargo dos grandes sacerdotes. Naquela época cultuava-se o Sol e o Fogo. Terraços imensos serviam como observatórios das atividades celestes e em cada um deles, havia um enorme disco feito de ouro maciço, que era chamado de Disco Solar. Ao lado barco de Ashnan, cruzou um outro menor carregado de suprimentos e comandado por um homem do Sul. Ele acenava alegremente dizendo num outro dialeto também compreendido pelos Atlantes, que estava chegando finalmente a hora da partida. Observando-o com muita atenção, Ashnan imaginou que com certeza, pelo sorriso estampado em seu rosto, aquele homem de pele avermelhada, iria com sua família neste grupo.

Seus cabelos pretos e olhos verdes, contrastando fortemente com a cor de sua pele, o diferenciavam do povo do Norte que variava da cor branca até a cor moreno-claro e em sua maioria, com olhos azuis. Por tudo que ele havia ouvido dos anciãos e grandes mestres de Atlântida, ele pensava em como sua nação havia mudado tanto. As crianças não eram mais sadias como antes. Nasciam cada vez mais fracas e menores. Grande parte da população atlante já era composta por mestiços. Muitos tinham tido filhos com mulheres estrangeiras que trouxeram para a Atlântida, vindas de todas as partes do mundo. Em seu coração, Ashnan sentia que gostaria de ter nascido há muito tempo atrás. Quando existia um reino animal muito especial em Atlântida, mas aquele realmente tinha sido um tempo diferente. Todos os animais sem exceção, conviviam em perfeita harmonia. Uma época em que não se comia uma vida para poder sustentar outra. Todos os animais eram alimentados pela energia do amor, da fé e do poder dos cristais, que por sua própria natureza, eram diferentes dos atuais. Se um novo animal surgisse na Atlântida e fosse carnívoro, lá ele não era mais.

Os próprios Atlantes quando se alimentavam, não era para alimentar a vida, pois havia em cada planta, cada flor ou fruto, uma fonte de uma vibração energética diferente. Ao ingeri-los as pessoas eram energizadas naturalmente e tinham sua própria energia equilibrada. Ashnan teria feito cursos de transmutação alquímica que eram freqüentados outrora por todas as crianças, desde a mais tenra idade. Teria participado dos cursos de desenvolvimento das faculdades psíquicas e aprenderia a usar sua energia mental, associada aos poderes inigualáveis dos mais puros cristais. De qualquer forma, mesmo em seu tempo, ele havia aprendido tantas coisas boas, como a mutação genética das plantas. O cruzamento de ervas especiais com o trigo, cujo resultado eram aveia e outros cereais com poderes energéticos fantásticos. Ashnan conheceu tantos animais estranhos em suas viagens de preparação para a partida, que ele jamais imaginou que pudessem existir. O tempo naquela época não era diferente do de hoje e passava rápido demais. Chegava a hora da partida para aqueles que acreditaram no Sacerdote e se colocaram a serviço do Supremo Comandante para ajudar nos preparativos para a grande fuga.

Ao cair da noite, sob um céu estrelado e com a Lua cheia clareando a todos, ao redor de uma fogueira, os grandes sábios comentavam suas as visões sobre do futuro para aquela terra imensa onde viviam. Um deles disse que havia tido uma visão especial. Nela, ele pode ver claramente uma jovem alta, morena e de cabelos pretos e lisos, com um vestido branco, usando também um manto verde e nele, estava bordado o símbolo dourado do sol. Ela olhava para ele sorrindo e apontando para o Norte. Ao redor da jovem, ele viu animais de várias espécies, inclusive alguns que ele nunca tinha visto. Eles estavam calmamente acomodados ao lado dela, como se a esperassem para continuar a caminhada. Ao ouvirem a narrativa do sábio, todos concordaram que o tempo das grandes mudanças estava mais próximo do que imaginavam, já que a descrição dele sobre a jovem, trazia aos anciãos que lá estavam, a lembrança dos tempos de convívio com os Mestres da Irmandade Estelar que eram todos muito jovens e tinham o poder de falar com os animais. Foi assim que o primeiro grupo tomou a decisão de seguir para o Norte. Meses depois, o segundo grupo partiu para um local desconhecido.

Aos poucos, grupos de familiares abandonavam a as terras da Atlântida, espalhando-se por todos os cantos do mundo, e todos eles, passavam inevitavelmente por muitas dificuldades e obstáculos em seu caminho. Fato este, que tornava impossível uma saída rápida de lá. Dentre os vários problemas, estava a confusão gerada e instalada por aqueles que se recusavam a ir embora. Isto, porque não acreditavam nas visões dos sábios, ou porque o que realmente eles queriam, era tomar posse das terras abandonadas e das imensas riquezas materiais, que iriam ser deixadas para trás. A grande população de Atlântida estava dividida. À medida em que se aproximava a tão falada data das transformações, muito ódio e rancor surgiram de todos os lados entre os vários grupos de diferentes opiniões que surgiram no país. O medo pairava no ar. A sensação de catástrofe inevitável e iminente se fazia presente em todos os corações. Era para todos como se algo muito ruim fosse acontecer. Mesmo os mais cépticos, que apesar das evidências se negavam a admitir, esta sensação não os deixava em paz. O Grande Comandante havia visitado todas as cidades e povoados, assim como aldeias infinitamente distantes.

Nestas últimas, mais perto da vida selvagem, até os animais já haviam abandonado as florestas. A insegurança e o misterioso sentimento de que uma desgraça estava para chegar que assolava os corações dos humanos, já havia chegado nos reinos animal e vegetal. No último ano, uma praga incontrolável tinha atingido as plantações e destruído grandes colheitas. Áreas antes férteis tornaram-se pântanos e gases que exalavam um mau cheiro insuportável saia por debaixo de pedras em todos os cantos. As abelhas foram as primeiras a desaparecer. Muitos outros também sumiram como que por encanto e não era possível vê-los em lugar algum. Nos velhos caminhos que conduziam à Grande Pirâmide onde ficava o Templo da Cura, fendas enormes impediam o acesso até lá. O tempo ia passando e muitos outros sinais de alerta eram dados pela natureza. A agitação dos elementais era agora uma constante. Terremotos, invasões de água aconteciam em vários lugares. Os animais e pássaros da região que ainda permaneciam lá, tinham comportamentos estranhos. Muitos invadiam as cidades, vilas e vilarejos para fazerem seus ninhos em lugares fora do comum.

Era chegada a hora de sair o ultimo barco dos que resolveram abandonar a Atlântida em busca da sobrevivência. Aqueles que haviam resolvido ficar estavam um pouco assustados, mas estavam adorando a idéia de tomar o poder tão logo O Grande Comandante partisse para sempre. Eles não viam a hora de poder se apropriar de toda tecnologia, que em suas mentes iria lhes conferir força e poder insuperável. Não era segredo que na grande pirâmide que havia sido usada pelos antigos quando havia intercâmbio com os extraterrestres, estavam guardadas poderosas armas e maquinas voadoras que foram desenvolvidas com a mais alta tecnologia, utilizando a técnica de associação do poder dos cristais de quartzo, com o poder psíquico dos atlantes. Tal tecnologia e poder, depois que os Extraterrestres se foram da Terra, ficou sob a guarda dos grandes Comandantes, que geração após geração, cuidavam de manter a segurança daqueles objetos de guerra e de transporte, como cuidavam de suas próprias vidas. Eles sabiam que se caíssem em mãos erradas, poderia ser o fim do planeta Terra. Para Ashnan era chegada a hora de embarcar. O ultimo barco iria partir. A vida no continente seguia seu rumo. A natureza através de terríveis tempestades, vendavais e erupções vulcânicas que se seguiam, confirmavam o que havia sido dito pelos sábios e sacerdotes. Era a realidade nua e crua, se mostrando sem dó nem perdão.

Os Atlantes, vegetarianos por natureza, comendo apenas frutas, grãos, legumes e verduras em geral, não contavam com um grande estoque de alimentos. Quase tudo foi perdido na última colheita, por causa de pragas e das forças naturais que assolavam o país. Ainda assim, uma quantidade enorme de cidadãos resolveu não partir. Finalmente o barco em que estava Ashnan e sua família partiu. Seu destino, o desconhecido. Sabia-se através daqueles que tinham o poder da visão, que seguir na direção sul, seria muito perigoso. Tremores eram sentidos, fracos ainda, mas constantes, acompanhados de ondas imensas que ameaçavam as embarcações e as vidas de seus tripulantes. Mesmo assim eles partiram naquela direção. Muitos dias se foram e através de comentários dos tripulantes de barcos mais velozes que o deles, soube-se do afundamento das terras do leste da Atlântida que a ligavam ao continente europeu.

Em seus pensamentos, Ashnan visualizava a civilização que ele mal pode conhecer e que estava ficando cada vez mais longe, e logo iria desaparecer para sempre. Extremamente cansado e com fome, ele foi enfraquecendo aos poucos. Se ele fosse um de seus ancestrais, teria se alimentado da luz do sol. Teria absorvido energia suficiente para poder se desmaterializar ali e reaparecer onde quisesse. Mas ele não era. Ashnan era apenas um dos filhos da Atlântida em decadência que ele conheceu. Ele tinha em sua mente os mesmos poderes que seus ancestrais, mas para usa-los, ele precisava ter estudado na escola da Grande Pirâmide, onde teria aprendido a controlar e liberar os outros 90% de sua capacidade mental, e associa-la aos poderes dos cristais de quartzo, podendo assim, fazer o que quisesse, quando fosse necessário. Nem ele, nem os outros ocupantes do barco, no meio daquele oceano sem fim, tinham a menor esperança de chegar a algum lugar sãos e salvos. Ele estava com febre e em seu delírio, ele perguntava onde estava Diadora, a jovem que cantava aquelas lindas canções tendo como cenário a natureza esplendorosa de sua amada Atlântida. Ele falava também do Templo dos Cristais.

Sua preocupação era de que aqueles que tinham ficado pudessem ter tomado para si o poder e ter colocado as mãos no grande legado de seus ancestrais que antes dos ultimos acontecimentos, ele ajudava a guardar. Um legado do qual, desde pequeno, Ashnan havia ouvido falar. Eram imensas máquinas voadoras em forma de discos, armas portáteis que eram capazes de levantar, mover, cortar, esculpir e até mesmo derreter blocos de pedra gigantescos. Lá havia também um tesouro incalculável composto por obras de arte e cultura, além de relatos minuciosos sobre a fundação de Atlântida com o auxilio dos extraterrestres. Ashnan se recuperava por breves períodos de tempo mas depois recaia. Enquanto estava lúcido, ele ouvia daqueles que ainda tinham o poder extraordinário da videncia, que a catástrofe agora já assolava a grande cidade de Atlântida e que as terras do leste e do oeste, já haviam desaparecido no fundo do mar. Mais um dia se passou e um dos anciões informou que a natureza agora estava usando de todas as suas forças para aniquilar a capital. Ashnan, fraco e com febre, mais uma vez perdeu os sentidos.

Quando ele acordou, lhe contaram que havia chegado o momento final de seu país. Uma catástrofe de proporções nunca vista atingiu a Atlântida por um dia e uma noite e ela finalmente desapareceu no fundo do mar. Lhe contaram também, que um dos anciões que tinha o poder de ver o presente em locais dos mais distantes, disse que quando chegou a hora derradeira, uma frota de naves interestelares desceu à terra para resgatar aqueles que ainda eram puros de alma e coração e que não tinham conseguido partir por algum motivo. Que o grande Sacerdote foi resgatado pela nave mãe que desceu envolta por uma luz tão intensa, que impedia aos olhos de reconhecer suas formas. E como uma bola imensa de luz, tão rápido como ela desceu, ela partiu. O coração de Ashnan doía por causa de Diadora que sendo filha do Grande Sacerdote, tinha ficado ao lado dele, até os momentos finais. Com muito esforço, ele perguntou a um dos anciões, se ele sabia do que havia acontecido com ela, e ele lhe disse, que no ultimo instante, ela não conseguiu alcançar a mão de seu pai que a chamava para ir com ele, ficando para trás. Disse ainda, que apavorada, ela correu para dentro do Templo dos Cristais e depois disto, ele não sabia mais dizer o que aconteceu. Triste e abatido, ele carregava no peito a dor da perda definitiva, do seu grande amor.

Os dias se passaram e em uma certa manhã, eles acordaram com a mais bela visão. Bem à sua frente, havia terra firme e saindo dela, um enorme rio que desaguava no mar. Os tripulantes lançaram ancoras e se puseram a explorar o lugar. Ficaram tão encantados, que resolveram seguir rio acima. Ele era tão largo, que quando se estava navegando nele, em certos pontos, não era possível enxergar a outra margem. Ashnan depois de alimentado com as frutas naturais da região, bebendo água de coco que ele até então não conhecia, foi melhorando gradativamente, até que recuperou sua saúde e pode admirar com sentimento a maravilha daquele lugar que por algum motivo, ele resolveu chamar de Amazônia. A vida seguiu seu rumo e os sobreviventes de Atlântida que se dispersaram por varias regiões do mundo, foram gradativamente auxiliados pelos extraterrestes, a construir novas nações. Em cada uma delas, sempre era construída uma réplica de alguma grande obra arquitetônica de sua amada Atlântida, que se foi para não voltar.

Hoje ficamos abismados com as pirâmides do Egito, com as maravilhosas edificações feitas pelos Incas e pelos Maias, com a cidade perdida de Machu-Pichu e pensamos como era possível de serem feitas com tamanha precisão há tanto tempo atrás. A resposta para esta pergunta afundou com a Atlântida de Ashnan. O continente perdido que um dia foi berço de tamanha tecnologia, que possibilitava até mesmo intercâmbio com os povos oriundos de outros planetas, vindos de galáxias das mais distantes, e que desapareceu sob as águas do oceano, deixando como registros, apenas as lendas contadas pelos viajantes. Ashnan viveu nela e quando chegou a hora, ele partiu sem destino certo, assim como tantos outros, que auxiliados pelos extraterrestres, construíram em outras terras, as Pirâmides do Egito, a grande esfinge e todas as outras maravilhas arquitetônicas, que até hoje podem ser vistas em muitos lugares do planeta. Os sobreviventes da Atlântida deixaram para nós nestes lugares, registrados em forma de arquitetura, a prova de sua existência e também de seu contato com os seres vindos do céu.

São Paulo, janeiro de 2009. A mãe de Heitor tinha ganhado de presente um cristal que segundo a pessoa que lhe presenteou, tinha poderes especiais. A família dele sempre teve seu lado esotérico e adoravam colecionar esculturas que representavam deuses Incas e Maias. Haviam visitado Machu Pichu onde se sentiram como se estivessem em casa. Era algo que não tinha explicação lógica para ninguém. Eles apenas gostavam e se interessavam em saber tudo que podiam sobre as origens de lugares como aquele. Uns tempos depois, uma amiga viu o cristal em sua casa e lhe disse que tinha certeza de que aquele era o mesmo que havia sido dela e do qual ela se livrou, doando a alguém porque ele tinha uma estranha energia, que a fazia sentir-se mal. Disse também, que soube que a pedra passava de mão em mão, sem nunca ficar definitivamente com a pessoa que a possuísse, pelo mesmo motivo. Certo dia, a mãe de Heitor estava na cozinha e num determinado momento, começou a sentir-se mal. O cristal que ela havia ganhado estava em cima da mesa da cozinha. Ela tinha resolvido lavá-lo para que sua pureza ficasse mais aparente e quanto ela lavava os pratos, sem que ela visse, ele começou a emitir uma estranha luz. Mesmo estando incomodada com o que estava sentindo e lembrando das coisas que sua amiga havia lhe dito sobre o cristal, ela continuou seu trabalho.

De repente, ela ouviu uma voz feminina que parecia estar vindo de longe. Ela suplicava por ajuda. Precisava ser libertada de alguma coisa que a prendia. A suplica era tão veemente, que ela passou a se sentir mais incomodada ainda. Quando ela virou-se para o lugar onde estava o cristal, ela quase desmaiou. Dentro dele, estava uma linda jovem. Suas vestes eram feitas de um tecido branco, leve e esvoaçante. Seus cabelos loiros e soltos brilhavam como fios de ouro quando expostos à luz do sol. A jovem pediu a ela que não se assustasse. Que não tivesse medo. Disse entre lágrimas, que estava dentro daquele cristal, desde que seu país foi engolido pelas águas do mar. Sem compreender o porque, apesar de pensar que estava ficando louca, a mãe de Heitor lhe perguntou quase gaguejando, como foi que ela tinha ido parar dentro daquele cristal. A moça lhe disse, que quando uma grande catástrofe atingiu seu país, ela não conseguindo acompanhar seu pai na fuga, tinha entrado no Templo dos Cristais para se proteger, e de repente, foi absorvida pela pedra, ficando presa nela por uma eternidade. A mãe do rapaz já havia lido a respeito do continente perdido de Atlântida e compreendeu imediatamente o que havia ocorrido.

Ela sabia que os Atlantes se transportavam de um lugar para o outro utilizando as câmaras de cristal, onde com seus poderes psíquicos associados aos poderes dos cristais de quartzo, desmaterializavam-se num lugar e materializavam-se em outro. Ela tinha certeza de que no momento da grande e ultima catástrofe que se abateu sobre a Atlântida, a jovem acabou sendo absorvida em forma de energia pela pedra, que a encerrou lá para sempre. Ainda chorando, a jovem disse que seu nome era Diadora e que somente um descendente real dos Atlantes, poderia ter forças psíquicas o suficiente para liberta-la de sua prisão. Naquele instante, Heitor entrou na cozinha e se deparou com a cena, que o deixou boquiaberto. Diadora reconheceu em Heitor seu amado Ashnan e enquanto ele procurava se recuperar da surpresa, ela lhe dizia com o coração repleto de alegria, que ele havia sido o grande amor de sua vida na Atlântida, e que bem lá no fundo de sua alma, se ele realmente quisesse, poderia relembrar os tempos em que ela cantarolava lindas canções para alegrar seu coração. A mãe de Heitor sempre acreditou em coisas paranormais, e para ela, naquele exato momento, estava acontecendo ali, bem na cozinha de sua casa, um reencontro de um grande amor do passado.

Heitor ouviu calado tudo que a jovem lhe disse e em certo momento, ele fechou os olhos. Foi como se ele estivesse entrando em um transe profundo. Imagens começaram a surgir em sua mente. Ele as via detalhe por detalhe. Era como se estivesse vivendo naquela paisagem espetacular. Heitor viu e ouviu a mesma jovem que estava agora dentro do cristal, cantando uma linda canção. Ele sentiu bem dentro de si uma força imensa que parecia com o que acontece quando um vulcão vai entrar em erupção. Sua mãe que estava ao seu lado viu quando a aura em torno do corpo de Heitor começou a se tornar visível. Ela foi aumentando de intensidade, até que sua luz envolveu completamente o ambiente onde estavam. Diadora dentro do cristal, de braços abertos e olhos fechados, parecia absorver aquela energia mágica e cheia de luz. Num estalo, o cristal de partiu. De dentro dele, saiu um raio de luz que se posicionou bem em frente a Heitor. Aquela linda jovem, sua amada Diadora, com suas vestes que eram feitas de um tecido branco, leve e esvoaçante. Com seus cabelos loiros soltos brilhando como fios de ouro quando expostas à luz do sol, materializou-se na frente dele. Enquanto ela o observava, a aura de Heitor foi diminuindo seu brilho, até não mais ser vista e quando ele abriu os olhos, seus olhares se encontraram e seus lábios em silencio, lentamente foram se aproximando.

Um beijo longo, saudoso e apaixonado aconteceu. A emoção havia tomado o peito da mãe de Heitor e as lágrimas rolavam livremente em sua face. Ela antes tinha dúvidas, mas agora não mais. Ela e todos os seus, eram atlantes. Em outras vidas eles conheceram a exuberância e a magia daquele continente único que um dia foi um lugar de muita paz, de muito amor. Onde o ódio, a inveja, o rancor e maldade não existiram por séculos a fio, mas uma grande parte dos Atlantes, se deixou contaminar por sentimentos negativos. Eles começaram a adotar a inversão como regra de vida. Passaram a achar que tudo que era ruim, era o melhor para eles. As conseqüências foram trágicas para eles e para os outros que não pensavam assim. Nem mesmo a terra conseguiu suportar o peso de tantos sentimentos ruins, e afundou no mar, carregando com ela, todos aqueles que traziam em suas mentes os pensamentos ruins e também aqueles que sem culpa, pagaram pelos erros dos outros.

Felizmente, a mãe de Heitor pensou.

Muitos de nós conseguimos de alguma forma fugir antes que fossemos engolidos pelo mar e cá estamos, espalhados pelo mundo, e ainda hoje, somos prova viva de que fomos um dia, uma grande nação. Um povo que chegou ao mais alto patamar de desenvolvimento tecnológico e psíquico. Uma gente que tinha como aliados os homens que vinham do céu. Heitor abraçado a Diadora, agora sabia que seu verdadeiro nome era Ashnan. Daquele dia em diante, eles nunca mais se separaram. Ele mostrou a Diadora o novo mundo em que ela ia viver. Ela registrava em sua mente, cada detalhe do que ele descrevia e mostrava a ela. Tendo vivido as conseqüências da decadência de Atlântida, Diadora não demorou muito para compreender, que a sociedade à qual ela estava sendo apresentada, estava a caminho de um fim parecido com o que eliminou da face da Terra a sua casa, o seu lar. Os meios de comunicação só noticiavam guerras e desgraças ao redor do mundo. Terremotos varriam cidades do mapa. Furacões açoitavam e destruíam tudo que encontravam em seu caminho. Ela viu horrorizada na TV, uma reportagem sobre um Tsunami que a fez lembrar-se da maneira como a Atlântida pereceu. Não se ouvia nenhuma noticia boa.

O grande sucesso do momento eram as desgraças. As tragédias. As pessoas deste novo mundo não eram sensíveis. A avareza, a inveja, o ódio e o rancor reinavam nos corações dos mais fracos. O amor entre maioria das pessoas dependia de suas posses. De seus tesouros materiais. Perplexa com as mudanças que houve na humanidade, ela decidiu que os dois iriam unir forças para reencontrar seu povo há tanto tempo disperso pelo mundo, e tentar a todo custo, juntá-los para que pudessem num grande mutirão, fazer com que a humanidade compreendesse que a cada dia, ela dava um passo a mais para a destruição não só de seus países, mas do planeta também. E assim foi. Diadora e Ashnan hoje peregrinam pelo mundo desde seu reencontro, se uniram a ONGS que lutam pela salvação da natureza, do meio ambiente, dos animais e do planeta que um dia abrigou a civilização mais avançada que houve, e que pelos mesmos motivos atuais, desapareceu sem deixar rastros.

Um dia, muitos antes do reencontro com Diadora, Ashnan leu escrito em algum lugar, algo que chamou muito a sua atenção, e que dizia:


Se você sente que tem um interesse fora do comum por conhecer mais sobre a Atlântida, então você já esteve lá.

Se você sente dentro de si, uma grande responsabilidade pela humanidade, sua alma pode estar sentindo que tem algum débito não pago no tempo em que viveu na Atlântida e que precisa ser pago.

Se você se sente inseguro e confuso sobre o rumo de sua vida, então você viveu na Atlântida no tempo em que muitas almas inocentes foram subjugadas.

Se de algum modo, você se sente ligado ou ao menos interessado em extraterrestres e viagens intergalácticas, você é um Atlante."


Agora, ao lado de sua amada Diadora, ele compreende o significado daquelas palavras que tanto o tocaram.

Ashnan e Diadora reencontraram-se por uma obra do destino. Ele conseguiu fugir a tempo de não afundar com seu país e chegou a outras terras a duras penas, onde deu continuidade à vida e à nação Atlante. Mesmo com outros nomes, seus povos deixaram marcas visíveis de seus contatos com os extraterrestres em vários pontos da Terra. Ela passou séculos presa no cristal que a absorveu no momento final da Atlântida, tendo ao longo dos séculos passado por uma quantidade infinita de mãos, sem parar em lugar algum. O cristal tornou-se para muitos, uma pedra misteriosa, que carregava dentro de si um grande segredo, até que um dia, finalmente ele veio parar na casa de Heitor, quando até que enfim Diadora reencontrou o seu Ashnan. Ele vivia agora em outro corpo, com outra forma, com outro nome, mas em essência, um verdadeiro atlante, e o mais importante, o seu grande amor.


Autor: José Araújo

Fotografia: Cristal de Quartzo - Fotógrafo: José Araújo