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quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

PROMESSA CUMPRIDA



Aquela foi a ligação que ela esperava que nunca tivesse que acontecer. Não daquele jeito. Eram seis horas da manhã e ela ainda estava acordada, quando o celular tocou. João, o pai que ela tanto amava, estava internado no Hospital do Coração esperando por um transplante e ela estava hospedada na casa de amigos nas proximidades do hospital. Ele tinha tido recentemente muitas complicações e não estava nada bem, assim, uma ligação àquelas horas da madrugada, só poderia significar uma coisa. Ele havia partido. Márcia havia se divorciado a questão de quatro anos atrás e quando finalmente se viu livre para seguir seu destino, tudo que ela mais queria era reencontrar o seu pai. João a havia abandonado aos cuidados de sua pobre mãe quando ela tinha somente seis anos de vida. Foram tempos muito difíceis para ela que sempre o amou de todo coração. Ele partiu sem se despedir e nunca mais as procurou. A vida inteira ela sentiu no peito a dor da saudade e da ausência dele. Ela cresceu, se tornou uma mulher adulta, mas as lembranças dos tempos felizes em que ele passou ao lado dela nunca saíram de sua mente, nem de seu coração. Ela sempre dizia a todos que a maior felicidade que ela poderia ter, era poder reencontra-lo e finalmente poder abraça-lo, como fazia quando criança. A carência sempre a acompanhou e ela apesar de ter tido muitos momentos felizes na vida, jamais esqueceu de seu amor pelo pai. Márcia perguntava a todos que o haviam conhecido, se não tinham pelo menos uma pista do paradeiro dele, mas a resposta invariavelmente, era não.

Certo dia, conversando com uma tia, ela lhe contou que alguns parentes dele eram da cidade de Batatais e naquele exato momento, ela decidiu que era exatamente para lá que ela iria partir. A viagem de ônibus foi cansativa. Após longas horas sentada num banco desconfortável, finalmente ela chegou ao seu destino. Lá mesmo na rodoviária, ela começou a indagar se alguém por acaso conhecia seu pai. Não foi preciso perguntar muito porque em cidades pequenas, todo mundo conhece todo mundo. O dono de uma lanchonete lhe deu o endereço, dizendo que a rua ficava logo após a igreja matriz e que a casa onde ele morava, não tinha como errar. Era a única da rua, toda pintada de branco, com portas e janelas azuis. Disse também, que não seria preciso pegar nenhuma condução porque era perto demais. Como em todos os lugares pequenos, perto não era exatamente a palavra adequada para descrever distancia a ser percorrida. Após andar muito, debaixo de um sol escaldante, até que enfim ela viu a torre da igreja e suspirou aliviada. Afinal, ela já deveria ter andado quilômetros a fio para chegar até lá. Quando ela passou em frente à matriz, ela observou a beleza da arquitetura barroca e as escadarias pintadas de branco estavam tão limpas e cuidadas, que pareciam ser feitas de papel. Caminhando mais um pouco, ela chegou na esquina e lá viu escrito na placa o nome da rua que haviam lhe indicado. Naquele momento, suas pernas bambearam e seu coração balançou. Ela devia estar a poucos passos de finalmente reencontrar o seu pai.

Contudo, dentro de seu peito, ela sentia uma espécie de angustia que ela não compreendia. Porque ela estaria se sentindo assim? Já estava tão perto de realizar o seu sonho. Talvez fosse pelo medo de se decepcionar. De não encontra-lo, ou pior, dele nem sequer se lembrar dela e não lhe dar boas vindas. Respirando fundo, ela resolveu continuar. Dobrou a esquina e andando mais alguns metros, ela avistou uma casinha branca, com as portas e janelas pintadas de azul, exatamente como o homem tinha lhe dito. Do lado de fora havia muitas plantas. No fundo de suas memórias, ela se lembrou que seu pai adorava plantas e flores. Perto da janela havia uma roseira carregada de botões. Eram rosas amarelas e algumas até já estavam abertas, exalando um perfume delicioso no ar. Tremula ela se aproximou do portão. Criou coragem e bateu palmas, mas foi em vão. Ninguém atendeu. A vizinha ouvindo as palmas de Márcia, apareceu na janela e perguntou por quem ela procurava. Com a voz embargada, ela disse que procurava pelo Sr. João e que era a filha dele e que ha não o via. A velha senhora sorriu e pediu para ela dar a voltar e entrar em sua casa. Sabendo da hospitalidade das pessoas do interior ela não hesitou. A vizinha que se chamava Dona Maria, a recebeu como se fosse intima da família. Márcia recebeu um abraço tão gostoso dela, que quase não acreditou que aquilo estava acontecendo, pois de onde ele veio uma atitude como aquela não era uma coisa comum. Depois de entrar e se sentar, elas conversaram muito e ela soube que seu pai estava internado na Santa Casa de Misericórdia, o melhor hospital do lugar. Soube também que ele estava sofrendo de uma doença grave no coração e que os médicos locais não lhe deram muito tempo de vida. Dona Maria contou a ela que foi amiga da esposa de seu pai. Que ela havia falecido há muitos anos atrás e desde então ele não mais se cuidou. O tempo foi passando e ele desgostoso da vida, acabou por se tornar um alcoólatra.

Engordou demais e todas as complicações da obesidade e dos maus hábitos alimentares, tinham definitivamente acabado com sua saúde. Em um ano, ele chegou a ter três ataques do coração. Mesmo assim, ele ainda era capaz de comer um leitão inteiro se assim o deixassem, enquanto esperava assar uma fornada de pão de queijo. Em muitas ocasiões ele teve que ser carregado para casa, de tão bêbado que estava. Ao lado de um barril de Chope ele se acomodava e ficava lá até ver sair dele a ultima gota do que ele mais gostava de beber. Doente, sem ter quem cuidasse dele, com todo o estrago que ele mesmo havia feito ao seu organismo, ele finalmente se entregou à doença. Do bombeiro local que antes pesava 120kilos de puro músculo e força, só restaram 50 kilos de ossos e pele. Uma pena, Dona Maria dizia. Márcia chorava em silencio. Suas lágrimas pareciam feitas de ácido. Elas queimavam seu rosto enquanto escorriam lentamente. Depois de muito tempo, após ter bebido um copo de água com açúcar dado a pela boa senhora, ela se recuperou parcialmente e pediu que ela lhe desse o endereço da Santa Casa. Ao sair, elas se abraçaram como se fossem amigas de longa data e ela agradeceu de todo coração, tudo que havia feito por ela. Dona Maria continuou acenando até que Márcia virou a esquina. A passos largos, ela se dirigiu para lá. Ao chegar, meio sem jeito de falar o que tinha ido fazer, ela foi recebida com toda a atenção pela recepcionista. Mais à vontade depois da grata recepção, ela perguntou sobre o Sr. João. O velhinho da casa branca, com as portas e janelas pintadas de azul.

A moça que a atendeu deu-lhe um sorriso e sem fazer maiores perguntas a levou para onde ele estava. Ela ficou imaginando quantas pessoas iam visitá-lo naquele lugar. Numa cidade grande, isto nunca teria acontecido. Ela pensou. Por medidas de segurança, teriam pedido que ela se identificasse e informasse qual o grau de parentesco dela com o paciente. Mas pensando bem, lá naquele lugar, tão longe da violência das cidades grandes, a vida das pessoas era outra. A confiança no ser humano, ainda não havia desaparecido. Ao chegar na porta do quarto, ela se despediu de Márcia e disse para não se demorar. Pé, antepé, ela entrou. Seu pai estava adormecido. Talvez até mesmo pelos efeitos dos remédios, mas deu para ver ao que ele tinha sido reduzido. Ela sentou-se ao lado dela na cama e pôs-se a acariciar seus cabelos brancos. Finalmente, ali estava ele. Seu velho e querido pai. O homem de quem ela se lembrava, cheio de vida, com muita saúde e que brincava com ela no quintal nos melhores anos de sua vida. A dor que ela sentiu naquele momento ao vê-lo daquele jeito, talvez tenha sido maior do que a da perda, quando ele partiu. Ela não guardava rancor. Ela sentia uma mágoa que sempre a acompanhou desde que ele partiu, mas o amor que ela sentia por ele, era muito maior do que qualquer sentimento ruim. De repente ele se mexeu. Ela afastou sua mão para não acorda-lo, mas seus olhos foram se abrindo lentamente. A principio pareceu que ele não a via.

Mas aos poucos, uma luz intensa surgiu de seus olhos cansados e foi seguida por lágrimas de emoção que rolaram livremente. Chorando e sorrindo ao mesmo tempo, ele fez um esforço enorme e estendeu seus braços na direção de Márcia e ela correspondeu. Foi um momento de muita emoção. Um reencontro ha tanto esperado por ela. Não daquela forma, mas talvez se fosse em outras circunstancias, não tivesse sido um momento como aquele que aconteceu entre os dois. Ela, com todo cuidado, com seus braços em torno daquele corpo frágil, e agora tão pequeno, só pensava em não machuca-lo ainda mais. Eles choraram bastante abraçados, e tempos depois as palavras naturalmente foram surgindo. O mais incrível para ela foi que quando ele partiu, ela era tão pequenina, mas com um simples olhar ele a reconheceu. O tempo daquela visita inesperada estava acabando e a enfermeira responsável entrou no quarto para pedir que ela se fosse. Seu pai olhava para ela como se estivesse vendo um milagre acontecer. Com a voz fraca e muito baixa, ele disse à enfermeira que aquela era a sua filha. A moça olhou para ela e deu um sorriso aprovador. Segurando a mão de Márcia, ela pediu que a seguisse, mas antes, permitiu que voltasse para junto de seu pai e lhe desse um beijo de despedida. Quando estavam saindo do quarto, ela olhou bem dentro dos olhos de seu velho e disse para ele não se preocupar. Daquele dia em diante, ele não mais estaria só. Ele sorriu e fez um gesto com as mãos querendo dizer que estava tudo bem. As duas foram para a recepção e Márcia pediu para falar com o médico de plantão. Ela precisava saber tudo sobre a real condição de saúde de seu pai.

Em seu coração, bem lá dentro, ela jurou que nunca mais o deixaria e que iria fazer de tudo para que ele se recuperasse, afinal, ele ainda estava vivo e a esperança nunca morre no coração de quem tem fé. Dr. Amadeu, um profissional competente, disse a ela, que os recursos naquela cidade eram mínimos e para se ter certeza absoluta do que ainda poderia ser feito por ele, era preciso que fosse levado a São Paulo. Lá, no Hospital do Coração, ele poderia fazer todos os exames necessários para se fazer um diagnóstico correto. Ele complementou, que não poderiam esperar mais tempo, porque a cada dia, a tendência era de seu quadro se agravar. Márcia não pensou duas vezes. Ligou para os amigos na capital paulista e conseguiu que uma unidade móvel de UTI fosse busca-lo em Batatais. Assim foi. Não demorou muito para que ele já estivesse internado naquele grande hospital paulista, sob os cuidados dos melhores especialistas que existiam, e foi lá, que após longos exames, noites e noites de insônia para Márcia, chegou-se à conclusão, de que a única salvação para ele seria mesmo um transplante de coração. Apreensiva, ela indagou das possibilidades de se conseguir um doador, mas resposta não foi exatamente o que ela esperava ouvir. Todos eram categóricos em dizer que as chances eram mínimas. Que a população não se registrava como doadores voluntários em caso de morte e que um doador naquele momento, era uma chance em um milhão. Ela se desesperou. Já tinham chegado tão longe e agora, as esperanças eram tão escassas. Ela pedia em suas orações que Deus encontrasse uma saída.

Não era justo que depois daquele tão esperando reencontro, a qualquer momento, houvesse uma despedida final. João ficou internado por semanas a fio. Com muitos cuidados e com o amor de sua amada filha, ele melhorou a ponto de receber autorização para ir para casa e receber os tratamentos necessários durante a espera pelo doador. No dia em que ele recebeu a alta condicional para ir para casa, foi uma alegria total. Ele estava animado e excitado pela idéia de estar com sua filha na mesma casa, sob o mesmo teto, e poder compartilhar com ela momentos comuns, mas tão esperados pelos dois. Logo durante a primeira semana, ele melhorou a olhos vistos e parecia se recuperar mais e mais a cada dia. Na terceira semana até já havia engordado cinco kilos e o apetite havia voltado quase como era antes. Márcia sempre preocupada com o bem estar dele, cuidava para que sua alimentação fosse balanceada, sem muito sal e temperos fortes nem pensar. Ele parecia cada vez mais feliz com a companhia da filha e ela estava radiante com a presença do pai em seu dia a dia. Aos poucos eles foram se conhecendo melhor. Eles descobriram o quanto eles tinham em comum. Que tinham gostos muito parecidos e que tinham a mesma paixão pela cozinha. O tempo passava em não havia noticias sobre um doador, mas parecia que o reencontro dos dois havia operado um milagre em João. Passaram-se três meses e eles até já estavam cozinhando juntos. Enquanto ela picava cebolas, cheiro verde e descascava alho, ele amaciava os bifes na pia da cozinha. Ele demonstrou uma habilidade imensa ao pilotar o fogão como ele dizia. Quando a comida estava pronta, os dois sentavam-se à mesa, almoçavam conversando e sorrindo.

Ela contava a ele sobre sua vida de casada e ele falava de sua falecida esposa. Só ficava mesmo um tanto triste, quando estava falando dela. Em questão de segundos, o humor dele voltava e no fim acabavam os dois na pia lavando as louças sorrindo. Ela lavava e ele secava. Era a vida que tanto ela quanto ele sonhavam há tempos. Enquanto ele enxugava os pratos, às vezes ele dava tapinhas no ombro dela quando ela dizia algo que ele aprovava. Isto era comum e ela adorava isto nele. Seu pai também gostava de ficar mexendo com os passarinhos que pousavam nos galhos da goiabeira do lado de fora da janela da cozinha. Uma vida, simples, comum e com muito amor, foi o que eles viveram naquele curto período de tempo. Mas a vida é cheia de surpresas, mesmo aquelas que de certa forma já são esperadas nos pegam desprevenidos e um dia, ao se levantar e ir acorda-lo para o café, Márcia o encontrou caído ao lado de sua cama. Ela se desesperou porque ele estava inconsciente e o medo de perde-lo, tomou conta de seu coração. A ambulância veio e o levou imediatamente ao hospital. Ele acordou no final da tarde daquele dia e Márcia estava ao seu lado. Quando ele abriu os olhos e a viu seus olhos sorriram. Ela o beijou e disse para ele parar de assusta-la, caso contrário ela ia ter um troço e ele iria acabar ficando sem ela de uma vez. João a olhou bem no fundo dos olhos e disse com muito amor, que ele nunca mais a iria deixar só. Disse que acontecesse o que viesse a acontecer, de alguma forma ele estaria ao lado dela, e ao terminar de falar, ele fechou os olhos e daquele momento em diante, o resto de seus dias neste mundo foi numa UTI.

Quando ele partiu, ainda à espera de um doador, Márcia nem ao menos estava ao seu lado, para lhe dizer adeus. Só soube de sua morte, quando o celular tocou naquela manhã, há muito tempo atrás. Durante as duas primeiras semanas após a sua morte, ela teve que resolver uma série de assuntos burocráticos, comuns quando morre alguém. Neste período, sua mente estava ocupada demais para pensar nele o tempo todo. Contudo, quando acabaram se as obrigações de praxe, sua vida voltou ao normal. Ela arrumou um emprego e trabalhava sempre até mais tarde, para não ter que voltar para casa e ficar em completa solidão. Os dias foram passando e meses depois, quando ia chegando o final da tarde e ela se lembrava que tinha que voltar para casa, seu coração parecia que ia sair pela boca. Aquela solidão a estava deixando maluca aos poucos. Era questão de tempo para ela ficar totalmente pirada. Os amigos lhe diziam, que ela tinha que arrumar um animalzinho de estimação, mas ela sempre se recusou sequer a pensar no assunto. Depois de muita insistência por parte dos amigos e colegas de trabalho, ela aceitou ir almoçar na casa de um deles. Ao chegar lá, logo que ela entrou na sala, deu de cara com seis gatinhos rajados de branco com amarelo que quando a viram, saíram correndo para se esconder. Todos, menos um. Aquele que havia ficado onde estava quando ela entrou, esperou que ela se sentasse no sofá e correu pulando em seu colo, depois em seu ombro fazendo com seu pequeno rostinho carinhos no rosto dela.

Ela sorriu. Aquela era a primeira vez depois que seu pai partiu que Márcia sorria. Fui escolhida. Ela pensou. Todos ficaram admirados com a atitude do gatinho que nunca a havia visto e acabaram por convence-la a leva-lo para casa. Daquele dia em diante a vida dela mudou. Todos os dias ela não via a hora de poder voltar para casa para cuidar daquela bolinha de pelos brancos e amarelos. Quando ela chagava em casa, mal abria a porta e ele vinha correndo ao encontro dela, roçando seu corpinho em suas pernas e enquanto ela não o pegava no colo, ele não sossegava. Tiquinho foi o nome que ele recebeu. Aquele gatinho tão pequenino e carinhoso, não demorou muito para se tornar um gatão enorme. Ele era tão fofo que os vizinhos o apelidaram de Garfield, mas para ela, o Tiquinho que ganhou seu coração, agora era o seu grande Ticão. Diferentemente de outros gatos do tipo dele, Ticão era inteligente, brincalhão e parecia compreender tudo que ela dizia. Quando acabava a ração de sua vasilha, ele sabia como fazer com que ela o acompanhasse até a prateleira onde estava guardada a ração e então, ela sabia exatamente o que devia fazer. Muitas e muitas vezes, ela assistiu um filme inteiro sem se levantar do lugar porque Ticão estava adormecido em seu colo. Quando ela se sentava para ler um livro, ele tinha que ler também, aliás, não era bem ler. Era dormir. Porque bastava ele pular no colo dela e se ajeitar, adormecia profundamente. Parecia que em seu colo ele se sentia seguro e protegido. Quando lhe dava na telha, Ticão a seguia por todo lugar. Para falar a verdade, parecia mesmo um verdadeiro grude aos olhos dos outros, mas Márcia adorava aquilo.

Os dois eram inseparáveis e ao lado de Ticão, Márcia encontrou momentos de muita paz e alegria. O aparecimento dele em sua vida tinha sido providencial. Num belo dia, ela estava em sua cozinha antiquada e fora de moda preparando o almoço quando sentiu no ombro um tapinha. Era o mesmo tapa que ela recebia de seu amado pai como gesto de aprovação. Virando-se para trás na esperança de ver seu pai ao seu lado, ela deu de cara com o Ticão. Ele havia subido em cima da mesa e ainda estava com a patinha levantada no ar e em seu olhar havia um amor imenso que a encheu de emoção. Com os olhos rasos dágua, ela passou a mão na cabeça dele ele fez uma expressão de satisfação, que derreteu seu coração. Logo após ele pulou para a pia e da pia para a janela e como seu velho pai, ficou mexendo com os passarinhos na goiabeira lá fora. Vendo aquela cena, lembrando do imenso amor que ela viu nos olhos daquele gato, Márcia não pode deixar de pensar em seu pai. Mas quem teria ensinado Ticão a dar aquele tapinha em seu ombro? Porque aquela sensação tão familiar que tomou conta dela quando o sentiu? Seja como for, aquele gato tinha algo incomum. A maneira como ele a tratava enchia seu coração de alegria. Quando ela estava em casa, toda a atenção de Ticão era para ela. Se ela fosse para a cozinha mexer na pia, ele dava um jeito de ficar ao seu lado. Quando ela ia dormir, ele se deitava ao lado de sua cama e muitas vezes ele subia após ela adormecer e se aproximava devagarzinho do rosto de Márcia, e fazia um carinho nela com a cabeça. Às vezes, ela fingia que dormia só para sentir o carinho de Ticão.

Desde aquele dia em que ele lhe deu aquele tapinha no ombro igualzinho ao que ela recebia de seu pai, ela não pode deixar de relembrar da promessa que ele lhe fez pouco tempo antes de partir. Os anos se passaram. Márcia se casou novamente. Logo vieram os filhos e Ticão acompanhou boa parte do crescimento deles. Ele adorava as crianças. Elas faziam o que queriam com ele, mas ele nunca reclamou. Quando ela olhava para o comportamento de Ticão para com as crianças, o carinho que ele tinha por elas, a lembrança das palavras de seu pai lhe vinha à mente. Como tudo na vida, tudo tem um inicio e um fim. Ticão eventualmente um dia partiu. Velho e cansado como estava o pai dela quando se foi, mas no seu olhar de felino, havia tanto amor por ela e pelas crianças, o que Márcia nunca vai esquecer. Um ano depois, as crianças insistiram para ter outro gatinho e foi a vez de Floquinho entrar para a família. A historia toda se repetiu. Ele logo cresceu e se tornou Floco, e não muito tempo depois, ele estava tão grande, gordo e forte, que acabou por ser chamado de Flocão. Hoje, é ele quem de vez enquanto dá um tapinha no ombro de Márcia, que sente a mesma sensação que sentiu, na primeira vez em que Ticão fez aquilo com ela. Quando isto acontece, seu coração se enche de emoção. Às vezes, ela chega a pensar que de alguma forma, alguém lá em cima não queria que ela esquecesse de alguma coisa, mas afinal, da maneira como tudo aconteceu, do jeito que aqueles felinos sempre demonstraram por ela tanto amor, fazendo-a sempre lembrar de seu velho pai, como ela poderia esquecer?

Seja como for, de uma coisa ela tem absoluta certeza. A promessa que ele lhe fez poucos dias antes de partir, ele cumpriu...


Autor: José Araújo

Fotografia: José Araújo – Fotógrafo: Daniel Off

5 comentários:

Isaulina disse...

José Araujo esta história mecheu um pouco comigo porque é um pouco parecida com o que aconteceu comigo
O meu pai foi embora de casa deixando 5 filhos para traz, a unica diferença é que ele não tinha amor pelos filhos
ele era muito ignorante, os filhos não tinham liberdade, porque não podia nem dar risada que ja irritava ele, meu amigo José Araujo o meu pai não tinha amor, porque nunca recebi um abraço dele, ele nunca falou eu te amo, ele nunca falou eu gosto de você, a vida dele era brigar e brigar, e enquanto eu era pequena eu não gostava dele, eu tinha raiva do meu pai por causa do jeito que ele tratava os filhos, ele foi embora de casa deixando a minha mãe e nós tudo pequenos, ele ficou 10 anos sem dar noticias, e eu comecei crescer e sentia falta dele ele não tinha amor por nós, mais o meu coração apertava, porque eu queria ver o meu pai, mesmo sabendo que ele não tinha amor por nós, mas eu sentia amor por ele graças a Deus eu consegui amar o meu pai, estou escrevendo aqui e não consigo me conter porque é muito triste o que ele passou na mão dos que se vingaram da atitude que ele anteriomente tomou, meu coração fica apertadinho só de pensar o que meu querido e amado pai passou, o mais triste ainda é que ele pedia ajuda para mim, e eu sem poder fazer nada por ele, me sentia como impotente, mais a minha familia não deixava eu trazer ele para a minha casa, eu queria trazer o meu querido pai para não ve - lo mais sofrer, mais como ninguém deixava eu trazer ele, ai então eu comecei pedir a Deus para levar ele embora deste mundo, eu tenho saudade do meu querido pai, mais eu tenho um certo alivio porque sei que ele não sofre mais na mão de ninguém,porque além de ser maltratado ainda era desprezado, isto era a minha maior triteza na vida , eu chegava até a senti dor no coração, eu fiquei com depressão profunda, muita tristeza eu sentia na alma, mais Deus ouviu o meu clamor e levou o meu pai deste mundo! e agora eu estou feliz e tranquila porque sei que ele não sofre mais, nunca mais! ele pode não ter tido amor, mais só o amor que eu sentia e sinto por ele ja é grande coisa e o mais importante ainda ele foi embora sabendo que eu o amava muito, eu não queria ver o meu querido e amado pai ir embora deste mundo, mais foi melhor assim foi melhor do que ver sofre - lo.
Hó José Araujo: Meu querido e amado amigo me perdoe se eu falei abobrinha, mas foi o meu coração que falou mais alto
É muito lindo o seu conto!
Não tem como não emocionar!
Você é maravilhoso!!
Te amo amigo te amo do fundo do meu coração querido amigo!
beijo e continue sempre sendo maravilhoso! O mundo esta precisando de mais pessoas como você querido! te amo e sempre eu vou te amar!

mdb disse...

Jose muito linda a história de amor entre pai e filha.Na vida acontece coisas que a gente nunca espera como a separação dos pais sofre toda a família ,cada um ao seu modo. É um sofrimento que não se pode dizer foi pior para um do que para o outro.Ninguém sabe o que se passa no coração do outro, para ser medido e calculado.
Para Márcia foi muito triste, ela era apenas uma criança. E sempre menina é agarrada ao pai. E ele ficou sem ele e sem explicação.Como deve ter sofrido aquela pequena menina!
Depois mais tarde parte a mãe a única pessoa que tinha ao seu lado, mas essa partiu para sempre jamais voltaria.
Sua mente passou a ocupar-se com o paradeiro do pai, ela queria ele de volta, porque a solidão e a falta era muito grande.
Resolveu ir procurá-lo e teve a felicidade de procurar os parentes do pai que deram uma dica. O desejo era tão grande que nem passou por sua cabeça que poderia não mais encontrá-lo, aquilo era a força da fé e esperança.
Viajou para a cidade que lhe foi indicada e encontrou o pai no hospital daquela pequena cidade do interior. Mesmo muito doente ele a reconheceu, apesar de ter passado longos anos e o coração de Márcia era só felicidade e muito amor.
Ele teve que ser transferido para a capital onde havia muito mais recursos.Oamor entre os dois o fazia cada dia melhor, só esperando um transplante de muita necessidade que nunca veio acontecer. Mas mesmo assim seu João teve alta do hospital.
Com isso conseguiu que seu pai melhorasse e viveram três meses de pura felicidade, parecia um presente de Deus para ambos.
Mas um dia ele piorou e ela o achou caído no quarto desmaiado foi imediatamente para o hospital e de lá não mais saiu.
Márcia sofreu muito com a perda do pai, trabalhava mas vivia na completa solidão. Até que um dia fora almoçar na casa de amigos e ao chegar encontrou vários gatinhos que saíram correndo, ficando só um que quando Márcia sentou-se pulou logo em seu colo como se fossem velhos amigos. Ela se encantou-se com ele e o levou para casa o Tiquinho que passou a ser seu companheiro afastando a solidão, ois passou a amá-lo muito.
Casou-se teve filhos e Tiquinho que tornou-se Ticão morreu de velhice e por causa dos filhos arrumou o Floquinho que logo logo passou a ser Flocão devido ao tamanho.
Márcia sentia que tinha alguma coisa naqueles animais que nunca esqueceu do pai. Que amor mais lindo da filha sem nenhuma cobrança do tempo que ele foi embora. Era um amor verdadeiro que jamais esqueceria.
Gostei muito Jose da suavidade desse texto, mas onde há amor é tudo especial.
Beijos da amiga que não vive sem o amigo para sempre.
Marilene Dias.

Anônimo disse...

Um escritor de todos os temas de todas as palavras, mas em essencia um escritor de emoções!

Parabéns pelo Blog fantástico que voce tem!

Anônimo disse...

Não poderia deixar de comentar depois que meu marido me mostrou seus trabalhos!
Amei a sua sensibilidade e fiquei admirada com a sua capacidade de retratar em seus contos os sentimentos de todos nós!
Parabéns e muito sucesso Sr. José Araújo, pois o Sr. merece de verdade!
Beijos de sua nova fã!

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto.
Eu fui abençoada por um maravilhoso pai que além de pai é também um amigão e não posso nem imaginar como seria ser criada longe dele.
Fiquei triste ao ler o texto porque sei a importância dessa figura paterna em nossas vidas..
Bjsss...milll...