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domingo, 25 de maio de 2008

É A DIFERENÇA, QUE FAZ A DIFERENÇA...


Ser diferente, autêntico, não quer dizer que se é pior do que ninguém, apenas quer dizer que quando se é realmente genuino, é porque se tem plena consciência da importancia da existência individual de cada ser no universo, cada qual com sua participação no contexto da vida, exatamente do jeito que Deus nos criou.

Não é preciso ser igual a ninguém para ser aceito como parte de um grupo, para ser aceito como amigo, ou para ter sucesso na vida, quer seja no âmbito amoroso, quer seja no âmbito profissional, ou em qualquer outra área de nossas vidas.

Porque alguém por exemplo, deveria furar as orelhas para usar brincos, ou perfurar a língua e colocar um piercing, ou até mesmo usar somente roupas pretas, se não gosta de faze-lo, sómente para poder fazer parte da “turma”, se não se sente bem com isto e não era nada disto o que queria fazer de sua vida?

Não temos que nos importar com o que outros podem pensar ou falar de nós, pois certamente estes "outros", jamais viverão nossas vidas.

É altamente gratificante sermos nós mesmos, sem ter que representar nenhuma cena teatral, sem ter que agir contra nossos princípios, nossa índole, nossa crença e principalmente contra os desejos de nosso coração.

Será que agir de acordo com o que os "outros" dizem que devemos agir, apenas para agradar ou satisfazer convenções sociais, para ser considerado alguém dentro dos padrões e ser aceito como uma pessoa normal dentro do contexto, pode nos fazer feliz?

Para mim a resposta certamente á não e digo isto porque acredito que ninguem deve se maltratar tanto, ao ponto de não ser verdadeiro, sincero, coerente e honesto para consigo mesmo.

Nunca devemos deixar de ser aquilo que realmente somos, de demonstrar o que sentimos, nem devemos nos importar se vamos ou não agradar a alguém.

A unica coisa real que possuimos na vida é nossa identidade individual e seria um crime contra nós mesmos, se nos permitissemos perde-la em nome de uma pretexta igualdade, de acordo com padrões ridículos criados apenas para nos oprimir!

Se tivermos vontade de sorrir ou chorar abertamente e não o fizermos, estaremos nos ferindo profundamente, pois rir é uma das coisas mais deliciosas que existem, assim como chorar é uma demonstração de profundo sentimento.

Daria para crer que alguém vive de cara fechada, sério o tempo todo, apenas para cumprir um rito criado pela sociedade hierárquica?

Será que esta mesma pessoa não estaria sofrendo intensamente por dentro, se tivesse vontade de chorar, de desabafar ou demonstrar seus sentimentos em público e não o fizesse?

Ora, porque ouvir o clamor das convenções sociais e nos tornarmos apenas fantoches nas mãos da sociedade, como se estivéssemos sendo movidos pelas linhas invisíveis da hipocrisia, exatamente como os bonecos num teatro de marionetes?

Não!


Não temos que fazer absolutamente nada disto!

Temos que fazer somente aquilo que nos faz bem, que nos dá prazer, que nos enche o coração com uma vontade louca de viver intensamente, aquilo que nos dá vontade de continuar sempre em frente, curtindo cada segundo de nossa vida.

Podemos fazer de tudo que tivermos com vontade, é só querer, é só começar!

Podemos rir, chorar, gargalhar, correr, brincar, pular, dar cambalhotas, falar pelos cotovelos, amar loucamente, demonstrar sua sensibilidade, fazer coisas consideradas malucas pelas outras pessoas, agir totalmente fora dos padrões, gostar de jiló, nos deliciar na baba de um bom quiabo, gostar de flores, de usar aquilo com o que nos sentimos bem, sem nos importarmos com a tal “moda do momento”, gostar de samba ou musica clássica, ou outra coisa qualquer!

A nossa vida é muito curta para perdermos tanto tempo tentando agradar aos outros, agindo de acordo com o conceito de “normal”, tentando fazer parte de alguma coisa criada pelas convenções sociais e que na verdade, não faz parte de nada que foi criado por Deus!

Seja você quem for, seja sempre você mesmo e se ainda não é, comece agora, neste exato momento, sinta o que realmente é viver, ser livre, ser feliz e de acordo com a vontade de Deus!

Você vai ver como é surpreendentemente bom ser autêntico, ser você mesmo!

Uma das coisas mais importantes durante a nossa curta existência nesta vida, é sermos totalmente autênticos, genuinos, pois Deus não criou ninguém neste mundo para ser igual ao seu semelhante, pois certamente aos olhos dele, é a diferença, que faz a diferença!


Autor: Jose Araujo


Fotografia: Jose Araujo - (Sempre à procura da luz- Acervo pessoal 2006)

domingo, 18 de maio de 2008

O GRANDE MAESTRO...





Mariléia estava limpando o quarto e local de trabalho de seu patrão, um escritor mineiro, nascido e criado em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, que se mudou para São Paulo, como muitas outras pessoas de todos os cantos do país e do exterior. 
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Ele fixou residencia na cidade que nunca dorme, para onde veio à procura de uma chance para divulgar seu trabalho no mercado literário, e não demorou muito, com muita determinação, com seu jeito simples de escrever e fácil de se entender, após algum tempo ele alcançou seu intuito e se tornou famoso, tendo seu trabalho reconhecido em vários países do mundo. Ela, vinda do nordeste brasileiro, uma mulher de 32 anos, solteira, sem família na cidade, veio também para a grande metrópole, em busca de uma vida melhor, na esperança de poder ajudar seus familiares que ficaram no sertão, trabalhava para o escritor como empregada doméstica, desde que chegou à capital paulista, quando ainda era muito jovem. 
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Léia, como ele a chamava, dormia no emprego e tinha verdadeira devoção pelo seu patrão, pois ele ensinou a ela tudo que sabia na vida, além do que, ela amava tudo que ele escrevia, era sua maior fã, mesmo que ele e o mundo inteiro não soubessem disto. Enquanto ela passava o espanador sobre o teclado do computador, ela percebeu que ele havia deixado o equipamento ligado e quando tocou numa tecla, o protetor de tela foi desabilitado e um texto apareceu.
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Ela não resistiu e leu um trecho do texto que falava sobre uma ilha perdida em algum lugar do oceano, onde havia uma floresta tropical, com toda a exuberância da natureza, cheia de animais e plantas de várias espécies, um lugar paradisíaco onde foi parar uma linda jovem de 16 anos, que ficou órfã de pai e mãe num acidente de avião, sendo a única sobrevivente da tripulação. Leia leu apenas uma pequena parte do texto, mas já estava fascinada pelo enredo e não via a hora de poder ler a estória na integra, pois a cada livro lançado, seu patrão fazia questão de presentear a ela com um exemplar autografado e com uma dedicatória muito especial.
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Léia nunca viajou para lugar algum desde que chegou a São Paulo, mas graças aos livros escritos por seu patrão, ela pode conhecer o mundo todo, pode se emocionar com um pequeno esquimó perdido nas geleiras, pode sorrir e até mesmo chorar com a saga de uma família de onças Jaguatiricas numa tournê pela cidade dos homens, perdidas em pleno Metrô, jogadas por acaso num caminhão de lixo e depois despejadas nas lamas malcheirosas de um aterro sanitário, separadas por acaso e procurando desesperadamente se reencontrar, e isto tudo, tendo como cenário uma selva diferente daquela que elas conheciam. Nela tudo era de pedra, nela o rei não era o Leão, mas sim um bicho danado e ardiloso, que destruía ou afastava de si tudo aquilo que ele não compreendia, por medo de ser superado por outro bicho, da mesma espécie que a sua.
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Limpando, ela tirava cada coisa de um lugar e punha em outro, depois colocava tudo em seus lugares de origem e enquanto fazia isto, ela falava para si mesma a respeito do trabalho de seu patrão. Ela falava em voz alta como se estivesse conversando com alguém que estivesse junto com ela dentro do quarto, ela dizia que achava impressionante as estórias e poesias que saiam daquele teclado de computador e também que ficava imaginando o que mais viria depois, porque tudo que surgia através dele, era quase impossível de acreditar que alguém pudesse ter escrito, que era fantástico, verdadeiramente impressionante!
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Quando acabou de limpar o ambiente, Léia saiu do quarto e foi fazer seu trabalho nos outros cômodos do apartamento e quando ela acabou de sair, uma voz se fez ouvir:
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“Eu não disse?” Disse o teclado. 
“É impressionante! Isto é o que eu sempre disse!"
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E ele falou isto em alto e bom tom para a caneta que estava ao seu lado e para tudo que estivesse em cima da mesa do computador.
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É absolutamente incrível tudo que sai de mim, contando ninguém acredita, mas quando o ser humano começa a digitar em mim, nem eu mesmo sei o que vem depois e quando vejo, coisas fabulosas surgiram de mim, unicamente de mim, para o mundo!"
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Indignada com a arrogância do teclado a caneta respondeu: 
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“Você é um mero principiante! Eu estou aqui muito antes de você e de toda esta parafernalha que o acompanha para você poder funcionar e posso dizer que de mim, unicamente de mim, originaram-se e irão se originar os grandes personagens como príncipes e princesas, os grandes romances e tragédias, as grandes aventuras e estórias de ficção que previram o futuro num passado distante e que hoje, são parte integrante de nossa realidade. Isto sim teclado! Isto é o que é verdadeiramente incrível! É tanto, que nem eu mesma consigo acreditar quando o escritor termina de me usar para criar suas estórias e com chave de ouro, ele me usa para assinar o livro e enviar ao editor!"
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O teclado não poderia deixar de retrucar e respondeu: 
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“ Você é um museu! Ninguém usa mais objetos antiquados como você! As assinaturas hoje são digitais e usar uma caneta para assinar documentos já esta ficando fora de moda! Até os livros que ele envia ao editor vão em formato digital! Já percebeu que ele não te usa a um tempão? Que há mais de uma semana ele nem toca em você?”
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A caneta muito triste e ofendida, não poderia deixar por menos e respondeu à altura: 
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“Você é um retardado! Você nem mesmo tem o trabalho de pensar e se o fizesse, saberia que tanto você, quanto eu, somos apenas provedores do meio e que os méritos da criação são do escritor, pois é a mente dele que cria as mais belas estórias com as mais lindas heroínas, com os mais valentes cavaleiros, com mundos mágicos e intrigantes para ilustrar seus enredos! Mas de qualquer forma, Sr. Arrogância, eu sou mais velha e mais experiente que você e mais ainda! Estou aqui desde os primórdios dos tempos, sou descendente direta das primeiras penas de ganso que foram usadas para escrever as primeiras palavras escritas num livro pelo homem, e isto amigo, não tem desenvolvimento tecnológico que pague! Além do mais, não preciso de energia para funcionar, mas você, olhe só para você! Nem consegue ficar acordado se alguém desligar o computador!”
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O teclado, injuriado, não deixou barato e disse: 
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“Olha aqui sua múmia! Seu lugar é num sarcófago, dentro de alguma pirâmide nos confins do deserto! O escritor deveria enviar você via Sedex para o Egito, pois tenho certeza de que lá, nas profundezas das areias do deserto, é que é seu lugar!”
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A caneta sensível e delicada, mais ofendia do que nunca em sua vida, disse ao teclado: 
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“Babaca, insensível e arrogante!”
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O teclado, é claro, não deixaria de retrucar e respondeu: 
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“Você é uma trouxa, sensível e presunçosa!”
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Ocorreu que naquele momento, o escritor abriu a porta de seu quarto e tudo voltou ao normal, nem um pio foi ouvido, exatamente como tinha que ser. Já era tarde da noite e o escritor tinha acabado de chegar da espetacular Sala São Paulo, na Estação Julio Prestes, no bairro da Luz onde ele havia assistido um conserto de piano com alguns amigos, e não poderia ter sido melhor. Enquanto ele ouvia a musica tocada pelo pianista, na acústica perfeita do lugar, ele não ouvia apenas o piano, era como se ele estivesse ouvindo a toda uma orquestra e enquanto ele observava os movimentos do pianista, ele se deixava levar pela magia do momento. Sua mente de escritor, diante de tanta inspiração, não pode deixar de criar.
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Em certo momento, com os olhos fechados, a musica que penetrava em sua alma e em seu coração, o fazia voar por sobre telhados de castelos antigos e num deles, presa numa torre, vivia uma linda princesa a espera que um príncipe valente para liberta-la de sua prisão. Em sua mente de escritor e seu coração de poeta, ele imaginava os cenários da época com detalhes minuciosos e planejava uma chagada triunfal do príncipe ao alto da torre, mas ao mesmo tempo, ele decidiu que esta estória tinha que ser diferente de todas outras já contadas. A princesa seria uma jovem e bela executiva, a torre do castelo, seria a cobertura de um edifício na avenida Paulista e o príncipe, seria um jovem e valente bombeiro no exercício de sua função. Ela tinha que ser mesmo muito mais do que especial, e quando chegasse em casa, ele iria encontrar um jeito de escreve-la como ninguém nunca o fez, mas antes, ele precisava descansar.
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Em pé em frente ao computador, ele percebeu que o havia deixado ligado, olhou para a mesa vendo a caneta ao lado do teclado, falou como se eles pudessem ouvir e compreender: 
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“Hoje eu não preciso mais de você meu amigo e parceiro, nem de você minha amada caneta, afinal, vocês, assim como eu, precisam descansar!”
Mas ele se lembrou que havia deixado seu casaco na sala e saiu para busca-lo, e quando ele saiu, recomeçou a discussão:
O teclado arrogante, disse à caneta: 
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“ Eu não digo sempre? Nem mesmo o escritor vive sem minhas criações!
A caneta desolada com a imaturidade do teclado respondeu: 
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“Arrogante!”
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O teclado retrucou: 
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“Presunçosa”!
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Contudo, aquele foi o final da discussão porque o escritor entrou novamente em seu quarto e os dois se calaram, mas de certa forma, sentindo que poderiam ter ido dormir sem ouvir tantas besteiras, tantos insultos e dormir eles foram, porque o escritor desligou o computador, pegou caneta e a guardou num estojo ,colocando-a no fundo de uma gaveta, mas ele, o escritor, não foi dormir como foram o teclado e a caneta. O escritor fez exatamente como a cidade que ele escolheu para viver, ele passou a noite acordado, criando em sua mente brilhante, o enredo, os personagens, e tudo mais para escrever sua nova estória, que ele resolveu que iria se chamar “ O Grande Maestro”, pois seria ele quem iria colocar o jovem bombeiro no caminho da executiva para salva-la na cobertura do edifício. e seus pensamentos fluíam em sua mente, com a força de uma tempestade tropical, como se fossem os acordes mágicos de um violino, infinitos como a vastidão o oceano, belos como o sorriso de uma criança e com a mesma voracidade, com que correm as pérolas de um colar que se quebra, e as esparrama pelo chão.
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Ele sentia seu próprio coração fazendo parte da estória que estava criando, ele, o homem, o ser humano, ao contrario do teclado e da caneta, sempre foi consciente do verdadeiro brilho do grande e único maestro, e mestre de nossas vidas. Ele sempre soube que ele, com todo seu talento, nunca passou de um mero instrumento nas mãos de Deus, e no fundo de sua alma, ele era feliz, porque tinha a verdadeira consciência de que todos nós sem exceção, somos os objetos do desejo divino e por mais que estejamos preparados, por mais conhecimentos e talentos que possamos ter na vida, somos como músicos e nossos conhecimentos, os instrumentos musicais.
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O escritor, o patrão de Léia, sempre soube que Deus nos utiliza, cada um com seu instrumento, para fazer tocar com sucesso, a grande orquestra da vida.
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Ele em sua humildade, com sua sensibilidade, fé em Deus e na vida, carregava dentro de si, o conhecimento de que, por mais que sejamos capacitados, por mais talentos que possamos vir ter a mais do que outras pessoas, não temos o direito de nos vangloriar, de nos achar superiores, humilhando e menosprezando nossos semelhantes, sem dó nem compaixão, pois o “O grande maestro” é um só, e é ele quem comanda não só aos músicos e instrumentos, mas toda uma orquestra, que toca em uníssono a sinfonia da vida, em suma, é ele quem rege o grande espetáculo da vida.
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Se alguém é merecedor de receber os louvores desta imensa platéia que somos nós, pelo sucesso deste espetáculo sem igual, este alguém é Deus, nosso criador.
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Autor: Jose Araujo
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Fotografia: Jose Araujo (Foto: "Detalhes" Acervo particular 2006)


domingo, 11 de maio de 2008

PADRÕES...


Ano de 1969, madrugada de domingo e eu não conseguia dormir, tamanha minha excitação, eu ia ver o mar pela primeira vez!

Nossa viagem iria começar às 04:00s e eu não via a hora de partir, eu havia me deitado na véspera e fiquei o tempo todo olhando para os ponteiros do relógio, como se quisesse com a força do pensamento fazer o tempo passar mais depressa e a ansiedade me consumia.

Só sei que dormi talvez no máximo umas duas horas naquela noite e quando chegou a hora de partir, meu coração batia mais rápido e era como se eu estivesse sendo levado para receber um prêmio, há muito desejado.

Naquela época as viagens não eram tão confortáveis e tão rápidas como hoje, mas ir num ônibus de excursão, tinha vantagens que nos de trajeto convencionais não estavam disponíveis.

Me lembro que durante a descida da serra de São Paulo para o litoral paramos três vezes e as paisagens que pudemos admirar, eram de fazer qualquer ficar pasmo com a exuberância da natureza da mata atlântica.

Eram cachoeiras que despejavam suas águas a dezenas de metros acima no topo das montanhas, fazendo com que as águas se dissipassem durante a queda, transformando-se em gotas que formavam uma chuva quente e deliciosa quando chegava a nós cá em baixo onde estávamos parados.

A mata, com suas plantas molhadas pelas gotas de água caídas das cachoeiras exalava um perfume fantástico, que era um misto de cheiro de madeira molhada com cheiro de ervas e flores silvestres, era para mim um sonho sendo vivido ali naquele exato momento.

Levamos três horas para chegar ao litoral e durante este tempo de viagem, aproveitamos o máximo que pudemos nas paradas que fizemos pelo caminho.

Nosso destino era a cidade de Itanhaem, mais precisamente a Praia dos Sonhos onde chegamos às 07:00s e quando o ônibus se aproximou da orla marítima e o mar se tornou visível, não posso descrever exatamente o que senti, pois foi uma mistura de tudo, êxtase, excitação, alegria, encantamento, medo, paixão à primeira vista, respeito e contemplação da imensidão do que significa estar vivo.

Nossa parada era um Hotel que ficava do lado direito da Praia dos Sonhos, bem em cima dos rochedos e foi lá que descemos do ônibus e eu sem poder me conter, fui correndo para a areia da praia, já com os pé nos chão, para sentir o prazer de ter os grãos infinitamente pequenos sob meus pés, causando aquela sensação de grandeza de enormidade de ser gente, de estar vivo e fazendo parte integrante da natureza.

Todos os outros garotos que foram na excursão, mais do que depressa foram colocar seus trajes de banho e caíram na água imediatamente, porém eu não.

Rodeando o Hotel, haviam rochedos estonteantes para mim e o som do mar arrebentando-se nas pedras, me atraiu mais do que ir para a água com os outros e fui andar pelas pedras e admirar a força e a imensidão do mar em toda sua magnitude.

Eu era muito jovem, mas tinha algo que me diferenciava dos outros garotos da minha idade, eu já pensava muito e aprender sobre o mundo e as coisas que o compunham, eram mais que um prazer.

Fiquei nas pedras muito tempo, horas mesmo, observando as ondas e seus padrões, queria compreender como e porque elas se formavam e porque sempre se arrebentavam nas pedras ou morriam nas areias da praia, só queria entender para poder aprender e poder compreender a voz do mar.

Neste ponto, falar sobre a voz do mar é algo que pode parecer incompreensível para alguns, mas para mim, desde o primeiro momento em que ouvi o som do mar, pude sentir no mais profundo intimo de meu ser, que ele estava falando, sim falando em sua própria linguagem, em seu próprio idioma, que ele estava vivo, que era forte e poderoso, que poderia ser muito bom, mas muito cruel também, dependendo de como ele fosse tratado, que ele é um ser vivo como qualquer outro, que sente dor, alegria, tristeza, paz, tranqüilidade ou no extremo oposto, a mais completa fúria e revolta quando é agredido.

Observando as ondas e seus padrões, estudando-os pude compreender como agiam e quais os fatores que traziam alterações em seu comportamento e foi como se o mar, ele mesmo falasse dentro de minha cabeça, que eu era parte dele mesmo, que mesmo nunca tendo estado perto dele nos meus quinze anos de vida eu sempre havia sido parte dele, talvez até mesmo por toda uma eternidade.

Padrões na vida e na natureza são comuns, mas os padrões também podem sofrer alterações e o mar, é a maior prova de que nunca se pode confiar totalmente em padrões, que nunca se pode confiar cegamente em coisas que são comuns e constantes em nossas vidas, que elas podem mudar, assim como o mar muda os padrões de seu comportamento, quando a natureza e as circunstancias ao seu redor o obrigam a mudar a direção e a intensidade das ondas, causando em determinadas situações, imensas arrebentações tão violentas, que destroem tudo que encontram pela frente.

Assim como o mar, nossa vida pessoal é cheia de padrões, de situações que são tão costumeiras e continuas que muitas vezes confiamos demasiadamente em suas constâncias e acabamos sofrendo muito com as alterações repentinas que ocorrem, sem que estejamos preparados para isto.

É comum e muito confortável confiar num padrão de comportamento para com as pessoas que amamos e esta confiança, pode ser a causa de muitas tristezas que sofremos e mesmo sem saber nós somos os causadores destas mudanças, que tanto nos afetam.

Assim como o mar sofre alterações em todo o seu ser durante uma tempestade, alterando os padrões das ondas que se comportam totalmente diferentes de quando o céu esta limpo e o vento sopra suavemente, nossas vidas também são afetadas pelas mudanças repentinas dos padrões que nos são tão comuns.

O mar tem seus padrões criados pela natureza e mesmo assim, eles podem ser alterados de acordo com as circunstancias que se apresentam ao longo dos tempos, porém, nós seres humanos criamos nossos próprios padrões e muito convenientemente acreditamos que eles serão eternos e não nos preocupamos com as circunstancias em que vivemos, nem como nos comportamos em relação às pessoas que amamos, crendo piamente nos padrões que nós mesmo criamos e é ai que muitas vezes perdemos na vida pessoas que verdadeiramente amamos, por não nos preocuparmos com as mudanças dos padrões que criamos.

Ele de alguma forma faz parte de mim, de minha alma e ele sempre me ensina com sua voz que ecoa dentro de minha mente, desde o primeiro momento em que o vi, como se telepáticamente ele se comunicasse comigo desde então, me dizendo que na vida, um marinheiro pode escolher o vento que pode levar seu barco a um porto seguro, mas o vento pode ter em mente sua própria direção, escolhendo rotas diferentes da que estão na mente do marinheiro e no final, ao invés de aportar num porto seguro, seu navio entra em tempestades violentas e pode naufragar levando com ele, marinheiros e tripulantes, sem dó nem perdão.

O mar me ensinou que não podemos confiar cegamente em padrões que nós mesmos criamos em nossas vidas, pois padrões também mudam, assim como pode mudar o vento que o marinheiro escolhe, levando seu barco a um destino desconhecido, onde só Deus sabe o que pode o espera, as consequencias negativas do que pode haver lá, podem ser irreversíveis.


Autor:Jose Araujo

Fotografia: Jose Araujo -Título: Beach Boy (Acervo particular 2007)



domingo, 4 de maio de 2008

RICHTER 8.2




São Paulo, quarta feira, 22 de abril de 2020, o dia amanhece na capital paulista, são seis horas da manhã e Ana Laura já esta de pé desde as cinco e entre os preparativos para levar Leninha para a escola e para ir trabalhar, ela tem que se desdobrar em duas, cuidando da filha, da casa e dela mesma, como sempre, fazia, dia após dia. Com toda a agitação e correria das pessoas que vivem e trabalham nas grandes metrópoles, é comum os pais deixarem de dar a atenção necessária aos filhos, pois na maioria dos casos, marido e mulher tem que trabalhar, ficam fora de casa a maior parte do dia e os filhos, ficam sob a responsabilidade de escolas particulares, publicas ou de pessoas que são contratadas para cuidar delas em sua ausência, mas com Ana Laura era diferente, quando o assunto era sua filha, suas prioridades eram outras, como deve ser.
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Desde jovem, ela sabia da importância de uma criança ser bem monitorada e acompanhada pelos pais, sabia das consequências da ausência deles em suas vidas e nunca deixou de dar o suporte e a atenção que sua filha precisava. Mesmo nas épocas de maior agitação em sua vida profissional, ela não deixava de se preocupar com o bem estar fisico e psicológico de sua filha e o resultado deste comportamento como mãe, era uma relação baseada em amor, carinho, reciprocidade de sentimentos, mas principalmente, uma profunda confiança e credibilidade mútua, o que fazia delas, uma família feliz e unida como poucas, num mundo onde os valores haviam sido invertidos, desde muito tempo atrás.
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Leninha tinha apenas sete anos de idade, mas tinha uma personalidade forte e à sua maneira, possuía uma opinião formada sobre as coisas que já conhecia da vida, o que era incomum em jovenzinhos de sua idade. Ela era uma criança que tinha uma vida de criança e sabia que precisava agir como tal, vivendo e divertindo-se, aprendendo viver, cada coisa a seu tempo, mas tinha também a capacidade de compreender e saber como agir na ausência de sua mãe, durante todo o período em que ficava sozinha até ela chegar do trabalho e com isto, ela nunca causou dores de cabeça a ela, sempre soube se comportar e ainda ajudava no que podia, na verdade, Leninha era na expressão da palavra, uma criança exemplar. Ana Laura era arquiteta e trabalhava numa construtora de renome na Avenida Paulista e Leninha estudava numa escola no bairro da Penha, zona leste da cidade e todos os dias, ela deixava sua filha na escola, esperava os portões se fecharem por medida de segurança e ia para o trabalho, utilizando como via de regra o transporte pelo metro, fazendo baldeações, na estação Sé e depois na estação Paraíso, para descer na estação Brigadeiro, próxima ao seu trabalho.
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Lenhinha entrava às sete na escola e saia ao meio dia, indo direto para casa pelo transporte escolar e quando lá chegava, tomava seu banho, almoçava, fazia suas lições e o que mais pudesse fazer para ajudar e ia dormir o resto da tarde, pois levantava muito cedo e precisava descansar. Com todo o stress e correria da vida na cidade, elas se davam muito bem, pois sabiam como driblar os problemas causados por contratempos e suas vidas, como mãe e filha, não poderia ser melhor. Seu pai vivia no exterior desde que se separou de sua mãe e esta circunstancia, nunca foi encarada como uma infelicidade, muito pelo contrário, elas se uniram mais do que nunca e só o fato delas terem uma à outra, supria qualquer falta ocasional que pudesse ser sentida em suas vidas.
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Ana Laura sempre foi uma profissional extremamente competente, seus projetos eram arrojados, futuristas, mas sua principal característica era a atenção que ela sempre dedicava à segurança do bem maior que temos neste mundo, a vida. Desde que terminou a faculdade, ela sempre se dedicou aos estudos complementares para que pudesse ser uma profissional competente, assistia a todos os cursos, simpósios, palestras e convenções que surgiam sobre a influencia da geologia na arquitetura moderna, pois mesmo sendo recém formada, sabia das consequências de um projeto mal elaborado, que uma vez executado, sem preocupação com a segurança do ser humano, poderia ser o inicio de um caminho que quase sempre leva ao assassinato em massa de pessoas inocentes.
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Em 22 de abril de 2008, um tremor de terra com 5.2 graus na escala Richter por reflexo, vez que seu epicentro foi no litoral,  atingiu a Capital Paulista, sem consequências mais graves, não sendo sentido em muitos lugares da cidade, mas no apartamento da família de Ana Laura a coisa não foi bem assim. Ela era ainda adolescente quando isto aconteceu, mas ficou impressionada e preocupada com a segurança dos moradores de seu prédio, pois em alguns andares as portas ficaram travadas, não se abriam para que as pessoas pudessem sair para a rua e em seu apartamento, não foi diferente. Seu Pai teve que tirar as dobradiças da porta para poder retira-la do lugar e só assim todos puderam sair do apartamento, indo para a rua até saber o que havia acontecido.
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A experiência foi marcante para Ana Laura e ela jurou a si própria que seria uma arquiteta, mas seria uma profissional diferente, uma pessoa que faria seu trabalho, baseado nas necessidades de segurança dos seus semelhantes e se não fosse assim, então ela não o faria, nem por todo o dinheiro deste mundo. Ao longo dos anos, mesmo antes de se formar na faculdade, ela já fazia suas pesquisas por contra própria e aprendeu que ao contrário do que era divulgado pela imprensa e pelas autoridades competentes, os moradores da região sudeste do Brasil estavam sob o risco de serem atingidos por um terremoto de proporções incalculáveis a qualquer momento, pois no território nacional haviam pelo menos 48 falhas mestras, a maioria concentradas em escalas progressivas, estando a região Sudeste em 1º lugar, a Nordeste em 2º, seguidas de longe pelas regiões Norte em 3º e Centro Oeste na 4ª posição e isto sem contar que ano, após ano, havia a possibilidade de descobrirem novas e mais perigosas falhas nas placas tectônicas e com a natureza não se brinca, seu poder pode ser destruidor.
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Ana estudou minuciosamente um relatório sobre os terremotos ocorridos nos últimos tempos no Brasil e descobriu que o maior que havia sido registrado, tinha sido de 6.2 na escala Richter em 31 de janeiro de 1.955, em Porto do Gaúchos, Norte do Mato Grosso, sendo sentido num raio de mais de 300 quilômetros e também que houve outro em São Paulo, em 1.922 na região de Mogi Guaçu com 5.2 na escala Richter, que em novembro de 1.980, foi registrado um terremoto de 5.0 na escala Richter em Pacajus no Ceará e em 1.986, na cidade de João Câmara no Rio Grande do Norte, onde cerca de quatro mil casas foram derrubadas e desde o abalo daquele ano, mais de 60 mil outros já haviam sido registrados. Ela aprendeu muito, pesquisando e estudando com afinco o comportamento do solo tanto no Brasil como em outros países por onde viajou e Ana Laura, mais do que ninguém, chegou à conclusão de que a Terra é um enorme ser que assim como nós, tem sentimentos, sente alegrias, tristezas, dores e que pode, exatamente como nós, entrar em stress profundo, refletindo os efeitos desta pressão nos movimentos das placas tectônicas, que causam os abalos sísmicos e outras reações.
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Ela sentia em seu coração que o planeta era como se fosse uma pessoa doente e carente, precisando de amor, carinho, cuidados, atenção e que os terremotos, nada mais eram do que espasmos de dor, de um corpo doente e cansado, sem esperanças de cura dos males que o afligem. Sua experiência, sua inteligência, a fizeram chegar rápido ao posto de uma das arquitetas e pesquisadoras mais renomadas do país, tendo sido convidada varias vezes a participar de manifestações em prol da proteção do planeta e do meio ambiente, assim como os simpósios internacionais sobre a segurança obrigatória na construção de edificações. Todas as suas ideias, eram muito aplaudidas em todos os lugares onde se apresentava para expor e sugerir novas formas de segurança na àrea de construção civil.
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Contudo, desde que se formou e conseguiu seu primeiro emprego na área da construção, Ana Laura encontrou inúmeras vezes problemas na aceitação de seus projetos, sendo que neles o maior custo estava no item segurança, do que ela não abria mão de forma alguma e em consequência disto, outros projetos feitos por seus colegas eram aprovados por serem menos dispendiosos e muitas vezes, sem ter ao menos o básico necessário no tocante à segurança do ser humano. Por duas vezes ao longo dos anos, ela perdeu o emprego por se recusar a assinar projetos criados em grupo para as construtoras para as quais trabalhou, pois neles, seus colegas de trabalho atendiam às necessidades da construtora, não dos futuros usuários ou moradores que iriam ocupar a construção depois de pronta. Jamais ela deixou de tentar incutir na cabeça dos dirigentes das empresas em que trabalhava, que São Paulo, principalmente a Capital em seus pontos mais altos, era uma área de grande risco e que há muito tempo, a cidade já vinha sendo atingida por tremores de terra, muitas vezes despercebidos pela população ou atribuídos aos movimentos do Metrô no subsolo, mas em resposta, ao invés de apoio, ela só recebia piadinhas de mau gosto e olhares atravessados, como se quisessem dizer que ela estava louca, que tinha perdido a razão.
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De uma forma ou de outra, mesmo com todas as dificuldades do dia a dia, da resistência das grandes construtoras em aceitar a realidade do risco iminente, ela e sua filha viviam bem, não eram ricas, mas o que Ana Laura ganhava era o suficiente para mantê-las, alem de que, só o amor que as unia, já alimentava o corpo, a alma e o coração. Eram nove horas da manhã e ela havia acabado de chagar ao local de trabalho que ficava no 8º andar de um prédio antigo na Avenida Paulista, ela tinha deixado Leninha na escola e só a veria novamente no final do dia quando chegasse em casa, mas naquele dia, ela não estava se sentindo a vontade, era como se algo apertasse seu coração e uma angustia tomava conta de seu ser, de uma forma que nunca havia ocorrido antes em sua vida. Ana Laura foi até o banheiro feminino, resolveu passar um pouco de água no rosto para ver se se sentia um pouco melhor. Quando se aproximou do lavatório e se debruçou para jogar água em sua face, numa fração de segundos, o chão tremeu debaixo de seus pés e o espelho explodiu em cacos e por pouco, ela não se feriu seriamente.
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Assustada, ela voltou para sua sala e no caminho todo mundo no escritório estava comentando sobre o que havia acontecido e alguns rapazes desceram ao piso térreo, para ver se descobriam o que aconteceu. Ela, como uma profissional experiente e dona de um conhecimento profundo sobre o assunto, sabia em seu coração que era uma questão de tempo e a terra iria tremer de novo e quando ela o fizesse só Deus poderia saber com que intensidade isto iria acontecer. Desde o momento do tremor, a Avenida Paulista já estava com milhares e milhares de pessoas nas calçadas comentando assustadas sobre o incidente e esperando o sinal das empresas para retornarem aos seus ambientes de trabalho e retomar o expediente.
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Foi então que tudo aconteceu...
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De repente, a Terra tremeu como nunca, as fachadas e portas de vidro dos enormes arranha céus dos grandes bancos e empresas multinacionais se transformaram em uma chuva assassina de cacos e lascas de vidro, cortantes e afiadas, matando e ferindo centenas de pessoas que estavam nas calçadas, paradas ou de passagem ao longo da avenida e enquanto os vidros as atingiam, tudo chacoalhava com uma ferocidade incrível, as pessoas não conseguiam ficar em pé caindo no chão, painéis e cartazes luminosos se desprendiam dos edifícios caindo e destruindo o que encontravam em seu caminho durante a queda. Os postes de iluminação do canteiro central da Avenida Paulista, mais pareciam varas de Bambu, balançando de lá para cá, até que muitos foram arrancados de suas bases fincadas no chão e caíram em cima de uma quantidade enorme de carros e ônibus que estavam sendo chacoalhados sem piedade pelo tremor. A intensidade do tremor foi aumentando gradativamente e em menos de dois minutos, os prédios começaram a cair, primeiro as grandes antenas de rádio, TV e telefonia celular que ficavam espetadas no alto dos edifícios, depois os andares mais altos, que se despedaçavam e desmoronavam em direção ao chão.
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O caos estava instalado e crateras surgiam a ermo, aqui e ali arrastando para dentro delas, muitos carros e ônibus, ainda cheios de passageiros, pois era horário de pico e por medo as pessoas não saíram dos veículos e enquanto isto, dentro dos prédios o desespero era ainda maior. Grande parte dos edifícios não contava com saídas de emergências, muito menos com proteção antiterremoto, afinal, para todos os efeitos, o Brasil sempre foi um pais sem riscos de abalos sísmicos, porque iriam investir em segurança nas construções e gastar o dobro do valor de um obra normal, equipando os edifícios com os equipamentos e itens necessários para eventualidades como esta. A maioria dos prédios, em questão de minutos, foi reduzida a um monte de destroços e lembranças e em meio a elas, milhares de vidas se perderam, tudo que sobrou, foi uma série de cortinas de fumaça negra, erguendo-se de explosões que ocorriam a toda hora, nos mais diversos locais e do jeito que ele veio, ele se foi, o terremoto acabou, mas a dor, o sofrimento e a sensação de impotência das pessoas que sobreviveram, só estava começando.
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Não se sabe como, nem porque, mas o edifício onde trabalhava Ana Laura, apesar de toda a sua idade e falta de recursos de segurança, manteve-se em pé, com muitas rachaduras em todos os andares, inclinado como se fosse cair, mas não desabou e todos estavam apavorados, sem saber o que fazer. O escritório da construtora para quem Ana trabalhava ficava no 8º andar do prédio, sem escadas de incêndio e infelizmente, as portas de fogo do prédio eram tão antigas, que ao invés de se abrirem para fora dos conjuntos comerciais, elas se abriam para dentro dos imóveis e com isto, as duas únicas portas de saída do escritório, estavam travadas pelo deslocamento do piso sem poder ser abertas, a não ser, arrancando-as do lugar e assim, longos momentos de angustia se passaram nos corações de todos que lá estavam e Ana Laura só pensava em uma coisa naquele momento, ela precisava chegar até a escola de Leninha, ela precisava saber se tudo estava bem com sua filha e numa prece silenciosa, ela rogava ao Pai todo poderoso que protegesse seu pequeno anjo, sua única companheira na vida, mais do que tudo, a razão de seu viver.
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Da enorme janela do andar onde Ana se encontrava, tudo que se via lá embaixo era destruição, buracos enormes abertos pelas crateras que agora estavam cheios de escombros dos edifícios que ruíram e caíram em cima dos ônibus e carros lotados que já haviam sido arrastados para dentro delas no inicio do terremoto. As linhas do Metro de São Paulo estavam destruídas, inúmeros pontos dos túneis desabaram sobre composições cheias de usuários indo ao trabalho e nas estações, na hora do desastre foi possível ver as grandes colunas de sustentação feitas de concreto armado serem quebradas, como se fossem pequenos palitos de dente feitos de madeira. A Av. Brigadeiro Luiz Antonio era o retrato da desolação em toda a sua extensão e no sentido centro, prédios seculares desabaram, sem deixar pedra sobre pedra, hidrantes havia estourado jorrando água com uma força enorme, o viaduto desabou sobre a via impedindo a passagem das poucas viaturas do corpo de bombeiros e para todo o lugar que se olhava, só se via dor, morte, desgraça e sofrimentos dos sobreviventes e a cidade que nunca havia dormido parou, inerte, sem esperanças, parecia que tinha chegado a hora do julgamento final e depois dele, quem sobreviveu, não ia, não vinha, de ou para lugar algum.
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O terremoto que atingiu a Capital Paulista foi da maior magnitude, tendo seu epicentro na área dos jardins e ele destruiu todo o Centro da cidade e com seus reflexos, destruiu também muitos bairros e cidades próximas, causando morte e destruição em toda a extensão de sua área de abrangência, sendo sentido em estados vizinhos, causando em alguns deles pequenos estragos, sem maiores consequências, mas São Paulo, esta não escapou da força implacável da natureza, pereceu, transformando-se em destroços e cinzas em todo lugar. Após muito tempo, alguns de seus colegas conseguiram soltar as dobradiças de uma das portas de incêndio e todos conseguiram sair, descendo as escadas com o coração na mão, com medo do prédio vir a desabar e acabar ali mesmo, com mais algumas dezenas de vidas, cada segundo de agilidade na fuga era precioso e afinal eles chegaram à rua, sãos e salvos. Ana Laura quando tomou consciência do estado de destruição daquela avenida que ela via da janela de seu escritório todos os dias, antes tão linda, iluminada e poderosa, mas que agora não era mais nada, a não ser um amontoados de escombros e destroços, completamente destruída, não se conteve, deixou as lágrimas que estavam presas em seu coração rolarem livremente e naquele momento, a imagem de Leninha lhe veio à mente mais forte do que nunca e seu único desejo, era ir de encontro a ela, onde quer que ela estivesse, porque dentro de seu coração, ela sabia que precisava cumprir uma promessa que fez à sua filha um dia, quando ela lhe disse: “Filha, não importa o que aconteça, não importa onde você esteja, se você precisar de mim e vou estar lá para te ajudar”.
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Todos estavam preocupados com suas famílias, pais, irmãos, parentes, namorados e resolveram se juntar em grupos dos que moravam na mesma direção, mas ninguém era da Zona Leste e Ana Laura acabou por ficar sozinha e não demorou muito, ela começou sua grande caminhada até o Bairro da Penha onde ficava a escola de Leninha e sem transportes, sem pontes e viadutos para atravessar os rios, seria fácil, mas ela não desistiria por nada neste mundo de encontrar sua filha. Ela desceu a Brigadeiro por entre os escombros e corpos que estavam pelo caminho, uns poucos bombeiros tentavam ajudar algumas pessoas presas num restaurante que não caiu e durante sua caminhada até a Praça João Mendes, tudo que se ouvia eram gritos de dor, tudo que se via eram destroços e restos de estruturas de prédios que teimavam em ficar em pé.
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Quando chegou ao parque D.Pedro II, já cansada de caminhar, percebeu que os viadutos que davam passagem por cima do rio Tamanduateí dando acesso à Avenida Rangel Pestana, também haviam desmoronado e passar sobre os destroços caídos sobre o rio seria uma aventura, pois se ela caísse, com a água sendo represada pela estrutura caída nele, seria sua morte, mas ela não desistiu, pé ante pé, passo, após passo, equilibrando-se em alguns pontos, escorregando em outros e quase caindo na água, ela venceu o desafio e pode seguir seu rumo. Caminhando no que sobrou da Av. Celso Garcia, cansada, com sede, com sono, Ana Laura registra imagens de horror em seus olhos, pois até chegar na Penha, o cenário que se descortinava em sua frente era simplesmente devastador. Em todos os Bairros da Capital o Terremoto causou mortes, pânico e destruição e o grupo do corpo de bombeiros, despreparado para uma situação como aquela, não tinha nem materiais, nem contingente para ajudar a socorrer a população de maneira efetiva e na falta de socorro, muitos iam perecendo e as mortes só aumentando a cada momento.
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O governo do Estado e a prefeitura do Município, nunca aceitaram as ideias que através dos órgãos competentes Ana Laura havia apresentado e naquele momento, era fácil de ser ver os resultados e as consequências de tanto descaso com o fator humano, em nome de contenção de despesas, sem a menor consideração para com a segurança da população. A maior e mais impactante imagem de terror só era possível ser vista do alto, porque sobrevoando a cidade, onde agora só se viam lá embaixo um numero infinito de destroços, cinzas e fumaças, antes era possível se avistar a silhueta e os reflexos dos grandes prédios espelhados da Avenida Paulista, com suas antenas magníficas plantadas em cima deles, como se fossem uma espécie de coroa, lhes conferindo títulos de majestade, como sugeria o lugar. O resto da tarde e a noite inteira, Ana Laura caminhou, nos escuro, no frio, com fome e a dor em seus pés era tanta, que qual quer um teria desistido, mas não Ana Laura e ela continuou até que pela manhã ela chegou caminhando a pé, vinda do que restou da avenida Paulista, aos restos da Av. Penha de França de onde antes se via a imagem magnífica da Igreja de Nossa Senhora da Penha, agora tudo que se via eram destroços, escombros e fumaça subindo aos céus.
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Ao chegar o lugar onde ficava a escola onde sua filha estudava, seu coração quase parou, pois o prédio de dois andares da escola se assemelhava a um disco de pizza, completamente achatado, irreconhecível em suas formas, apenas um monte de ferro, pedras e cimento amontoados no chão. Ana Laura no desespero, tentava lembrar em que ponto do prédio ficava a sala de aula de Leninha, mas um branco preencheu seu cérebro e enquanto isto, outros pais foram chegando e desesperados com a situação entravam em parafuso, caiam em prantos, chorando e gritando com toda a dor de seus corações que tudo estava acabado, que nada mais poderia ser feito, que seus filhos estavam todos mortos e não havia mais nada a fazer, mas a memória dela não iria deixa-la não mão naquele momento e ela se lembrou exatamente onde ficava a sala de sua filha. Ela sabia que haveria muito trabalho na remoção de escombros a ser feito e pediu ajuda a todos que lá apareceram, tendo como resposta, apenas o som da palavra não.
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Algumas mães desmaiavam e eram carregadas pelos seus maridos ou amigos para longe, pais solidários, diziam a Ana Laura que ela devia desistir, que se ela ficasse ali naquele lugar, estaria correndo perigo, pois mesmo após vinte e quatro horas do grande terremoto, explosões aconteciam e mais pessoas morriam ou ficavam gravemente feridas. Alguns voluntários que auxiliavam o corpo de bombeiros, estavam percorrendo as escolas dos bairros e a situação em cada lugar era mais desesperadora e quando chegaram onde estava Ana Laura, disseram o mesmo que todos já haviam dito, que ela tinha que desistir, que nada mais poderia ser feito, mas Ana Laura não, ela não desistiu, ela tinha que ver com seus próprios olhos o que aconteceu com sua filha e mesmo machucada, cansada, com sono e com fome ela resolveu que se ninguém iria ajuda-la, ela o faria com as próprias mãos.
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Doze horas, vinte e quatro horas se passaram e ela cavando e removendo somente com as mãos, pedra após pedra e naquela altura, com as mãos sangrando, com muitas dores, ela já não mais sentia fome, sede, sono ou cansaço e uma força interna a impulsionava a continuar e ela não parou. Mesmo com seus joelhos machucados e sangrando, seus pés cortados e perfurados por escombros de ferro e madeira ela iria até o fim. Da roupa que ela usava no trabalho do dia a dia, agora já não havia sobrado quase nada, a não ser alguns trapos e ela se sentia, suja e cheirando mal, mas uma mãe como ela não desiste em momento algum. Em determinado momento, ela ouviu algo, mas achou que estava sonhando e logo depois uma voz abafada se fez ouvir claramente: “Mãe!?!? É você mãe?!?!? Sou eu, Leninha!
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Naquele momento ela não sabia se chorava ou se respondia à sua filha, mas uma coisa é certa, mais do que nunca em toda a sua vida, Ana Laura acreditou na existência de Deus e com o coração parecendo querer saltar para fora de seu peito, ela gritou: “Leninha?!?!? É a mamãe meu amor!!! Como você esta??? Onde você esta???”
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A voz de Leninha no meio de toda aquela destruição, parecia ser uma benção dos céus, indicando a direção de onde estava e ela respondeu: “Estamos aqui embaixo Mãe, bem perto da coluna ao lado da mesa da professora! Quando tudo começou a cair, nos corremos para perto da professora e quando o teto desabou, o piso do andar superior não se quebrou por completo e formou um retângulo entre nós e a parede e foi isto que nos salvou!”
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Ana Laura queria mais detalhes, queria saber o que a esperava lá embaixo e perguntou quem mais estava com ela: “Leninha meu amor, quem mais está com você???”
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Na resposta de Leninha veio uma vaga visão do que ainda estava por vir: “Dos trinta alunos mãe, só há 12 de nós aqui em baixo e que ainda estão vivos! Eles estavam todos assustados, mas eu disse a eles para se acalmarem, pois você prometeu que vinha me salvar e quando você chegasse, eles estariam salvos também!”
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Ana Laura não compreendeu e respondeu a Leninha: “Filha, eu não sabia que você estava em perigo até tudo acontecer, mas eu estou aqui para te ajudar”
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Leninha então respondeu: “Mas eu sempre tive certeza de que você viria me salvar mãe! Você não se lembra?? Um dia você me disse que não importava o que acontecesse, não importava onde eu estivesse , se eu precisasse de você, você estaria lá para me ajudar!” Você cumpriu mãe e eu nunca duvidei disto!!!
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Enquanto elas falavam, Ana Laura continuava trabalhando com as mãos até que finalmente conseguiu alcançar o lugar de onde vinha a voz de Leninha e com muita dificuldade, sem ajuda de ninguém, cavou um buraco por onde poderia tirar sua filha e as crianças de lá. As crianças gritaram de alegria e muitas choravam de emoção e quando Ana Laura pediu que Leninha saísse primeiro , mas ela se recusou, dizendo que seus amiguinhos deveriam sair primeiro, porque ela não tinha medo, afinal sua mãe havia lhe prometido numa frase, dita uma única vez na vida, mas que ela nunca mais esqueceu. A frase dita por sua mãe, para alguns pode parecer comum entre mãe e filha, mas foi dita de coração e quando Leninha se sentia ameaçada, ela fechava os olhos e ouvia sua mãe dizer: “Filha, não importa o que aconteça, não importa onde você esteja, se você precisar de mim e vou estar lá para te ajudar”.
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Desde 22 de abril de 2008, quando Ana Laura presenciou pela primeira vez um terremoto, ela fez tudo que estava ao seu alcance para melhorar as condições de segurança da população, seja em suas residências ou ambientes de trabalho, mas como sempre, mesmo agora, dia 22 de abril de 2020, tantos anos após o evento que marcou sua adolescência, as autoridades competentes ainda ignoravam a necessidade da criação de uma lei de segurança contra terremotos e as grandes construtoras, por medidas de economia, não aprovavam seus projetos porque eles encareciam demais as obras e como sempre, eram descartados e substituídos por outros, para a alegria do bolso de todos os interessados, mas para a infelicidade geral da população.
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Naquele dia, 22 de abril de 2020, São Paulo veio abaixo no maior terremoto de todos os tempos na região, se transformando num monte de escombros, destroços e cinzas, mas a cidade que sempre foi conhecida como a cidade que nunca para, graças a todos os sobreviventes, paulistas natos, ou paulistas vindos de todas as partes do Brasil e do mundo, a fizeram reviver de uma forma muito especial. São Paulo renasceu como a Fênix, ela ressurgiu das cinzas e tornou-se novamente a maior capital do País, mas com uma diferença, tudo que foi construído a partir da destruição do total da cidade, teve que ter seu planejamento, analisado e aprovado pela nova Governadora e ela era, ninguém menos de que Ana Laura, a arquiteta que tentou, mas não conseguiu ser ouvida como devia pelos governantes, dirigentes e responsáveis pelas empresas na área da construção civil.
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Os sismólogos usam a escala de magnitude para representar a energia sísmica liberada por cada terremoto.
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Para ilustrar melhor, abaixo há uma descrição dos efeitos típicos de cada terremoto, em diversos níveis de magnitude, mas vale lembrar que a catástrofe que atingiu São Paulo em 2020, em termos de magnitude, muito além do que se conhecia até então.
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Escala Richter em graus:
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Menos de 3,5 : O terremoto não é sentido, mas pode ser registrado.
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De 3,5 a 5,4: Frequentemente não se sente, mas pode causar pequenos danos.
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De 5,5 a 6,0: Ocasiona pequenos danos em edificações.
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De 6,1 a 6,9: Podem causar danos graves em regiões com muitas pessoas.
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De 7,0 a 7,9: Terremoto de grande proporção, causa danos graves.
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De 8 graus acima:Terremoto muito forte. Causa destruição total na comunidade atingida e em todas as comunidades próximas.
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Para que Ana Laura, a arquiteta e mãe de Leninha fosse ouvida, para que as pessoas que detinham do poder de decisão pudessem acordar para o perigo e para a realidade, a maior metrópole brasileira e algumas cidades vizinhas como Guarulhos, São Miguel Paulista, Mauá, São Bernardo, São Caetano, Santo André, São Bernardo e Diadema, dentre varias outras, tiveram que sucumbir ao poder de uma imensa catástrofe, mas com tudo de ruim que ocorreu, algo muito especial aconteceu, Ana Laura como mãe, mostrou que seu amor por sua filha, tinha muito mais poder do que toda a força da natureza, mesmo tendo que enfrentar a devastação de um terremoto, com a magnitude de 8.2 na escala de Richter!!
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Autor:José Araújo