São
Paulo, quarta feira, 22 de abril de 2020, o dia amanhece na capital paulista,
são seis horas da manhã e Ana Laura já esta de pé desde as cinco e entre os
preparativos para levar Leninha para a escola e para ir trabalhar, ela tem que
se desdobrar em duas, cuidando da filha, da casa e dela mesma, como sempre,
fazia, dia após dia. Com toda a agitação e correria das pessoas que vivem e
trabalham nas grandes metrópoles, é comum os pais deixarem de dar a atenção
necessária aos filhos, pois na maioria dos casos, marido e mulher tem que
trabalhar, ficam fora de casa a maior parte do dia e os filhos, ficam sob a
responsabilidade de escolas particulares, publicas ou de pessoas que são
contratadas para cuidar delas em sua ausência, mas com Ana Laura era diferente,
quando o assunto era sua filha, suas prioridades eram outras, como deve ser.
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Desde
jovem, ela sabia da importância de uma criança ser bem monitorada e acompanhada
pelos pais, sabia das consequências da ausência deles em suas vidas e nunca
deixou de dar o suporte e a atenção que sua filha precisava. Mesmo nas épocas
de maior agitação em sua vida profissional, ela não deixava de se preocupar com
o bem estar fisico e psicológico de sua filha e o resultado deste comportamento
como mãe, era uma relação baseada em amor, carinho, reciprocidade de
sentimentos, mas principalmente, uma profunda confiança e credibilidade mútua,
o que fazia delas, uma família feliz e unida como poucas, num mundo onde os
valores haviam sido invertidos, desde muito tempo atrás.
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Leninha
tinha apenas sete anos de idade, mas tinha uma personalidade forte e à sua maneira,
possuía uma opinião formada sobre as coisas que já conhecia da vida, o que era
incomum em jovenzinhos de sua idade. Ela era uma criança que tinha uma vida de
criança e sabia que precisava agir como tal, vivendo e divertindo-se,
aprendendo viver, cada coisa a seu tempo, mas tinha também a capacidade de
compreender e saber como agir na ausência de sua mãe, durante todo o período em
que ficava sozinha até ela chegar do trabalho e com isto, ela nunca causou
dores de cabeça a ela, sempre soube se comportar e ainda ajudava no que podia,
na verdade, Leninha era na expressão da palavra, uma criança exemplar. Ana
Laura era arquiteta e trabalhava numa construtora de renome na Avenida Paulista
e Leninha estudava numa escola no bairro da Penha, zona leste da cidade e todos
os dias, ela deixava sua filha na escola, esperava os portões se fecharem por
medida de segurança e ia para o trabalho, utilizando como via de regra o
transporte pelo metro, fazendo baldeações, na estação Sé e depois na estação
Paraíso, para descer na estação Brigadeiro, próxima ao seu trabalho.
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Lenhinha
entrava às sete na escola e saia ao meio dia, indo direto para casa pelo
transporte escolar e quando lá chegava, tomava seu banho, almoçava, fazia suas
lições e o que mais pudesse fazer para ajudar e ia dormir o resto da tarde,
pois levantava muito cedo e precisava descansar. Com todo o stress e correria
da vida na cidade, elas se davam muito bem, pois sabiam como driblar os
problemas causados por contratempos e suas vidas, como mãe e filha, não poderia
ser melhor. Seu pai vivia no exterior desde que se separou de sua mãe e esta
circunstancia, nunca foi encarada como uma infelicidade, muito pelo contrário,
elas se uniram mais do que nunca e só o fato delas terem uma à outra, supria
qualquer falta ocasional que pudesse ser sentida em suas vidas.
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Ana
Laura sempre foi uma profissional extremamente competente, seus projetos eram
arrojados, futuristas, mas sua principal característica era a atenção que ela
sempre dedicava à segurança do bem maior que temos neste mundo, a vida. Desde
que terminou a faculdade, ela sempre se dedicou aos estudos complementares para
que pudesse ser uma profissional competente, assistia a todos os cursos,
simpósios, palestras e convenções que surgiam sobre a influencia da geologia na
arquitetura moderna, pois mesmo sendo recém formada, sabia das consequências de
um projeto mal elaborado, que uma vez executado, sem preocupação com a
segurança do ser humano, poderia ser o inicio de um caminho que quase sempre
leva ao assassinato em massa de pessoas inocentes.
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Em
22 de abril de 2008, um tremor de terra com 5.2 graus na escala Richter por
reflexo, vez que seu epicentro foi no litoral, atingiu a Capital Paulista, sem consequências
mais graves, não sendo sentido em muitos lugares da cidade, mas no apartamento
da família de Ana Laura a coisa não foi bem assim. Ela era ainda adolescente
quando isto aconteceu, mas ficou impressionada e preocupada com a segurança dos
moradores de seu prédio, pois em alguns andares as portas ficaram travadas, não
se abriam para que as pessoas pudessem sair para a rua e em seu apartamento,
não foi diferente. Seu Pai teve que tirar as dobradiças da porta para poder
retira-la do lugar e só assim todos puderam sair do apartamento, indo para a
rua até saber o que havia acontecido.
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A
experiência foi marcante para Ana Laura e ela jurou a si própria que seria uma
arquiteta, mas seria uma profissional diferente, uma pessoa que faria seu
trabalho, baseado nas necessidades de segurança dos seus semelhantes e se não
fosse assim, então ela não o faria, nem por todo o dinheiro deste mundo. Ao
longo dos anos, mesmo antes de se formar na faculdade, ela já fazia suas
pesquisas por contra própria e aprendeu que ao contrário do que era divulgado
pela imprensa e pelas autoridades competentes, os moradores da região sudeste
do Brasil estavam sob o risco de serem atingidos por um terremoto de proporções
incalculáveis a qualquer momento, pois no território nacional haviam pelo menos
48 falhas mestras, a maioria concentradas em escalas progressivas, estando a
região Sudeste em 1º lugar, a Nordeste em 2º, seguidas de longe pelas regiões
Norte em 3º e Centro Oeste na 4ª posição e isto sem contar que ano, após ano,
havia a possibilidade de descobrirem novas e mais perigosas falhas nas placas
tectônicas e com a natureza não se brinca, seu poder pode ser destruidor.
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Ana
estudou minuciosamente um relatório sobre os terremotos ocorridos nos últimos
tempos no Brasil e descobriu que o maior que havia sido registrado, tinha sido
de 6.2 na escala Richter em 31 de janeiro de 1.955, em Porto do Gaúchos, Norte
do Mato Grosso, sendo sentido num raio de mais de 300 quilômetros e também que
houve outro em São Paulo, em 1.922 na região de Mogi Guaçu com 5.2 na escala
Richter, que em novembro de 1.980, foi registrado um terremoto de 5.0 na escala
Richter em Pacajus no Ceará e em 1.986, na cidade de João Câmara no Rio Grande
do Norte, onde cerca de quatro mil casas foram derrubadas e desde o abalo
daquele ano, mais de 60 mil outros já haviam sido registrados. Ela aprendeu
muito, pesquisando e estudando com afinco o comportamento do solo tanto no
Brasil como em outros países por onde viajou e Ana Laura, mais do que ninguém,
chegou à conclusão de que a Terra é um enorme ser que assim como nós, tem
sentimentos, sente alegrias, tristezas, dores e que pode, exatamente como nós,
entrar em stress profundo, refletindo os efeitos desta pressão nos movimentos
das placas tectônicas, que causam os abalos sísmicos e outras reações.
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Ela
sentia em seu coração que o planeta era como se fosse uma pessoa doente e
carente, precisando de amor, carinho, cuidados, atenção e que os terremotos,
nada mais eram do que espasmos de dor, de um corpo doente e cansado, sem
esperanças de cura dos males que o afligem. Sua experiência, sua inteligência,
a fizeram chegar rápido ao posto de uma das arquitetas e pesquisadoras mais
renomadas do país, tendo sido convidada varias vezes a participar de
manifestações em prol da proteção do planeta e do meio ambiente, assim como os
simpósios internacionais sobre a segurança obrigatória na construção de edificações.
Todas as suas ideias, eram muito aplaudidas em todos os lugares onde se
apresentava para expor e sugerir novas formas de segurança na àrea de
construção civil.
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Contudo,
desde que se formou e conseguiu seu primeiro emprego na área da construção, Ana
Laura encontrou inúmeras vezes problemas na aceitação de seus projetos, sendo
que neles o maior custo estava no item segurança, do que ela não abria mão de
forma alguma e em consequência disto, outros projetos feitos por seus colegas
eram aprovados por serem menos dispendiosos e muitas vezes, sem ter ao menos o
básico necessário no tocante à segurança do ser humano. Por duas vezes ao longo
dos anos, ela perdeu o emprego por se recusar a assinar projetos criados em
grupo para as construtoras para as quais trabalhou, pois neles, seus colegas de
trabalho atendiam às necessidades da construtora, não dos futuros usuários ou
moradores que iriam ocupar a construção depois de pronta. Jamais ela deixou de
tentar incutir na cabeça dos dirigentes das empresas em que trabalhava, que São
Paulo, principalmente a Capital em seus pontos mais altos, era uma área de
grande risco e que há muito tempo, a cidade já vinha sendo atingida por
tremores de terra, muitas vezes despercebidos pela população ou atribuídos aos
movimentos do Metrô no subsolo, mas em resposta, ao invés de apoio, ela só
recebia piadinhas de mau gosto e olhares atravessados, como se quisessem dizer
que ela estava louca, que tinha perdido a razão.
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De
uma forma ou de outra, mesmo com todas as dificuldades do dia a dia, da
resistência das grandes construtoras em aceitar a realidade do risco iminente,
ela e sua filha viviam bem, não eram ricas, mas o que Ana Laura ganhava era o
suficiente para mantê-las, alem de que, só o amor que as unia, já alimentava o
corpo, a alma e o coração. Eram nove horas da manhã e ela havia acabado de
chagar ao local de trabalho que ficava no 8º andar de um prédio antigo na
Avenida Paulista, ela tinha deixado Leninha na escola e só a veria novamente no
final do dia quando chegasse em casa, mas naquele dia, ela não estava se
sentindo a vontade, era como se algo apertasse seu coração e uma angustia
tomava conta de seu ser, de uma forma que nunca havia ocorrido antes em sua
vida. Ana Laura foi até o banheiro feminino, resolveu passar um pouco de água
no rosto para ver se se sentia um pouco melhor. Quando se aproximou do
lavatório e se debruçou para jogar água em sua face, numa fração de segundos, o
chão tremeu debaixo de seus pés e o espelho explodiu em cacos e por pouco, ela
não se feriu seriamente.
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Assustada,
ela voltou para sua sala e no caminho todo mundo no escritório estava
comentando sobre o que havia acontecido e alguns rapazes desceram ao piso
térreo, para ver se descobriam o que aconteceu. Ela, como uma profissional
experiente e dona de um conhecimento profundo sobre o assunto, sabia em seu
coração que era uma questão de tempo e a terra iria tremer de novo e quando ela
o fizesse só Deus poderia saber com que intensidade isto iria acontecer. Desde
o momento do tremor, a Avenida Paulista já estava com milhares e milhares de
pessoas nas calçadas comentando assustadas sobre o incidente e esperando o
sinal das empresas para retornarem aos seus ambientes de trabalho e retomar o
expediente.
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Foi
então que tudo aconteceu...
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De
repente, a Terra tremeu como nunca, as fachadas e portas de vidro dos enormes
arranha céus dos grandes bancos e empresas multinacionais se transformaram em
uma chuva assassina de cacos e lascas de vidro, cortantes e afiadas, matando e
ferindo centenas de pessoas que estavam nas calçadas, paradas ou de passagem ao
longo da avenida e enquanto os vidros as atingiam, tudo chacoalhava com uma
ferocidade incrível, as pessoas não conseguiam ficar em pé caindo no chão,
painéis e cartazes luminosos se desprendiam dos edifícios caindo e destruindo o
que encontravam em seu caminho durante a queda. Os postes de iluminação do
canteiro central da Avenida Paulista, mais pareciam varas de Bambu, balançando
de lá para cá, até que muitos foram arrancados de suas bases fincadas no chão e
caíram em cima de uma quantidade enorme de carros e ônibus que estavam sendo
chacoalhados sem piedade pelo tremor. A intensidade do tremor foi aumentando
gradativamente e em menos de dois minutos, os prédios começaram a cair,
primeiro as grandes antenas de rádio, TV e telefonia celular que ficavam
espetadas no alto dos edifícios, depois os andares mais altos, que se
despedaçavam e desmoronavam em direção ao chão.
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O
caos estava instalado e crateras surgiam a ermo, aqui e ali arrastando para
dentro delas, muitos carros e ônibus, ainda cheios de passageiros, pois era
horário de pico e por medo as pessoas não saíram dos veículos e enquanto isto,
dentro dos prédios o desespero era ainda maior. Grande parte dos edifícios não
contava com saídas de emergências, muito menos com proteção antiterremoto,
afinal, para todos os efeitos, o Brasil sempre foi um pais sem riscos de abalos
sísmicos, porque iriam investir em segurança nas construções e gastar o dobro
do valor de um obra normal, equipando os edifícios com os equipamentos e itens
necessários para eventualidades como esta. A maioria dos prédios, em questão de
minutos, foi reduzida a um monte de destroços e lembranças e em meio a elas,
milhares de vidas se perderam, tudo que sobrou, foi uma série de cortinas de
fumaça negra, erguendo-se de explosões que ocorriam a toda hora, nos mais
diversos locais e do jeito que ele veio, ele se foi, o terremoto acabou, mas a
dor, o sofrimento e a sensação de impotência das pessoas que sobreviveram, só
estava começando.
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Não
se sabe como, nem porque, mas o edifício onde trabalhava Ana Laura, apesar de
toda a sua idade e falta de recursos de segurança, manteve-se em pé, com muitas
rachaduras em todos os andares, inclinado como se fosse cair, mas não desabou e
todos estavam apavorados, sem saber o que fazer. O escritório da construtora
para quem Ana trabalhava ficava no 8º andar do prédio, sem escadas de incêndio
e infelizmente, as portas de fogo do prédio eram tão antigas, que ao invés de
se abrirem para fora dos conjuntos comerciais, elas se abriam para dentro dos
imóveis e com isto, as duas únicas portas de saída do escritório, estavam
travadas pelo deslocamento do piso sem poder ser abertas, a não ser,
arrancando-as do lugar e assim, longos momentos de angustia se passaram nos
corações de todos que lá estavam e Ana Laura só pensava em uma coisa naquele
momento, ela precisava chegar até a escola de Leninha, ela precisava saber se
tudo estava bem com sua filha e numa prece silenciosa, ela rogava ao Pai todo
poderoso que protegesse seu pequeno anjo, sua única companheira na vida, mais
do que tudo, a razão de seu viver.
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Da
enorme janela do andar onde Ana se encontrava, tudo que se via lá embaixo era
destruição, buracos enormes abertos pelas crateras que agora estavam cheios de escombros
dos edifícios que ruíram e caíram em cima dos ônibus e carros lotados que já
haviam sido arrastados para dentro delas no inicio do terremoto. As linhas do
Metro de São Paulo estavam destruídas, inúmeros pontos dos túneis desabaram
sobre composições cheias de usuários indo ao trabalho e nas estações, na hora
do desastre foi possível ver as grandes colunas de sustentação feitas de
concreto armado serem quebradas, como se fossem pequenos palitos de dente
feitos de madeira. A Av. Brigadeiro Luiz Antonio era o retrato da desolação em
toda a sua extensão e no sentido centro, prédios seculares desabaram, sem
deixar pedra sobre pedra, hidrantes havia estourado jorrando água com uma força
enorme, o viaduto desabou sobre a via impedindo a passagem das poucas viaturas
do corpo de bombeiros e para todo o lugar que se olhava, só se via dor, morte,
desgraça e sofrimentos dos sobreviventes e a cidade que nunca havia dormido
parou, inerte, sem esperanças, parecia que tinha chegado a hora do julgamento
final e depois dele, quem sobreviveu, não ia, não vinha, de ou para lugar
algum.
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O
terremoto que atingiu a Capital Paulista foi da maior magnitude, tendo seu
epicentro na área dos jardins e ele destruiu todo o Centro da cidade e com seus
reflexos, destruiu também muitos bairros e cidades próximas, causando morte e
destruição em toda a extensão de sua área de abrangência, sendo sentido em
estados vizinhos, causando em alguns deles pequenos estragos, sem maiores
consequências, mas São Paulo, esta não escapou da força implacável da natureza,
pereceu, transformando-se em destroços e cinzas em todo lugar. Após muito
tempo, alguns de seus colegas conseguiram soltar as dobradiças de uma das
portas de incêndio e todos conseguiram sair, descendo as escadas com o coração
na mão, com medo do prédio vir a desabar e acabar ali mesmo, com mais algumas
dezenas de vidas, cada segundo de agilidade na fuga era precioso e afinal eles
chegaram à rua, sãos e salvos. Ana Laura quando tomou consciência do estado de
destruição daquela avenida que ela via da janela de seu escritório todos os
dias, antes tão linda, iluminada e poderosa, mas que agora não era mais nada, a
não ser um amontoados de escombros e destroços, completamente destruída, não se
conteve, deixou as lágrimas que estavam presas em seu coração rolarem
livremente e naquele momento, a imagem de Leninha lhe veio à mente mais forte
do que nunca e seu único desejo, era ir de encontro a ela, onde quer que ela
estivesse, porque dentro de seu coração, ela sabia que precisava cumprir uma promessa
que fez à sua filha um dia, quando ela lhe disse: “Filha, não importa o que
aconteça, não importa onde você esteja, se você precisar de mim e vou estar lá
para te ajudar”.
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Todos
estavam preocupados com suas famílias, pais, irmãos, parentes, namorados e
resolveram se juntar em grupos dos que moravam na mesma direção, mas ninguém
era da Zona Leste e Ana Laura acabou por ficar sozinha e não demorou muito, ela
começou sua grande caminhada até o Bairro da Penha onde ficava a escola de
Leninha e sem transportes, sem pontes e viadutos para atravessar os rios, seria
fácil, mas ela não desistiria por nada neste mundo de encontrar sua filha. Ela
desceu a Brigadeiro por entre os escombros e corpos que estavam pelo caminho,
uns poucos bombeiros tentavam ajudar algumas pessoas presas num restaurante que
não caiu e durante sua caminhada até a Praça João Mendes, tudo que se ouvia
eram gritos de dor, tudo que se via eram destroços e restos de estruturas de
prédios que teimavam em ficar em pé.
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Quando
chegou ao parque D.Pedro II, já cansada de caminhar, percebeu que os viadutos
que davam passagem por cima do rio Tamanduateí dando acesso à Avenida Rangel
Pestana, também haviam desmoronado e passar sobre os destroços caídos sobre o
rio seria uma aventura, pois se ela caísse, com a água sendo represada pela
estrutura caída nele, seria sua morte, mas ela não desistiu, pé ante pé, passo,
após passo, equilibrando-se em alguns pontos, escorregando em outros e quase
caindo na água, ela venceu o desafio e pode seguir seu rumo. Caminhando no que
sobrou da Av. Celso Garcia, cansada, com sede, com sono, Ana Laura registra
imagens de horror em seus olhos, pois até chegar na Penha, o cenário que se
descortinava em sua frente era simplesmente devastador. Em todos os Bairros da
Capital o Terremoto causou mortes, pânico e destruição e o grupo do corpo de
bombeiros, despreparado para uma situação como aquela, não tinha nem materiais,
nem contingente para ajudar a socorrer a população de maneira efetiva e na
falta de socorro, muitos iam perecendo e as mortes só aumentando a cada
momento.
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O
governo do Estado e a prefeitura do Município, nunca aceitaram as ideias que
através dos órgãos competentes Ana Laura havia apresentado e naquele momento,
era fácil de ser ver os resultados e as consequências de tanto descaso com o
fator humano, em nome de contenção de despesas, sem a menor consideração para
com a segurança da população. A maior e mais impactante imagem de terror só era
possível ser vista do alto, porque sobrevoando a cidade, onde agora só se viam
lá embaixo um numero infinito de destroços, cinzas e fumaças, antes era
possível se avistar a silhueta e os reflexos dos grandes prédios espelhados da
Avenida Paulista, com suas antenas magníficas plantadas em cima deles, como se
fossem uma espécie de coroa, lhes conferindo títulos de majestade, como sugeria
o lugar. O resto da tarde e a noite inteira, Ana Laura caminhou, nos escuro, no
frio, com fome e a dor em seus pés era tanta, que qual quer um teria desistido,
mas não Ana Laura e ela continuou até que pela manhã ela chegou caminhando a
pé, vinda do que restou da avenida Paulista, aos restos da Av. Penha de França
de onde antes se via a imagem magnífica da Igreja de Nossa Senhora da Penha,
agora tudo que se via eram destroços, escombros e fumaça subindo aos céus.
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Ao
chegar o lugar onde ficava a escola onde sua filha estudava, seu coração quase
parou, pois o prédio de dois andares da escola se assemelhava a um disco de
pizza, completamente achatado, irreconhecível em suas formas, apenas um monte de
ferro, pedras e cimento amontoados no chão. Ana Laura no desespero, tentava
lembrar em que ponto do prédio ficava a sala de aula de Leninha, mas um branco
preencheu seu cérebro e enquanto isto, outros pais foram chegando e
desesperados com a situação entravam em parafuso, caiam em prantos, chorando e
gritando com toda a dor de seus corações que tudo estava acabado, que nada mais
poderia ser feito, que seus filhos estavam todos mortos e não havia mais nada a
fazer, mas a memória dela não iria deixa-la não mão naquele momento e ela se
lembrou exatamente onde ficava a sala de sua filha. Ela sabia que haveria muito
trabalho na remoção de escombros a ser feito e pediu ajuda a todos que lá
apareceram, tendo como resposta, apenas o som da palavra não.
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Algumas
mães desmaiavam e eram carregadas pelos seus maridos ou amigos para longe, pais
solidários, diziam a Ana Laura que ela devia desistir, que se ela ficasse ali
naquele lugar, estaria correndo perigo, pois mesmo após vinte e quatro horas do
grande terremoto, explosões aconteciam e mais pessoas morriam ou ficavam
gravemente feridas. Alguns voluntários que auxiliavam o corpo de bombeiros,
estavam percorrendo as escolas dos bairros e a situação em cada lugar era mais
desesperadora e quando chegaram onde estava Ana Laura, disseram o mesmo que
todos já haviam dito, que ela tinha que desistir, que nada mais poderia ser
feito, mas Ana Laura não, ela não desistiu, ela tinha que ver com seus próprios
olhos o que aconteceu com sua filha e mesmo machucada, cansada, com sono e com
fome ela resolveu que se ninguém iria ajuda-la, ela o faria com as próprias
mãos.
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Doze
horas, vinte e quatro horas se passaram e ela cavando e removendo somente com
as mãos, pedra após pedra e naquela altura, com as mãos sangrando, com muitas
dores, ela já não mais sentia fome, sede, sono ou cansaço e uma força interna a
impulsionava a continuar e ela não parou. Mesmo com seus joelhos machucados e
sangrando, seus pés cortados e perfurados por escombros de ferro e madeira ela
iria até o fim. Da roupa que ela usava no trabalho do dia a dia, agora já não
havia sobrado quase nada, a não ser alguns trapos e ela se sentia, suja e
cheirando mal, mas uma mãe como ela não desiste em momento algum. Em
determinado momento, ela ouviu algo, mas achou que estava sonhando e logo
depois uma voz abafada se fez ouvir claramente: “Mãe!?!? É você mãe?!?!? Sou
eu, Leninha!
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Naquele
momento ela não sabia se chorava ou se respondia à sua filha, mas uma coisa é
certa, mais do que nunca em toda a sua vida, Ana Laura acreditou na existência
de Deus e com o coração parecendo querer saltar para fora de seu peito, ela
gritou: “Leninha?!?!? É a mamãe meu amor!!! Como você esta??? Onde você
esta???”
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A
voz de Leninha no meio de toda aquela destruição, parecia ser uma benção dos
céus, indicando a direção de onde estava e ela respondeu: “Estamos aqui embaixo
Mãe, bem perto da coluna ao lado da mesa da professora! Quando tudo começou a
cair, nos corremos para perto da professora e quando o teto desabou, o piso do
andar superior não se quebrou por completo e formou um retângulo entre nós e a
parede e foi isto que nos salvou!”
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Ana
Laura queria mais detalhes, queria saber o que a esperava lá embaixo e
perguntou quem mais estava com ela: “Leninha meu amor, quem mais está com
você???”
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Na
resposta de Leninha veio uma vaga visão do que ainda estava por vir: “Dos
trinta alunos mãe, só há 12 de nós aqui em baixo e que ainda estão vivos! Eles
estavam todos assustados, mas eu disse a eles para se acalmarem, pois você
prometeu que vinha me salvar e quando você chegasse, eles estariam salvos
também!”
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Ana
Laura não compreendeu e respondeu a Leninha: “Filha, eu não sabia que você
estava em perigo até tudo acontecer, mas eu estou aqui para te ajudar”
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Leninha
então respondeu: “Mas eu sempre tive certeza de que você viria me salvar mãe!
Você não se lembra?? Um dia você me disse que não importava o que acontecesse,
não importava onde eu estivesse , se eu precisasse de você, você estaria lá
para me ajudar!” Você cumpriu mãe e eu nunca duvidei disto!!!
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Enquanto
elas falavam, Ana Laura continuava trabalhando com as mãos até que finalmente
conseguiu alcançar o lugar de onde vinha a voz de Leninha e com muita
dificuldade, sem ajuda de ninguém, cavou um buraco por onde poderia tirar sua
filha e as crianças de lá. As crianças gritaram de alegria e muitas choravam de
emoção e quando Ana Laura pediu que Leninha saísse primeiro , mas ela se
recusou, dizendo que seus amiguinhos deveriam sair primeiro, porque ela não
tinha medo, afinal sua mãe havia lhe prometido numa frase, dita uma única vez
na vida, mas que ela nunca mais esqueceu. A frase dita por sua mãe, para alguns
pode parecer comum entre mãe e filha, mas foi dita de coração e quando Leninha
se sentia ameaçada, ela fechava os olhos e ouvia sua mãe dizer: “Filha, não
importa o que aconteça, não importa onde você esteja, se você precisar de mim e
vou estar lá para te ajudar”.
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Desde
22 de abril de 2008, quando Ana Laura presenciou pela primeira vez um
terremoto, ela fez tudo que estava ao seu alcance para melhorar as condições de
segurança da população, seja em suas residências ou ambientes de trabalho, mas
como sempre, mesmo agora, dia 22 de abril de 2020, tantos anos após o evento
que marcou sua adolescência, as autoridades competentes ainda ignoravam a necessidade
da criação de uma lei de segurança contra terremotos e as grandes construtoras,
por medidas de economia, não aprovavam seus projetos porque eles encareciam
demais as obras e como sempre, eram descartados e substituídos por outros, para
a alegria do bolso de todos os interessados, mas para a infelicidade geral da
população.
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Naquele
dia, 22 de abril de 2020, São Paulo veio abaixo no maior terremoto de todos os
tempos na região, se transformando num monte de escombros, destroços e cinzas,
mas a cidade que sempre foi conhecida como a cidade que nunca para, graças a
todos os sobreviventes, paulistas natos, ou paulistas vindos de todas as partes
do Brasil e do mundo, a fizeram reviver de uma forma muito especial. São Paulo
renasceu como a Fênix, ela ressurgiu das cinzas e tornou-se novamente a maior
capital do País, mas com uma diferença, tudo que foi construído a partir da
destruição do total da cidade, teve que ter seu planejamento, analisado e
aprovado pela nova Governadora e ela era, ninguém menos de que Ana Laura, a
arquiteta que tentou, mas não conseguiu ser ouvida como devia pelos
governantes, dirigentes e responsáveis pelas empresas na área da construção
civil.
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Os
sismólogos usam a escala de magnitude para representar a energia sísmica
liberada por cada terremoto.
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Para
ilustrar melhor, abaixo há uma descrição dos efeitos típicos de cada terremoto,
em diversos níveis de magnitude, mas vale lembrar que a catástrofe que atingiu
São Paulo em 2020, em termos de magnitude, muito além do que se conhecia até então.
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Escala
Richter em graus:
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Menos
de 3,5 : O terremoto não é sentido, mas pode ser registrado.
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De
3,5 a 5,4: Frequentemente não se sente, mas pode causar pequenos danos.
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De
5,5 a 6,0: Ocasiona pequenos danos em edificações.
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De
6,1 a 6,9: Podem causar danos graves em regiões com muitas pessoas.
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De
7,0 a 7,9: Terremoto de grande proporção, causa danos graves.
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De
8 graus acima:Terremoto muito forte. Causa destruição total na comunidade
atingida e em todas as comunidades próximas.
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Para
que Ana Laura, a arquiteta e mãe de Leninha fosse ouvida, para que as pessoas
que detinham do poder de decisão pudessem acordar para o perigo e para a
realidade, a maior metrópole brasileira e algumas cidades vizinhas como
Guarulhos, São Miguel Paulista, Mauá, São Bernardo, São Caetano, Santo André,
São Bernardo e Diadema, dentre varias outras, tiveram que sucumbir ao poder de
uma imensa catástrofe, mas com tudo de ruim que ocorreu, algo muito especial
aconteceu, Ana Laura como mãe, mostrou que seu amor por sua filha, tinha muito mais
poder do que toda a força da natureza, mesmo tendo que enfrentar a devastação
de um terremoto, com a magnitude de 8.2 na escala de Richter!!
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Autor:José
Araújo