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domingo, 20 de junho de 2010

O JULGAMENTO


Rogério estava num dilema. Demitia ou não um funcionário. Todas as evidências estavam contra o rapaz, mas não havia provas. Ele e suas sócias na empresa estavam para definir o destino de uma pessoa e aquela não era uma decisão fácil de ser tomada. Exigia dele muita ponderação. Ao chegar em casa, vendo sua esposa e sua filhinha, ele projetou seus pensamentos num futuro distante. Nele sua pequenina seria uma adulta, trabalhando em algum lugar e sujeita a se ver num situação igual ou parecida com a do funcionário que estava para ter seu destino decidido naquela organização. Ele tinha medo de tomar uma decisão errada, mas temia também estar errado. Rogério foi se deitar mas não coseguiu dormir tranquilo. Pesadelos tomaram conta do mundo de seus sonhos. Em dado momento, no auge de um deles, ele se viu à beira de um abismo sem fim. Ele estava escorregando. Ia cair. De repente ele sentiu seu corpo mergulhar num abismo. Caindo, caindo, parecia que aquele buraco não tinha fundo e ele continuou caindo. Seu coração parecia que iria sair pela boca. Ele temia sofrer demais quando finalmente caísse no fundo daquele abismo. Pensar nisto o fazia temer até mesmo seus próprios pensamentos. Foi então, que em dado momento, tudo se apagou. Ele não sentiu dor. Nem pancada.

Do meio de um silêncio profundo, uma voz suave se fez ouvir:


-Rogério,

Não tema. Apenas ouça e compreenda o que tenho a lhe dizer:

Para todos nós, sem nenhuma exceção, cedo ou tarde, prontos ou não, a vida como você a conhece; um dia chegara ao fim. Não haverá mais manhãs de sol, segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses ou anos. Não haverá passado, presente ou futuro. Todas as coisas materiais que você juntar por toda a sua vida, valorizadas ou esquecidas, irão parar em outras mãos. Sua saúde, fama ou poder de decisão, se tornarão irrelevantes, sem valor. Isto vai acontecer e não importa o que você tenha ou não. Todos os seus sentimentos negativos como, resentimentos, revolta, inveja ou frustração finalmente deixarão de existir e com eles, desaparecerão todas as suas esperanças, suas ambições, planos e listas de metas a alcançar. As perdas e ganhos que uma vez pareceram tão importantes, sem mais nem menos deixarão de ter sentido.

Tudo isto vai acontecer quando chegar a hora, não importa de onde você veio ou de que lado da estrada da vida você caminha quando chegar lá. Não vai importar se você é dotado de uma beleza física fora do comum, ou se é a mais feia das pessoas, esteticamente falando. Assim como não importa se é um burro na expressão da palavra, ou se é um gênio como poucos na face da terra. Mesmo seu sexo ou a cor da sua pele, quando chegar a hora, serão totalmente irrelevantes.

Então, você pode me perguntar, quando chegar a hora, o que realmente vai importar?

Ou, como devemos medir e dar valor ao que realmente importa em nosso dia a dia?

Sem pensar, sem relutar nem por um segundo, eu te reponderei, que o que realmente vai importar, não será aquilo que você comprou; mas sim aquilo que você construiu. Também não será aquilo que você ganhou de alguém, mas aquilo que você deu. O que ira importar no final das contas, não será seu sucesso profissional, seu cargo, status ou posição privilegiada, mas apenas o seu significado na vida das outras pessoas.

Por certo, também não ira importar tudo aquilo que você aprendeu, fosse certo ou errado, o que vai valer muitos pontos em sua prova final, será tudo de bom que você ensinou às outras pessoas, todos os seus atos de integridade, compaixão, coragem ou sacrifício que tenha enriquecido, incentivado ou encorajado outras pessoas a seguir seu exemplo. Não tenha a menor dúvida de que o que vai pesar em muito na balança, não será sua competência, mas sim seu caráter e quantas pessoas que você conheceu durante sua caminhada irão sentir profundamente sua perda quando você partir.

O que irá importar, decididamente, não serão suas memórias, mas sim as memórias que ficarem nas mentes daqueles que conviveram com você e; daqueles que te amaram de verdade. Finalmente, e o mais importante, o que irá importar mesmo, será como você será lembrado, por que e por quem.

Viver uma vida que no final de tudo tenha sido importante, não acontece por acaso, pelo destino ou por acidente, muito menos por uma questão de circunstancias, é uma questão de escolha.

Temos a liberdade para escolher sermos realmente importantes neste mundo e na vida de todos aqueles que nos rodeiam, ou simplesmente, não dar a devida importância ao que vai acontecer no juízo final e, quando chegar a hora, partir sem saber se deixou para trás as marcas do amor, da solidariedade, do perdão ou, as feridas e cicatrizes profundas causadas pelo ódio, ressentimento, preconceito, indiferença e falta de compaixão.

Sempre é tempo de parar, olhar para a frente, para ao lados, para trás, obervar atentamente as marcas que estamos deixando naqueles que nos rodeiam e refletir sobre os reflexos de nossos atos, em nossas vidas e nas as vidas das outras pessoas e quem sabe, fazer a escolha certa, antes que seja tarde demais.


Rogério acordou sobressaltado, sentou-se em sua cama. Estava com o pijama molhado de suor. Sua esposa dormia tranquilamente ao seu lado e sua filhinha em seu berço parecia estar sonhando com anjos. Ela sorria. Ele se lembrou nitidamente de tudo que aquela voz disse a ele e também da decisão que tinha que tomar e que poderia mudar o destino daquele rapaz de uma forma que talvez pudesse lhe causar um mal ainda maior do que aquilo do qual ele era acusado e sem provas. Poderia ser ou não uma grande injustiça. Naquele momento, ele parou, fez exatamente como a voz lhe disse em seu pesadelo, olhou a frente, para trás, para os lados, observou no semblante tranquilo de sua esposa dormindo e no sorriso de sua filhinha dormindo as marcas que ele estava deixando em suas vidas e resolveu que não iria optar pela demissão do pobre rapaz a quem nem sequer foi dada a chance de se defender.

Naquela tarde, na reunião para decidir o futuro do jovem, seu voto foi por mantê-lo na empresa e dar a ele uma nova chance de mostrar que as acusações sobre ele eram injustas. Entre quatro votos, treis decidiram por demitir o rapaz e o voto de Rogério não afetou a decisão final. Rogério apesar de não concordar, não teve como contestar. Apenas manteve sua opinião, pediu licença e saiu da sala. Enquanto caminhava pelos corredores da empresa, uma voz se fez ouvir:

“Que a tire a primeira pedra, aquele que nunca errou. Mas aquele que já errou e atirar assim mesmo a pedra naquele que é acusado, vagará pelos tempos e nunca terá a chance de passar pelo Juízo Final.”

Rogério se arrepiou.

Fez o sinal da Cruz e agradeceu a Deus por não ter permitido que ele fosse um dos que jogaram as pedras naquele rapaz.

No dia seguinte, as sócias entraram no prédio onde ficava a empresa da qual eram sócias com Rogério, entraram no elevador e apertaram o botão do 32º andar. Ele estava entrando no prédio quando a porta do elevador onde elas estavam se fechou. Ele pegou o outro. Ao chegar no 29º andar, o elevador onde elas estavam parou entre um andar e o outro. Aquilo já havia acontecido antes, mas de alguma forma elas se sentiram assustadas. Algo de profundamente errado estava acontecendo com aquele equipamento. Depois de alguns minutos de espera pelo socorro após terem acionado o alarme, depois de um barulho forte de cabos se rompendo, o elevador caiu.

Não houve tempo nem para que elas pudessem pensar. No dia seguinte ao delas terem tomado a decisão de demitir aquele rapaz, sem dar a ele a chance de se defender, tinha chegado para elas o momento do seu próprio julgamento, o Juízo Final, mas elas não foram submetidas a ele, suas almas ficaram vagando para todo o sempre no fosso negro e profundo do elevador que caiu.

sábado, 12 de junho de 2010

O CHOCALHO


Quando eu era apenas um garotinho, eu e minha família morávamos numa Olaria, uma fábrica de tijolos de barro e durante toda a minha infância, eu convivi com muitos animais. Eu nem via o tempo passar correndo pelos campos que havia no enorme terreno onde ficava nossa pequenina casa de tijolos. Ela havia sido feita com materiais fabricados na própria Olaria, tanto os tijolos, como a massa que os unia e as telhas, eram feitas de barro. Foram tempos inesquecíveis. Sei que nunca esquecerei tudo que aconteceu naquele lugar. Lá, onde a pobreza era grande, mas, à beira do rio Tietê, na Várzea do Palácio, que fica no município de Guarulhos em São Paulo, onde cresci, havia paz e todos os seres vivos tinham forte ligação comigo e com as outras pessoas que moravam naquele lugar mágico e cheio de encantos, que na época, eu não dava a ele o devido valor.


Lembro de um acontecimento que marcou para sempre meus tempos de criança. No pasto, todo cercado, que havia perto de nossa casa, viviam dois cavalos. Se a gente olhasse de longe, os dois eram exatamente iguais. Tinham o mesmo tamanho e até suas crinas e caudas tinham o mesmo comprimento. Contudo, se chegássemos bem perto, veríamos uma coisa muito interessante. Um deles era cego. Meu tio, o velho Tião, não quis sacrificá-lo quando ele ficou cego após ter adoecido ao contrair um mal desconhecido. Muito pelo contrário. Ele o colocou no pasto cercado, onde havia alimento para ele em abundancia e muita grama verde e macia para quando ele quisesse se deitar para descansar. Lá, ele vivia confortável e seguro e meu tio por varias vezes parava junto à cerca, a caminho de sua tarefa diária na Olaria e ficava absorto em pensamentos. Eu observava tudo com muita atenção. Não compreendia aquela atitude dele, mas o tempo se encarrega de nos desvendar segredos que quando somos crianças não conseguimos decifrar. Dia a dia, curioso, eu comecei a acompanhar a vida daqueles dois animais mais de perto. Descobri que de longe, não havia nada de diferente naquele cenário magnífico, cheio de verde e de vida, mas chegando mais perto e ouvindo atentamente, era possível ouvir sinos tocando e eles vinham da direção do cavalo que não era cego.


Meu tio tinha colocado um chocalho amarrado por um cordão a um dos tornozelos dele e, por onde quer que fosse, era possível saber onde ele estava. Parado ao lado da cerca, olhando os dois animais, percebi que aquele que não era cego e, que carregava o pequeno chocalho, olhava de vez em quando na direção do seu amigo, que não mais podia enxergar. Percebi também que o cavalo cego seguia seu amigo por onde quer que ele fosse. Lentamente, ouvindo barulho do chocalho, ele caminhava na direção de seu amigo e, para ele, parecia ser uma coisa absolutamente normal. Ele agia como se acreditasse piamente no sinal sonoro dado a ele por seu amigo e o seguia na direção certa, sem nunca errar o caminho. Nos finais de tarde, quando a noite se aproximava, o cavalo que não era cego se dirigia ao pequeno estábulo de madeira que havia sido construído para os dois.

O mais interessante, era que antes de entrar nele, ele dava uma parada, fazia movimentos com a perna para fazer barulho com o chocalho e olhava para trás, para ter certeza de que seu amigo estava ouvindo o som e que o estava seguindo de perto. Sempre que ele fazia isto, eu me emocionava e meus olhos se enchiam de lágrimas. Com o passar dos anos, compreendi que assim como meu tio, dono dos dois cavalos, Deus não nos deixa de lado porque não somos perfeitos, ou porque temos problemas na vida. Ele esta sempre nos observando para ter certeza de que não ficamos para trás e quanto temos dificuldades, ele sempre dá um jeito de colocar outras pessoas ao nosso lado para nos ajudar, quando mais necessitamos.

Algumas vezes, somos como o cavalo cego, sendo guiados pelo som do chocalho que Deus põe naqueles que ele coloca em nossos caminhos. Outras vezes, somos como o cavalo que não era cego e ajudamos outras pessoas que encontramos durante nossa jornada pela vida, a encontrar o caminho.

Viver é estar todos os dias, durante vinte e quatro horas em sala de aula. Deus nos ensina muito a cada segundo de nossas vidas e ele o faz enquanto vivenciamos tudo que acontece conosco em nosso dia a dia. Muitos de nós aprendemos as lições que nos são ensinadas, passamos de ano e continuamos a aprender até o fim de nossos dias em constante evolução. Outros, tem que ficar em recuperação para ser lembrados daquilo que lhes foi ensinado, mas que não aprenderam, porque não deram ao Mestre, a devida atenção.


Autor: José Araújo

domingo, 6 de junho de 2010

A GOTINHA DE ORVALHO


O inverno acabou. O dia estava radiante. Naquela manhã de primavera, quando o sol nasceu e espalhou suavemente sua luz sobre a natureza exuberante, uma gota de orvalho que estava sobre uma folha e que tinha acabado de acordar, tornou-se consciente de toda a beleza que havia ao seu redor. Lá embaixo, um riacho de águas límpidas e sonoras, davam ao lugar um clima de muita paz. Orgulhosa de sua beleza simples, ela estava radiante consigo mesma e muito feliz. Ao lado dela, havia também outras gotas de orvalho. Algumas na mesma folha que ela, outras em folhas que estavam em outros galhos da mesma planta e todas brilhavam à luz do sol como pequenos diamantes. Contudo, a gota de orvalho se achava a melhor e a mais especial entre todas elas.

-Nossa! É tão bom ser uma gota de orvalho! Ela falou.

Em meio a tanta beleza, tantas cores e perfumes das flores que haviam acabado de desabrochar, ela não poderia ser mais feliz!

Enquanto ela admirava encantada tudo ao seu redor, o vento foi aumentando e de repente começou a balançar as folhas e a gota de orvalho sentiu-se escorregar. O pavor tomou conta de seu coração e mais ainda quando a gravidade, com a inclinação da folha, começou a empurrá-la na direção da ponta da folha onde ela estava, rumo ao desconhecido.

-Por que? Ela Pensou.

-Porque isto esta acontecendo comigo? As coisas estavam indo tão bem. Eu estava confortável e segura. Por que as coisas tinham que mudar? Por que?

Em meio ao seu desespero a gota de orvalho chegou à ponta da folha. Ela estava aterrorizada. Tinha certeza de que iria se despedaçar em milhares de pedacinhos quando caísse lá embaixo! Tinha chegado o seu fim. Aquele dia radiante de primavera tinha apenas começado e seu fim tinha chegado tão depressa. Tudo lhe pareceu tão injusto. Tão sem sentido!

Na sua ansia por viver ela tentou se agarrar desesperadamente em qualquer coisa que pudesse segurar na superficie da folha, mas foi em vão.

Finalmente, exausta e sem forças de tanto tentar se salvar, ela não aguentou mais e lentamente foi se soltando e então, ela se deixou cair. Se rendeu à força da gravidade.

E lá ela se foi. Caindo, caindo…

Enquanto caia, ela teve tempo de olhar para baixo e lá ela viu algo que se parecia com um espelho. Ela estava caindo, mas sua própria imagem refletida nele, parecia estar subindo ao seu encontro. Ela e sua imagem foram se aproximando mais e mais até que finalmente, numa fração de segundos, elas se uniram.

Foi então que algo maravilhoso aconteceu. O medo se transformou em um profundo sentimento da mais pura alegria, da mais pura realização enquanto aquela pequenina gota de orvalho se misturou com a vastidão de água que havia naquele riacho que corria mansamente em meio à floresta, rumo a um rio que por sua vez iria desaguar num oceano.

A pequenina gota de orvalho que não queria morrer, que se achava melhor do que todas as outras, que tentou de todas as formas se salvar da queda, já não mais existia, mas a melhor parte da estória, é que ela não foi destruída.

Ela tinha se tornado apenas mais uma gota em meio a um todo e, ela se sentiu muito bem, compreendeu finalmente que é assim que deve ser, que ninguém é melhor do que os outros, seja o que for, tenha o que tiver, pois de acordo com as Leis de Deus, é assim que deve ser para todos, afinal, somos todos iguais, seus filhos e nada mais. Não há exceção.

Autor: José Araújo