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domingo, 26 de julho de 2009

O CRISÂNTEMO E A VELHA LATA



Tem certas coisas que marcam a nossa vida de forma muito profunda e mesmo que o tempo se passe, e a gente envelheça, é como se elas estivessem acontecendo no momento em que estamos nos recordando delas, e num destes momentos, Ana se lembrou de um homenzinho, pequeno como uma criança que ela conheceu quando ainda era apenas uma menininha.

Há muitos anos trás, a casa onde moravam, era na mesma rua onde ficava a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Ela e sua família viviam na parte de baixo da casa e alugavam o piso superior do sobrado onde se hospedavam os pacientes que vinham de todos os lugares do interior para se submeter a tratamentos, que só eram possíveis na capital. A vida deles era muito difícil, ela tinha muitos irmãos e seu pai trabalhava dia e noite sem parar para poder sustentar a família e dar a eles o mínimo possível. Alugar parte de sua casa não foi uma decisão muito fácil, mas sem alternativa, não tiveram outra opção. Assim como a família de Ana, muitas outras na mesma rua faziam o mesmo, e pela qualidade do tratamento oferecido pela Santa Casa, a procura era grande e muitas vezes, não sobravam vagas para atender a todos que procuravam um lugar para ficar por alguns dias, ou mesmo dormir por uma noite.

Certo dia sua mãe estava terminando o jantar quando bateram à porta e ela foi atender. Ana, ainda pequena e curiosa, a seguiu até a porta. Quando Dona Zélia sua mãe a abriu, do lado de fora, havia um homem tão pequeno, que Ana imaginou a princípio que ele fosse algum amigo de seu irmão de nove anos. Contudo, ao olhar melhor, ela viu que ele tinha o rosto enrugado, cabelos grisalhos e sua pele, com varias manchas vermelhas, parecia sofrer de algum tipo de irritação, ou coisa pior. Sua mãe o olhou atentamente e Ana sentiu que ela até estremeceu, afinal o homenzinho não era nada agradável de se ver. Contudo, para surpresa das duas, quando ele disse bom dia a elas, sua voz era doce, suave e muito agradável. Ele estava lá como tantos outros na mesma situação, porque precisava de um lugar para ficar, mas não havia encontrado. Ele falou que talvez fosse por causa de seu rosto, que não era agradável de se ver.

Quem sabe até houvesse vagas, mas as pessoas não se sentiam bem com sua aparência e para se livrar logo do incomodo, diziam que não havia mais lugar. Disse também que os médicos tinham lhe assegurado que com mais alguns meses de tratamento ele ficaria curado. Sua mãe após ouvi-lo falar, para surpresa de Ana, mudou seu comportamento e ela o ouvia com um sorriso simpático e até conversou com ele, descobrindo que era de São Sebastião e seu ônibus só partiria da rodoviária pela manhã no dia seguinte. Ela lhe assegurou que na casa deles realmente não havia vagas, o que era a mais pura verdade, e que sentia muito em não poder ajudar. O homenzinho humildemente baixou a cabeça. Agradeceu a atenção, e então, após um momento de hesitação, ele disse a mãe de Ana que se ela permitisse, ele poderia dormir na varanda da frente e que de forma alguma, iria incomodar.

Sentindo naquele homem uma bondade, uma humildade e honestidade fora do comum, Dona Zélia disse a ele que iria encontrar um colchão ou colchonete para que ele pudesse dormir na varanda, arrumou uma cadeira para ele se sentar e entrou para terminar o jantar. Quando já estava tudo pronto e todos foram se servir, Ana perguntou a sua mãe se ela poderia chamar o “homenzinho” para jantar. Dona Zélia sorriu, deu um beijo em Ana e com um ar aprovador, mandou que ela fosse chamá-lo para se juntar a eles na mesa da sala de estar. Ana correu alegre e ao abrir a porta, disse a ele que sua mãe o estava chamando para jantar com eles e com a mesma voz suave e educada, agradeceu mostrando um saco marrom de papel, dizendo que ele já tinha o suficiente, mas agradecia de coração a bondade de sua mãe.

Depois do jantar, quando todos tinham terminado de ajudar a lavar a louça e guardar todos os itens em seus devidos lugares, Dona Zélia foi até a varanda, pois de alguma forma, ela sentia que precisava dar a ele um pouco mais de atenção. Não demorou muito para que ela descobrisse que aquele pequeno homenzinho, tinha um coração muito maior do que seu próprio corpo. A conversa se estendeu por algum tempo e ele contou que ainda trabalhava porque precisava ajudar sua única filha a sustentar quatro filhos, pois ela era doente também e seu marido a tinha abandonado. A mãe de Ana percebeu claramente, que de fato, em cada sentença que ele pronunciava, ele não estava reclamando de nada, que cada palavra dita por ele, era um prefácio de um agradecimento a Deus pela benção de viver.

Ele realmente estava a agradecido a Deus pelo fato de que sua doença, o que parecia ser algum tipo de câncer de pele, não lhe causava nenhuma dor e que a cada dia ele encontrava na fé, as forças que precisava para continuar em frente, seguindo seu caminho para cumprir sua missão. Na hora de dormir, Dona Zélia que já tinha por ele uma grande admiração, arranjou um jeito de colocar um colchão no quarto apertado onde Ana e seus irmãos dormiam todos juntos e excitados com a novidade, o arrastaram para lá. Foi uma noite memorável, para ela e seus irmãos. Ele contou várias histórias a eles, e enquanto falava, ninguém sequer piscava um olho. Nelas não havia Bicho Papão, nem Boi da Cara Preta, mas eram povoadas por anjos, fadas e duendes. Foi a noite mais agradável que tiveram em muito tempo. Já era tarde da noite quando todos foram dormir. Quando acordaram pela manhã ao som do despertador, ele já tinha se levantado. Toda a roupa de cama que Dona Zélia tinha colocado no pequeno colchão para ele dormir estava impecavelmente dobrada e ele estava na varanda.

Ele se recusou a tomar o café da manhã e pouco antes de sair para pegar o ônibus que o levaria à sua casa, como se estivesse pedindo à mãe de Ana um grande favor, perguntou se poderia voltar e ficar com eles na próxima vez que viesse à Santa Casa. Acrescentou que ficaria feliz de dormir na varanda até mesmo numa simples cadeira e que não iria incomodá-los de jeito nenhum. Com toda a sua humildade e simplicidade, enquanto Ana segurava a mão de sua mãe no portão onde estavam se despedindo dele, ela viu quando ele olhou para ela e para seus irmãos e sorrindo, disse à Dona Zélia que as crianças o tinham feito sentir-se em casa. Que os adultos e muitas outras crianças sentiam-se incomodados com sua presença por causa de sua aparência, as dela não. Para elas, sua aparência não importava.

Mesmo ainda pequenina, Ana se lembra de ter deixado uma lagrima sentida rolar de seus olhos. Ela se lembra de ter compreendido profundamente o que ele quis dizer. Dona Zélia apertou a mão dele e lhe disse que seria muito bem vindo quando quisesse e ele partiu sorrindo. Com sua pequena figura desaparecendo no final da rua ele ainda acenou. Dona Zélia olhou para Ana, e sorriu docemente. Na sua próxima consulta para o tratamento na Santa Casa ele chegou antes das seis horas da manhã. Como presente, ele trouxe um enorme peixe salgado e uma fieira de caranguejos o que foi a maior festa para as crianças. Trazer aqueles presentes foi uma coisa que ninguém esperava que acontecesse, afinal, quantos e quantos hospedes já haviam ficado em sua casa e nenhum deles sequer agradeceu a hospedagem e o tratamento que davam a todos. Nos anos seguintes, quando ele vinha para passar a noite com Ana e a família, nunca houve uma só vez que ele não trouxesse alguma coisa de presente.

Quando não eram peixes salgados, eram frutos do mar, quando não, eram frutas e vegetais que ele produzia numa pequena horta que cultivava. Algumas vezes, a família recebia via correio pacotes contendo queijos, doces, coisas não perecíveis, que ele mandava sempre com uma cartinha onde agradecia a Deus pela amizade de todos naquela casa, o que tornava os presentes duplamente preciosos para todos, pois sendo muito pobre, deveria estar fazendo grandes sacrifícios para poder posta-los. Dona Zélia, sempre que recebia uma destas lindas lembranças do bom homenzinho, lembrava-se de um comentário desagradável feito por Dona Sofia, a vizinha do lado, quando ele se hospedou na casa deles pela primeira vez. Ela disse em tom reprovador, que Dona Zélia não deveria hospedar gente como aquele horrível homenzinho, pois certamente iria perder muitos hóspedes por causa disto.

Nestes momentos de lembranças, Ana pensava que talvez eles tivessem perdido alguns hospedes por causa dele, mas se aquela vizinha e todos os hóspedes que eles perderam pudessem tê-lo conhecido, quem sabe a dor e o sofrimento de suas vidas teriam sido mais fáceis de se suportar. O tempo se passou, as coisas mudaram, os valores para muitos continuam os mesmos, mas hoje, ela sabe que toda a sua família vai ser eternamente agradecida por tê-lo conhecido, porque com ele, todos aprenderam que temos que aceitar as coisas ruins que nos acontecem na vida sem reclamar e as boas, com eterna gratidão ao nosso criador. Pouco tempo atrás, visitando uma velha amiga que tem verdadeira paixão por plantas e flores, ela a chamou para mostrar sua horta, suas flores e seu jardim. Num canto de uma cerca, havia uma destas latas de leite pó e dentro dela, a mais bela flor de todo o jardim.

Era um Crisântemo cor-de-rosa, absolutamente encantador. Ana pensou, mas não disse à sua amiga, que se aquela flor fosse dela, a teria colocado no mais belo vaso que tivesse em casa e a teria colocado na sala de estar, mas logo depois, sua amiga a fez mudar de opinião. Ela disse que estava sem dinheiro para comprar vasos e sabendo quão bela seria aquela flor, ela pensou que ela não iria se importar em começar naquela velha lata vazia de leite Ninho, pois seria por pouco tempo, somente o suficiente para ela crescer e ganhar forças, para depois ser transplantada no jardim. Sem querer, Ana começou a rir sem parar. Sua amiga contagiada também começou a rir junto com ela e depois de algum tempo, perguntou do que estavam rindo. Foi então que Ana contou a ela a historia do bom homenzinho e que ela estava rindo porque comparou o que tinha acontecido com o Crisântemo plantado na lata de leite Ninho, com a vida que ele levava naquele corpo feio e minúsculo.

Ana disse que imaginou a cena que aconteceu no Céu, no dia em que Deus escolheu a alma que iria colocar naquele corpo tão frágil e pequeno. Que dentre todas as almas, ele escolheu a mais bela, pois tinha certeza de que ela não iria se importar em começar num corpo tão pequeno. Sua amiga ouvindo a historia não pode deixar de ser tomada de uma grande emoção. Ela, uma amante da vida e da natureza, que sabia exatamente do que Ana estava falando, sentiu quando duas lágrimas quentes e sentidas rolaram livremente em seu rosto. Ao vê-la chorar, Ana a abraçou, e juntas, ficaram admirando a beleza e o esplendor daquele belíssimo Crisântemo, que nasceu, cresceu de floriu, naquela simples lata vazia de leite Ninho.

A visita de Ana à sua velha amiga foi ha apenas algumas semanas e o contato dela e sua família com aquele homenzinho tão pequeno e com uma alma e coração tão grandes, foi ha tanto tempo atrás, mas agora, ela imagina que assim como o Crisântemo que estava plantado na lata velha de leite Ninho deve estar enorme e encontrou seu lugar no jardim, quão grande também deve estar, já de volta ao céu, aquela alma linda e especial, que habitava aquele corpo tão pequeno.

Neste exato momento, ela deve estar em meio a tantas outras almas, tão lindas quanto o Crisântemo que nasceu e cresceu numa lata velha, mas com certeza, esta segurando a mão de Deus, nos Jardins do Paraíso.

Julgamos tudo pela aparência, não pelo conteúdo. Esquecemos de que dentro de uma caixinha, aparentemente simples e insignificante, pode estar escondido, um diamante de infinito valor...

Autor: José Araújo

domingo, 19 de julho de 2009

A MANSÃO DOS ESPELHOS



Aquela poderia ter sido uma noite como tantas e tantas outras, se algo estranho e inacreditável não tivesse acontecido para mudar de forma inusitada a vida de Eliseu. Enquanto andava pelas ruas do condomínio fechado de alto nível onde trabalhava na capital paulista, cumprindo seu dever profissional de proteger os moradores do lugar contra os perigos comuns da vida moderna, como assaltos, roubos, seqüestros ou vandalismos vindos de fora, ele caminhava absorto em seus pensamentos. Não eram incomuns as tentativas de invasão e toda a atenção ainda era pouca, mas ele estava esgotado. Aquela rotina de medo e insegurança o estava deixando abatido, cansado e com medo até da própria sombra. Seu sonho era sair daquela área de trabalho tão desgastante e arriscada. Em dado momento, ele ouviu o som de uma canção que se fez ouvir ao longe. Pareciam os acordes de um violão e era uma canção tão doce, tão romântica e cativante, que ele se sentiu compelido a caminhar em sua direção. Após andar algumas quadras, iluminado apenas por algumas tímidas lâmpadas dos postes das ruas, ele chegou a uma pequena praça e para seu espanto, ela estava toda iluminada. Nela não havia lâmpadas, nem postes de iluminação, a única fonte de luz possível naquele lugar era dos postes da rua que a contornava. No entanto, ela estava absolutamente iluminada e a luz que a envolvia não era uma luz comum.

Encantado, ele viu num dos bancos da pequena praça, a mais bela jovem que já tinha visto em toda a sua vida. Dela emanava uma luz intensa. Era algo difícil de se distinguir se era causada por magia ou forças divinas e era ela quem estava tocando aquela linda canção. Naquele momento, ele foi enfeitiçado. Cupido lançou em seu coração uma flecha certeira. Ele se apaixonou perdidamente pela jovem e seu coração batia tão rápido que ele mal podia respirar. Foram momentos de pura magia. Ele descobriu em questão de segundos, o que significa estar amando. A bela jovem parecia tão distante. Em seu semblante, apesar de belo, havia algo estranho. Era como se aquela linda mulher vivesse em poder de uma tristeza profunda que havia se apoderado de seu coração. Emocionado, ele a observava em silencio. Eliseu admirava a beleza daquele ser iluminado, ouvindo o som maravilhoso que ela conseguia tirar das cordas de seu violão. De repente, num dos trechos mais tocantes daquela bela canção, da linda jovem uma luz intensa começou a ser emanada. Era uma luz ainda maior do que aquela que estranhamente iluminava a praça e ela foi aumentando mais e mais, até que pequenos raios de luz começaram a ser lançados em todas as direções. Ele se assustou e instintivamente sacou de sua arma.

A jovem ao ouvir o barulho mecânico do desabotoar da cartucheira, se assustou também e desapareceu. Ele, sem saber o que estava acontecendo naquele lugar tão ermo, tão tarde da noite e sem testemunhas do que estava acontecendo, ficou paralisado. Passaram-se alguns minutos até que ele tivesse se recomposto para conseguir tomar uma atitude ou falar. Quando ele conseguiu se recuperar do susto, caminhou a passos largos para longe daquela praça estranha e o que ele sentiu naqueles poucos segundos quando ela desapareceu, o acompanhou durante todo o caminho de volta ao seu posto de serviço que ficava no começo da rua principal do bairro. Os dias e as noites não foram suficientes para apagar aqueles momentos de sua memória ou de seu coração. A magia e beleza daquela jovem e da canção que ela tocava ao violão não o deixavam um só segundo. Ele não sabia de onde ela tinha vindo, ou para onde ela tinha ido, mas a ausência dela em sua vida o fazia sofrer. Ela definitivamente era a mulher de seus sonhos. Eliseu havia namorado muitas outras garotas, mas sempre teve dentro de seu coração a imagem daquela que um dia ele iria escolher para se casar e com ela viver um grande e infinito amor. Já haviam se passado semanas, meses e ele não a tirava da cabeça. Sua imagem em sua mente era clara e constante.

Ele podia ver cada detalhe de seu rosto, cada expressão de sentimentos mostrados nele e a lembrança daquele momento, quando ela tinha deixado transparecer tanta tristeza, sempre faziam uma lágrima furtiva rolar em seu rosto. Era algo que ele não podia evitar. Num dia de folga, em companhia de amigos num bar, ele conheceu e conversou um longo tempo com um colega de profissão, muito mais velho que ele, que há muitos e muitos anos tinha trabalhado como segurança naquela região onde Eliseu estava trabalhando. Ele desabafou com o colega e confidenciou a ele a estranha e maravilhosa experiência que viveu naquela praça. Após ouvir tudo calado, quando o rapaz terminou de contar sua historia, o velho Batista lhe disse que tinha a explicação para o que lhe havia acontecido. Curioso, ele pediu ao velho que deixasse e lado os rodeios e fosse direto ao assunto, contando a ele tudo em detalhes, porque ele já estava cansado de tanto sofrer com a angústia da incerteza de que tudo que lhe aconteceu foi um sonho, ou a mais pura realidade. O bom homem lhe disse que há muitos e muitos anos atrás, quando aquele bairro elegante estava se formando, uma viúva milionária havia construído uma mansão diferente de todas as outras que estavam sendo feitas no lugar.

Ele contou a Eliseu, que a velha tinha uma filha muito pequena que era muito bonita, mas muito frágil e indefesa nas mãos de sua mãe. Seu nome pelo que ele sabia era Iris e que logo após o termino da construção da mansão, a viúva se mudou para lá com a pequenina, que foi vista apenas de longe, no dia da chegada da família ao novo lar e depois disto, nunca mais. Os mais velhos que tinham trabalhado lá, contavam que mãe dela era uma mulher má e fria. Uma pessoa desiludida da vida, que com ódio até mesmo da própria sombra, mandou revestir todas as paredes da mansão com espelhos, de forma que quem entrasse lá tivesse a impressão de que a casa estava cheia de gente, mas que na verdade, os espelhos só refletiam a sua própria solidão. Contava-se também que quando elas se mudaram para lá, a velha trancou sua filha num quarto secreto dentro da imensa propriedade, para que ela nunca tivesse contato com mundo externo. Diziam que ela tinha feito isto para tentar proteger sua filha dos males do mundo, pois em sua loucura, ela não queria que sua filha sofresse como ela sofria. Anos se passaram e aquela que então era apenas uma criança quando sua mãe a trancou no tal quarto secreto, já não era mais uma criança. Ela era uma linda jovem que sonhava que um dia alguém viria salva-la de sua prisão e então ela poderia conhecer e viver um grande amor.

A mansão ficou mais vazia do que nunca quando a mãe da pobre jovem veio a falecer e desde então, ninguém mais havia entrado lá. Dizia-se que perigos enormes aguardavam a quem tentasse penetrar a fortaleza de espelhos, mas também, que durante as noites, o espírito da jovem Iris se libertava de seu corpo material e saia para a praça. Lá ela tocava com seu violão a mais bela, triste e encantadora canção, na esperança de ser encontrada lá por alguém de bom coração e que pudesse libertá-la de sua prisão. De olhos e ouvidos atentos, Eliseu ouvia o velho Batista contar toda a historia com detalhes e de alguma forma, ele sabia que a linda jovem por quem ele se apaixonou naquela noite era a filha da mulher fria e malvada, que sem coração, a encerrou em sua prisão. O bom velho disse a ele, que quem quer que tivesse a ousadia de se atrever a entrar naquela velha mansão, teria que enfrentar perigos imensos que foram descritos por outros que já haviam tentado antes, sem conseguir. Ele estava apaixonado. Aquela linda jovem era a mulher que ele sempre sonhou amar. Que perigos tão grandes e tão intransponíveis estariam do outro lado da porta de entrada daquela mansão?

Pensativo, ele agradeceu ao seu novo amigo o papo que tiveram e disse que iria para casa dormir e descansar para o dia duro de trabalho que o esperava. Ao chegar em casa, ele não conseguiu pregar os olhos. A imagem daquela linda jovem e o som daquela linda canção martelavam em sua cabeça. Se ele não conseguisse se livrar daquele martírio, nunca mais teria sossego. Já era muito tarde quando ele resolveu tomar uma decisão. Eliseu pegou sua ferramenta de trabalho, uma arma que só carregava quando estava no exercício de sua profissão, colocou a pendurada na cintura por baixo da camisa e saiu na direção da mansão. Ao chegar lá, após ter andado muito sem encontrar uma viva alma pelas ruas onde passou, ele parou em frente ao portão principal da propriedade. Hesitante, ele abriu o portão que estava destrancado e entrou devagar. Após atravessar um enorme jardim com um chafariz bem no meio dele de onde não saia mais nem sequer uma gota d água, passando por várias estatuas espalhadas pelo que um dia deveria ter sido um belo lugar, ele chegou até a porta de entrada da mansão. Ele estava assustado e com medo. Seu coração dizia para bater na porta, apertar a campainha ou bater palmas para chamar alguém que por ventura estivesse em seu interior, mas sua razão lhe dizia para ir embora.

Muitos e desconhecidos perigos o aguardavam do lado de dentro. Em extrema indecisão, ele ficou parado mesmo lugar. Por alguns momentos, se alguém tivesse passado na rua e o visse lá onde estava, poderia jurar que se tratava de mais uma estátua entre tantas outras naquela escuridão. Superando seus medos, ele apenas tocou na maçaneta e a porta se abriu num ranger assustador. Eliseu se arrepiou. Trêmulo, lutando contra o medo terrível que havia tomado conta de seu ser, ele caminhou lentament para dentro da mansão. Não havia luz. Tudo estava na mais completa escuridão. Como um profissional competente, ele sempre estava preparado para emergências e lembrou-se de que havia trazido uma lanterna e rapidamente a acendeu. Como passe de mágica, todo o ambiente interno da mansão se iluminou. Na frente dele, dos lados e atrás dele, sugiram centenas de inimigos prontos para atacá-lo, sem dó nem perdão. Apavorado, ele deu um pulo para trás e no mesmo instante, todos os inimigos pularam também. Num rápido movimento, ele sacou de sua arma para se proteger e no mesmo instante em que o fez, os inimigos também sacaram suas armas. Ele estava perdido. Se atirasse poderia talvez acertar apenas um, mas eram centenas deles!

Certamente ele não tinha chance contra tantos inimigos. Seria o seu fim. Num gesto de extrema humildade ele baixou sua arma. No exato momento em que o fez, todos os seus inimigos fizeram o mesmo. Ele ficou atônito com aquilo. O que estava acontecendo? Porque seus inimigos tinham baixado suas armas? Seria tão fácil para eles o terem liquidado ali naquele mesmo instante! Sem saber o que pensar, ele deu um passo à frente. A imensa luz de todas as lanternas dos seus inimigos o estavam cegando e ele tropeçou. Ao tentar se equilibrar para não cair, sem querer ele deixou sua lanterna cair e apertou o gatilho. Um tiro se fez ouvir. O que se seguiu foi o som de vidros se quebrando bem à sua frente. O barulho foi tão grande com o eco causado pela imensa sala vazia que ele levou as mãos aos ouvidos e caiu de joelhos, esperando receber uma salva de tiros de seus inimigos. O silencio inacreditável que se seguiu fez com que ele abrisse lentamente seus olhos e olhando para os cacos de vidros espalhados perto de onde se ajoelhou, ele apanhou um pedaço. Naquele instante a luz de sua lanterna que estava caída perto de onde ele havia se ajoelhado, estava sendo refletida nos pedaços de vidro do espelho da parede quebrado pelo tiro, mas todos os seus inimigos tinham desaparecido como num passe de mágica. Ele não pode acreditar! Onde tinham ido parar todos aqueles homens que há segundos atrás estavam lá?

Ao olhar para o pedaço de espelho em suas mãos Eliseu se viu. Foi então, que ele compreendeu o que tinha acontecido. Os espelhos! Ele havia se esquecido da parte da história contada pelo velho Batista onde ele lhe falou deles! Não havia nada nem ninguém lá. Não havia perigo algum dentro daquela mansão e o seu único inimigo, era ele mesmo. Desde que ele entrou naquele lugar, com o com a mente cheia de receios, com o medo que mantinha seu coração cativo, tudo que ele imaginou ver eram apenas ilusões. Naquelas paredes cobertas por espelhos, ao acender sua lanterna, a luz se propagou por reflexão de um espelho ao outro e sua imagem apareceu em todos os lugares, criando a impressão de que o lugar estava cheio de inimigos, prontos para atacá-lo. Aliviado, ele sorriu. Naquele instante, ele compreendeu que todos os seus medos e inseguranças só existiam dentro dele mesmo, e que tudo que acontece na vida, seja de bom ou de ruim, são reflexos de nossos próprios pensamentos. Um sentimento de profunda liberdade tomou conta de Eliseu. Ele estava também se sentindo leve como nunca o sentiu em toda a sua vida. A indecisão que o atormentava ha tanto tempo desapareceu por completo. Decidido, ele resolveu sair de lá. No dia seguinte ele iria procurar outro emprego. Algo que ele pudesse fazer por prazer e que o realizasse profissionalmente. Todos aqueles inimigos imaginários que viviam em sua mente, mantendo seu coração cativo, desapareceram diante de seus olhos como que por encanto.

A verdadeira e profunda emoção dos sentimentos de liberdade e coragem que ele vivenciou naqueles momentos, o fizeram enxergar que muitas vezes, sofremos porque não temos coragem de enfrentar nossos inimigos e que a maioria das vezes, nosso maior inimigo esta muito mais perto do que pensamos, ou seja, dentro de nós mesmos. Ao bater a porta atrás de si quando saiu, tudo que ele ouviu foi um enorme estrondo e sons de vidros se quebrando e caindo. As paredes a velha mansão ruíram e ao caírem, todos os espelhos se quebraram um a um. Atônito mais uma vez, ele percebeu que mesmo estando longe da iluminação da rua, ele estava envolto por uma intensa luz e ela emanava dele mesmo. Maravilhado com a luz de sua própria existência, o som daquele vilão tocando aquela linda canção, mais uma vez se fez ouvir. Seu coração quase parou. Fascinado, ao olhar na direção da pequena praça quase em frente a onde antes era a velha mansão, ele viu de novo sua musa, sua grande paixão. Seu espírito se encheu de alegria e seu coração cantou. Ela estava tão linda. De seu corpo emanava uma luz brilhante e parecia ser a mesma que emanava do corpo dele. Era como se ela fosse um espírito iluminado por Deus. Com lágrimas em seus olhos Eliseu viu quando ela olhou para ele e sem parar de tocar nem um instante, ela sorriu.

Em seu rosto não havia mais aqueles traços visíveis de sofrimento que tanto o impressionaram quando ele a viu pela primeira vez. Munido da coragem que ele descobriu que tinha, da confiança em si mesmo que nunca pensou que pudesse ter, Eliseu caminhou lentamente em direção à bela jovem. Ao se aproximar dela, com o coração repleto do mais puro e verdadeiro amor, ela parou de tocar, colocou o violão apoiado no pequeno banco onde estava sentada e estendeu-lhe a mão. Ao tocá-la, Eliseu soube que o milagre em que ele estava vivendo só foi possível porque ele venceu o seu maior inimigo, o inimigo interior. Olhos nos olhos, com pétalas de flores dos pessegueiros da praça que caiam sobre eles naquele momento, um beijo mágico os uniu. O tempo parou para eles naquele instante. A magia do amor tomou conta do lugar. Após algum tempo abraçados, olhando para lua que brilhava lá no céu, eles caminharam através da praça, atravessaram a rua e seguiram lentamente pela calçada de mãos dadas. Como pura magia, a luz da lua, por onde quer que eles fossem, os acompanhava com seus raios de prata, celebrando sua doce união. Eliseu levou a bela Íris para sua humilde casa, onde ele não tinha nada, mas tinha um tesouro que nem ele mesmo sabia que tinha. A liberdade de decidir o que fazer de sua própria vida.

Sem perguntas, inexplicavelmente a família dele recebeu a moça de braços abertos. Todos se apaixonaram pela linda jovem e pela musica que ele tocava em seu violão. Ela conquistou a todos com sua verdadeira luz. Eliseu após ter abandonado o emprego onde não se sentia bem, após ter procurado muito e ter superado várias dificuldades para arrumar outro, conseguiu uma colocação muito melhor. Os dois se casaram e de sua união nasceu Violeta, um pequeno anjo iluminado que sorria o tempo todo. Era como se ela respirasse alegria e felicidade de seus pais desde seus primeiros momentos neste mundo. Tempos depois, Eliseu resolveu passar pelo lugar onde havia sido aquela velha mansão e, para seu espanto, soube pelo porteiro de uma enorme e novíssima mansão que havia no lugar, que a construtora tinha comprado a propriedade vazia, em chão batido e limpo, pois desde que o bairro se formou nada havia sido construído lá. Intrigado, ele foi procurar pelo velho Batista na empresa onde tinha trabalhado. A surpresa que ele teve foi maior ainda, quando lhe disseram que lá nunca houve nenhum funcionário com o nome de Batista. Após algum tempo refletindo, ele chegou à conclusão de que só havia uma explicação.

Os sonhos e a realidade vivem juntos e é impossível viver com eles em separado. Sorrindo, ele se despediu das pessoas com quem havia trabalhado e voltou para casa. Caminhando pela cidade, rumo ao bairro onde morava, ele observava tudo ao seu redor. Em sua mente, ele imaginava quantas pessoas, haviam perdido a chance de serem felizes na vida porque tinham medo de enfrentar seus próprios medos e receios. Em quanta gente que naquele exato momento, estavam sofrendo, porque decidiram optar em viver somente na realidade, e outras, porque resolveram viver apenas num mundo de sonhos. Com o coração repleto de alegria, ele elevou seus pensamentos a Deus e pediu a ele com toda sua fé, que se toda a felicidade que estava vivendo fosse um sonho, que ele permitisse que ele continuasse a sonhar para o resto de seus dias. Naquele exato momento em que ele falava com Deus em suas preces, o céu que estava nublado se abriu e um raio de sol atravessou as nuvens e o iluminou. Depois de ter que tomar dois ônibus e um metrô, ao chegar em casa, sua esposa o esperava no portão com a pequena Violeta em seus braços. Ao vê-las, ele olhou para o céu e agradeceu ao bom Deus pela graça concedida. A vê-lo se aproximar, seu pequeno anjo que estava no colo da mãe estendeu seus bracinhos a ele e sorrindo, disse a palavra mais linda que um homem pode ouvir em toda a sua vida. Com sua voz doce, suave e verdadeira de um bebê que pronuncia sua primeira palavra, ela disse... Papai!

Autor: José Araújo

domingo, 12 de julho de 2009

POR UM MUNDO MELHOR



Quando todas as pesquisas tiverem sido feitas. Quando a ciência tiver revelado tudo àquilo que a humanidade sempre desejou saber. Quando todos os livros tiverem sido escritos. Quando todas as palavras tiverem sido escritas e todas as frases tiverem sido faladas em todas as línguas na face da terra, mesmo assim, o grande mistério da vida ainda permanecera.

Podemos até mapear cada canto do mundo, saber qual o ínfimo tamanho de um átomo, podemos medir as distancias dos mais longínquos confins do Universo, pesquisar com a ajuda da ciência e dos grandes pensadores as origens da humanidade, mas nenhuma busca será frutífera o suficiente para nos dizer com certeza, se somos filhos do acaso, ou parte de um grande projeto.

Quem de nós pode descrever com certeza o que sentiu quando teve a experiência de ver nos olhos de um bebê, uma nova esperança para a humanidade?

Quem de nós não se sentiu roubado de alguma coisa realmente grande e que se foi para sempre, quando olhamos para o rosto de alguém muito querido que morreu?

São eventos como estes que nos diferenciam de outras espécies, que fazem de nós humanos e que definem a verdadeira distancia que há entre nós e as estrelas lá do céu.

Contudo, o mundo é difícil, por vezes cruel e a vida não é tão fácil de se viver.

Grande parte de seus mistérios estão, estarão e permanecerão para sempre na mais completa escuridão.

Tragédias acontecem, injustiças são cometidas. Coisas ruins acontecem com boas pessoas e muitos sofrimentos atingem inocentes que nada devem a ninguém enquanto pessoas más, sem escrúpulos ficam impunes e levam a melhor.

Para viver, muitas vezes nós humanos precisamos tirar a vida de outras espécies, sem dó nem perdão.

Para sobreviver muitas vezes, temos que deixar nossos próprios semelhantes às margens dos caminhos por onde passamos, sem olhar para trás.

Somos todos prisioneiros do tempo, vítimas da nossa condição biológica e totalmente reféns de nossa capacidade infinita e mágica de sonhar.

Às vezes, tudo isto pode nos parecer demais, impossível de se suportar ou aceitar.

Temos que reagir contra estes pensamentos e sentimentos negativos que por vezes nos atormentam para seguir em frente e continuar nossa jornada porque de alguma forma todos sabemos que esta é a nossa missão durante nossa curta passagem pelos caminhos da vida.

O mundo é um grande e misterioso lugar e, suas possibilidades infinitas são governadas unicamente pelas coisas que só nosso coração pode conceber.

Se deixamos que nossos corações sejam invadidos pela escuridão, viveremos até o fim na mais completa escuridão.

Se deixamos que nossos corações sejam invadidos pela luz, viveremos envoltos por ela e tudo ficará mais claro em nossos caminhos.

Somente aqueles que têm um grande coração, aberto e receptivo aos poderes de Deus e da verdadeira fé sabem e sempre souberam desta grande verdade.

Eles compreendem do fundo de suas almas, que não há nada mais honroso do que enxergar o que é errado e tentar corrigir isto.

Uma vida bem vivida, de alguma forma, celebra as promessas que a própria vida nos faz.

A escuridão sempre esta no limite entre as fronteiras da razão e de todos os nossos conhecimentos.

Ela, que de vez em quando parece querer nos devorar, é apenas um instrumento divino para nos fazer querer alcançar a certeza de que somos capazes de superá-la e encontrar a luz e fazer de nossas vidas testemunhas vivas da esperança, da possibilidade de se ultrapassar os mais terríveis obstáculos.

A escuridão nada mais é do que um teste, uma provação que se põe em nossos caminhos, para que munidos da fé em Deus e em nós mesmos, possamos seguir na direção nos mais honoráveis sentimentos e impulsos que nossos corações podem conceber, e alcançar finalmente, a verdadeira luz.

Compreender isto não é difícil. Pode levar tempo e talvez até mesmo, só o tempo, a idade e a experiência de vida venham nos provar que isto é real.

Há em cada um de nós, não importa quão pequena possa ser, a capacidade de amar.

Mesmo que nossas vidas não tenham tomado o rumo que um dia desejamos. Mesmo que sejamos apenas uma mera sombra de nossos sonhos, somos parte de um todo.

Somos humanos e parte de uma grande família. Mesmo que muitos de nós não fale a mesma língua, em algum lugar, no mais insignificante canto escondido de nossas vidas, está escondida uma oportunidade de amar e para amar, não é preciso falar o mesmo idioma.

A linguagem do amor é universal. Ela é compreendida até pelos animais.

Viver vai muito além do amor, o maior e mais poderoso de todos os sentimentos. Vai também além de tudo aquilo que valorizamos e prezamos no mundo material.

Deus nos deu muitas opções para enxergarmos a beleza da vida em qualquer circunstância.

Se ficarmos cegos, podemos deslizar nossos dedos sobre uma concha do mar e sorrir alegremente celebrando toda a beleza da vida.

Se ficarmos aleijados, sem poder andar, podemos sentar à beira mar e ouvir silenciosamente o infindável murmúrio das ondas.

Se nossos espíritos de alguma forma são feridos, podemos estender as mãos para o céu, pedindo numa prece silenciosa a ajuda Deus e o consolo daqueles que nos amam, seja um irmão, ou um amigo.

Tudo que temos a fazer é ter fé, acreditar na existência de Deus e deixar que as pessoas conheçam nossos sentimentos e que possam nos tocar o coração com seu amor, com seu carinho e compreensão.

Quando nos revelamos aos nossos semelhantes com relação aos nossos sentimentos, abrindo nossos corações, sem criar barreiras de aproximação, eles se chegam a nós, o milagre acontece e voltamos a acreditar e enxergar a beleza da vida.

Se ficarmos na solidão, podemos seguir em direção àqueles que estão carentes de amor, porque lá, com a mais absoluta certeza, encontraremos o bálsamo que irá nos curar de uma doença que normalmente é criada por nós, por nossas atitudes e comportamentos.

Não há tragédia ou injustiça tão grande, muito menos uma vida que seja tão pequena e inconseqüente no grande espetáculo da vida.

Não há nada, nem ninguém neste mundo tão insignificante, que não possamos ver neles a luz que irradiam em pequenos e silenciosos atos e momentos que ocorrem em nosso dia a dia.

Quem de nós pode afirmar com certeza se um destes atos ou momentos, tão despercebidos ou ignorados na maioria das vezes por nós, não poderia fazer toda a diferença na vida da gente?

O Universo é um vasto e mágico fluir de energias que se estende além do tempo e do espaço e Deus não nos deu permissão para conhecer seus segredos e suas maneiras de agir.

Não adianta tentarmos decifrá-los ou compreende-los, pois são segredos divinos.

Quem sabe, todos nós, tenhamos sido colocados aqui para presenciar a mudança de um simples momento no tempo e no espaço.

Quem sabe, depende de nós darmos a este momento nosso toque único e especial.

Quem sabe, dependendo do toque que dermos a este momento sublime de mudança, entre um momento e outro de nossas vidas, possamos realmente fazer a diferença e causar a mudança deste planeta, para um lugar melhor para se viver.

Um mundo melhor, não só para alguns, mas para todos nós, sem distinção.

Autor: José Araújo

sábado, 4 de julho de 2009

PROCURANDO POR DEUS



Há muitos anos, tantos que é quase impossível de se dizer quantos se passaram desde então, no Reino das Águas Calmas, um lugar encantado que ficava em algum lugar do arquipélago de Fernando de Noronha, nas profundezas do Oceano, vivia Yara, uma pequena sereia que levava uma vida triste e solitária. Desde que nasceu, ela sempre foi rodeada por magníficos recifes de corais, exóticas criaturas do fundo do oceano e pela magnífica arquitetura do povo do fundo do mar que era de tirar o fôlego de qualquer um. Ainda assim, com tanta beleza à sua volta, vivendo em meio a uma natureza exuberante, ela nunca parecia satisfeita. Sempre via só o pior em tudo e criticava a todos que estavam à sua volta. Isto é claro, a fez tonar-se uma pessoa indesejada por todos os seres do fundo do mar. Era comum encontrá-la só, pensando em como tudo e todos eram chatos e antipáticos. Mesmo sendo uma pessoa desagradável, difícil de se conviver, ela tinha uma única, mas verdadeira amiga. Seu nome era Jasmim e era a sereia mais velha, mais sábia e bondosa do reino. Ela conhecia os pais de Yara há muito tempo e sabia que a menina não tinha amigos por causa sua conduta e atitudes sempre negativas. A sereia anciã sentia pena da menina por vê-la sempre tão triste, tão solitária e assim, sempre que podia, arranjava algum tempo para tentar ajudá-la de alguma forma. Certa manhã, a jovem sereia e sua única amiga estavam nadando suavemente pelo Reino das Águas Calmas e a velha sereia, com sua sabedoria e sensibilidade, admirava com sentimento a bela manhã que tinha acabado de nascer, mas a menina não.

Ela só havia notado que a água estava mais fria do que a temperatura que ela gostava e também que os golfinhos brincavam demais e faziam um barulho enorme que a incomodava. Em dado momento, esperançosa, Jasmim perguntou a Yara o que estava achando dos corais com aquela iluminação mágica do sol da manhã, afinal, naquele dia eles estavam particularmente radiantes, com suas cores mais gloriosas que nunca. A resposta da menina foi que até podia ser, se ela gostasse das cores laranja, vermelho e cor de rosa, mas definitivamente, não era o seu caso. A velha e sábia sereia olhou pensativa para a menina por alguns momentos e depois balançou a cabeça, imaginando se algum dia ela poderia pensar em alguma coisa que a fizesse feliz e enquanto ela assim pensava, enrolava as voltas de seu lindo colar de pérolas cor-de-rosa com os dedos e depois os desenrolava de novo. Ela já estava um pouco atrasada e então disse a Yara que precisava ir até a escola do Reino, pois tinha uma aula a dar. Curiosa, a pequena sereia perguntou sobre o que ela iria ensinar na aula que ia dar naquele dia e Jasmim respondeu que a aula seria muito especial, pois naquele dia ela iria falar aos seus alunos sobre Deus. Um tanto confusa, a menina perguntou à anciã se tinha ouvido direito, pois ela não conhecia ninguém com o nome de Deus. Nem mesmo havia ouvido falar sobre ele. A sábia anciã, com sua voz firme, mas suave, disse que sim, que era exatamente o que a menina tinha ouvido e perguntou a ela se nunca tinha ouvido mesmo falar de Deus. Yara respondeu que não. Como ela poderia se nunca tinha assistido a nenhuma aula dela sobre ele? A velha sereia ajeitou seus longos cabelos brancos pensativa e disse que era uma pena que não tivesse assistido e se despediu dizendo que a veria mais tarde.

Quando ela já ia se afastando, a menina a parou e perguntou se ela não iria lhe contar quem era o tal Deus. Preocupada pela maneira como a menina se referia a Deus, ela disse a Yara que não. Que ela mesma teria de procurá-lo e quando o encontrasse, viesse lhe contar depois o que achou dele. Antes de partir, a bondosa sereia disse que não seria difícil encontrá-lo, pois ela poderia encontrar Deus em todo lugar. Espantada, a menina disse que em qualquer lugar era impossível, porque ninguém pode estar em lugares diferentes ao mesmo tempo. A velha sereia sorriu e calmamente disse que ela estava enganada, que era possível sim, porque ele era lindo e ela o via o tempo todo, em todos os lugares do Reino das Águas Calmas. Inconformada, Yara disse que se era mesmo assim como ela estava dizendo, se ela o conhecia tão bem, deveria saber qual era sua aparência e com quem ou o que ele se parecia. Em resposta, a velha sereia disse a Yara que Deus era igual a elas duas, igual aos golfinhos, aos peixinhos, aos cavalos marinhos e também igual às mais altas montanhas que se elevavam até além da superfície das águas do mar, mas também igual aos corais. A menina franziu as sobrancelhas e ficou mais séria do que já estava e respondeu dizendo que se era assim, certamente Deus não era nada de especial. A velha e sábia anciã olhou para a garota por alguns instantes e se virou para seguir seu caminho. Irritada, a menina gritou perguntando se ela ia mesmo embora sem lhe contar quem ou como era o tal Deus.

Jasmim parou, olhou para trás e disse novamente com a mesma voz bondosa de sempre, que Yara era quem teria de lhe dizer qual era a aparência de Deus e sem mais demora, ela se foi. A jovem e inexperiente sereia nadou por todo o reino por um longo tempo à procura de Deus, mas não o encontrou. Em sua mente, em silêncio ela pensava na besteira que tinha acabado de ouvir da velha anciã. Que idiotice! Ela pensou. Se Deus parece com qualquer coisa, quando o encontrar, como vou reconhece-lo? Com a mesma cara amarrada de sempre, ela olhou à sua volta, olhou para os prédios, para as sereias, para o povo do fundo do mar e para os cardumes de peixe que passavam à frente dela indo de lá para cá sem parar. Foi então que ela se lembrou das palavras da velha anciã e disse a si mesma que estava tudo bem, já que era para ser assim, ela iria encontrar Deus e depois diria à sua velha amiga qual tinha sido sua impressão sobre ele. Nadando rápido como um torpedo, a menina se encontrou com um golfinho, parou em frente a ele e com as mãos na cintura, perguntou se ele é que era Deus. O golfinho apenas olhou para a menina e sorriu gentilmente, mas a menina não fez a mesma coisa. Ela não sorriu. Muito pelo contrário. Yara permaneceu tão séria quanto no momento em que o havia encontrado em seu caminho. Irada, a menina disse ao golfinho que se ele era Deus e tinha os dentes sujos de restos de peixe que havia acabado de comer, então esta coisa de Deus, não passava de pura estupidez. Sem olhar para trás a menina resolveu seguir seu caminho à procura de Deus.

Mal ela se virou para ir embora e o golfinho desatou em gargalhadas e ele riu tanto, que chegou a chorar de tanto rir. A pequena sereia estava com tão mau humor e ia tão depressa seguindo seu caminho à procura de Deus, que nem percebeu um belo homem-peixe em seu caminho e acabou por dar uma trombada na criatura. A principio ele ficou sério, sem achar a menor graça no que aconteceu, mas logo depois sua face se transformou num lindo e gentil sorriso, dizendo que ela deveria estar com uma pressa danada para não ter percebido que ia colidir com ele. Com um olhar atrevido e desafiador, ela respondeu franzindo as sobrancelhas, que não estava com tanta pressa como ele estava dizendo, mas se ele pensava assim, por ela tudo bem. Gentilmente o belo homem-peixe disse que ela deveria tomar cuidado, caso contrário, poderia se ferir ou ferir alguém que estivesse em seu caminho. Ao ouvir aquilo, a menina fez uma careta e falou para si mesma que certamente ele não poderia ser o Deus que ela procurava, afinal, quem ele pensava que era para lhe dizer o que fazer e como agir. De cara ainda fechada, a menina fez de conta que ele não estava ali, simplesmente o ignorou e se afastou sem sequer dizer até logo, ou pedir desculpas pelo que aconteceu. Depois de muito nadar o dia todo por todos os recantos do Reino das Águas Calmas, a pequena sereia subiu no penhasco mais alto da região, de onde se podia ver todo o reino. Lá ela se acomodou em uma rocha e ficou olhando para a cidade. Enquanto ela olhava tudo que acontecia lá embaixo, bem perto de onde ela estava, um pequenino peixe colorido se alimentava das algas marinhas que cresciam na rocha. Fazendo careta como sempre e torcendo o nariz, ela disse a si mesma que o peixinho também não poderia ser Deus, afinal ele era tão pequeno e tão insignificante.

O dia se foi e ao cair da noite, quando as luzes do reino começavam a brilhar, ela balançou a cabeça negativamente. Ela tinha procurado Deus o dia todo, em todos os lugares, mas tudo que ela havia conseguido, tinha sido encontrar um golfinho estúpido, um homem-peixe metido e convencido e um peixinho de nada. Yara já estava pronta para abandonar de vez a procura, quando percebeu Jasmim nadando lentamente em sua direção. Quando a velha e sábia sereia se aproximou, perguntou a menina o que estava fazendo naquele lugar tão alto e tão longe de sua casa. Em resposta ela disse à velha que tinha estado o dia todo fazendo o que ela mandou, mas não tinha encontrado o tal Deus de quem ela tinha falado, e quando ia continuar, Jasmim fez um sinal com mão para que ela parasse de falar e ela se calou. Foi então que a velha sereia disse a ela que era inacreditável que não o tivesse encontrado em lugar algum. Que só havia uma resposta para o seu fracasso em se encontrar com Deus. Ela deveria ter estado o tempo todo tão voltada para si mesma, para seus desejos e necessidades, que nem percebeu que Deus estava o tempo todo bem na frente dela. A jovem sereia abriu a boca para dar uma resposta mal criada à velha e sábia anciã, mas logo a fechou. De alguma forma, ela se sentiu de repente uma tola. Com seu ar de sabedoria e uma paz imensa estampada em seu rosto, Jasmim pediu a ela que prestasse muita atenção no que ela iria lhe mostrar. Foi então que ela apontou na direção do reino lá embaixo; na direção das luzes que podiam ser vistas saindo pelas janelas dos edifícios, das casas e das torres. Apontou também na direção de onde ficavam as escolas noturnas da cidade, onde o movimento de alunos entrando e saindo ainda àquela hora, era um vai e vem sem parar.

Sempre sorrindo, ela também apontou para a direção de onde estavam as sereias e homens peixes do reino, que iam de um lado para o outro da cidade submersa, num movimento sem fim. Mostrou também as pessoas que entravam e saiam de seus lares que eram lindas casinhas feitas de coral e por ultimo, a sombra das grandes baleias, enquanto elas passavam nadando muito acima deles, bem próximas dos limites da cidade. Em êxtase, a pequena sereia começou a perceber, lá de cima do penhasco, que cada movimento, de cada ser vivo e da natureza esplendorosa do fundo do mar, pareciam estar em conjunto executando um único movimento que emitia uma estranha luz. Ela pode ver que cada vida, que cada ação ou objeto, parecia que se encaixava perfeitamente com tudo que estava à sua volta, inclusive com ela mesma. Sentada lá, ao lado de sua única e fiel amiga, a velha e sábia anciã, Yara observava atentamente todo o reino que naquele momento, parecia numa visão global, ser feito de cores, movimentos e respiração, como se fosse um único ser vivo, em toda a sua imensidão. Em silencio, ela pensava no porque dela nunca antes ter visto as coisas da forma como ela estava vendo naquele momento, e subitamente, ela se sentiu muito feliz. De repente, coisa que nunca havia acontecido antes, um sorriso largo e iluminado brotou em seu rosto e vendo aquilo, Jasmim perguntou gentilmente a ela:

-Você vê Deus agora?

-“Sim!" Ela respondeu e disse emocionada que não compreendia o porque de nunca ter notado o mundo à sua volta daquela forma. Era tudo tão perfeito, tão lindo, tão espetacular!”

A velha sereia, a mais antiga de todas as anciãs do Reino das Águas Calmas, passou o braço carinhosamente em volta do ombro da menina e acariciando seus longos cabelos negros, ela falou:

-“Yara minha querida criança, quando a gente para de pensar só em nós mesmos e em como gostaríamos que o mundo e as pessoas fossem, começamos a ver o mundo como ele realmente é, e descobrimos que ele é melhor do que qualquer coisa que um dia quisemos que ele fosse, e isto, minha pequenina, porque o mundo não se resume em cada um de nós, em nossas vontades ou em nossas idéias, pois somos apenas parte do maravilhoso fluir de energias que ele é.”

Ao terminar de falar, ela perguntou à menina se ela não estava se sentindo diferente. Se não estava se sentindo melhor do que antes de descobrir onde estava e como era o Deus que tanto procurou naquele dia e não encontrou. A menina não precisou responder. Em seus olhos, a sereia anciã pode ver como ela estava se sentindo. Foi então, que ao olhar para as pedras, Yara viu o pequeno peixe colorido que havia visto algumas horas antes. Ele nadava calmamente sobre as rochas, aproveitando cada movimento feito pelas águas do mar e ele parecia não estar esperando nada melhor do que o momento que estava vivendo. De repente, a pequena sereia percebeu que do fundo de sua alma, ela gostaria de ter sido a sua vida inteira igual àquele minúsculo peixinho, que antes para ela, era tão insignificante. Jasmim não pode deixar de perguntar o que ela estava achando de tudo aquilo que ela descobriu e ainda sorrindo, como nunca o tinha feito antes, ela respondeu:

-É difícil dizer com palavras, mas a vida, o mundo, as luzes, as cores, o barulho alegre dos golfinhos brincando o tempo todo, os sons da natureza e das batidas de nossos corações, é tudo tão lindo, tão perfeito, tão harmonioso, tão maravilhoso!

-Deus é lindo como você disse que era Jasmim e ele realmente se parece comigo, com você, com as pessoas do Reino das Águas Calmas e com tudo que nos rodeia. Agora minha bondosa amiga, graças a você e sua amizade verdadeira, eu sei porque você me disse que ele pode ser encontrado em todo lugar e também aprendi que para encontrá-lo, só depende de nós...

Uma lágrima se formou nos olhos de Jasmim. Ela estava feliz pela descoberta de sua pequena e jovem amiga. Yara ao ver a lágrima escorrendo dos olhos de sua única e fiel amiga misturando-se com a imensidão das águas do mar a abraçou. Depois disto, as duas ficaram sentadas lado a lado e abraçadas por um longo tempo, admirando tudo em silêncio e compartilhando aqueles momentos mágicos e sublimes, do encontro de Yara com Deus.

Autor: José Araújo