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terça-feira, 25 de novembro de 2014

IDENTIDADES ESQUECIDAS


Às vezes, nós paramos para lembrar e refletir sobre pessoas muito queridas, muito amadas, que já não estão mais presentes em nossas vidas e num desses momentos eu estive pensando em minha avó, Vó Maria, como eu a conhecia desde que nasci, Vó Maria, esta era a identidade dela para mim, assim como para todos os meus primos, parentes e conhecidos.
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Ela era um doce de pessoa, sempre muito amável com todo mundo, sempre com um sorriso em seus lábios e um olhar que tinha algo de mágico, algo que encantava a todos que dela se aproximavam.
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Para todo mundo ela sempre foi a Vó Maria, aquela que sempre tinha solução para todos os nossos problemas, que sempre tinha uma palavra de carinho e um gesto de amor para acalmar nossos espíritos jovens e tão excitados com tudo na vida.
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Ela nunca estava de mau humor, nunca pronunciou sequer uma palavra rude em algum momento mais difícil, mais problemático, mesmo que tudo estivesse apontando para um desfecho ruim, ela nunca se abalava o suficiente para deixar transparecer a nós o menor vestígio de qualquer sentimento negativo, pois ela era uma destas pessoas iluminadas, que vem ao mundo para fazer a vida das outras pessoas um pouco melhor.
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Quando ela morreu, aos 89 anos, o velório foi numa igreja em nosso bairro e eu nunca havia visto tanta gente junta, foi um dos momentos mais tristes de minha vida, pois eu estava perdendo para sempre a minha Vó Maria, aquela que eu sempre conheci como minha, que eu achava que era só minha e que todos conheceram como a doce Vó Maria.
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Vó Maria casou-se cedo, num arranjo de família, onde meu bisavô praticamente a trocou por terras no interior de Minas Gerais e isto era o máximo que nós sabíamos sobre sua vida sentimental, mesmo porque, nunca nos interessamos em procurar saber quem ela havia sido quando jovem, como havia sido sua vida, quais eram seus sentimentos na época, de onde havia vindo e porque, nem mesmo se ela um dia teria sido amada ou teria amado alguém, também porque para todos nós, era muito cômodo conhecer somente a Vó Maria, que era nossa, que nos pertencia, que não tinha outra identidade a não ser a de Vó Maria.
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E agora eu me dou conta de que eu, de que nós todos deveríamos ter perguntado a ela tudo sobre sua juventude, seus desejos, seus sonhos, seus amores, seus medos, suas alegrias e tristezas, sobre a menina moça que um dia ela foi, sobre quem havia sido aquela pessoa que um dia teve uma identidade própria, com um nome lindo e romântico que era Ana Maria.
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Nunca sequer nos importamos em saber como ela se sentia em sua idade já avançada, sem ter sequer sua própria identidade, sendo simplesmente a Vó Maria de todo mundo, menos a mulher que um dia ela foi, com sentimentos próprios e que ao longo dos anos, viveu toda uma história de vida.
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A maior dor veio um dia após sua morte, quando nos foi entregue uma caixa com alguns pertences dela, que estavam guardados na casa de uma velha amiga da família e naquela caixa estavam guardadas tantas pequenas coisas que nos mostraram quem havia sido um dia a nossa, somente nossa, Vó Maria.
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Havia toda sorte de coisas dentro da caixa, cartas amareladas pelo tempo, amarradas com linha de crochê, fotos antigas de várias crianças brincando em um quintal e dentre elas podia-se reconhecer a inigualável Vó Maria em seus dias de infância, com aqueles olhos mágicos e aquele sorriso encantador, que nunca mudaram pelo menos na nossa frente até o fim de seus dias.
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As cartas eram de um rapaz que, pelo conteúdo delas, descobrimos que havia se apaixonado pela Ana Maria, a linda filha do dono da fazenda, com quem ele viveu uma linda história de amor, cheia de alegrias, música, sorrisos, até o dia em que ela foi obrigada pelo pai a se casar com meu avô, o que fez com que os dois vivessem para sempre as dores da separação, de um amor proibido, da perda definitiva após o casamento dela.
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Após ler todas aquelas cartas, ver todas aquelas fotos, conhecendo um pouco da verdadeira identidade de minha avó, sabendo o quanto ela sofreu por toda a sua vida, carregando na memória e no coração a imagem e lembranças de seu grande amor, relembrando todos os momentos maravilhosos que vivemos ao lado dela, mais do que nunca, tomei consciência de que todos nós, não só eu, mas minha família e nossos amigos, que todos os seres humanos, não nos damos conta da identidade de nossos idosos, simplesmente por comodidade.
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Porque não achamos e não vemos conveniência em conhecer a verdadeira identidade de nossos velhos, aqueles que sempre dizemos que amamos, que respeitamos, mas que no fundo, apenas nos são convenientes como são, para que não percamos as regalias que recebemos dadas por eles, seus carinhos, seus cuidados, seu amor.
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Esquecemo-nos de que eles são pessoas que também têm sentimentos, têm amor próprio, que já foram jovens um dia, que tinham sonhos, viveram suas histórias de vida pessoal e têm suas necessidades e nos esquecemos principalmente de conhecê-los como eles realmente são, nem sequer nos tocamos que nossos idosos são gente como a gente, que também amaram, que foram amados e com sentimentos e história de vida que precisamos conhecer e respeitar por tudo que representam de bom em nossas vidas.
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São raras as pessoas que podem dizer que um dia procuraram seus queridos idosos para saber sobre suas vidas, sobre quem eles foram quando jovens, como eram, como se sentiam, quais eram seus sonhos, como se sentem agora em relação a nós que geralmente nem percebemos que por detrás de cada um deles, existe uma identidades esquecida.
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Em resumo, nossos “velhos”, como chamamos, têm sua própria identidade, eles são o João, a Maria, eles possuem um nome e uma história de vida a contar e nós temos obrigação de procurar saber quem eles realmente são, devemos isto a eles e a nós mesmos e não é justo para com eles que nós ignoremos que eles têm alma e coração, que já foram jovens, que amaram, que carregam consigo toda uma bagagem de vida.
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Posso hoje, até ir mais longe na questão da identidade esquecida, pois isto ocorre no cotidiano ao redor do mundo, onde pessoas sofrem por não serem vistas e respeitadas como seres humanos, como indivíduos, sofrem porque têm muito a compartilhar sobre si mesmas, mas as pessoas ao seu redor ignoram que elas são seres humanos, com sentimentos próprios, que elas têm sede de amor, carinho, respeito, compreensão e uma necessidade premente de compartilhar tudo aquilo que viveram.
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A história de Vó Maria mostra claramente que em muitas situações de nossas vidas, esquecemo-nos de dar o devido valor aos nossos semelhantes, muitas vezes por comodidade em não se perturbar com a vida deles, outras vezes “esquecemos” que eles são seres humanos como nós, que tem sentimentos, que tem coração e alma.
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Não valorizamos suas histórias de vida, não os valorizamos como indivíduos e nem sequer tentamos conhecê-los por dentro, nem sequer demonstramos interesse em saber sobre suas vidas, sobre seus desejos, anseios e necessidades.
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É muito bom, é muito cômodo ter alguém que nos dá carinho, amor, atenção, que nos ouve e se preocupa com nossas vidas, saciando todas as nossas carências físicas, afetivas, emocionais ou materiais, mas não podemos jamais encarar estes anjos que nos acompanham pela vida, como se fossem de nossa propriedade.
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Não é justo usurpar as identidades daqueles que sempre nos deram tudo que puderam, tudo que estava ao seu alcance e principalmente, amor carinho e proteção, pois na velhice, nada pode ser mais triste do que um ser humano ter sua identidade esquecida e sua história de vida apagada pelo tempo quando nos deixarem ao fazer a sua última viagem.
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Autor: José Araújo
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A postagem inicial em 2010 foi perdida pelo sistema.

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