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segunda-feira, 3 de setembro de 2007

AS MARGARIDAS...



“Elas já abriram?” Perguntava minha tia, cheia de esperanças à minha mãe.
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“Ainda não Biluca.” Respondia ela, com toda a paciência deste mundo, como se ela estivesse falando comigo, quando eu era bem pequeno.
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Pela posição dela na cabeceira da cama de minha Tia, eu podia ver seu sorriso silencioso, enquanto ela continuava a tricotar e eu sabia que ela estava sorrindo por causa da pergunta que Tia Biluca havia feito, pois era uma pergunta muito comum de se ouvir dela naquela época do ano.
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Nas ultimas semanas de sua doença, minha Tia continuava a viver para ver florir as margaridas de seu canteiro no quintal dos fundos da casa dela.
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Às vezes eu ainda penso que a única razão por ela não ter sucumbido mais cedo ao câncer que a levou deste mundo, foi para poder ver pela ultima vez as margaridas que ela tanto adorava abertas em flor.
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Eu não compreendia o porque daquela paixão pelas margaridas de seu quintal, pois havia outras flores que de longe eram muito mais belas que as margaridas.
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Eu sentia uma vontade enorme de saber porque ela era tão apegada a elas, mas a presença dos adultos me inibia, eu tinha receio de me repreenderem por perguntar, mas eu sentia que precisava saber assim que tivesse chance de ficar a sós com ela.
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Eu achava que aquela coisa que ela sentia pelas margaridas, era muito parecido com coisas que criancinhas sentem pelos seus brinquedos, ao mesmo tempo diferente, mas ainda assim algo infantil, era para mim difícil explicar e me fazia refletir a respeito e eu cheguei à conclusão de que todos nós chegamos a este mundo como crianças e partimos dele do mesmo jeito.
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Um dia, numa visita à casa dela, enquanto minha mãe foi até a cozinha buscar chá para Tia Biluca, eu aproveitei para perguntar sobre as margaridas, ela parecia tão fraca que eu me arrependi de perguntar, pois responder poderia ser um esforço grande demais para ela.
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Mas ao ouvir minha pergunta, seu rosto se iluminou e ela respirou fundo e lentamente começou a falar, com um voz quase inaudível, tanto que tive que me aproximar o mais que pude para ouvir.
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Zezinho, meu sobrinho querido, quando eu e seu Tio Oswaldo nos casamos, nesta mesma época do ano, as margaridas estavam em flor e eu as usei em meus cabelos na cerimônia de nosso casamento, seu Tio as adorava e todos os anos a gente as plantava em nosso quintal do fundos e por algum milagre ou misterioso capricho da natureza, elas sempre floresciam na data do aniversário de nosso casamento.
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Depois que seu tio faleceu eu senti terrivelmente sua falta e tudo que me sobrou foram as margaridas que ele tanto amava e quando elas se abriam, eu me sentia mais perto dele novamente e isto me acalmava a dor no coração e preenchia um pouco do vazio na alma que ele me deixou com sua partida.
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As margaridas me salvaram a vida varias vezes nestes anos todos, pois na época de nosso aniversário de casamento eu queria morrer para ir para o céu ficar juntinho dele.
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E então ela terminou de me contar sua historia, lentamente fechou seus olhos e calmamente entrou em sono profundo e eu não me atrevi a falar mais nada, mas dentro de meu coração eu estava extasiado com sua historia de amor pelo meu tio e o papel que as margaridas tiveram na vida dos dois.
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Fomos embora deixando Tia Biluca aos cuidados de suas filhas mais velhas e quando voltamos no dia seguinte, ela já não tinha mais forças para falar, não mais podia receber outras visitas a não ser minha mãe que era sua irmã mais nova e a sua preferida.
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Lembro-me, de que minha mãe precisava de alguém para desabafar e como não tinha esta chance com meu pai, ela desabafou comigo e tenho certeza de que se sua dor não fosse tão grande pelo que acontecia com minha tia, ela jamais teria me exposto a tal sofrimento, contando-me o que realmente ocorria com a saúde de tia Biluca.
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Ela me disse que muitas vezes ela havia desejado que minha tia tivesse se deixado ir para não vê-la sofrer mais com tanta dor, e era tanto sofrimento e que muitas vezes ela queria chorar, mas não o fazia pelo meu bem, para que eu não sofresse por antecipação.
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Enquanto eu esperava minha mãe sair do quarto de tia Biluca, eu podia imagina-la sentada à cabeceira de sua cama, segurando sua mão com carinho, como se a encorajando a não lutar mais e partir e aquilo me dava um aperto no coração.
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Para me distrair, comecei a mexer nos livros da estante e achei um álbum antigo de fotografias, comecei a folhear as páginas e logo percebi que era o álbum de casamento de Tia Biluca com Tio Oswaldo e a data impressa em ouro na capa dele dizia, 26 de março de 1954, a data do meu nascimento.
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Eu estava encantado com as fotos, eu reconheci tia Biluca instantaneamente, linda, jovem, encantadora, com um sorriso que parecia iluminar o sol e em seus cabelos, as margaridas que a faziam parecer um anjo, toda vestida de branco, com as flores na cabeça e então eu pude perceber pela primeira vez na minha vida a verdadeira beleza das pequenas margaridas.
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Depois de algum tempo fomos embora e na manhã seguinte, quando o telefone tocou e minha mãe foi atender, de alguma forma eu sabia, minha tia tinha partido, dia 26 de março, na data de aniversário de seu casamento e quando mamãe confirmou o que eu já sabia, nos arrumamos e fomos para a casa de minha tia, onde todos os seus filhos e amigos já estavam reunidos para se despedirem dela pela ultima vez.
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Quando lá chegamos, minha mãe abriu o portão da frente, entramos e eu corri para o quintal dos fundos e a imagem das margaridas em flor foram embaçadas pelas minhas lágrimas, pois elas haviam florido da noite para o dia e eu fiquei muito triste porque este ano, na data do aniversário de seu casamento, ela não conseguiu ver as margaridas em flor, mas meu coração, com toda a força de seus sentimentos, me disse que a despeito de minha tristeza, eu deveria sorrir, porque este ano, dia 26 de março, data de aniversário de seu casamento, eles estavam celebrando juntos lá no céu, vendo lá de cima, cá embaixo na terra, as margaridas em flor.
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A natureza nos dá sinais claros de que todos nós fazemos parte de um todo, que todas as nossas ações e sentimentos, são percebidas e captadas por ela e que sua reação para conosco, depende de nossas ações e pensamentos em relação a ela, cabe a nós refletirmos e abrir tanto nossos ouvidos para ouvi-la, quanto nossos olhos, para verdadeiramente enxergar seus sinais, que estão o tempo todo à nossa frente, nos dizendo que o amor é a ligação entre tudo e todos, sem exceção.
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Autor: José Araújo

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